A política de juros do Banco Central mostra coerência interna. Mas o corpo de justificativas usadas para fundamentá-la é um chiclete que pega a forma de cada mastigada.
Na atual fase, o corte dos juros começou em agosto. Na ocasião, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, defendeu a derrubada dos juros como modo de melhor defender a economia brasileira para a catástrofe global que estaria próxima: seria o naufrágio de vários Titanics bancários, com todos os destroços que viriam com ele.
Logo se viu que esse pior dos mundos não se confirmaria: mal ou bem, os dirigentes dos países ricos ganharam tempo e blindaram o patrimônio dos bancos contra quebras em dominó. Mas a derrubada interna dos juros tinha de prosseguir.
A nova explicação veio da desaceleração do crescimento do PIB. Mesmo com desemprego recorde e expansão da massa salarial, os motores da indústria vinham batendo pino. Assim, passou a ser preciso, avisava o Banco Central, continuar a calibragem dos juros a essa quebra futura de poder aquisitivo do consumidor. Portanto, mesmo não se confirmando o quadro imaginado, o Banco Central estava correto, como quem atirasse no que viu, mas acertasse no que não viu.
Mas o governo Dilma parece contrariar esses prognósticos. Aposta num avanço do PIB para este ano entre 4,5% e 5,0% e não no devagar-quase-parando sugerido pelos documentos do Banco Central. Foi preciso, então, buscar nova justificativa para a derrubada dos juros. A ata da última reunião do Copom avisou que os juros neutros (ou seja, o nível dos juros que não provocam inflação) caíram substancialmente nos últimos anos, graças aos avanços de qualidade da economia. Não foi um argumento convincente e o próprio mercado passou a discordar abertamente do Banco Central.
Desse modo, o Copom está à procura de outras justificativas. As últimas manifestações de indignação da presidente Dilma Rousseff parecem ajudar o Banco Central nessa parada. Há um brutal tsunami de moeda estrangeira invadindo o mercado de câmbio do Brasil, adverte ela, não só por que melhorou a percepção global sobre a qualidade da economia, mas, também, porque as atuais condições favorecem a entrada de capitais destinados a especular com a diferença de juros.
Não é nada, o Banco Central Europeu acaba de despejar 1 trilhão de euros nos bancos em empréstimos de pai pra filho por três anos, a juros de apenas 1% ao ano. Para eles, a generosa acolhida do Brasil, que paga juros reais (descontada a inflação) de 4,0% a 4,5% ao ano, é sopa no mel.
Conclui-se pelo discurso presidencial que vivemos momento atípico, de forte canibalismo monetário. A melhor maneira de defender o Brasil desse jogo é manter implacavelmente a atual trajetória de derrubada dos juros. A hora é de dançar no salão a música que está sendo orquestrada pelos grandes bancos centrais – e injetar mais dinheiro na economia. O combate à inflação, se ela aparecer, fica para mais à frente.
Mas, afinal, estão certos ou errados o governo Dilma e o Banco Central, quando desenvolvem essa estratégia de política monetária? Podem até estar certos. Mas as explicações mudam a cada mastigada dos fatos.
CONFIRA
Vem aí mais um Copom. Para terça e quarta-feira próximas, está agendada nova reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Não há quem não preveja nova queda dos juros básicos, hoje nos 10,5% ao ano, como está no gráfico acima. Será um corte de pelo menos meio ponto porcentual.
O que vem depois? Como o Banco Central vem avisando que persegue juros de um dígito (abaixo de 10% ao ano), o interesse maior não estará no corte em si, mas nos eventuais sinais novos a serem apresentados para os passos seguintes.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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