• A morte súbita de Eduardo Campos recoloca a ex-ministra no centro da arena eleitoral e muda o rumo da eleição presidencial
Ricardo Mendonça – Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - A queda do avião de Eduardo Campos mal havia sido confirmada quando a Prefeitura de Santos começou a receber políticos e jornalistas angustiados por informações.
Na tarde da quarta-feira trágica, o local funcionou como quartel-general da crise, com gente nervosa andando para lá e para cá, falando sem parar nos celulares, quase todos tentando obter ou confirmar fragmentos de notícias.
Foi para lá que a ex-senadora Marina Silva dirigiu-se para fazer seu pronunciamento público de pesar.
A chegada de Marina, circunspecta e visivelmente abalada, silenciou o ambiente.
"A imagem que quero guardar dele é a da nossa despedida de ontem: cheio de alegria, cheio de sonhos e cheio de compromissos", disse ela.
Ao terminar, Marina levantou e caminhou em silêncio para fora do salão. Quando a porta fechou, o falatório e a movimentação nervosa voltaram a tomar conta do lugar.
A reverência solene dos presentes diante de Marina explica-se por duas razões.
Primeiro, por sua conhecida proximidade com Campos. Uma convivência política que se intensificou há dez meses quando, esgotada a chance de oficialização do partido Rede, ela surpreendeu até os mais próximos ao anunciar sua filiação ao PSB.
Segundo, pelo ensejo político que a tragédia produziu. A morte súbita de Campos colocou nas mãos de Marina a possibilidade de determinar o rumo da atual eleição.
Embora não tenha relação fluida com caciques do PSB, o entendimento político que se firmou é o de que Marina só não será candidata no lugar de Campos se não quiser.
Mas depois de passar meses tentando criar um partido para tal e ter feito a arrojada operação que a colocou como vice de Campos, como iria explicar agora que não quer?
Agraciada com 19,6 milhões de votos em 2010, Marina sempre obteve melhor desempenho que Campos nas pesquisas. Num período, isso chegou a ser visto como ameaça ao presidenciável do PSB.
Nos levantamentos do Datafolha que a incluíam no rol de possíveis candidatos, Marina Silva aparecia invariavelmente em segundo lugar.
Em abril, alcançava 27%, 11 pontos a frente do senador Aécio Neves (PSDB) e 12 pontos abaixo da presidente Dilma, que concorre à reeleição.
Na época, a hipótese de viabilização da Rede Sustentabilidade ainda não havia sido descartada. Marina era identificada como a única figura do sistema político preservada (ou até beneficiada) dos enormes protestos que tomaram conta do país em junho do ano passado.
Repetição
Com a volta de Marina para o centro da arena, a disputa de 2014 tende a ficar mais parecida com a de 2010, com o possível retorno de temas que pautaram aquela eleição. O aborto é um deles.
No início da campanha de 2010, a evangélica Marina era a única constantemente cobrada sobre isso. Ainda que sempre tenha cultivado a imagem de progressista, ela é contrária à ampliação das situações em que a interrupção da gravidez é permitida.
O surpreendente crescimento de sua candidatura no final, combinado com uma entrevista em que Dilma não deixava explícita sua posição, contribuiu para que o tema aborto fosse alçado como principal assunto eleitoral.
Outro tópico com potencial de ganhar impulso é meio ambiente, área em que também é reconhecida pelas fortes convicções. Apesar de o governo Dilma ser severamente criticado nesse setor, é um tema que seus rivais não vinham demonstrando muito apetite para explorar.
Na economia, a aproximação de Marina com economistas de pensamento liberal, como André Lara Resende e Eduardo Giannetti, afastou dúvidas sobre como seria um governo seu nessa área.
Seringueira alfabetizada só aos 15 anos, discípula do ambientalista Chico Mendes, assassinado no Estado do Acre em 1988, senadora negra, primeira ministra nomeada pelo ex-presidente Lula em 2003, Marina sempre foi vista como uma predestinada.
A atual circunstância, fruto de nova tragédia, deve reforçar essa imagem. Se a Rede tivesse sido viabilizada, ela provavelmente seria agora a candidata de uma sigla nanica com tempo irrisório de propaganda na TV.
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