sexta-feira, 29 de abril de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Dificuldades crescentes no caminho da terceira via

Valor Econômico

O slogan veio antes do conceito e se tornou uma casca vazia de conteúdo

Com a proximidade da data marcada (18 de maio) para a escolha de uma candidatura única de União Brasil, MDB e PSDB-Cidadania, a terceira via enfrenta dificuldades crescentes. Pelos personagens em ação e arranjos partidários existentes, a terceira via ainda não deixou de ser uma possibilidade estatística, dada a elevada rejeição dos dois principais candidatos à frente nas pesquisas, para se tornar uma possibilidade real.

O slogan veio antes do conceito e se tornou uma casca vazia de conteúdo. A política dá reviravoltas surpreendentes, e não é impossível que erros sérios dos candidatos na dianteira ressuscitem esperanças de algum outro candidato competitivo na disputa. Hoje é difícil vislumbrar quem possa ser.

Os partidos brasileiros, com raras exceções, não têm programas sérios, e quando os têm, não acreditam neles ou não os seguem. São ajuntamentos em torno de caciques nacionais ou regionais, unidos por interesses. O PSDB, que polarizou com o PT a disputa pela Presidência ao longo de seis eleições, seria o candidato natural a agregar outras legendas em torno de si. A deterioração do cenário político deixou os tucanos sem muro e sem rumo.

Como foram discutidos candidatos antes de programas, tradição pitoresca brasileira, é mais fácil atribuir cálculo político em vez de sinceridade a alguns dos que tentam a união para disputar o Planalto. Luciano Bivar, presidente do PSL, alugou sua legenda para Jair Bolsonaro em 2018 e viu-se da noite para o dia dono da segunda maior bancada da Câmara e da maior fatia dos recursos dos fundos dos partidos. Seu divórcio com o presidente foi disputa paroquial pelo comando da legenda, vencida pelo traquejo de Bivar e pela incompetência de Bolsonaro, que achava que não precisava de partido - e que depois sequer conseguiu formar um.

Bivar uniu-se a um DEM em processo de encolhimento, liderado por ACM Neto, que fez vários acenos a Bolsonaro e, antes da fusão na União Brasil, não descartou apoio ao presidente nas eleições. Bivar lançou-se pré-candidato à Presidência e se afastou das discussões com MDB e PSDB, em um sinal de que disputará sozinho, com votação insignificante.

É inacreditável, assim, que o União Brasil possa ser considerado parte de uma tentativa séria de terceira via. Restam PSDB e MDB, ambos com problemas domésticos graves - em comum, os ensaios às claras, ou ocultos, de frações das máquinas partidárias para derrubar os candidatos declarados até agora, João Doria e Simone Tebet.

João Doria e seu concorrente nas prévias do PSDB, Eduardo Leite, pegaram carona na onda de Bolsonaro em 2018 para abandonar depois a carroça da trupe autoritária do bolsonarismo. A cúpula tradicional tucana negou apoio a Doria, preferindo, primeiro, Leite, derrotado nas prévias. Ao mesmo tempo em que o ex-governador gaúcho insistia em dizer que ainda estava no páreo, dirigentes tucanos agiram para que o partido não apresentasse mais candidato à Presidência - feito inédito na história tucana - e se bandeasse para Simone Tebet, do MDB.

Mesmo tendo governado o Estado mais rico da federação, ter feito boa administração e, com seu exemplo, ter forçado o governo a se mexer para obter vacinas contra a covid-19, Doria tem rejeição muito alta e não se move nas pesquisas, com algo como 3%. Sem traquejo, Leite perdeu o norte, embora ainda conte com simpatias entre os tucanos.

