Em vez do debate de propostas e projetos, as eleições se tornam palco para cada candidato se opor a outros grupos ideológicos
Faltam pouco mais de três meses para o primeiro turno das eleições municipais – que, em razão da pandemia, será no dia 15 de novembro – e delineia-se o agravamento de um cenário especialmente ruim para o eleitor e para o País: a escolha de prefeitos e vereadores centrada em critérios negativos. Em vez de ser uma oportunidade para debater propostas e projetos para cada município, as eleições se tornam um palco no qual a tarefa primordial de cada candidato é se opor a outros grupos ideológicos. Tal quadro é especialmente grave porque suas consequências não se limitam às eleições de 2020. O resultado das urnas deste ano moldará de forma especialmente acentuada a disputa de 2022.
Na cidade de São Paulo, por exemplo, há neste momento 11 pré-candidatos declarados ao cargo de prefeito. Em tese, o número parece sintoma do que poderia ser um debate democrático pujante, com pluralidade de propostas para o mais populoso município do País. No entanto, a realidade é muito diferente. O cientista político Carlos Melo, professor do Insper, avalia, por exemplo, que a campanha em São Paulo neste ano deverá ser marcada pela “antipolaridade”: de um lado, o antipetismo e, de outro, o antibolsonarismo.
Esse cenário representa uma completa inversão da política. Em vez de as eleições serem uma oportunidade de o eleitor escolher o candidato que reúne as melhores propostas para o transporte público, a limpeza urbana, o saneamento básico, a política de urbanismo, os programas de educação infantil e de ensino fundamental e tantos outros temas da competência municipal, o pleito se torna um jogo no qual vence o “menos pior”. O voto deixa de ser a escolha de uma causa ou de um projeto, para se tornar um processo essencialmente negativo, um exercício de rejeição.
Em uma campanha eleitoral moldada pela lógica de negação, não se discute o futuro. Contrariando o propósito da democracia, o que será feito e decidido ao longo dos próximos quatro anos pelos Poderes Executivo e Legislativo não se torna objeto de deliberação do eleitor, que a rigor não escolhe nem mesmo o vencedor do pleito. Ele apenas rejeita de forma mais contundente, por eliminação, os outros candidatos.
Não se debate o futuro e, o que é mais grave, não se aprende com o passado. Talvez se pudesse pensar que esse exercício de rejeição traz consigo, ao menos, uma reflexão a respeito dos mandatos anteriores, o que possibilitaria uma melhora da política, mesmo que de forma indireta. Não é, no entanto, o que se vê. A escolha com base na mera rejeição tem agravado o cenário político, com uma dramática repetição dos piores erros cometidos anteriormente. Com abundância de indícios, a experiência brasileira revela que o voto destinado ao “menos pior” não promove nenhum aperfeiçoamento da política.
É preciso mudar a lógica do voto, para que as eleições possam ser a ocasião em que o eleitor escolhe de fato a proposta política com a qual mais se identifica – motivando-o depois a exigir, ao longo de todo o mandato, o cumprimento dessas promessas. Nesse sentido, é urgente a participação no pleito de candidatos criativos e entusiasmantes, que não apenas preencham as condições mínimas de competência e honestidade, mas apresentem projetos de governo e propostas concretas, envolvendo o curto, o médio e o longo prazos.
Cabe aos partidos – e isso envolve as lideranças partidárias e também os filiados das legendas – a responsabilidade de apresentar, nas eleições deste ano, bons candidatos. A ampla oferta de nomes competentes e honestos permitirá que o eleitor dê seu voto de forma afirmativa, manifestando de fato o que deseja para sua cidade nos próximos quatro anos.
Além disso, o pleito municipal tem reflexos diretos sobre a política nacional. As novas lideranças políticas nascem no âmbito local. Se, no início desse processo, os candidatos já estão aquém dos parâmetros mínimos de honestidade e competência, será um sonho pensar que haverá nas eleições de 2022 lideranças à altura do País.
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