É nos momentos de crise política mais aguda, como a atual, que se exige, mais do que nunca, coerência por parte das forças políticas que se digladiam na disputa pelo poder. Este não pode ser um fim em si mesmo, pois é apenas o instrumento para a promoção do bem comum. E é em função desse objetivo maior que as forças políticas, organizadas em partidos, atuam no Poder Legislativo tentando aprovar propostas que reflitam sua visão de mundo. E nesse embate os partidos se dividem, para efeitos práticos e tendo por referência o governo, em situação e oposição. Essa é a teoria, que na prática nem sempre funciona, especialmente em sistemas democráticos que ainda carecem de amadurecimento.
De fato, só mesmo a falta de amadurecimento político consegue explicar a incoerência de haver hoje no Brasil um partido que foi eleito para ser governo – o PT –, mas prefere, por conveniências eleitorais colocadas acima do interesse público, agir como oposição; e uma oposição, representada pelo PSDB, que deixa de lado seus princípios programáticos para, pelas mesmíssimas razões, tentar provocar um pouco efetivo desgaste no governo. Esse é o enredo da novela da tramitação no Congresso das medidas propostas pelo Planalto para promover o necessário ajuste fiscal.
É claro que fazer oposição implica necessariamente explorar as fragilidades do governo. Mas há duas maneiras óbvias de fazer oposição: a responsável e a irresponsável. A oposição é responsável quando capaz de estabelecer, nas situações-limite, o equilíbrio entre seus legítimos interesses partidários e o bem comum – ou o interesse público. No caso do ajuste fiscal, é óbvio que as medidas propostas pelo governo – que significam a admissão de graves erros que cometeu –, embora impopulares, são indispensáveis para o saneamento das contas públicas. E o próprio PSDB, se tivesse vencido a eleição presidencial, estaria hoje propondo ao Congresso providências semelhantes. Assim, sob qualquer ponto de vista, tais medidas correspondem ao interesse público.
Ao fazer oposição intransigente ao ajuste fiscal proposto pelo Planalto, os tucanos se comportam exatamente como lamentavelmente faziam os petistas antes de chegar ao poder. Na oposição, o PT opôs-se irresponsavelmente à Constituição de 1988, ao Plano Real, à Lei de Responsabilidade Fiscal, às privatizações – inclusive aquelas que colocaram ao alcance da maioria esmagadora dos brasileiros serviços públicos de alguma qualidade. Como não se apresentou ao País um projeto alternativo de ajuste fiscal, o PSDB faria muito melhor figura na atual cena política se tivesse a coerência de se comportar, em relação ao ajuste fiscal, do mesmo modo que faria se fosse governo.
Igualmente grave é a ridícula tentativa do PT – partido do governo que se vangloria de pela quarta vez consecutiva ter conquistado nas urnas essa condição – de fazer o papel de oposição na TV, com Lula denunciando o “atentado aos interesses dos trabalhadores” provocado pelo ajuste fiscal proposto pelo governo e pela terceirização da mão de obra em tramitação no Congresso, ao mesmo tempo que procura aprovar essas medidas com a mão do gato. Ou seja, jogando sobre o PMDB e outros partidos da base aliada o ônus de uma decisão impopular. Na votação da MP 665, a bancada do PT só votou a favor do governo porque o PMDB exigiu da liderança petista o fechamento da questão, sob a ameaça de votar contra a medida. A proposta acabou aprovada por escassa maioria.
Essa novela está longe ainda de seu desfecho, uma vez que governo e PT parecem se entender cada vez menos e se distanciar um do outro cada vez mais. O programa político do PT exibido na TV na terça-feira à noite – recebido com um estrondoso panelaço em todo o País – ignorou a presidente Dilma Rousseff, para preservar a imagem não se sabe se do próprio partido ou da chefe do governo.
Essa dúvida nem a própria Dilma se dispôs a dirimir ao fugir do assunto e comentar o panelaço com sua peculiar sintaxe: “No Brasil elas (manifestações como o panelaço) são normais, porque nós construímos a democracia. Então, respeitar a manifestação livre das pessoas é algo que nós conquistamos a duras penas”.
O fato é que, quando o governo finge que é oposição e a oposição parece ser governo, as coisas vão muito mal.
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