Simone Tebet tem baixa rejeição, e o eleitorado tem pouco conhecimento sobre ela, que fez um trabalho sério na CPI da Covid. Alguns economistas a cargo de seu programa foram do PSDB e, nesse ponto, não seria difícil um acordo com Doria, não fosse o MDB. Renan Calheiros, José Sarney, Eunício Oliveira e outros da nata da “velha política” estão fechados com Lula e pretendem que a legenda não tenha candidato e apoie o ex-presidente. Tebet tem 2% nas pesquisas.

O neófito Sergio Moro, uma dissidência no campo de Bolsonaro, tomou um baile dos líderes partidários e será no máximo, e a contragosto, candidato a deputado federal pelo União Brasil, que fulminou sua expectativa de campanha presidencial. Ciro Gomes segue isolado, com potencial de terceiro lugar, onde hoje está nas pesquisas. Seu temperamento o afasta de acordos com o centro e o espaço à esquerda está ocupado por Lula.

A decisão de escolher um candidato único em 18 de maio não ajuda. Critérios para isso sequer foram discutidos e se alguém esperava que até a data um dos pré-candidatos recebesse algum alento das pesquisas, errou. Sem o início da campanha, isso não é possível.

Qualidade da democracia depende da Câmara

O Estado de S. Paulo

Condescendência com desvios de conduta de deputados indignos do mandato que receberam depõe contra a própria Casa e distorce a representação política da sociedade

Um deputado desqualificado e insignificante se tornou o centro das atenções do País e peão de uma constrangedora rusga entre os Poderes da República, que resvalou até para as Forças Armadas. É como se nada mais urgente demandasse as atenções dos chefes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário do que o destino da triste figura de Daniel Silveira (PTB-RJ) e suas implicações jurídicas e políticas.

A sociedade teria sido poupada do sentimento de vergonha alheia e seus interesses estariam mais bem resguardados se acaso a Câmara dos Deputados – que representa a sociedade, afinal – tivesse cassado Daniel Silveira por quebra de decoro parlamentar. Razões para isso não faltaram.

Antes mesmo de ser eleito na onda “antipolítica” que varreu o País em 2018, o ex-soldado da Polícia Militar do Rio de Janeiro já dava mostras cabais de que seu comportamento iracundo, vulgar, indisciplinado e desrespeitoso era absolutamente incompatível com o exercício do múnus público. Mas, até a eleição, esse era um problema de seus eleitores. Uma vez eleito, mantida a postura indecorosa, Daniel Silveira passou a ser um problema da Câmara.

A Casa tem o papel inalienável de zelar pela qualidade da democracia representativa. Esse zelo se materializa na sanção política, que pode culminar na cassação do mandato, daqueles que manifestam um comportamento que degrada, antes de qualquer coisa, a própria imagem do Legislativo. Contudo, não só Daniel Silveira não foi cassado, malgrado a falta de decoro e a condenação criminal pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como foi premiado com assento em cinco comissões permanentes da Câmara, inclusive a mais importante e prestigiosa de todas, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

O deputado Daniel Silveira está longe de ser o único exemplo de tolerância excessiva da Câmara com graves desvios de conduta – quando não crimes – cometidos pelos seus. Para ficar apenas no caso de condescendência mais nocivo para o País até hoje, basta um simples exercício de imaginação para inferir qual teria sido a sorte dos brasileiros se acaso a Câmara tivesse cassado o mandato do então deputado Jair Bolsonaro após um dos muitos episódios de quebra de decoro que o atual presidente da República protagonizou durante seus quase 30 anos de vida parlamentar. No caso de Silveira, ainda há tempo para a Casa refletir e agir como se espera.

O espírito de corpo na Câmara pode muito bem beneficiar determinada legislatura e aumentar o poder do seu presidente de ocasião, mas, visto a longo prazo, contribui decisivamente para o desprestígio popular do Legislativo e, como consequência, para o enfraquecimento da democracia representativa.

