- O Estado de S.Paulo
Alguns dos pré-candidatos à Presidência da República encasquetaram que 10% das reservas internacionais do Brasil, equivalentes hoje a US$ 380 bilhões, devem ser usadas para financiar obras de infraestrutura.
Uma das justificativas apresentadas por economistas encarregados do programa do PT é a de que essas reservas são mais do que suficientes para defender a moeda brasileira contra um ataque especulativo no mercado de câmbio, pois correspondem a 2,5 vezes as importações nacionais em um ano. Por isso, não seria errado aproveitar recursos ociosos para alavancar o emprego.
No entanto, além de exigir uma espécie de pedalada para disfarçar uma proibição constitucional, se executada, essa ideia teria curtíssimo alcance.
É preciso ver que tais recursos são do Banco Central, são parte do arsenal destinado a defender a moeda nacional. Usá-los para financiar obras de infraestrutura implica operar o Banco Central como banco de fomento ou para fins fiscais, o que é expressamente proibido pela Constituição (art. 164, § 1.º).
No seu tempo, a presidente Dilma chegou a sugerir que devessem ser usadas para abater dívida externa e o candidato do PDT, Ciro Gomes, já afirmou que pretende aproveitá-las para capitalizar o BNDES e, por essa via, canalizá-las para empréstimos a empresas.
É possível que tenham sugerido a criação de mecanismos para driblar ou encobrir essas destinações fiscais. Seria outro tipo de enganação, que já deu no que deu.
Ainda que o Banco Central pudesse ser usado para dar cobertura a despesas ou investimentos internos, seria necessário vender esses dólares e transformá-los em reais. Não se pode enfrentar despesas internas com moeda estrangeira. Além de alguma inflação, a venda dos dólares provocaria certa valorização da moeda nacional pelo efeito do aumento da oferta de moeda estrangeira no mercado.
Alguém poderia contra-argumentar que esses dólares não precisariam ser transformados em reais. O Banco Central poderia pagar fornecedores no exterior. Por exemplo, esses recursos poderiam ser usados pela Petrobrás para cobertura de importação de plataformas ou de equipamentos destinados a explorar petróleo. Ou poderiam pagar empreiteiras lá fora por obras executadas aqui. Mas, ainda assim, seria preciso ver como garantir o repasse para esses fins.
Finalmente, há a questão do volume. Esses 10% das reservas correspondem a US$ 38 bilhões. Trata-se de uma fração dos recursos necessários para operação consistente de desenvolvimento. É mais ou menos metade dos Investimentos Diretos no País que desembarcam todos os anos por aqui (veja o Confira). Somente em leilões de determinadas áreas do pré-sal, a Agência Nacional do Petróleo imagina arrecadar o equivalente a esses US$ 38 bilhões.
Talvez porque tenha se dado conta de que não vale a pena fazer essa operação complexa e ilegal com pouca grana, Ciro Gomes já disse que não serão apenas 10%, mas algo como 53% ou US$ 200 bilhões. Assim, o pequeno delito se transformaria em grande delito.
Enfim, usar as reservas para obras de infraestrutura é solução aparentemente simples a problemas complexos e, no entanto, não passa de solução errada.
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