O Senado acompanhou a Câmara dos Deputados e aprovou ontem duas medidas provisórias que amputam em quase meio milhão de hectares a área de conservação ambiental da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, ou 37% de sua área. Antes de o governo Temer entrar em extrema-unção, com a divulgação da delação de Joesley Batista, dono da J&F, já passara pelos deputados as MPs 756 e 758, que também diminuiu em 101 mil hectares o Parque Nacional Jamanxim e em 10,4 mil hectares, ou 20%, o Parque Nacional de São Joaquim (SC). O Congresso aprovou projetos legalizando grilagem de terras e ampliando o desmatamento da Amazônia, que voltou a crescer na mesma progressão dos escândalos políticos (com Dilma Rousseff e Michel Temer) e das safras recordes.
Os congressistas apenas ratificaram a obra de devastação em curso - a floresta do Jamanxim já exibia o título de área de conservação mais desmatada da região, depois de perder 12% de sua cobertura vegetal. A falência da fiscalização permitiu o avanço da grilagem e da destruição ambiental, depois regularizada pelo Legislativo, que consolidou uma situação de fato. A floresta, pela MP, foi rebaixada na hierarquia da preservação, a Área de Proteção Ambiental, na qual são permitidas a mineração e a pecuária.
O sinal que os interessados na especulação com terras teriam permissão para perseguir seus objetivos veio em dezembro, quando o presidente enviou as MPs ao Congresso, com o intuito, entre outros, de ampliar o espaço ao lado da Ferrovia do Grão. O escoamento de safras pelo norte do país se justifica, mas é possível fazê-lo com mínimos danos às florestas, desde que haja empenho nisso. Até mesmo alguns empresários interessados na ferrovia, no entanto, estranharam com o tamanho das áreas afinal contempladas pelas MPs, nas quais é fácil detectar o dedo de interesses particulares.
O desmatamento da Amazônia voltou a crescer recentemente - 60% de aumento nos últimos dois anos, já incluindo, portanto, o desprezo ativo da gestão de Temer pelo assunto. Para aprovar reformas necessárias, como a da Previdência, o governo aceitou demandas descabidas da bancada ruralista e de seu entorno. Essas demandas não se esgotam na defesa dos interesses da grilagem no Pará. Um de seus objetivos, já encaminhados ao Congresso, é conseguir domar o licenciamento ambiental.
A incrível ausência de uma lei de licenciamento é menos surpreendente se for considerada a influência dos proprietários de terra na política local e nacional. O vácuo legal está sendo preenchido a seu favor aos poucos. Um dos projetos para mudar o licenciamento aceita ritos sumários para a aprovação de exploração da agricultura extensiva, dragagem de portos, obras de saneamento, pavimentação de estradas na Amazônia, além de retirar boa parte da atribuição do Ibama e delegá-la a Estados e municípios, onde a força dos lobbies rurais é mais intensa e menos visível.
Há outros males por vir. Ao autorizar a exploração de recursos minerais na floresta do Jamanxim, abre-se precedente para permissão dessas atividades nas demais florestas nacionais. Segundo a organização WWF-Brasil, estão no Legislativo projetos que põem em risco 80 mil km2 de áreas de conservação. Sob os auspícios da bancada ruralista, mas não só dela, há uma grande ofensiva contra as precárias normas ambientais e sistemas de controle quando, pelos compromissos assumidos pelo Brasil em Paris, o contrário deveria estar ocorrendo. "O Brasil foi o único país no mundo a acelerar as emissões em 2015 e 2016", diz Carlos Rittl, do Observatório do Clima.
As chances de deter o retrocesso na área agrícola - contraponto nefasto à aura de modernidade competitiva no mercado externo - são pequenas. O presidente Temer deveria vetar esses ataques, mas destruiria o cerne das MPs, que surgiram do próprio governo. O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, favorável às mudanças, teve bens penhorados, junto com sócios, por desmatamento irregular no Parque Estadual Serra Ricardo Franco, no Mato Grosso. A Assembleia Legislativa estadual aprovou em abril, em primeira votação, projeto que extingue o parque. Além disso, a PGR abriu inquérito contra Padilha por construir canal de drenagem em área de preservação ambiental, em Palmares do Sul (RS). A agenda ambiental, a partir da Casa Civil, por onde tudo passa, retrocede. Para impedir o avanço do atraso agora, só a pressão da sociedade é poderosa.
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