Na esteira da graça inconstitucional concedida a Daniel Silveira por Bolsonaro, um grupo de parlamentares ligados ao presidente da República, liderados pela deputada Carla Zambelli (PL-SP), pretende transformar a condescendência em lei. A parlamentar apresentou um projeto de lei que propõe anistia a todos os deputados que tenham praticado atos investigados como “crimes de natureza política” entre o dia 1.º de janeiro de 2019, data da posse de Bolsonaro, e o dia 21 passado, quando o presidente assinou o decreto “perdoando” Silveira, como se inocente este fosse e como se Bolsonaro fosse um “revisor” das decisões do STF.

A mera apresentação de um projeto desse gabarito, com esse explícito recorte temporal, já é indecente por si só, mas, vindo de uma bolsonarista de quatro costados não chega a surpreender. Outro deputado bolsonarista, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), apresentou um Projeto de Resolução que torna ainda mais difícil a cassação do mandato parlamentar ao propor o aumento do quórum de votação, de maioria absoluta (257 votos) para dois terços (342 votos).

Para o bem da própria Câmara e da democracia representativa, projetos claramente corporativistas como esses não devem prosperar. É do interesse maior da Casa que os maus parlamentares, os que não honram o mandato recebido de seus eleitores, sejam excluídos da vida pública.

CNJ assume estranhas funções

O Estado de S. Paulo

A pedido de associações de magistrados, o CNJ tem criado novas despesas e disciplinado a política remuneratória dos juízes independentemente de lei nesse sentido

Um levantamento feito pelo Estadão mostrou o desembaraço de associações de magistrados na busca por vantagens financeiras a seus associados. O curioso, desta vez, é que os pleitos dessas associações não se dirigem a membros do Congresso Nacional nem são ações ajuizadas perante o Supremo Tribunal Federal (STF).

Como mostra a reportagem, desde 2020 as associações têm obtido seguidos êxitos no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A investida mais recente, promovida pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), busca ampliar um auxílio pago aos magistrados quando há um excesso de novos processos ajuizados. 

A Anamatra pleiteia a redução do número de litígios que autorizam o pagamento da chamada Gratificação por Exercício Cumulativo de Jurisdição (GECJ). A ideia da associação é reduzir de 1.500 para 750 o número de novas ações para fins de cálculo da gratificação.

Se o CNJ deferir esse pleito, não só os magistrados da Justiça do Trabalho poderão ser beneficiados com esse bônus. O dinheiro extra, equivalente a um terço do salário, também poderá aparecer nos contracheques de juízes de todo o País e de todos os ramos do Judiciário.

A iniciativa chama a atenção por mais de um motivo. Primeiro, porque a categoria que pleiteia o benefício não figura entre as mais prejudicadas pelos efeitos da pandemia de covid-19 ou da gestão econômica irresponsável do governo Bolsonaro. Além desses dois fatores não terem impactado os vencimentos dos magistrados – realidade experimentada por muitos brasileiros de diferentes ocupações –, seus salários os colocam entre o 1% mais rico da população.

Some-se a isso que o pleito da Anamatra poderá representar um custo anual de R$ 167 milhões. Conforme o relatório Justiça em Números, do CNJ (2021), as despesas totais do Poder Judiciário chegam a 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB), um recorde internacional, e 92,6% desse montante é de despesas com recursos humanos (pessoal e encargos). 

Outro ponto que chama a atenção na iniciativa da Anamatra e de outras associações de magistrados é o foco no CNJ. A reportagem do Estadão mostra, por exemplo, que esse órgão já determinou aos tribunais federais e do trabalho, a pedido da Associação dos Juízes Federais (Ajufe) e da Anamatra, a aquisição de 20 dos 60 dias de férias dos juízes.

Vale recordar aqui que o CNJ tem como atribuição primordial o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes (artigo 103-B, parágrafo 4.º, da Constituição Federal). Para as referidas associações, entretanto, aquele órgão também poderia criar novas despesas e disciplinar a política remuneratória dos magistrados independentemente de lei nesse sentido. 

