Folha de S. Paulo
Pelo dinheiro pré-real, 20 qualquer coisa não
queria dizer nada. Só pensávamos em milhares
O festival de reportagens sobre os 30 anos do Plano Real não apenas fez justiça a uma medida que tirou o Brasil do buraco como serviu para que eu dirimisse uma dúvida que me perseguia desde a sua implantação. No dia em que ele foi lançado, uma nota de 1 real comprava 1 litro de leite, 1 kg de açúcar ou uma dúzia de ovos. Com 50 centavos de real, pagava-se uma passagem de ônibus ou 1 litro de gasolina. Era formidável. Nos governos anteriores, a inflação era tal que um deles lançou uma moeda de 500 mil cruzeiros. Como era possível que 500 mil unidades da moeda nacional coubessem num bolsinho?
Mas nem todos fomos tão rápidos para fazer a
transição entre o absurdo dinheiro antigo e o que acabava de chegar. E calhou
que, por aqueles dias, batesse à minha porta um vendedor de vassouras e
espanadores. Ora, por acaso eu estava precisando de um espanador o —que eu
usava há anos para espanar o teclado do computador estava reduzido à última
pena. Era então ou nunca. Pedi-lhe um espanador e perguntei quanto.
O vendedor hesitou, como quem tinha de fazer
uma súbita avaliação, e disse: "20 reais". Sem discutir, dei-lhe uma
nota desse valor —acabara de voltar do banco— e me tornei o feliz proprietário
de um robusto espanador.
Pelos anos seguintes, vivemos em grande
harmonia, eu e o espanador. Ele cumpria sua função de espanar o meu teclado e
eu cuidava de que ele não ficasse prematuramente careca. Envelhecemos juntos,
até que o aposentei com honras. Mas algo me intrigava: ele deveria ter custado
20 reais?
Acontece que, no dinheiro antigo, 20 qualquer
coisa não queria dizer nada ---só pensávamos em termos de milhares. E sou ruim
de contas porque passei as aulas de aritmética admirando as pernas da
professora. Hoje, depois de ler as matérias, descubro que, em 1994, 20 reais
valiam pelo menos 40 espanadores. Mas tudo bem —eu só precisava de um, mesmo.
2 comentários:
A mentira tem pernas curtas... A primeira nota de 20 reais só surgiu no ano 2000, e lembro muito bem disto! Ou o colunista pagou com 2 notas de 10 reais ou 4 de 5 reais, ou a história é estória...
Eu nunca usei espanador no meu computador.
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