segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Oliver Stuenkel - O extremismo renasce na Alemanha

O Estado de S. Paulo

Os jovens no leste da Alemanha já não têm memória da repressão e do fracasso do socialismo

Quase 35 anos após a reunificação alemã, as discrepâncias políticas entre os estados que integravam a antiga Alemanha Oriental e o restante do país permanecem nítidas. O aspecto mais chamativo talvez seja a firme disposição dos eleitores do leste para votar em partidos radicais antissistema, tanto à esquerda quanto à direita.

Isso se evidenciou durante as recentes eleições estaduais. Na Turíngia, o Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema direita, foi o partido mais votado – obteve 32,8% dos votos. Três dos quatro partidos com melhor desempenho podem ser considerados radicais.

O recém-criado BSW, que funde pensamento nacionalista, anticapitalista, pró-Rússia e anti-imigração com uma visão conservadora nos costumes, obteve 15.8% dos votos, e A Esquerda, sucessora do Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED), que governou a antiga Alemanha Oriental de 1949 a 1989, teve 13.1% dos votos.

Dos partidos tradicionais, apenas o CDU, de centro-direita, se destacou, com 23,6%. Da mesma forma, os resultados na vizinha Saxônia destoam na realidade política dos Estados no oeste, onde partidos radicais não têm apoio comparável. Por que tantos eleitores no leste apoiam extremistas?

FUGA. Primeiro, o menor número de eleitores centristas se explica pela história da Alemanha Oriental. Após a revolta popular reprimida de 1953, muitos cidadãos moderados com ambições profissionais fugiram para a Alemanha Ocidental.

Até a construção do Muro de Berlim, em 1961, 2,5 milhões fugiram, seguidos por mais meio milhão nas três décadas seguintes. Como lembra o jornalista Markus Wehner, tantas pessoas fugiram que circulava a piada segundo a qual a DDR, a abreviação em alemão do país, significava “Der doofe Rest” (“o estúpido que restou”).

Mesmo após a reunificação de 1989, mais 2 milhões foram embora. A fuga de cérebros contínua e a arrogância com o qual a Alemanha Ocidental integrou a Oriental explicam por que parte dos eleitores no leste até hoje se sente marginalizada na sociedade alemã.

A sensação de impotência explica porque 54% da população na ex-Alemanha Oriental concorda com a afirmação: “Apenas parecemos viver numa democracia, mas os cidadãos não têm poder real”. No restante do país, apenas 27% concordam com essa frase. Não surpreende, portanto, que o leste seja fértil para extremistas.

Como o êxodo na Alemanha Oriental pós-reunificação foi maior entre mulheres, há no leste um excedente de homens, particularmente vulneráveis a narrativas antiestablishment e de vitimização. Tanto o BSW quanto A Esquerda, por exemplo, contribuem para a construção de um imaginário fictício do passado socialista, durante o qual não havia imigrantes, insegurança e medo da globalização.

JOVENS. Com o tempo, aqueles com menos de 40 anos, no leste da Alemanha, já não têm memória da repressão e do fracasso da extinta Alemanha Oriental. Os eleitores mais jovens de hoje não estão imunes ao pensamento da esquerda radical de que o regime socialista não era tão ruim assim.

O êxito dessa distorção histórica ajuda a entender por que 43% dos eleitores na Alemanha Oriental concordam com a tese de que “o socialismo é uma boa ideia, mas foi mal implementada”, afirmação com a qual apenas 18% estão de acordo no Ocidente.

Além disso, diferentemente da Alemanha Ocidental, a Alemanha Oriental nunca assumiu responsabilidade pelos horrores do nazismo e não investiu na orientação de sua população sobre os perigos do fascismo, como se os alemães orientais da época não tivessem também apoiado Hitler.

Esses motivos são mais relevantes do que as disparidades econômicas entre as duas regiões – até porque a diferença de desempenho econômico entre oeste e leste é menor do que a desigualdade regional existente em outros países, como na Itália e no Reino Unido.

O Muro de Berlim “ainda estará de pé daqui a 100 anos”, profetizou Erich Honecker, líder da Alemanha Oriental, em 1989, antes do colapso do regime. Mesmo que tenha errado na previsão, não se pode negar que, 35 anos mais tarde, as cicatrizes permanecem visíveis, até mais do que se esperava.

 

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