Essa dispensa da lei também chama a atenção. Afinal, é ela o veículo pelo qual a sociedade, democraticamente, cria direitos e obrigações jurídicas. A legalidade é sinônimo não só de certeza quanto ao direito, mas também de segurança contra o arbítrio. A lei não é obra de um único indivíduo ou de uma casta, mas dos representantes políticos da comunidade. É uma obra coletiva. Daí que, num cenário de escassez de recursos públicos, era de esperar uma maior valorização do processo legislativo por parte de representantes do Poder Judiciário. 

A importância desse processo é reconhecida pela própria Anamatra. Em texto publicado em seu site em julho de 2017, ela critica a reforma trabalhista feita no governo Temer por ela ter supostamente desconsiderado “a regra básica da formação de uma legislação trabalhista, que é a do diálogo tripartite, e também por conta da supressão do indispensável debate democrático”. 

É essa consciência da relevância do debate democrático que se espera das associações de magistrados em temas de interesse de toda a sociedade, tais como a destinação de recursos públicos à categoria que representam. Ou também aqui valerá o velho dito “Aos amigos os favores, aos inimigos a lei”?

O que era ruim ficou pior

O Estado de S. Paulo

Aprovação do Auxílio Brasil referenda uma política malfeita, que retirou as contrapartidas sociais do Bolsa Família

A aprovação do Auxílio Brasil pela Câmara vai tornar permanente um programa pretensamente social eivado de interesses eleitorais desde sua concepção. Como tudo no governo Jair Bolsonaro, ele expõe um misto de improviso, irresponsabilidade e má-fé. É a perfeita representação da mesquinhez política do Centrão, que não vê pessoas, somente votos, e explora a pobreza de uma forma que parecia a caminho da superação na história do País.

Pretexto para mudar a Constituição e destroçar o teto de gastos, detestado pelos populistas, o Auxílio Brasil abriu espaço para referendar um calote nos precatórios, aumentar o espaço das emendas de relator, elevar o fundo eleitoral e reservar recursos para reajuste de servidores. Para tornar permanente o benefício – composto por uma parcela fixa e outra temporária, que acabaria no fim deste ano –, o governo usou de mais uma manobra. Um parecer jurídico dispensou a necessidade de fonte de compensação para assegurar o piso mínimo de R$ 400 e livrou o Executivo dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O texto, relatado pelo também pré-candidato e ex-ministro da Cidadania João Roma (PL-BA), não deve passar por dificuldades no Senado. Ninguém no Congresso quer o ônus de barrar um programa social em ano eleitoral.

A combinação perversa entre desempenho econômico pífio, desemprego consistente e inflação elevada trouxe de volta a fome a quase 20 milhões de brasileiros. As principais cidades do País estão tomadas por barracas habitadas por famílias inteiras; em vez de estarem na escola, crianças pedem dinheiro nos semáforos e comida na entrada dos mercados. A situação é grave e demanda solução, mas ela não virá por meio do Auxílio Brasil, a despeito dos quase R$ 89 bilhões que o programa consumirá neste ano.

Certamente havia espaço para aprimorar o Bolsa Família e corrigir suas falhas. Aumentar o valor do benefício era uma necessidade urgente, agravada pelo avanço dos preços de todos os itens básicos. Mas qualquer política de transferência de renda deve ter foco e eficiência para trazer resultado. É evidente que o correto seria pagar mais aos mais necessitados, e não tratar as famílias da mesma forma demagógica, fixando um piso de R$ 400 para todas, independentemente de sua composição. Contribuições como a Lei de Responsabilidade Social, do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), não foram sequer consideradas no debate.

Criticado por todos os especialistas, o Auxílio Brasil retirou talvez a melhor parte do Bolsa Família: as contrapartidas. Sob pena de suspensão dos pagamentos, os beneficiários tinham obrigações claras com seus filhos, como frequência escolar mínima e cumprimento do calendário de vacinação infantil. O acesso à educação e à saúde, ainda que precário, é fundamental para garantir dignidade e viabilizar uma porta de saída para a situação de extrema pobreza. Mas, como bem sabe Bolsonaro, as crianças não votam. A prioridade do Ministério da Cidadania, agora, é substituir os cartões do Bolsa Família por outros com o novo nome do programa, um capricho que custará R$ 670 milhões.

