- Valor Econômico
Capital político vem dos votos, mas dura pouco em Brasília
O governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro, vai adotar o projeto de reforma da Previdência enviado ao Congresso Nacional pelo presidente Michel Temer, em vez de formular e propor uma nova Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Possíveis alterações no projeto serão feitas por meio de emendas durante a sua tramitação. A decisão de aproveitar a PEC que já andou na Câmara dos Deputados, confirmada a esta coluna por fonte graduada do futuro governo, é sensata porque aprovar essa reforma será o primeiro grande teste do novo presidente. Não há tempo a perder.
A PEC passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e, no início de maio do ano passado, a Comissão Especial criada para analisar a proposta aprovou o texto básico. Tudo se encaminhava para a primeira votação da PEC na Câmara ainda naquele mês, mas uma operação de "espionagem" mambembe - feita pelo empresário Joesley Batista e incentivada pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para incriminar Temer a qualquer preço - inviabilizou a reforma. Joesley gravou conversa embaraçosa com o presidente para entregar sua cabeça às autoridades e salvar a sua e a do irmão Wesley, seu sócio na JBS. Não conseguiu nem uma coisa nem outra, mas tornou Temer, desde 17 de maio de 2017, um "lame duck" (pato manco), como os americanos se referem a governantes que, em pleno exercício do mandato, não têm força política para aprovar projetos no Legislativo.
Janot e os irmãos Batista não conseguiram imputar Temer, mas destruíram o que em Brasília se chama de "capital político". É com isso que se governa num regime presidencialista sem partidos hegemônicos. Trata-se de um bem precioso, mas temporário e fugaz; aparentemente forte, mas delicado e suscetível.
O capital político se origina do voto popular, mas não somente. Temer assumiu a Presidência da República num dos momentos mais delicados da vida nacional em décadas. Foi acusado de liderar um "golpe" contra a então presidente Dilma Rousseff, caso único da história do país em que um mandatário que se indispõe com todos - vice, aliados, oposicionistas, mercados, amigos, assessores, piloto do avião oficial em que viajava, secretárias, o pessoal que serve cafezinho nos palácios de Brasília e até com o responsável por sua ascensão ao poder (Luiz Inácio Lula da Silva) -, por acreditar que só ela sabe o que é certo e errado.
Quem elegeu Dilma foi a popularidade de Lula e quem elegeu Temer foi Dilma. Em tese, o vice-presidente, por não receber votos diretamente, não tem capital político algum ao chegar ao Palácio do Jaburu, a residência oficial do vice. No Brasil, ninguém liga para vice-presidente e a razão é uma só: a Constituição não lhe confere atribuições, a não ser substituir o Número 1 em casos de viagem desse ao exterior.
Nos Estados Unidos, o vice-presidente, eleito da mesma forma que no Brasil, é também o presidente do Senado. Ora, a simbologia é tão forte que é difícil imaginar o interesse do Número 2 em desestabilizar o chefe. Na Ilha de Vera Cruz, vice é tão desimportante que seu gabinete se localiza no subsolo de um anexo xexelento do belíssimo Palácio do Planalto - o Jaburu é soturno se comparado ao Alvorada, a morada oficial do presidente.
A falta do que fazer em Brasília é um perigo. O sujeito fica escondido em salas mal iluminadas, resfriadas por máquinas de ar condicionado barulhentas, longe do glamour e dos rapapés dos andares acima, onde a Côrte gira em torno do Número 1 - lá, é servido cafezinho com leite em pó. O gabinete do vice é um convite à conspiração porque, nos filmes, conspiradores maquinam seus golpes em salas à meia-luz e empoeiradas e não em monumentos modernistas.
Mas Dilma caiu na véspera, antes mesmo de Temer pensar em derrubá-la. Depois de fazer péssima gestão no primeiro mandato (2011-2014), lançou mão de hiperbólica campanha populista como há muito não se via nos tristes trópicos. Prometeu o que não tinha como entregar, um Estado perdulário que não cabe dentro do PIB do país. Assim, arruinou, de forma impressionante, as finanças públicas, jogando o Brasil numa crise sem precedentes, responsável por subtrair, em apenas três anos (2014-2016), quase 8% do que produzimos. Uma crise da qual tem sido muito difícil sair, dada a desorganização provocada nos setores público e privado.
No início do segundo mandato, em 2015, Dilma escolheu um inimigo (o ex-deputado Eduardo Cunha) - um erro crasso em política, agora repetido pelos filhos do presidente eleito, interessados em enfraquecer Renan Calheiros (MDB-AL) antes de o jogo começar. Cunha estava eleito presidente da Câmara antes mesmo da votação de seus pares, mas Dilma achou que dava para destronar o aliado, isso mesmo, um aliado de seu governo desde o primeiro mandato de Lula. Não conseguiu convencer nem o deputado Arlindo Chinaglia, o candidato do PT contra Cunha, de que ele teria condições de vencer a disputa.
Em abril de 2015, Lula percebeu que Dilma caminhava, célere, para ingovernabilidade. Além de não se entender com aliados, a então presidente foi obrigada a fazer um ajuste na confusão que ela mesma provocou na economia, cometendo, portanto, o mais grave dos pecados de um presidente que se elege com falsas promessas: o estelionato eleitoral. Ali, perdeu o capital político e o impeachment tornou-se uma questão de rito processual e político, nunca uma dúvida.
Sabedor da relevância de quem, em Brasília, possui perspectiva de poder Lula sugeriu a Dilma que colocasse Temer no coração do governo. Ela fez isso, mas sem dar ao vice o poder real. O Número 2 decidiu, então, romper com a Número 1 e lançar à sociedade as bases de uma alternativa a tudo que o Dilma vinha fazendo de errado. Pronto. Temer acumulou capital político para governar.
Bolsonaro terá seis meses para aprovar a reforma da Previdência em primeiro turno na Câmara. Se não suceder, seu capital escorrerá pelo ralo e os mercados punirão Brasília de forma exemplar. O risco de o novo mandatário tornar-se rapidamente um "lame duck" é real na hipótese de fracasso na aprovação da reforma de todas as reformas.
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