- Valor Econômico
Lista de Janot reativa importância do 'Posto Ipiranga'
A entrada de Luiz Inácio Lula da Silva nos cenários eleitorais de 2018 enrosca a trama da anistia que se costura em Brasília. No depoimento que prestou à Justiça Federal esta semana em Brasília, o ex-presidente não deixou dúvida de que entrou no jogo com o uniforme de perseguido pelo Judiciário. Some-se a isso a ecumênica lista de Rodrigo Janot, Lula arredonda a tese de que se todos são iguais, foi ele quem fez alguma coisa pelo eleitor.
Antes de colher os destroços da lista, a estratégia do ex-presidente, já delineada nos enfrentamentos entre seus advogados e o juiz Sergio Moro, passa pelo carimbo, na toga, da pecha discriminatória. O ex-presidente deixou o abatimento de lado e colocou uma gravata em tons da bandeira do Brasil para responder "curso primário e técnico" à indagação sobre sua formação escolar. Em seu primeiro depoimento como réu, quando chamou de doutores aqueles que o interrogaram, contou que um juiz soltou gargalhada quando um advogado assim o denominou numa audiência.
Não custará a resgatar a condução coercitiva, o impedimento de sua posse no ministério, seguido pela permissão a Moreira Franco, e a quebra do sigilo telefônico de um presidente no cargo, além da morte da mulher, exposta em diálogos com os filhos sem valor judicial, cujo apelo é capaz de resistir até a um mau marqueteiro.
Se a anistia, nas diversas formas que pode vir a tomar, livrar a cara dos aliados de Temer e deixar Lula nas mãos de Moro, o enredo da vitimização ganha corpo. Se beneficiário da trama, o ex-presidente sairá candidato. Lidera duas pesquisas, intenção de voto e rejeição. Uma impõe teto à outra, mas como até agora estava sozinho no papel de vilão, é possível que o segundo ranking tenha uma disputa mais acirrada. Se não for capaz de voltar à Presidência da República com o quinhão de votos que tem, poderá fazer dele um dos maiores cabos eleitorais da disputa de 2018.
Ao enfrentar juízes e promotores, Lula empresta sua estampa à tese de que o judiciário que começa a se debruçar sobre a lista de Janot é partidário. É um véu sob o qual políticos de todos os naipes, sem o mesmo talento para o palco, gostariam de se abrigar.
Caciques pemedebistas, como o senador Renan Calheiros, fazem circular em Brasília pesquisas que mostram a popularidade de Lula em seus Estados. Deixam poucas dúvidas de que não hesitarão a pular de volta para seu barco se estiver em jogo a sobrevivência de seu grupo político. Já tem candidato disposto a ir a Curitiba fazer foto ao lado de Lula de uniforme e cabeça raspada. Num Congresso ameaçado de renovação recorde, os santinhos podem fortalecer bancadas e manter a força de partidos que rumam para 2018 com inaudita indefinição.
A capacidade de Eduardo Cunha de manter seu grupo político operante e com franco acesso ao gabinete presidencial, ainda que encarcerado em Curitiba, é uma demonstração da resiliência dessa gente. Contam com a renovação na Procuradoria-Geral da República e nos tribunais superiores para decantarem, na roda lenta da história, a métrica que os enxovalha.
Têm, ainda, a possibilidade de buscar sobrevida na engenharia eleitoral, debate hermético para sua excelência, o eleitor. No momento em que se começa a dar nomes aos bois, por exemplo, passa a ser mais conveniente escamotear os rebanhos em listas partidárias que podem ainda reduzir a vantagem comparativa de quem vier a contar com bons cabos eleitorais.
Para os velhos mandatários do poder, em Brasília, a lista foi a melhor notícia que poderia lhes acontecer. A trindade tucana dos senadores José Serra e Aécio Neves e do governador paulista Geraldo Alckmin somaram, nos últimos 15 anos, 14 disputas eleitorais, terreno mais do que fértil para a criminalização do financiamento eleitoral em todas as suas modalidades. Já o trio pemedebista encastelado no Senado, Renan Calheiros, Romero Jucá e Jader Barbalho, não ultrapassam a soma de cinco eleições nesse período.
Os tucanos pagam pelo erro do impeachment, que só fez crescer, aos olhos do eleitor, e de um Judiciário que agora corre para provar equidistância, os pecados que acumularam ao longo da vida.
Lula é o comandante dos sobreviventes porque aprende com os erros dos outros. Mantém distância da barca #Fora Temer, propagandeada por correligionários. Sabe que se a Lava Jato destruir o presidente, é porque não sobrará um único petista para contar a história.
Tem narrativa para atrair não apenas pemedebistas quanto os egressos do centrão que não se veem representados pela aliança entre o presidente da República e o PSDB. Transformou-se, efetivamente, naquilo que, no depoimento, resumiu como 'Posto Ipiranga', denominação alusiva ao bairro do instituto que leva seu nome e onde todos param para resolver problemas e seguir o rumo. Se as reformas encrencarem, até Temer vai acabar por lá.
A despeito da carta peremptória sobre os destinos da democracia, Janot não parece ignorar o 'Posto Ipiranga'. Deixou aberta, nos inquéritos, a possibilidade de vir a acatar versões abrandadas de anistia, separando a tipologia de crimes eleitorais em função da existência de vantagens indevidas. O problema agora é a ginástica que o Supremo terá que fazer para conciliar uma visão mais benigna do financiamento eleitoral com a decisão que, no mês passado, colocou na ilegalidade a doação registrada se oriunda de empresa corrupta.
Se o único entrave possível à ginástica da seletividade jurídica é uma reação ruidosa das ruas, a malhação produzirá um eloquente silêncio. A crise eleva o custo da mobilização. Os protestos de ontem tiveram o mérito de exibir unidade, contra a reforma da Previdência, de sindicatos que divergem sobre quase tudo. Longe, no entanto, de arregimentar os prejudicados, ainda ofereceram palanque para o prefeito de São Paulo, João Doria, exibir seus dotes anti-baderna e se cacifar como o anti-Lula que, há décadas, move a política brasileira. Sim, as mídias sociais nunca estiveram tão ativas, mas basta ver que fim levou seu último rebento, as dez medidas anticorrupção, para se constatar o banho que tomaram da velha política.
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