Folha de S. Paulo
Lira teme investigação do dinheiro que sela
o acordo governo-centrão, diz Calheiros
O senador Renan
Calheiros (MDB) disse que o deputado Arthur Lira
(PP) está preocupado "com o que pode vir de investigação"
sobre um certo tipo de emenda parlamentar, as ditas "emendas
de relator".
A fim de garantir dinheiro também para
essas emendas, Jair
Bolsonaro, Lira e o centrão querem aumentar o gasto federal em 2022 e decretar
moratória de parte dos precatórios.
"Isso [emendas de relator] vai causar
talvez o maior escândalo do Brasil de todos os tempos", disse Calheiros na
semana passada, em nova querela com Lira, seu inimigo em Alagoas.
Calheiros estava falando do quê? Foi apenas canelada ou conhecimento de causa? Essas emendas também são investigadas pelo Tribunal de Contas da União e serão examinadas pelo Supremo. São rolos dentro de rolos.
Apesar de as emendas serem, claro,
aprovadas na lei
do Orçamento, a liberação do dinheiro para cidades ou outros
"entes" não é obrigatória. Em 2021, Lira e Ciro Nogueira (PP-PI),
senador ora ministro da Casa Civil, chancelam a distribuição dos recursos, nem
sempre em acordo com o resto do governo, dirigindo o trânsito específico do
dinheiro (as emendas podem não descer a detalhes). É assim que Bolsonaro paga a
conta de não ser emparedado pelo Congresso,
ou mesmo impichado.
O dinheiro das emendas facilita a reeleição
da "diretoria" do centrão. Sim, "diretoria", pois o
baixíssimo clero se queixa de que recebe pouco, o que tem contribuído para
derrotas de Lira na Câmara; há queixa similar no Senado, onde Lira e Bolsonaro
tomam muitas tundas.
Emenda é uma modificação do projeto de lei
do Orçamento que o governo envia ao Congresso. "De relator" quer
dizer que o relator (o parlamentar que dá forma final a um projeto de lei) do
Orçamento propõe tais modificações, a serem votadas por deputados e senadores.
Mais de metade do valor das emendas parlamentares de 2021 é de relator (existem
as individuais e outras, merrecas). Equivalem a cerca de 2% da despesa federal.
Tais emendas são distribuídas sem critério
de política pública, quase de costume. É difícil saber quem são seus padrinhos,
muita vez o dinheiro é transferido sem contrato ou projeto de uso e não se sabe
da eficiência ou justiça da despesa.
Por esse motivo, Cidadania, PSB e PSOL
foram ao Supremo pedir
a suspensão dessas emendas. Desde junho, a ação tarda na mesa de Rosa Weber.
Caso a ministra suspenda o negócio, criará um salseiro na "base" do
governo. Mas nada diria, nem pode, sobre malversações do dinheiro.
Em geral, emendas picotam parte do que
sobra do Orçamento (parte do 5% que não é gasto obrigatório) em pequenas obras
(posto de saúde, asfalto, centro esportivo, escola, estrada, ponte, trator,
poucas em obras maiores). Não é dinheiro "roubado" pelo parlamentar.
Como mais e mais emendas têm sido liberadas sem qualquer controle técnico
prévio, teme-se rolo criminal.
Apesar de boatos de rolo maior, ainda não
há "fato determinado" para, por exemplo, se criar uma CPI. Pelo que
se sabe até agora, o "Bolsolão" é apenas uma mutreta política com
fumaças de inconstitucionalidade.
Mas parlamentares criariam uma CPI para
investigar dinheiros do interesse da maioria de seus pares? Criariam problemas
com eventuais aliados na eleição de 2022? Só por milagre; talvez com a
revelação de um escândalo daqueles, nos jornais. Escândalo daqueles que, hoje
em dia, quase ninguém está disposto a fazer. O país e suas elites se acomodaram
em um acordão, se cansaram, também se locupletam ou desistiram: o país como que
apagou.
Se esse rolo estourasse, porém, seria uma estaca que passaria perto do coração de Bolsonaro.
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