segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Demétrio Magnoli - Dois partidos e um destino

O Globo

Desistência de Joe Biden secou o favoritismo de Donald Trump

A desistência de Joe Biden secou o favoritismo de Donald Trump. Na hora da Convenção Democrata destinada a oficializar o nome de Kamala Harris, o resultado da eleição nos Estados Unidos torna-se imprevisível. Hoje, há apenas uma certeza: no dia seguinte, um dos dois grandes partidos americanos ingressará em crise profunda — e terá de se reinventar.

Em tempos normais, a derrota faz parte do jogo. Os Estados Unidos, porém, atravessam tempos anormais. Um triunfo de Trump, afirmam os democratas, representaria um catastrófico golpe no equilíbrio de poderes que sustenta a democracia americana. O Partido Democrata não tem o direito de perder.

A vitória democrata seria, em tese, o desfecho lógico. Nos Estados Unidos, desde a Segunda Guerra Mundial, os dois partidos sempre governaram por mais de um mandato, com as solitárias exceções do democrata Jimmy Carter (1977-1981) e do próprio Trump (2017-2021). Perder para este último, figura que nunca atingiu aprovação popular de 50% e tentou reverter o veredito das urnas em 2020, configuraria um atestado de falência política.

Uma hipotética derrota democrata derivaria da reedição do desmoronamento da “Muralha Azul”, composta pelos estados pós-industriais de Pensilvânia, Michigan e Wisconsin, que destruiu as esperanças de Hillary Clinton em 2016. O atual Cinturão da Ferrugem, bastião historicamente democrata do movimento sindical, voltou a ser azul em 2020, alçando Biden à Casa Branca. Um segundo fracasso na região confirmaria a acusação republicana de que os democratas converteram-se no “partido das elites”.

A responsabilidade é dos democratas. A partir de sua ala esquerda, o partido coloriu-se com os tons da política identitária. No lugar do povo, escolheu dirigir-se a “minorias” de raça, gênero ou orientação sexual. Há pouco, no rastro dos protestos contra o assassinato de George Floyd, expoentes democratas ecoaram o lema de desfinanciar a polícia, uma bandeira radical do Black Lives Matter que fornece vasta munição à campanha republicana.

Pesquisas extensivas atestam a falência da estratégia identitária emanada da militância acadêmica. A rejeição disseminou-se não só na classe trabalhadora branca, mas também entre os hispânicos e em parcelas crescentes do eleitorado negro. Se Trump vencer, os democratas precisarão jogar fora a pesada bagagem ideológica e reaprender a falar a língua franca da cidadania.

Na alternativa da derrota, o Partido Republicano enfrentará um dilema diferente. Ao longo de oito anos, Trump destruiu o antigo partido moderado e conservador, substituindo-o por uma máquina política nacional-populista que contesta as instituições democráticas.

A seleção de J.D. Vance para o posto de vice concluiu um percurso de expurgos, desaguando na subordinação dos republicanos às fantasias de um líder incontestável. O conservadorismo solar e internacionalista de Ronald Reagan cedeu ao reacionarismo sombrio e isolacionista de Trump. O partido transformou-se num culto, borrando os limites que separavam a direita tradicional da extrema direita.

As plataformas de democratas e republicanos coincidem no neonacionalismo econômico, embora divirjam nos mecanismos destinados a proteger a indústria dos Estados Unidos da concorrência global. Configurou-se, também, forte consenso bipartidário sobre a rivalidade com a China, redefinida como inimigo estratégico.

Mas o “partido de Trump” distingue-se, em política externa, pelo desprezo à aliança com as democracias europeias e, na política doméstica, pela hostilidade aos direitos civis e aos contrapesos que limitam o poder presidencial. Num novo mandato, Trump promete, de um lado, inflacionar as prerrogativas da Casa Branca e, de outro, ceder às legislaturas estaduais o arbítrio sobre o aborto, as uniões homoafetivas e o exercício do direito de voto.

Se a insurreição reacionária fracassar nas urnas, a “era Trump” terá chegado ao fim, deixando pelo caminho os destroços de um partido que renegou seu passado. Então os republicanos precisarão reler os livros antigos e adquirir a coragem para repudiar o líder que os arruinou. Não é pouco o que estará em jogo no quinto dia de novembro.

 

8 comentários:

Anônimo disse...

"Não é pouco o que estará em jogo no quinto dia de novembro." Não só para a América...

Anônimo disse...

kkkkkkkk! O colunista metido a futurólogo considera "imprevisível" o resultado. Realmente está cada vez mais incompetente e medroso. Mas vai poder dizer que acertou em mais uma análise ou "previsão"...

Anônimo disse...

Quero ver qual colunista vai falar do programa econômica da Kamila, que basicamente fala em congelamento de preços pra acabar com a inflação....

Daniel disse...

O terceiro anônimo acima realmente não sabe do que está falando. Nem o colunista falou tamanha besteira!

ADEMAR AMANCIO disse...

Jesus!

marcos disse...

Anonimo chamando os outros de medroso é fascinante! MAM

marcos disse...

Todo anônimo é um poltrão; mas, aqui, o da direita também é analfabeto. O nome dela é Kamala. MAM

marcos disse...

O anônimo à direita, além de poltrão, é mentiroso, pois nem Demetrio escreveu, nem Harris falou em congelamentos. . MAM