Folha de S. Paulo
Projetos inviáveis ou economicamente
deficitários representam uma forma de transferência de renda para grupos
Por que há tantas obras inacabadas em nosso país? Já faz parte da nossa
paisagem como uma segunda natureza estradas que ligam nada a lugar nenhum;
obras prontas que se mostram inviáveis ou com defeitos insanáveis: estaleiros,
refinarias, cidades da música. A variável explicativa central é a corrupção.
Mas não dá conta de explicar muitos casos, onde não há evidências de desvios.
Ou de imperícia técnica.
Uma explicação foi proposta por James Robinson e Ragnar Torvik em um paper intitulado sugestivamente "White Elephants". Robinson é um cientista político e coautor com Daron Acemoglu de "Por que as Nações Fracassam?" e "O Corredor Estreito: As Origens do Poder, da Prosperidade e da Pobreza". Os autores enumeram inúmeros elefantes brancos em vários continentes e formalizam o argumento.
Os elefantes brancos para os autores são
produtos de uma falha política de mercado: de uma incapacidade de agentes
políticos de lidar com o problema da credibilidade de suas promessas ao
eleitorado. Do ponto de vista da sociedade, a melhor alternativa é quando os
agentes políticos prometem bens públicos tais como educação pública e/ou
infraestrutura com retorno social elevado. Mas nas novas democracias os
incentivos para a oferta de bens públicos são bem menores do que a oferta de
bens com benefícios concentrados para indivíduos (transferências) e firmas
(isenções) (o que examinei aqui na coluna).
Projetos inviáveis ou economicamente deficitários representam uma forma de
transferência de renda para grupos ou localidades. Sinalizam para um setor do
eleitorado alinhado com o agente político responsável um compromisso crível de
transferir renda. Mesmo sendo deficitários, geram empregos para setores
alinhados com seus patrocinadores, e os custos socializados.
A volatilidade que os leva a ficarem inacabados ou funcionando com elevado
custo social é produto de incentivos particularistas.
Em democracias funcionais, os partidos políticos agregam interesses
universalistas e têm mais incentivos para ofertar bens públicos, e para alinhar
responsabilidade fiscal com gasto.
Os elefantes brancos adquirem visibilidade
com a alternância de poder entre grupos clientelares rivais, o que leva a ondas
de novas iniciativas. Quando esta dinâmica se combina com a pequena corrupção,
temos quadras esportivas inacabadas, viabilizadas por emendas orçamentárias;
quando o faz com a grande, temos refinarias, estaleiros e siderúrgicas
inacabadas e/ou deficitárias. Em muitos casos as obras foram embargadas por
evidências de irregularidades.
Os órgãos de controle até as identificam, mas se subordinam à lógica
majoritária, vale lembrar que o TCU é órgão ancilar do poder Legislativo, e não
é parte do Judiciário. E, portanto, é vulnerável ao alinhamento entre Executivo
e maiorias legislativas. Como ocorreu em 2005 e 2010, quando o TCU recomendou o
bloqueio de verbas orçamentárias para obras com irregularidades, mas o
presidente Lula logrou
vetar a lei orçamentária, e liberar recursos. Houve novas
paralisações, e as mesmas obras estão sendo retomadas atualmente. E mais, o STF
acaba de determinar que as obras inacabadas tenham prioridade.
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