Bons resultados na segurança do Rio têm de ser mantidos

O Globo

Independentemente das ressalvas que sempre podem ser feitas no universo movediço das estatísticas de segurança, são auspiciosos os números divulgados nesta semana pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro. A letalidade violenta, que reúne crimes como homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte, roubo seguido de morte e morte de civis por ação de agentes do Estado, caiu 23% no primeiro trimestre deste ano na comparação com o mesmo período do ano passado. Foram 1.099 vítimas entre janeiro e março, menor número registrado desde 1991, quando foi iniciada a série histórica.

Isoladamente, os crimes contra a vida também apresentaram quedas significativas. O número de homicídios dolosos recuou 18% em relação ao mesmo período do ano anterior e atingiu o menor patamar em 31 anos. O roubo seguido de morte registrou no primeiro semestre redução expressiva de 56%. As mortes por intervenção de agentes do Estado — ponto nevrálgico na segurança do Rio — sofreram diminuição de 30%.

Detalhe relevante é que a redução dos índices de violência se estende aos crimes contra o patrimônio. Mais próximos do cidadão, e em maior número, eles têm forte impacto na percepção de insegurança que tanto macula a imagem do Rio. Os roubos de rua (a transeunte, em coletivo e de celular) recuaram 24% no primeiro trimestre, atingindo o menor patamar desde 2006. Os roubos de veículos caíram 16%. Os de carga, 5%.

O governo atribuiu os bons resultados ao trabalho integrado das polícias Militar e Civil, com o reforço do Segurança Presente, programa que amplia o policiamento nos bairros. Significa que está tudo bem? Claro que não. Apesar da queda louvável nos indicadores, os números do Rio ainda são muito altos. Os homicídios dolosos no primeiro trimestre (760) superam os de São Paulo (710 no mesmo período), onde a população é mais que o dobro (46,6 milhões ante 17,4 milhões).

Embora o número de vítimas tenha diminuído neste início de 2022, a alta letalidade da polícia fluminense ainda é um desafio. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as mortes decorrentes de intervenção policial no Estado do Rio representam 25,4% do total de mortes intencionais — o dobro da média nacional, 12,8%. “Desde 2019, a letalidade policial está em patamares muito altos”, afirma Daniel Hirata, coordenador do Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF). “Ela não é eficiente para combater o crime organizado e tem efeito letal, até sobre as crianças. Infelizmente, não é um problema que tem merecido atenção do estado.”

Cumprindo determinação do Supremo, o governo do Rio divulgou um plano para reduzir a letalidade policial. Apesar de vago no que diz respeito a metas e prazos, ao menos agora se tem um norte para coibir os excessos. Espera-se que seja cumprido e aprimorado.

Diante da sempre desafiadora questão da segurança no Rio, os bons resultados devem ser festejados. Mas é sempre recomendável ter em mente que o combate à violência não deve ser tarefa de governo, mas de Estado. Exige um trabalho sistemático e duradouro. As conquistas no enfrentamento à criminalidade precisam ser preservadas e ampliadas por todos os governos, evitando a todo custo a contaminação pelo calendário político-eleitoral. O Rio já viu esse filme e sabe como termina.

Câmara errou ao restabelecer ‘despacho gratuito’ de bagagens

O Globo

É compreensível a revolta com o preço das passagens aéreas. De acordo com levantamento publicado pelo GLOBO, só em março os voos saindo de São Paulo subiram entre 16% e 40%. O preço médio da ponte aérea para o Rio foi de R$ 504 para quase R$ 600, mas não é incomum encontrar o trecho por mais de R$ 1.500 nos horários concorridos. Passagens para Brasília, saindo de várias origens, custavam em média R$ 1.058, 62% acima do preço um mês antes. A decepção com as companhias aéreas explica o humor da Câmara ao aprovar nesta semana a nova legislação para o setor.

