quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Maria Cristina Fernandes - Os novelos da costura do acordo com a China

Valor Econômico

Falta de fôlego fiscal do país para investir une céticos e entusiasmados com acordo. A ver se tapete vermelho se traduz em benefícios concretos

A comitiva que está em Pequim esta semana tem por missão arrancar dos chineses um pacote robusto a ser anunciado em 20 de novembro por Xi Jinping naquela que é considerada a principal visita de Estado do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A visita, que se seguirá ao encontro do G20, no Rio, marca os 50 anos da relação bilateral.

Se há um novelo de arestas em torno desta visita, há, pelo menos, um ponto em comum: o peso dado à parceria parte da conclusão benigna de que o Estado não tem fôlego para os investimentos necessários ao crescimento do país.

Esta visita começou a ser preparada em abril de 2023 quando Lula voltou de Pequim. De lá para cá estiveram na China tanto o vice-presidente Geraldo Alckmin, também ministro da Indústria e Comércio e chefe, pelo Brasil, da comissão bilateral de cooperação, a Cosban, quanto a ministra do Planejamento, Simone Tebet, à frente da rota transoceânica, alvo da parceria.

Foi o ministro da Casa Civil, Rui Costa, porém, quem, paulatinamente, concentrou a coordenação da pauta. Se é uma decorrência das atribuições no PAC, seu papel, ao lado do assessor especial da Presidência, Celso Amorim, também traduz a centralidade da pauta para Lula.

Quando Costa e Amorim já estavam a caminho do aeroporto no domingo, representantes de outros ministérios a par das discussões não tinham conhecimento de que a viagem se ultimara. No dia seguinte, embarcaram o diretor do Banco Central, Gabriel Galípolo, e o secretário de Política Econômica, Guilherme Mello.

São grandes as ambições, a começar pela ideia, defendida por Amorim, de que a parceria traga o que nem aquelas firmadas por Juscelino Kubitschek, nos anos 1950, para a vinda da indústria automobilística, o fizeram: transferência de tecnologia, particularmente para a transição energética. “Sem isso, não haverá acordo”, garante o assessor especial de Lula.

De todos os envolvidos, Amorim é o menos avesso ao programa chinês “Cinturão e Rota” sobre o qual não aplica o termo adesão mas “sinergia” com o PAC. Só a ex-presidente Dilma Rousseff, hoje presidente do banco dos Brics, lhe oferece concorrência no otimismo.

A “sinergia” é uma resposta pronta e acabada a quem argumenta que o “Cinturão e Rota” não tem trazido vantagens a quem aderiu e já acolhe desistências, como a Itália. Entre os 149 países envolvidos na iniciativa, aquele que o assessor especial do presidente pinça para citar “sinergia” semelhante àquela pretendida é a Rússia - desde o gasoduto até a compra, pela China, de unidades fabris abandonadas em função das sanções impostas àquele país.

A compra de fábricas automobilísticas no Brasil começou antes desta “sinergia”. Primeiro veio a BYD, que se instalou na antiga unidade da Ford, em Camaçari (BA), depois veio a BWM, que o fez naquela da Mercedes-Benz, em Iracemópolis (SP). As negociações para o gasoduto “Poder da Sibéria 2”, porém, estão paralisadas pela resistência chinesa a pagar o que a Rússia pede pelo gás. O gasoduto começou a ser planejado depois da eclosão da guerra da Ucrânia, que suspendeu parte das exportações russas para a Europa.

O acordo que se ambiciona passa por fábricas de painéis solares, aerogeradores, ferrovias de alta velocidade, inteligência artificial, hidrogênio verde a partir do biocombustível, aviões da Embraer para a Defesa chinesa e uma fábrica de baterias para carros elétricos. Como se fosse pouco, ainda se quer atrair a poupança chinesa para o maravilhoso mundo do juro na lua do Brasil. Esta é a missão de Galípolo na comitiva.

Entre o céu e a terra, há uma infinidade de senões. Da China, por exemplo, a mesma resistência que os chineses apresentam ao preço do gás russo estaria sobre a mesa em relação ao custo da energia no Brasil para movimentar uma unidade fabril de baterias.

No Brasil, as tratativas em curso navegam num bonde de resistências com várias paradas na Esplanada dos Ministérios. Na política externa teme-se o que possa vir a ser percebido como uma frente adicional de alinhamento político já evidenciado no plano conjunto com a China para a Ucrânia, especialmente ante as incertezas trazidas pela sucessão americana.

Na política industrial, as suscetibilidades convergem com preocupações como as da Anfavea. Na semana que antecedeu a viagem da comitiva, representantes das montadoras pediram ao governo para acelerar o gradual aumento de impostos sobre carros elétricos.

O Mover, programa de mobilidade verde proposto pelo Executivo e aprovado pelo Congresso, já embute vacinas contra a instalação de “maquiladoras”, tanto que a GWM antecipou o índice de nacionalização de sua produção para usufruir dos benefícios fiscais do programa.

O programa não foi suficiente para conter a pressão da Anfavea, mas resistências como esta seriam mais facilmente superadas se Alckmin, Tebet e Marina Silva, ministros da chamada “frente ampla”, da qual Lula lançou mão para se eleger, fossem incorporados ao núcleo decisório da parceria. Se Lula os tivesse ouvido em temas como a Venezuela, por exemplo, não teria ido tão longe. São eles, também, que alcançam mais facilmente setores temerosos de que o Brasil enfrente restrições americanas em função de um amplo acordo com a China.

Tanto a turma dos céticos quanto aquela dos mais entusiasmados converge na constatação de que esta aproximação se dá a convite dos chineses. A ver se o tapete vermelho estendido ao Brasil se traduzirá em benefícios concretos para o país.

 

5 comentários:

Mais um amador disse...

Perfeito !

Anônimo disse...

Muito bom! Restrições americanas são mais que esperadas, pois faz parte da defesa permanente dos interesses dos EUA sobre qualquer outro que baseia as decisões pouco ou nada democráticas emanadas do Executivo dos EUA.
Será que a China se interessará pelo "maravilhoso mundo do juro na lua do Brasil"? Se forem mesmo capitalistas, os chineses não perderão esta oportunidade.

Anônimo disse...

Vamos vender de uma vez o Brasil pra China, só não esqueçam de dizer que tudo é em nome da democracia......

Anônimo disse...

Nada será feito "em nome da Democracia" com a China. O que se fizer com a China será em nome da ECONOMIA! Como tudo o que foi feito com ela até agora, que levou a China a ser o maior parceiro COMERCIAL do Brasil. Se EUA e Europa têm pouco interesse de comprar nossos produtos, China, Índia, México e outros países têm grande interesse.

ADEMAR AMANCIO disse...

A ver... Espero que não seja navios,rs.