Lideranças dos movimentos sociais reclamam que a tentativa da presidente Dilma de abrir negociação, após os protestos de junho do ano passado, ficou apenas na promessa. Principal queixa é de que a pauta de negociações "não anda"
João Valadares, Grasielle Castro
A construção da imagem de uma presidente sensível aos movimentos sociais e aberta ao diálogo, iniciada após as manifestações de rua que sacudiram o país em junho do ano passado e puxaram para baixo a popularidade da chefe maior da nação, ainda está longe do resultado esperado. Na prática, o Palácio do Planalto continua com as portas fechadas. Integrantes do Movimento Passe Livre, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, grupos LGBT e sem-terra atestam que o esforço empreendido por Dilma Rousseff logo após os protestos, recebendo os principais líderes e, pela primeira vez na gestão, representantes dos povos indígenas, não passou de uma tentativa frustrada de estabelecer uma mesa permanente de negociação. Todos são unânimes em afirmar: "A pauta não anda".
O governo sabe disso e aposta todas as fichas no ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, numa tentativa de estreitar o diálogo com os movimentos sociais e conter os ânimos em ano eleitoral. O ministro foi requisitado pelo PT para participar do núcleo de articulação da campanha de reeleição da presidente Dilma Rousseff. A tendência é de que ele permaneça no governo para ser o homem da contenção. A informação oficial é de que o governo federal redistribuiu todas as demandas e atesta que está monitorando o desempenho de cada pasta.
Um dos integrantes do Movimento Passe Livre no Distrito Federal, Paique Duque, que se reuniu com Dilma em junho do ano passado, diz que não houve avanço. "No ano passado, fomos convidados para centenas de reuniões em todo o país, mas esse diálogo não resultou em medidas concretas para a modificação da pauta central. O que estamos vendo é aumento de tarifa. No Rio de Janeiro, já ocorreu. Deixamos claro para a presidente que a nossa principal luta é a tarifa zero", explicou.
Ele informou que a desoneração das empresas de ônibus para barateamento das passagens não é bandeira defendida pelo movimento. "Deixamos isso muito claro durante o encontro com a presidente. Essas são medidas que o governo já defendia antes das manifestações. Você só aumenta o lucro do empresário. Não há melhoria do serviço e ainda retira as poucas responsabilidades sociais que eles têm", ressalta.
O secretário de Política Agrária da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Zenildo Pereira Xavier, argumenta na mesma linha. "Não vamos negar que houve a intenção do diálogo, mas ficou só no discurso. O governo precisa avançar de verdade. Ele se comprometeu com diversos segmentos. Não houve mudança. Há uma lentidão", declarou. Na opinião de Zenildo, o agronegócio continua influenciando as decisões do Planalto. "O governo ainda não tem a clareza do lado dele. Eu sei que o governo deve ser de todos, mas, apesar da tentativa de diálogo, os avanços são lentos."
Há 10 dias, 15 mil integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizaram uma marcha pela Esplanada. Houve pancadaria na frente do Planalto. Do carro de som, os coordenadores classificaram a presidente como "fantoche dos ruralistas" e pediam a todo instante uma "grande vaia para aquela que prometeu assentar nossas famílias". Um dia após o tumulto, Dilma se rendeu. Recebeu uma comitiva do MST. Ganhou uma carta de reivindicações com 10 pontos, ouviu críticas e, mais uma vez, comprometeu-se a analisar todas as demandas.
Urucum
No fim do ano passado, 400 índios invadiram a área externa do Palácio do Planalto. Também pressionavam a presidente e chegaram a chamá-la de "assassina". Eles insistiam em marcar uma audiência com Dilma. A pressão foi grande. Alguns seguranças, responsáveis por selecionar uma comissão para negociar, tiveram o rosto pintado com urucum.
Marcos Terena, integrante da comissão brasileira de Justiça e Paz, alega que não há interlocução do governo federal com os povos indígenas. "Falta estabelecer um diálogo. O governo atua por impulso. Agora, em 2014, é preciso criar um canal de negociação nas esferas governamentais.
Quem falava pelos índios era a Funai, mas o órgão foi esvaziado politicamente e administrativamente. Não tem poder de ação", relata. Ele salienta que índio no Brasil virou caso de polícia. "A gente precisa abrir esse canal com a candidata Dilma Rousseff. O sistema de governo não pode tratar a agenda indígena como uma solenidade. Aquilo ali (reunião de povos indígenas com Dilma em julho do ano passado) foi só uma solenidade. Nada mais", declarou.
A Secretaria-Geral da Presidência da República afirmou que "o diálogo do governo federal com os movimentos sociais é permanente e tem se mantido aberto desde o início da gestão de Dilma".
Ainda de acordo com a resposta oficial do governo, "em cada uma das reuniões, a presidente deu encaminhamentos precisos, remetidos a diferentes ministérios. Foram centenas de demandas apresentadas pelos movimentos sociais". A Secretaria-Geral da Presidência da República garante que todas as demandas estão em diferentes níveis de implementação ou negociação. O governo alega que "existem ainda mesas de diálogo com calendário de reuniões e agenda de trabalho montada". Informa como exemplo a mesa dos movimentos de moradia e dos atingidos por barragens. Mesmo assim, afirma o Planalto, Dilma continua recebendo pessoalmente líderes de movimentos sociais.
As demandas // Confira quais são as reivindicações dos movimentos sociais
Passe Livre
Tarifa zero nos ônibus para todos os estudantes
Fortalecimento da implementação de uma política de mobilidade urbana que priorize o transporte coletivo
Ampliação e renovação da frota de coletivos
Ônibus 24 horas em atividade
Expansão do Bilhete Único, benefício tarifário permitindo a realização de quatro viagens dentro do prazo de três horas, a exemplo do que já ocorre em São Paulo, para outras capitais brasileiras
Articulação dos povos indígenas do Brasil
Fortalecimento da Fundação Nacional do Índio (Funai) para que ela cumpra seu papel na demarcação, proteção e vigilância de todas as terras indígenas
Repúdio às mudanças na demarcação de terras indígenas
Revogação de todas as portarias e decretos que ameacem os direitos originários dos índios
Paralisação da construção de obras de infraestrutura nas áreas de transporte e geração de energia, tais como rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, usinas hidroelétricas e linhas de transmissão em território indígena
Arquivamento da PEC 38, que limita a demarcação de terras
Sem-terra
Celeridade na realização de vistorias de terra e nos processos agrários de assentamentos rurais sob a responsabilidade do Incra
Ampliação de recursos da Caixa Econômica Federal e desburocratização para que todas os trabalhadores assentados tenham acesso ao programa Minha Casa, Minha Vida, sob controle das famílias e suas associações
Expropriação de fazendas para fins de reforma agrária onde ainda persiste trabalho análogo ao de escravo
Amplementação de um grande programa de reflorestamento nas áreas dos pequenos agricultores e assentados
Modificação no funcionamento do Incra com contratação de servidores e qualificação de pessoal
Fortalecimento de uma agricultura voltada para o mercado interno, a aplicação das técnicas da agroecologia e a realização de uma profunda reforma agrária, que democratize a propriedade da terra
Convocação de uma assembleia nacional constituinte soberana e exclusiva para fazer uma reforma política
Fonte: Correio Braziliense
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