A nova lei elimina obrigações burocráticas, traz novas regras para construir aeroportos e confere à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) autonomia para criar e extinguir tarifas aeroportuárias, além de flexibilidade para exigir informações sobre os preços praticados pelas empresas. A Câmara também incluiu no texto uma emenda determinando nos voos o que chamou de “despacho gratuito” de bagagens até certo limite de peso, encerrando na prática a possibilidade de que as empresas cobrem para levar as malas, como vinham fazendo desde 2017.

“As empresas não foram verdadeiras quando afirmaram que baixariam o preço da passagem se permitíssemos a cobrança da bagagem”, afirmou a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), autora da emenda. “Todos viram que foram enganados.” É verdade que o preço das passagens disparou, mas é um erro atribuir isso à cobrança pelas bagagens. A aviação sofreu com a alta do dólar, que afeta o preço do combustível, e com a contração da demanda durante a pandemia, uma queda sem precedentes, superior a 55% só no primeiro ano. Com menos passageiros para arcar com a estrutura fixa de custos, é esperado que as tarifas subam.

A cobrança pelas bagagens, ao contrário, contribuiu para reduzi-las, constataram os estudos capazes de isolá-la dos demais fatores. No primeiro ano de vigência, a queda atribuída à medida foi de R$ 14,85, ante o preço médio de R$ 348,24, segundo a dissertação de mestrado do economista Bruno Resende na FGV-RJ. Outra pesquisa, publicada em 2021 no International Economic Journal pelos economistas Fernando Barros Jr., Rafael Castilho e Daniel Galvêas, estimou por meio de um modelo estatístico em 6,7% a redução resultante da cobrança pelas bagagens. “A mudança regulatória foi positiva para o setor de aviação comercial, beneficiando consumidores sem prejudicar as companhias”, escreveu Galvêas.

Não é difícil entender por quê. Não existe serviço gratuito, como supõem os deputados. A ilusão de gratuidade funciona como incentivo para que todos despachem malas, aumenta o peso do avião e o custo do transporte. Sem a liberdade de cobrar apenas de quem usa, todos pagam essa conta por igual. O efeito nas tarifas é mera decorrência do que prevê a teoria econômica. Parlamentares que afirmam respeitar a ciência médica na hora de defender as vacinas ou medidas de controle da pandemia deveriam também prestar atenção à ciência econômica. Ainda há tempo para o Senado corrigir o erro.

Tuítes e limites

Folha de S. Paulo

Negócio com o Twitter alimenta debate sobre regulação e liberdade de expressão

O acordo de compra do controle acionário do Twitter por Elon Musk provocou uma previsível onda de reações. Até aqui, as análises sobre o futuro da plataforma se ancoram em algumas poucas informações, em boa parte oriundas de tuítes do próprio megaempresário.

Ainda que seja cedo para prever com alguma precisão o que ele pretende fazer a partir do negócio de US$ 44 bilhões, parece inevitável o debate sobre a liberdade de expressão na internet.

Em diferentes plataformas e em vários países, o assunto dá margem a ideias perigosas. Mesmo que bem intencionadas, medidas unilaterais de controle do que pode circular nas redes adentram o pantanoso terreno de restrição à manifestação do pensamento —assegurada, no caso brasileiro, pelo artigo 5º da Constituição de 1988.

Nos Estados Unidos, a sombra provocada por esse debate já se faz sentir. Apenas 1 em cada 3 norte-americanos considera que todos os seus conterrâneos têm liberdade de expressão completa, conforme mostrou pesquisa encomendada pelo jornal The New York Times e pelo Siena College.

