Folha de S. Paulo
Audiência pública organizada às pressas
serviu para mascarar sabotagem do presidente
O Ministério da Saúde mobilizou a máquina
do governo para satisfazer os caprichos de Jair Bolsonaro. Na reta final de
2021, a
pasta abriu uma consulta pública com perguntas feitas sob medida para
confundir os pais e dificultar a vacinação de crianças contra a Covid. Nesta
terça-feira (4), organizou uma audiência pública para espalhar desinformação
sobre os imunizantes.
A operação foi montada a jato. Em 16 de dezembro, o corpo técnico da Anvisa autorizou o uso da vacina da Pfizer em crianças de 5 a 11 anos. Naquela mesma noite, Bolsonaro atacou publicamente a decisão da agência: levantou riscos do imunizante e disse que divulgaria os nomes dos responsáveis pela análise. Dois dias depois, o Ministério da Saúde anunciou a tal consulta pública.
Um formulário foi divulgado na antevéspera
do Natal. As perguntas eram direcionadas para atender aos critérios que
Bolsonaro tentava inventar, como a apresentação de receita médica e de um termo
de compromisso assinado pelos pais.
O objetivo da consulta não era obter uma
análise sobre a segurança e a eficácia das vacinas. Essa avaliação já havia
sido feita pela Anvisa e por uma câmara técnica do próprio Ministério da Saúde.
A ideia, ao contrário, era criar dúvidas e adiar o início da aplicação das
doses.
A enquete não saciou o desejo do
presidente. O ministério realizou uma audiência pública em que deu espaço para
conhecidos porta-vozes do movimento antivacina. Um deles citou os raríssimos
casos de miocardite em
crianças vacinadas. Ele não quis dizer que a incidência dessa inflamação é
maior em crianças que desenvolvem Covid. A Anvisa se recusou a participar do
evento.
Foi um espetáculo de manipulação política, com transmissão ao vivo pela TV oficial do governo. Em vez de realizar uma análise sóbria dos imunizantes e organizar o início da aplicação das doses, o Ministério da Saúde preferiu fertilizar teorias da conspiração. Tudo para dar uma aparência técnica à sabotagem diária liderada pelo presidente.
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