O Globo
Pedia-se tolerância religiosa, passaram a perseguir as religiões afro-brasileiras
Faz pouco, as ruas quase só eram ocupadas
pelos movimentos de esquerda. Com as redes sociais e o fim do imposto sindical,
a militância mudou de mãos. Sob nova administração, a defesa da liberdade de
expressão tornou-se um mantra onipresente.
Antigas bandeiras como moradia popular ou
menos desigualdade econômica foram substituídas no discurso, e algumas vezes na
prática, pela rejeição às cotas sociais, pela volta da ditadura militar e pela
estridente homofobia. Ah, pediu-se tolerância religiosa enquanto passaram a
perseguir as religiões afro-brasileiras.
A coerência não é um atributo da política. Nela, ao contrário do que dizia Gertrude Stein, uma rosa não é uma rosa. Ao falar de democracia, a prática da extrema direita mostra a tentativa de erodir a coesão social. O intuito é o reino do medo. As inconstâncias propiciadas pelas novas tecnologias ajudam na venda de um futuro apocalíptico. Por que será que o Inferno surgiu com as religiões? Ainda bem que na Idade Média inventaram o Purgatório — na lojinha da fé, já é uma pechincha.
O novo livro de Joseph E. Stiglitz, “The road
to Freedom” (ainda inédito no Brasil), discute a ideia de liberdade à luz da
sociedade contemporânea. Nobel de Economia e ex-assessor econômico de Bill
Clinton, Stiglitz usa o raciocínio de meu herói Isaiah Berlin para construir
sua abordagem:
— A liberdade dos lobos muitas vezes
significou a morte das ovelhas.
O mal-ajambrado lero-lero em defesa dos
golpistas condenados pelo 8 de Janeiro e o pedido de anistia para o pai do
enrolado Jair Renan desnudam a vida na selva da política brasileira. Vale
lembrar que Berlin era um charmoso e inquieto liberal. Seria um sujeito de
direita na avaliação tosca da esquerda petista. Certamente comuna para alguns
pastores.
A liberdade política ocorre com a liberdade
econômica — e vice-versa, argumenta Stiglitz, integrante liberal da ala
progressista do Partido Democrata. Sem opções, não há qualquer liberdade.
— Alguém que enfrenta extremos de necessidade
e medo não é livre — escreve.
Seria o caso do liberou geral da venda de
armas. O porte alegra o ânimo libertário de quem possui o revólver, mas destrói
a liberdade das centenas de mortos dos massacres ocorridos dia sim, dia não (no
Brasil: a cada minuto). De outro lado, a liberdade de escolha sexual ou o
direito sobre seu corpo — o aborto, por exemplo — não é tolerado pelos que
desejam andar armados.
Stiglitz de novo:
— A liberdade de cada pessoa para trabalhar
com Deus à sua maneira, em qualquer lugar do mundo.
A manipulação, ou mentira política, não é
invenção da extrema direita; sempre ocorreu como arma (ops!) na luta pelo
poder. Foi instrumento de embuste dos árabes contra a invasão cristã e do
governo francês em 1914. Até o pombo-correio levava informes falsos com a
intenção de ludibriar os soldados do Papa. Sou fascinado pela colaboração de
Santo Agostinho à ideia de um Deus onipresente, ubíquo, aquele que tudo ouve e
tudo vê. Não há melhor algoritmo. As preleções de Agostinho ainda serviram de
convencimento para que vários filhos dedurassem os pais como pagãos. Também lá
a coisa não acabou bem. Deu gás na intolerância religiosa. De lá para cá,
passaram-se centenas de anos, e o homem sofisticou sua capacidade em dominar
pelo medo.
Começo a desconfiar de que o fenômeno da
atual extrema direita, além de ser um caso econômico provocado pela
transformação do futuro próximo em algo ainda mais incerto, seja resultado da
solidão contemporânea identificada pelos médicos. Já é uma patologia. O
cotidiano das redes e a vida on-line são um degredo digital.
Vamos pensar nos sopões do pré-8 de Janeiro
na frente dos quartéis amigos. Sei como é difícil tirar uma idoso de casa,
sempre é necessário alta argumentação — e ali estava muito bem representada a
terceira idade. Não importa se com alucinações coletivas trazidas pela pandemia
ou com a busca de contato com os extraterrestres (não é que Trump prometeu
liberar gravações sobre os óvnis se eleito?). Temos de ser solidários. Eles
enfrentaram frio e chuva, claro, com a ajuda de militares compreensivos. Mas
ali fizeram amizades, degustaram churrascos malpassados, cantaram juntos, até
pularam fogueira — e agora, a cada feriado, participam de manifestações.
Irmanados. É fofo.
Sem o bingo livre, aonde ir? Junte a
destruição de profissões, a chegada da IA — bem, até a companhia de um pneu
pode ser um bom amigo diante da solidão.
4 comentários:
Nenhuma palavra pra ditadura implantada Pelo STF e Lula Personificado no ditador Alexandre de Moraes vocês da esquerda normalizaram a censura e a perseguição os opositores desde que seja o lado de lá pode tudo em nome da defesa da democracia imaginária
Entre o pensar e o livre escrever uma figuração de bobagens em nome de algum credo inútil. Crítica ao STF e a subserviência ao mito que ainda habita a mente inepta do senso comum que embarca na primeira canoa que lhe aparece…
Esqueceu de mencionar "comunistas"
kkkkkk
A convivência também é difícil.
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