sábado, 6 de julho de 2024

Entrevista | Heather Grabbe: 'Argumento nacionalista atrai europeu insatisfeito com economia’

Marcos de Moura e Souza / Valor Econômico

Acadêmica europeu Bruegel, analisa o voto de britânicos e franceses

Em uma semana de eleições no Reino Unido e na França, a pesquisadora do think-tank Bruegel, baseado em Bruxelas, Heather Grabbe faz uma avaliação sobre as demandas e insatisfações dos eleitores em um momento em que o populismo de direita ganha apoio pela Europa.

Professora visitante da Universidade College London e autora de artigos publicados no “Financial Times” e no site “Politico”, Grabbe diz nesta entrevista ao Valor que as diferenças de linha econômica entre partidos tradicionais estão cada vez mais apagadas e que a direita populista prospera reforçando mensagens sobre identidade e nacionalismo. No Reino Unido, embora o jogo se dê entre as forças convencionais - Trabalhistas e Conservadores -, Grabbe destaca o nível de aprovação da legenda direitista anti-União Europeia Reform. Enquanto na França, o segundo turno das eleições parlamentares no domingo deverá mostrar um avanço marcante da extrema direita de Marine Le Pen. 

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: O que significa a virtual vitória do Partido Trabalhista, de centro-esquerda, no Reino Unido em um momento que a extrema direita tem ganhado apoio e espaço político em países da Europa?

Heather Grabbe: Os eleitores britânicos sentiram a necessidade de uma mudança de governo. Os conservadores caíram em descrédito após 14 anos no poder, um período no qual negociaram uma saída da UE que prejudicou a economia e a posição do Reino Unido no mundo. Foi um período também em que houve um declínio nos serviços públicos, especialmente no Serviço Nacional de Saúde. Os trabalhistas oferecem uma redefinição em ambas as questões.

Valor: Diferentemente dos eleitores em outros países do continente, o eleitor britânico está, em certo sentido, vacinado contra a chamada direita populista?

Grabbe: Não acho que se trate disso. A razão pela qual um partido convencional de esquerda ou de centro tem grande probabilidade de vencer a eleição não é porque os eleitores britânicos estão rejeitando o populismo, mas por causa de dois fatores muito específicos que são muito particulares ao Reino Unido. Um deles é que o sistema de votação torna quase impossível que partidos que contestam [as forças políticas dominantes] consigam representação no Parlamento. Isso inclui, por exemplo, o Partido da Independência do Reino Unido [anti-União Europeia]. Mas também inclui os verdes, que tiveram apenas uma cadeira no Parlamento, embora haja, na verdade, um grande apoio às políticas verdes em toda a população. Portanto, o que acontece no Reino Unido é que as partes mais extremas da política são incorporadas aos partidos tradicionais. Assim, extremistas se acomodam nas franjas do Partido Conservador e do Partido Trabalhista.

Valor: E qual é o segundo fator?

Grabbe: A outra coisa é que o Brexit - depois de sete anos as pessoas entendem que foi um desastre grande para a economia britânica e para os vínculos do Reino Unido com o resto da Europa - desacreditou, até certo ponto, a direita radical populista, porque essa era a sua principal plataforma.

Valor: Ainda assim, parece haver um interesse crescente nas ideias de direita, anti-imigração, do partido Reform, de Nigel Farage. Isso diz algo sobre para onde sopram os ventos eleitorais no Reino Unido?

Grabbe: Atualmente há mais apoio, segundo as pesquisas, a esse partido populista reformista do que aos Liberais Democratas, que há mais de dois séculos disputam eleições como um partido liberal dominante. O fato de o Reform na semana passada ter se aproximado muito dos conservadores, em termos de nível de apoio, é algo muito incomum. Isso nunca aconteceu antes no Reno Unido. Lembrando, no entanto, que isso se dá depois que os conservadores terem realmente ficado sem ideias, depois de muito tempo no poder.

Valor: Em relação ao segundo turno das eleições parlamentares na França. Ainda que o partido de Marine Le Pen não chegue a obter a maioria do Parlamento (como apontam algumas pesquisas), ela continua sendo um dos nomes fortes para as próximas eleições presidenciais. De olho em uma fatia maior do eleitorado, a direita francesa tem buscado suavizar suas mensagens, deixando de lado temas muito controversos e sectários?

Grabbe: Sim, eles são muito flexíveis do ponto de vista ideológico, o que significa que mudarão de posição se perceberem que sua posição não é mais popular. Por exemplo, a própria Marine Le Pen pediu, há alguns anos, que a França deixasse o euro depois da crise da moeda. Agora, ela sabe que isso não é popular. Também houve a defesa para que a França deixasse a UE. Mas, depois do desastre do Brexit, isso deixou de ser popular. Ela também se afastou do antissemitismo de seu pai, Jean Marie Le Pen, fundador do partido. Marine passou a se posicionar mais contra os muçulmanos e, de forma mais ampla, contra os imigrantes, em vez de abraçar a linha antissemita. Portanto, ela mudou muito. Em termos de promessas eleitorais para esta eleição, ela também mudou muito rapidamente quando percebeu que algumas de suas promessas econômicas seriam mal vistas porque não eram bem calculadas. Algumas delas seriam muito caras. Ela não demonstrou como o país seria capaz de custeá-los. Portanto, como muitos líderes populistas da direita radical, ela se mantém fiel a mensagens amplas, em vez de políticas detalhadas. Mensagens como ‘A França é nossa.’ No Reino Unido, a mensagem era ‘retomar o controle’. Na Holanda, na última eleição, foi ‘be Dutch be normal’ (seja holandês, seja normal). São slogans baseados em identidade, principalmente em torno de um argumento nacionalista. O argumento ‘nós somos a França’ e esse tipo de campanha pode ser muito eficaz quando os eleitores se sentem desorientados em relação a quais políticas que fariam sentido agora, quando sentem que a economia não está indo bem, mas não sabem o que fazer a respeito.

