O Estado de S. Paulo
Em 2005 o então presidente da Câmara dos
Deputados, Severino Cavalcanti (1930-2020), insistia com a ministra de Minas e
Energia, Dilma Rousseff, para que ela realizasse uma promessa feita pelo
presidente Lula. “O que o presidente me ofereceu foi aquela diretoria que fura
poço e acha petróleo. É essa que eu quero”, foi a célebre frase de Severino,
empenhado em colocar um afilhado na Petrobras.
Para os herdeiros políticos de Severino
Cavalcanti o mundo melhorou muito nesses últimos 16 anos. Depois de um
mensalão, uma Lava Jato, um impeachment e uma onda disruptiva (com a promessa
de que tudo ia mudar), o cargo de presidente da Câmara que ele ocupou equivale
hoje ao de um primeiro-ministro. Com poderes para vociferar, ao mesmo tempo,
contra a Petrobras, os governadores e mantendo a faca no pescoço do presidente
da República.
Foi o caso no “show” armado pelo atual presidente da Câmara, Arthur Lira, em torno da política de preços da Petrobras. Não se tratou apenas do costumeiro espetáculo eleitoreiro de políticos preocupados com o efeito corrosivo do formidável aumento dos preços de combustíveis sobre a popularidade de quem disputa votos. Foi uma manifestação eloquente de como as forças unidas do Centrão ditam hoje a agenda política, além de mandar no Orçamento.
No caso da estatal do petróleo, Lira fala
por uma espécie de “consenso” de amplo espectro,
nacional-desenvolvimentista/varguista/petista ou o que seja, segundo o qual
empresas públicas devem refrescar a vida de consumidores, servir de
“ferramentas de desenvolvimento” (não importa a definição), “garantir a
soberania” nacional (outro conceito elástico) e proporcionar empregos diretos e
indiretos. Só pode ser piada a promessa de Paulo Guedes de privatizar a
Petrobras nos próximos dez anos.
Lira, como herdeiro de Severino, fala
também por um consenso político amplo quando comemora a aprovação da reforma
administrativa e da mexida no IR. Afinal, privilégios de corporações existem
para serem mantidos – objetivo atingido na reforma administrativa. E renúncias
fiscais para serem preservadas, missão cumprida em relação ao cipoal tributário,
que ficou ainda mais intrincado, mas garantiu muitos interesses setoriais.
Seria uma injustiça, porém, designar Lira e
o Centrão como “forças do atraso”. Recente levantamento das elites
parlamentares feito pela consultoria Arko Advice menciona um total de 124
deputados e senadores. A maioria dessas lideranças vem do Sul e Sudeste
(juntos, superam o Nordeste) e mais da sua metade está dividida entre partidos
“grandes”: PT, PSD, MDB e DEM – embora seja relevante notar que outros 20
partidos ostentam integrantes nessa “elite parlamentar”.
São personalidades políticas em parte muito
diversas, comandando blocos fracionados de votos em função de serem
articuladores, ou detentores de cargos formais, ou representando setores, ou
grupos religiosos, ou de pressão, ou tudo junto. Note-se que nessa “tipologia
de liderança” não surgem categorias políticas “clássicas”, como a afiliação
ideológica ou programática do integrante da elite do Congresso.
Governar com o Centrão foi imperativo para
todos os presidentes até aqui, dadas as perversas características do sistema de
governo brasileiro, mas é com Bolsonaro que o Brasil passou a ter um governo do
e para o Centrão. Tem suas inegáveis vantagens imediatas, considerando os
acontecimentos em torno do último 7 de setembro: o Centrão, ao qual bagunça é o
que pouco interessa, foi uma das forças eficazes em frear a maluquice
presidencial.
Visto de forma mais abrangente, porém, o
governo do Centrão da era Bolsonaro é a expressão da paralisia política, da
falta de projeto de país, da estagnação da produtividade, da incapacidade de se
combater desigualdade e injustiça sociais. Essas forças diversas ocuparam o
natural espaço deixado pela falta de lideranças políticas abrangentes e com
visão. Não estão interessadas em grandes alterações, apenas em equilibrar seus
interesses.
Para quem está preocupado em conseguir
diretorias que furam poço, nunca foi tão bom.
É com Bolsonaro que o Brasil passou a ter
um governo do e para o Centrão
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