sexta-feira, 12 de agosto de 2016

A política sai das ruas e volta para a bolha? - César Felício

• Para Temer, impopularidade não preocupa

- Valor Econômico

Uma semana em que o governo faz avançar o impeachment, a emenda constitucional para o teto de gastos e o acordo para a renegociação da dívida de estados e municípios não é uma jornada qualquer.

O presidente interino Michel Temer mostrou que, conforme o perfil do ocupante do Palácio do Planalto, ainda há horizonte para o presidencialismo de coalizão, mesmo com o facão da Operação Lava-Jato voando baixo e com os 27 partidos da Câmara.

Nos últimos 31 anos, a história mostrou que Sarney, Itamar Franco, Fernando Henrique e Lula conseguiram contornar crises agudas no âmbito político e econômico blindando-se no Congresso contra permanentes manobras de destruição. Collor e Dilma não tiveram a mesma sorte e trânsito no Legislativo é uma variável que separa estes dois grupos de presidentes.


Temer, a poucas semanas de ser efetivado no cargo, é o único presidente da história brasileira que chegou a comandar a Câmara dos Deputados, descontando-se os interinatos, o que por si só fala de sua habilidade em montar maiorias. O fato de ser simultaneamente um dos presidentes mais impopulares de todos os tempos, contudo, também é eloquente para mostrar os limites do modelo político do país.

"Um modelo que depende tanto dos atributos do presidente para funcionar é ruim do ponto de vista de governabilidade e contribui para o descrédito da política como um todo", comenta o cientista político Nuno Coimbra Mesquita, um pesquisador do Núcleo de Políticas Públicas da USP.

Coimbra explica-se: o sistema insólito de presidencialismo parlamentarista que existe no Brasil fomenta a instabilidade partidária, matriz da migração entre siglas na década passada e da fragmentação de agora, elevando o preço da negociação no Congresso.

O pêndulo da legitimidade popular se concentra na Presidência, alcançada em caríssimas campanhas eleitorais, em que a mistificação joga um papel importante. O presidente eleito, nunca, jamais, terá uma maioria congressual que traduza o resultado das urnas. Sempre terá que construi-la.

Incapaz de fazê-lo, Dilma caiu, dando lugar a um substituto que dialoga com partidos, mercado e empresas, mas que tropeça incessantemente nas tentativas de passar alguma mensagem positiva para quem está fora desta bolha.

A "pacificação nacional" está ocorrendo, como mostra a perda de ímpeto das manifestações de rua, mas não pela ação de Temer. O presidente ainda interino em momento algum conseguiu demonstrar ao povo, "que precisa apoiar e aplaudir", conforme disse ao chegar ao poder, uma agenda que mostre que o ajuste fiscal poderá render dividendos futuros para quem dependa do governo no sentido alimentício da palavra.

Uma medida pode ser vista no levantamento "Pulso Brasil", feito pela empresa de consultoria .MAP, que constrói um índice de percepção mesclando o monitoramento de redes sociais com o da mídia. Desde março e de modo sistemático a percepção positiva de Dilma tem sido superior a de Temer. O presidente interino é congressual e está isolado do sentimento das ruas, por ora recolhidas, como ficou nítido nas últimas semanas.

Em entrevista ao Valor publicada nesta edição, Temer se mostra despreocupado em relação a isso. A impopularidade é um assunto que parece inexistir em suas preocupações. Temer descarta de maneira taxativa participar das eleições de 2018; afirma que procurará cumprir uma agenda de reequilíbrio econômico, sem deixar de administrar as expectativas do mercado financeiro.

O presidente interino alerta que é preciso negociar com o Congresso, mas chega a dizer que poderá até enviar a reforma da previdência antes das eleições deste ano, porque não está interessado em cometer "estelionato eleitoral". Não reconhece nenhum equívoco em seus 90 dias de administração interina. Pelo contrário: afirma que só viu sucessos.

As concessões feitas por Temer, que tanta contrariedade estão levando ao mercado, fazem parte da lógica do presidencialismo de coalizão, mas representam vitórias de corporações, não um aceno a uma política popular que possa fazer a aceitação do presidente interino pular de um patamar abaixo de 15% para a faixa de 40%, sarrafo colocado por Rodrigo Maia como uma das condicionantes para Temer ser um candidato natural à reeleição.

Temer está de olho nos temas que são termômetro para a sua base eleitoral, que está distante dos 43 milhões de eleitores que referendaram a chapa encabeçada por Dilma no primeiro turno de 2014. Concentra-se apenas nos cerca de 60 senadores e 400 deputados que lhe dão lastro. Para o presidente interino, o fato de estar no cargo por um imperativo constitucional lhe basta como fonte de legitimidade. Trata-se, é preciso frisar, de um presidente que se comporta como um chefe de gabinete parlamentarista. Nega, com ênfase, qualquer ambição em traduzir anseios populares na disputa de 2018.

Isso faz com que sejam diferentes, na sua essência, os percalços que Levy enfrentou ao partir para o embate em defesa de seu ajuste, no ano de 2015, em relação aos que Meirelles enfrenta agora. No ano passado havia uma contradição entre uma presidente que muito prometeu ao se reeleger em 2014 e a necessidade de se promover cortes.

Temer não irá pautar sua relação com o Congresso pela lógica do tudo ou nada, mas claramente busca atender a investidores que veem um Brasil potencialmente lucrativo para si. Tudo dando certo, paga o preço da impopularidade para eleger um aliado, como o argentino Eduardo Duhalde fez em 2003: desvalorizou a moeda, um anátema no país, e abriu caminho para Néstor Kirchner governar quatro anos sem sobressaltos. No pior cenário, caminha-se para o quadro de José Sarney em 1989. Blindado no Congresso, naufragou na economia e deixou de influir nas urnas.

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