Valor: Esse tipo de mensagem nacionalista produz mais impacto do que mensagens sobre como melhorar o ambiente econômico?

Grabbe: Uma pesquisa do ‘Financial Times’ na semana passada que achei impressionante constatou que mais eleitores franceses confiam mais na Le Pen em relação à economia do que em Emmanuel Macron. E isso é surpreendente, uma vez que as prescrições de política econômica da Le Pen e suas opiniões sobre economia não têm estimativas de custo por trás, não há análise, não há argumentos econômicos. Mas as pessoas se sentem insatisfeitas com o que está acontecendo com a economia. Agora, acho que especialmente a inflação teve um impacto em suas opiniões. Emmanuel Macron não lutou contra isso. A inflação é controlada pelo Banco Central Europeu. Mas, mesmo assim, os eleitores não estão convencidos. Isso mostra o quanto é possível fazer campanha com base em questões de identidade e, ainda assim, conquistar a confiança dos eleitores em questões nas quais você não tem credibilidade.

Valor: Por que os eleitores têm depositado mais confiança nessa direita populista na França e em outros países do continente?

Grabbe: O populismo sempre existiu na periferia de qualquer democracia. Sempre há pessoas com pontos de vista extremos, que preferem mais autoritarismo do que um Estado democrático. Há sempre também pessoas que procuram alimentar a divisão nas sociedades, isso sempre aconteceu. O que aconteceu na Europa e em outros países nos últimos dez anos, mais ou menos, é que os partidos tradicionais deram a eles [a esses defensores de visões extremas] muito mais espaço. Como se a centro-direita e a centro-esquerda estivessem propondo exatamente as mesmas políticas econômicas, e as pessoas se sentem frustradas por não haver alternativas. E isso aconteceu, especialmente desde a queda do comunismo, desde que a economia socialista saiu de moda. O neoliberalismo não satisfaz as pessoas, mas ainda não há ainda uma alternativa real ao liberalismo. Portanto, acho que esse é um dos motivos pelos quais as escolhas de política econômica deixaram de ser o principal elemento que os eleitores levam em conta. No passado, você escolhia se queria mais do setor público ou mais do setor privado, se queria mais gastos públicos ou menos impostos, esse tipo de coisa. Mas isso não é mais motivo de contestação. Não é mais sobre isso que as pessoas discutem nas eleições. As questões se voltaram muito mais para identidade e também sobre como a sociedade está mudando. Temos o multiculturalismo, a migração, e isso deu muito mais espaço para o populismo no debate, porque eles [adeptos do populismo de direita] não precisam ter políticas econômicas complicadas, podem ter políticas baseadas na identidade e criticar a migração como seu objetivo principal.

Valor: Se não há mais tanta divisão em relação à pauta econômica, o que dizer em relação ao debate sobre transição energética e mudança climática?

Grabbe: A grande questão daqui para frente é como todos lidarão com o clima. É uma questão muito complexa sobre a qual são necessárias muitas políticas sobre como administrar a transição energética. E não há ainda um debate suficiente entre esquerda e direita. Assim, os populistas simplesmente dizem que negam que as mudanças climáticas estejam acontecendo. A alternativa para a Alemanha [AfD], por exemplo, é um partido que nega o clima. Ou então dizem que talvez isso esteja acontecendo. Marine Le Pen, por exemplo, faz campanha contra as turbinas eólicas [ela defende o fim de subsídios bilionários à energia eólica e solar, dizendo que são fontes intermitentes e que o melhor será redobrar investimentos em reatores nucleares]. Basicamente, quando se tem uma questão política muito complexa, o populismo em geral não tem soluções realmente detalhadas, elaboradas, mesmo assim prospera em uma atmosfera em que os principais partidos também não estão oferecendo muitas soluções. E então eles [os partidos da direita populista] transformam toda a eleição em uma questão de identidade.

Valor: Em geral, como o setor empresarial na Europa tem reagido à ascensão da direita radical?

Grabbe: É fato que a direita radical populista geralmente é contra a regulamentação. Mas ela pode ser extremamente desestabilizadora para o ambiente de negócios. Veja na França como o mercado de títulos de crédito enlouqueceu. Muitas empresas francesas estão realmente preocupadas com as políticas econômicas do partido [de Le Pen], sobre quais seriam as políticas deles quando se trata de um partido que nunca esteve no poder em nível nacional, que não tem políticas. Incerteza é muito difícil para os negócios. Talvez algumas propostas de que não gostem sejam retiradas, mas há uma perturbação do ambiente de negócios em relação ao potencial, por exemplo, de mais inflação, de aumento da dívida pública, em relação aos impostos. Além disso, quando os partidos populistas de direita radical estão no poder podem dificultar a vida das empresas porque tendem a minar o Estado de Direito. Na Hungria, por exemplo, os juízes são controlados pelo partido que está no poder. Portanto, se você é uma empresa que não gosta do partido no poder... ou, por exemplo, na Turquia onde o partido no poder pode exigir que você pague para ajudar alguns deles em suas campanhas. E se você não fizer isso, não conseguirá uma audiência justa nos tribunais. Esse enfraquecimento do Estado de Direito se torna um grande problema para as empresas e, em última análise, prejudica a economia.

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