- O Estado de S.Paulo
Clã renova o filhotismo político brasileiro tendo as redes sociais como curral
Na última quinta-feira, conversava com um aliado de Jair Bolsonaro a respeito da forte presença de militares em postos-chave do governo. Ele fez uma observação: “Não me preocupa. Os militares são os adultos na sala deste governo. E terão um papel importante: o de conter a influência dos filhos”. Na saída do encontro, me deparei com o desdobramento do caso Fabrício Queiroz, com a reclamação de Flávio Bolsonaro ao STF para paralisar o inquérito contra o ex-assessor e anular suas provas.
O filhotismo é um dos fenômenos originais da política brasileira. Tão antigo quanto os outros “ismos” que nos (de)formaram: clientelismo, patrimonialismo, coronelismo, populismo, e por aí vai.
O clã Bolsonaro, bem como outros da política atual, renovou o fenômeno. Deu-lhe características de franquia: os produtos são de rápida absorção no mercado, vêm com aquela marca distintiva fácil de “colar” junto ao consumidor, têm uma estratégia de marketing tão simples quanto agressiva e usam as redes sociais como veículo – a versão pós-moderna do curral eleitoral do coronelismo clássico.
A franquia Jair & Filhos foi tão bem-sucedida que mesmo os furos gritantes de narrativa não foram suficientes para conter seu avanço. Como falar em renovação política tendo uma família em que nada menos que quatro integrantes da árvore genealógica direta (sem contar as ex-mulheres) tiram seu sustento da política? Claro, os Bolsofilhos foram eleitos legitimamente. Mas a pergunta é: teriam sido por suas próprias qualidades, trajetórias e ideias, dissociados da “matriz” Jair? Provavelmente não.
Mas o filhotismo não se encerra na perpetuação dos clãs por meio da entrada de sucessores na vida pública. Quando ele chega ao Executivo, há os desdobramentos disso: os herdeiros passam a orbitar em torno do poder. Aconteceu com os filhos de Lula, que preferiram agir nos bastidores, sem ocupar funções eletivas, mas se valeram do apelido do pai, convertido em sobrenome, para fazer negócios para si.
No caso dos Bolsonaro, por ora a influência se dá mais no campo da própria política. Eduardo e Carlos, os irmãos que se dão melhor entre si e com o pai, hoje exercem forte influência nas áreas de comunicação, educação e política externa do governo.
Flávio, o “patinho feio” da família, aquele a quem as abundantes postagens dos manos sobre tudo nas redes sociais ignoram, se preparava para, a partir do Senado, também ser um foco de influência junto ao pai. Dias antes de Fabrício Queiroz emergir dos bastidores da política miúda de gabinete para as manchetes, seu ex-chefe dera uma entrevista à GloboNews em que pontificava sobre a eleição para a presidência da Casa para a qual foi eleito e defendia a eleição de um nome alternativo ao de Renan Calheiros para que o governo tivesse tranquilidade para votar sua pauta. Ironicamente, o primeiro do trio a se desgastar politicamente é aquele com discurso político menos belicoso, mais conciliador e pragmático – sem arroubos tirados de manuais dos cursos online de ideologia para iniciantes.
O fato é que a desenvoltura com que os filhos transitam no governo, de um lado, e o novelo do caso Queiroz em que o menos desenvolto deles se enreda dia a dia, de outro, respondem hoje pela quase totalidade de pequenas crises que travam o início do mandato do “01”.
Das confusões no Itamaraty aos recuos no MEC; da cantilena da “comunicação direta com o povo” aos entreveres diários e infantis com adversários políticos e a imprensa; e, finalmente, o primeiro confronto autoimposto com o Supremo: todos os primeiros ruídos do governo têm o mesmo sobrenome. Os militares, como os adultos na sala, já começam a se preocupar com as diabruras das crianças.
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