Planalto acelera liberação de recursos da
emenda de relator na semana em que o texto chegou ao plenário da Câmara;
proposta é aprovada em 1º turno com margem estreita
Breno Pires, André Shalders / O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - Às vésperas da votação da PEC
dos precatórios na Câmara, o governo empenhou R$ 1,2 bilhão em emendas de
relator-geral. Com voto de deputados de oposição, o texto foi aprovado em 1.º
turno na madrugada de ontem. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
aposta na aprovação em 2.º turno, na terça-feira.
Em busca de apoio para a Proposta de Emenda
à Constituição (PEC) dos precatórios, o presidente Jair Bolsonaro decidiu abrir
o cofre e acelerou a liberação de dinheiro a deputados na véspera da votação,
na madrugada de ontem. Desde a semana passada, quando o texto chegou ao
plenário da Câmara, o governo empenhou R$ 1,2 bilhão das chamadas emendas de
relator-geral – o mecanismo do orçamento secreto. Segundo relatos feitos ao
Estadão, o valor oferecido por interlocutores do Palácio do Planalto pelo voto
de cada parlamentar foi de até R$ 15 milhões. Quem coordenou as negociações
para a aprovação da proposta foi o próprio presidente da Casa, Arthur Lira
(Progressistas-AL).
A PEC foi aprovada em primeiro turno na
madrugada de ontem com uma margem estreita – 312 a 144, apenas quatro votos
acima dos 308 necessários. Partidos que se colocam como oposição e que
pretendem lançar candidatos na eleição presidencial de 2022, como o PSDB, o
PDT, o MDB e o Podemos, ajudaram a garantir a aprovação. Parlamentares dessas
siglas, que já haviam sido contemplados com recursos do orçamento secreto,
deram 52 votos a favor da medida e contribuíram para a vitória do governo (mais
informações na pág. A12).
“Colegas nossos de bancada comentaram que
era esse valor, de R$ 15 milhões (para quem votasse a favor da PEC)”, afirmou
ao Estadão o deputado Celso Maldaner (MDBSC), que votou contra e disse não ter
recebido nada. Questionado sobre como soube da oferta, o deputado disse ter
ouvido o “comentário de um colega de partido, vice-líder de governo, que falou
que os vice-líderes estiveram reunidos e falaram nesses números”.
Hildo Rocha (MDB-MA) também relatou conversas sobre a troca de votos por emendas. “Quando os deputados do PDT começaram a votar com o governo nos requerimentos do ‘kit obstrução’, muita gente no plenário avaliou que o governo tinha conseguido conquistar o PDT à base de R$ 200 milhões em emendas de relator”, disse Rocha.
O único integrante do MDB entre os vice-líderes do governo é o deputado Lúcio Mosquini (MDB-RO). Procurado, ele negou ter tratado sobre liberação de emendas em troca de votos. “Zero vezes zero. Eu garanto para você que você não acha um ofício meu (indicando recursos)”, disse o parlamentar, um dos dez do seu partido a apoiar a PEC.
A proposta é tratada como prioridade pelo
Palácio do Planalto por abrir espaço no Orçamento para o novo programa social
do governo, o Auxílio Brasil, com pagamento médio de R$ 400. A crítica de
opositores à medida, porém, é a forma encontrada para viabilizar o benefício.
‘CALOTE’. O texto foi batizado de “PEC do
calote” por postergar o pagamento de dívidas da União reconhecidas
judicialmente, além de prever um “drible” no teto de gastos, regra que limita o
aumento de despesas do governo à inflação. Com isso, o “valor extra” obtido
será de R$ 91,6 bilhões, o que daria tanto para encaixar o novo Bolsa Família
quanto para ampliar as emendas parlamentares e o fundo eleitoral no ano que
vem, como pretendem os parlamentares.
O receio de Bolsonaro de não conseguir
colocar de pé o Auxílio Brasil, sua aposta eleitoral para conseguir a
reeleição, levou o governo a bater recorde de emendas liberadas em outubro. O
valor empenhado foi de R$ 2,95 bilhões. A maior parte, de R$ 909 milhões, em
apenas dois dias: quinta-feira (28 de outubro) e sexta (29), logo depois da
primeira tentativa frustrada de votar a PEC, na noite do dia 27.
No jargão orçamentário, o “empenho”
significa que o dinheiro está reservado para uma determinada finalidade.
Tradicionalmente, os ministérios represam as emendas parlamentares e deixam
para fazer os empenhos às vésperas de votações importantes no Congresso.
As emendas de relator-geral, identificadas
pelo código RP-9, estão na base do esquema do “orçamento secreto”, revelado
pelo Estadão. Equivalem a bilhões de reais distribuídos sem que se conheça o
autor da solicitação e os critérios para aplicação dos recursos. O mecanismo
tem sido usado por Bolsonaro para aumentar sua base no Congresso. Além destas,
o governo também aumentou nos últimos dias o ritmo do pagamento de outras
emendas, como as individuais e de bancadas.
‘DINHEIRO’. A deputada Joice Hasselmann
(PSDB-SP), que foi líder do governo no primeiro ano de mandato de Bolsonaro,
afirmou que, sem as emendas de relator, a PEC jamais passaria. “Ontem vimos a
intensificação dos interlocutores do Palácio, dos representantes do governo,
derramando dinheiro em cima de deputado, oferecendo espaços cada vez maiores
para tentar aprovar de qualquer jeito a PEC dos precatórios”, disse ela.
A deputada afirmou que também houve pressão
para aprovação da PEC que altera a composição do Conselho Nacional do
Ministério Público (CNMP), a qual ela chama de “PEC da Vingança”.
Segundo Lira, no entanto, o que permitiu a
aprovação da PEC foi a “diplomacia”. “O resultado foi conseguido na diplomacia
das negociações claras, e com o objetivo de destravar uma coisa que é
urgentíssima, que é o auxílio emergencial.”
Procurado, o Palácio do Planalto não se
manifestou.
“Colegas nossos de bancada comentaram que
era esse valor, de R$ 15 milhões (para quem votasse a favor da PEC).”
Celso Maldaner (MDB-SC)
Deputado
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