O Globo
A Conferência das Nações Unidas sobre o
Clima, COP-26, começa hoje com o Brasil sendo o mais óbvio candidato a vilão.O
país será acusado de violar o Acordo de Paris e, além disso, aumentou suas
emissões quando o mundo as reduziu. Os especialistas dizem que nada do que o
governo disse até agora faz sentido, porque não existe plano de implementação.
A direção da Conferência já disse, reservadamente, a alguns observadores, que
se o Brasil não atrapalhar já será bom. Um país na contramão do mundo e da
História. A única boa notícia é a ausência de Jair Bolsonaro na reunião de
líderes. Assim, não passaremos muita vergonha.
—O Brasil chega como vilão na COP por dois motivos. O primeiro pela pedalada climática que o GAP Report (divulgado pela ONU) deixou claro. Ela permite ao Brasil o aumento das emissões em relação ao que estava acordado. Outra coisa é que o mundo reduziu as emissões em 7%, e o Brasil subiu em 9%. Então esse é o desenho de um vilão. A gente chega como uma caricatura —disse a advogada Stela Herschmann, especialista em políticas climáticas do Observatório do Clima e que está em Glasgow.
Será uma reunião difícil de qualquer
maneira. Relatórios recentes mostram que os compromissos atuais, mesmo se forem
cumpridos, elevariam a temperatura em 2,7 graus Celsius até o fim do século. É
por isso, explica Stella Herschmann, que se fala tanto de aumento das ambições
nacionais. Cada país tem que ir além do que se comprometeu.
— Os compromissos dos países não são
suficientes para chegar na meta menos ambiciosa do Acordo de Paris, que é de
dois graus, quanto mais em um grau e meio, que deveria ser o objetivo. O lema
do governo inglês, através do negociador Alok Sharma, é o de manter viva a meta
de um aquecimento de um grau e meio —disse Stela.
O acordo de Paris em 2015 foi um grande
passo, uma vitória para a humanidade, mas agora seria a hora de discutir a
implementação. Esse será um tema em Glasgow, mas ao mesmo tempo seria
necessário ter ousadia e elevar as metas. A década é crucial, segundo o IPCC,
portanto, a reunião de Escócia é decisiva.
O Brasil estará dividido. Na delegação
oficial há uma cúpula fraca e alguns bons técnicos entre os negociadores. Dos
representantes dos outros poderes, vai o presidente do Congresso, senador
Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Na representação da Câmara dos Deputados, há pessoas
inimigas do meio ambiente. Até quinta-feira o país vivia o absurdo de o
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ter credenciado Carla Zambelli
(PSL-SP) e não ter autorizado a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) a entrar na
delegação. Na sexta-feira, confirmei com o gabinete da deputada indígena que
ela, enfim, recebeu a autorização de integrar a delegação e estava correndo com
as providências de viagem.
Presidentes de grandes empresas
brasileiras, vários governadores e muitos observadores da sociedade civil
acompanharão as negociações e participarão de eventos paralelos. O governo em
seu descompasso estará à deriva até entre brasileiros, porque o país já
entendeu para onde é preciso avançar nesse campo em que temos tanto a ganhar. O
governo é que permanece negacionista e perdido.
As empresas estão de olho na definição do
Manual de Regras do artigo 6º que permitirá a criação do mercado de carbono. Um
dos pontos que o governo brasileiro vai defender, e que não é bem visto pelos
ambientalistas, é o de aproveitar os créditos do Protocolo de Kyoto no novo
mercado, o chamado carry-over. Outra questão relevante no debate será a de
evitar dupla contagem, ou seja, o país que vender crédito de carbono não pode
usar essa redução de emissão para o cálculo das próprias metas. Há um tema
controverso que é o de perdas e danos das tragédias climáticas. Há uma questão fundamental
com o poder de decidir o ambiente das negociações que é a do financiamento
climático.
— O que foi negociado foi o financiamento
de R$ 100 bilhões por ano entre os anos de 2020 e 2025, para os países em
desenvolvimento. Se isso for resolvido no início, pode dar uma acalmada e ter
mais chances de o evento como um todo dar certo — disse Stela.
Há muito a se discutir em Glasgow, de
pontos técnicos a passos estratégicos. O Brasil sempre foi um respeitado
negociador, influente, hábil e formulador de soluções. É uma tristeza que o
país esteja agora no papel de ser o vexame mundial.
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