quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Malu Gaspar - A aposta de Moro é embaralhar o jogo

O Globo

Até parece que o pessoal combinou. Na mesma semana em que Jair Bolsonaro anunciou sua filiação ao PL e Lula passou a cortejar o (ainda) tucano Geraldo Alckmin para ser seu vice em 2022, o ex-juiz Sérgio Moro se filiou ao Podemos e se apresentou para jogo.

Sem dizer que é candidato a presidente, mas dizendo, Moro fez um discurso concentrado no combate à corrupção, mostrando que vai apostar no tema para atacar tanto Lula quanto Bolsonaro. "Chega de corrupção, mensalão, petrolão, rachadinha e orçamento secreto", encaixou o ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro de Bolsonaro em um discurso repleto de citações indiretas ao presidente e ao petista.

A reação nos bastidores à esquerda e à direita foi de comemoração discreta. Lulistas e bolsonaristas estão certos de que os eleitores fiéis de seus candidatos não os trocariam pelo ex-juiz em circunstâncias normais de temperatura e pressão. Moro, dizem, não tem força para ganhar nem de Lula e nem de Bolsonaro. Mas os 8% a 10% das preferências de voto que ele tem hoje são capazes de travar o crescimento de qualquer outro candidato de terceira via realmente competitivo.

Nos levantamentos divulgados nos últimos meses, Moro já aparece empatado ou na frente de Ciro Gomes, por exemplo, deixando para trás João Doria, Eduardo Leite ou Luiz Henrique Mandetta. Com esses índices de intenção de voto, o ex-juiz não poderia se dar ao luxo de abrir mão da candidatura, embora seja muito difícil vencer os índices de rejeição entre 50% e 60%, a depender da sondagem.

A julgar pelas constatações das centenas de pesquisas qualitativas que os partidos estão fazendo, a tese faz sentido. É unânime entre os pesquiseiros, marqueteiros e políticos envolvidos na formação das chapas que a escolha do eleitor em 2022 se guiará pela economia. Corrupção foi prioridade em 2018. Hoje, não mais. Além disso, vários desses profissionais dizem que o candidato ideal para 2022 tem que ter experiência administrativa.

"As pessoas não vão se aventurar de novo. Nas duas últimas vezes em que escolheram um outsider, Dilma ou Bolsonaro, o resultado foi trágico. Agora o eleitor que procura uma alternativa a Bolsonaro vai querer alguém que se mostre capaz de diminuir a gritaria na política e produzir resultados concretos, gerando emprego e crescimento econômico", diz um marqueteiro que dorme e acorda pensando na eleição presidencial.

Moro não ignora esses fatores, tanto que esboçou em seu discurso ideias sobre economia e gestão semelhantes às de qualquer outro candidato da terceira via, com exceção de Ciro Gomes. Da racionalidade dos gastos do estado à eficiência das privatizações e até a defesa da escola integral e da meritocracia, tudo poderia estar num programa de governo de Doria, Leite ou Mandetta.

Está claro, porém, que a aposta de Moro não é meramente eleitoral, e serve ao objetivo de tentar resgatar sua biografia. O ex-juiz está entrando num jogo em que tem pouco a perder, considerando que suas decisões sobre Lula foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal.

"Não podia ficar quieto", justificou ele sobre a entrada na política, no ato de filiação. Seu roteiro para os próximos meses, portanto, é evidente: atrair Lula e Bolsonaro para a discussão sobre corrupção, enquanto defende a si mesmo e à Lava Jato e trabalha para tentar fazer decolar uma candidatura presidencial.

Se o plano vingar, Moro vai poder passar a campanha e os debates falando em mensalão, petrolão, rachadinha e orçamento secreto – o que não interessa nem a Lula e nem a Bolsonaro. Mas, se chegar a meados do ano que vem em circunstâncias desfavoráveis, ele sempre poderá se candidatar ao Senado ou se tornar vice na chapa de alguém. O movimento está previsto nos cálculos do ex-juiz e de seus interlocutores mais próximos na terceira via – tanto que dois deles, Luiz Henrique Mandetta e Alessandro Vieira, estavam no evento de filiação.

O que não se pode prever ao certo é o curso de uma campanha em que Lula ainda não disse a que veio e nem foi exposto ao combate aberto com os outros candidatos, e Bolsonaro ainda luta para colocar de pé um programa que lhe sirva de bandeira para a reeleição.

Ambos são francos favoritos a chegar ao segundo turno, mas estamos num país com um histórico de eleições feito de surpresas e reviravoltas. Mesmo sabendo que é difícil uma dessas reviravoltas acontecer em seu favor, Moro parece satisfeito em ajudar a embaralhar o jogo.

 

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