sábado, 6 de julho de 2024

Aldo FornazierI - A crise climática piora

CartaCapital

As metas do Acordo de Paris foram para o vinagre. As previsões quanto ao aquecimento global são catastróficas

Não é mais novidade o fato de o mundo estar mergulhado numa sucessão de catástrofes climáticas variadas e praticamente diárias. Tempestades e chuvas violentas, furacões devastadores, secas desertificantes, incêndios dantescos, elevação do nível dos mares, desaparecimento de espécies, poluição assustadora dos oceanos, desaparecimento de rios e nascentes e temperaturas insuportáveis são algumas das múltiplas tragédias que qualquer cidadão pode tomar conhecimento pelo noticiário. Para alguns cientistas, as mudanças climáticas já produzem milhões de mortes.

O que mais assusta e angustia é a omissão criminosa dos governos e a indiferença das sociedades. À exceção de cientistas e ONGs, a crise climática é tratada de forma secundária. O Dia Mundial do Meio Ambiente, em 5 de junho, passou quase em branco no Brasil. Nenhuma grande mobilização, ínfima ou nenhuma importância por parte da sociedade civil organizada e dos movimentos sociais.

Há poucas semanas, duas pesquisas assustadoras, praticamente ignoradas no País, uma da Universidade da Califórnia e outra do Centro Nacional Oceanográfico dos Estados Unidos, indicam que o Acordo de Paris foi para o vinagre. A principal meta previa que o aquecimento global se limitasse a 1,5 grau Celsius em relação à média do período pré-industrial até o fim do século XXI. Segundo os pesquisadores, esse limite foi ultrapassado recentemente e a subida da temperatura nos próximos anos caminha para o dobro: 3 graus. Para se atingir a meta do acordo seria necessário reduzir em 42% a emissão de gases de efeito estufa até 2030. Se a redução for de 28%, o aquecimento será de 2 graus. Segundo a ONU, em vez de queda, registra-se um aumento das emissões desde 2020.

Os cientistas não conseguem projetar exatamente o que acontecerá com um aquecimento global de 3 graus. Mas há uma certeza: o mundo será aterrorizante. De acordo com algumas projeções, vários ecossistemas dos quais dependem a humanidade e outras espécies vão desaparecer. Somente a elevação dos mares afetará 12% da humanidade. Ondas mortais de calor e chuvas diluvianas ocorrerão em todas as partes. A vida média dos indivíduos cairá drasticamente e novas epidemias surgirão. Com o desaparecimento massivo das florestas, a captura de carbono se tornará mais difícil e a temperatura poderá evoluir rapidamente para um aquecimento de 4 graus.

O governo Lula tem feito muito em termos de política ambiental, quando comparado à desastrosa e negacionista administração Bolsonaro. Marina Silva é e continuará a ser um ícone mundial das lutas ambientais. Lula e o governo gozam de credibilidade e liderança internacional em termos de comprometimento com o meio ambiente. Mas, talvez, o presidente não escape de um veredicto desabonador do tribunal dos tempos em relação ao efetivo comprometimento com a preservação do meio ambiente e o combate ao aquecimento global. O Brasil tem um compromisso fraco com a redução das emissões, pois as metas assumidas até 2030 são modestas. Os órgãos ambientais, entre eles o próprio ministério e o Ibama, continuam sucateados e desprestigiados. As cidades brasileiras não apresentam progresso satisfatório no cumprimento das 169 metas e dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

O governo não tem planos e estratégias para salvar os principais biomas, como o Pantanal, o Cerrado, o Pampa, a Amazônia e a Mata Atlântica. Não tem política nacional de combate aos incêndios, não existem planos logísticos, articulações com estados e setores produtivos do campo. Em que pesem várias ações, a Amazônia continua entregue ao crime organizado, ao garimpo ilegal e ao genocídio dos povos originários. No Pantanal, só houve interferência algumas semanas depois de o fogo produzir grandes devastações. A rigor, não há estratégia de prevenção e de regeneração das ações depredadoras dos biomas e do meio ambiente.

Todos os estudos e relatórios sérios são enfáticos em afirmar que a redução das emissões de gases de efeito estufa depende do estancamento da produção de combustíveis fósseis. O governo Lula não tem nenhuma meta de redução de produção de petróleo, carvão e gás. Pior, quer produzir na Foz do Amazonas, em um total descompromisso com a redução do aquecimento global.

Falta uma política e uma legislação para barrar a poluição dos oceanos. Parece nem sequer haver interesse em enfrentar esse gravíssimo problema. Inexiste um programa nacional de regeneração ambiental, como a recuperação de nascentes, de reflorestamento nativo etc. Até agora, o compromisso do governo Lula com o meio ambiente situa-se mais no campo das promessas. Por muito que tenha feito em relação a Bolsonaro, é pouco em relação às necessidades e urgências que a realidade da crise impõe. 

Publicado na edição n° 1318 de CartaCapital, em 10 de julho de 2024.

 

Um comentário:

Daniel disse...

Muito bom. O criminoso ambiental Ricardo Salles comandou o DESgoverno Bolsonaro na área ambiental. Devastou a legislação e os órgãos ambientais. Lula e Marina estão reconstruindo sobre as ruínas deixadas pelos golpistas genocidas. Em 1,5 ano, melhoraram a situação, mas fizeram pouco em relação ao muito que é necessário, como aponta o colunista.