Esta Folha há muito defende que o limite aceitável para essa liberdade fundamental é o dado pela lei. O cerceamento deve estar circunscrito a manifestações que incorram em crimes tipificados pela legislação; o mesmo vale para o comércio de produtos na rede.

Já as ideias ruins devem desvanecer-se pela própria fragilidade, e as mentiras precisam ser desmontadas, não impedidas de circular.

Nesse tópico, é bem-vindo o posicionamento de Musk. "Sou contrário à censura que vá muito além do que está na lei", afirmou.

O negócio bilionário ainda expõe, uma vez mais, a morosidade do poder público em relação ao assunto. Legislações que poderiam controlar o poder das big techs pouco avançaram ao longo dos últimos anos em diferentes países, sendo a Austrália um notório contraexemplo a esse padrão —espera-se que a União Europeia seja outro mais à frente.

No Brasil, a possibilidade de abusos nas campanhas eleitorais motivou acordos de procedimento firmados entre as empresas e o Tribunal Superior Eleitoral, um paliativo que não elimina a necessidade de uma legislação coerente e estável para a conduta nas redes.

A capacidade dessas megacorporações de influenciar imensa e imediatamente a sociedade está mais do que demonstrada. A régua sobre o que elas podem e devem fazer tem de ser dada pela lei, não por seus acionistas. A entrada da pessoa mais rica do mundo nesse universo só torna ainda mais urgente agir nesse sentido.

Drama argentino

Folha de S. Paulo

Disparada da inflação expõe obstinação com políticas fracassadas no país vizinho

A América Latina é a região do mundo que menos deve prosperar em 2022, exceção feita ao Leste Europeu, afetado pela guerra, segundo as previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI). Nesse cenário, as economias de Argentina e Brasil são aquelas que, entre as maiores do subcontinente, tiveram o pior desempenho desde 2014.

No período, o PIB argentino encolheu 4,1%, e o do Brasil, 1,6%. Nos casos mais bem-sucedidos estão Paraguai, com expansão de 26,2%, Bolívia (23,8%), Colômbia (21,6%), Peru (20,2%) e Chile (18,1%).

Nota-se que características comuns dos países da região, como a dependência de commodities ou o tumulto político, não determinam o resultado econômico. A hipótese de que nações mais pobres podem se beneficiar de algum bônus na transição para a renda média também parece pouco explicar, vide os casos de Chile e Colômbia.

A obstinação com políticas fracassadas é uma explicação parcial, mas forte, em casos como o argentino e o brasileiro. O país vizinho padece desse mal faz décadas.

Buenos Aires firmou neste ano novo acordo com o FMI, o 22º desde que se juntou ao organismo em 1956 —um a cada três anos, em média. De modo recorrente, sua economia passa por crises de endividamento externo que terminam em insolvência iminente.

Como alternativa ao financiamento em moeda estrangeira, imprime dinheiro, vivendo sob inflação alta, ora na casa dos 55% ao ano. Só no mês passado, os preços subiram desastrosos 6,7%.

A crise mais recente ocorreu em 2018, com o surto de endividamento do governo centro-direitista de Maurício Macri. A partir daí, acertou um um pacote de US$ 57 bilhões com o FMI, o maior da história. À beira da inadimplência, em março, refinanciou o débito.

Como sempre, as condições dos arranjos são a redução do déficit e de subsídios de tarifas públicas, o fim de tabelamentos de preços, o controle da inflação, com alta das taxas básicas de juros, ora negativas, e reformas básicas.

Em tese, por três ou quatro anos, haveria folga nos pagamentos da dívida. Mas duvida-se que o esquerdista Alberto Fernández queira ou possa cumprir o acordo.

O governo perdeu as eleições legislativas do final de 2021. A coalizão no poder está dividida quanto às condições do FMI, é impopular e vai enfrentar dura eleição geral em 2023. As reformas parecem adiadas para o governo seguinte, quando a Argentina se arriscará a um novo surto de sua crise crônica.

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