O Globo
O problema dos candidatos da terceira via é
a falta de clareza sobre a base das suas propostas. Os projetos têm se
apresentado por oposição e não por definição. O que é a terceira via? Se a
resposta do político for que é uma alternativa a dois extremos, já errou. Como
escrevi neste espaço em maio de 2021, não há dois extremistas na disputa, mas
apenas um, Jair Bolsonaro. Semana passada, novamente, Bolsonaro provou que ele
é um perigo para a democracia. Atacou ministros do STF com palavrões, defendeu
a ditadura, colocou em dúvida as urnas eletrônicas, elogiou um parlamentar
delinquente.
Na economia, Lula e Bolsonaro às vezes se parecem. Na questão institucional, não. Basta se perguntar quantas vezes os comandantes das três forças, nos governos do PT e do PSDB, se sentiram estimulados a soltar uma nota tão desavergonhada quanto essa do dia 31 de março. Os militares sempre se recusaram a olhar de forma adulta o que houve no país quando eles governaram. Mas Bolsonaro liberou o autoritarismo. Aquela nota não é apenas um acinte. É uma ameaça. Se eles acham que respeitaram a Constituição quando a rasgaram, se acham que “nos anos seguintes ao dia 31 de março de 1964, a sociedade brasileira conduziu um período de estabilização” e de “amadurecimento político”, que no fim trouxe a “paz no país”, podem repetir a mesma sequência pavorosa de eventos.
Os governos democráticos enfrentaram alguns
momentos de tensão com um ou outro militar, como no caso da presidente Dilma
Rousseff com o general Hamilton Mourão. Mas não aceitaram a tutela que as
Forças Armadas sempre quiseram impor ao país. Bolsonaro estimulou os piores
quadros a mostrarem todo o seu golpismo. Nesta questão crucial da democracia
brasileira, Lula se parece com outros presidentes civis, mas se distancia
diametralmente de Bolsonaro.
Sobre a Petrobras, os dois têm propostas
populistas e que envolvem gasto público para reduzir os preços de combustíveis
fósseis. É uma insanidade tirar dinheiro do cofre público para ajudar o dono do
carro — ou do carrão — a encher o tanque. Os três — Ciro Gomes incluído — têm
propostas intervencionistas para a Petrobras. Todos os preços estão subindo,
mas a obsessão dos candidatos é com a gasolina. Isso num momento em que a mudança
climática castiga as cidades brasileiras.
No governo do PT houve corrupção na
Petrobras. Tanto houve que o dinheiro voltou. Foram R$ 6 bilhões de uma
inquestionável materialidade. Bolsonaro atropelou os acionistas, as leis do
mercado de capitais, o estatuto da empresa, biografias de gestores, tudo pelo
seu intervencionismo. Os liberais que o apoiaram deveriam estar envergonhados.
O ministro Paulo Guedes finge que nada é com ele.
Na palestra que fez na FUP dias atrás, tão
bem comentada neste jornal pela colunista Malu Gaspar, Lula me criticou. De
novo. “Quantas vezes a Miriam Leitão disse que era impossível explorar o
pré-sal?” Eu nunca disse que era impossível. Disse que era difícil, e a
tecnologia teria que ser aprimorada. Eu e muita gente. Na época, Lula dizia que
o pré-sal era o “passaporte para o futuro”. Nunca foi, e a mudança no marco
regulatório promovida pelos governos petistas fez o país perder cinco anos de
exploração.
Só cito aqui essa referência a mim para
dizer ao leitor que, na condição de jornalista criticada pelos dois lados,
repito que os dois candidatos não são iguais. Se ambos não gostam de mim, não é
algo que me tire o sono.
O relevante é que, desde o primeiro dia de
mandato, Bolsonaro tem implantado a “cupinização” da democracia, na expressão
usada pela ministra Cármen Lúcia, ao julgar o conjunto de ações que mostram a
destruição de todo o aparato institucional de proteção da Amazônia.
Nesse julgamento ficou claro, mais uma vez,
o mal que Bolsonaro tem feito à República. Das quatro preliminares contra a
ADPF 760, a que acusa o governo de ter sabotado o plano contra o desmatamento
(PPCDam), apresentadas pelo Advogado-Geral da União (CGU), três estavam também
na sustentação oral do Procurador-Geral da República. O Brasil não tem
Procurador-Geral da República. Bolsonaro tem dois advogados. Como Lula escolheu
o PGR? Como os indicados agiram? As respostas mostram bem a diferença. Não há
paralelo. Esse ponto inicial tem que estar em qualquer candidatura democrática.
Há vários caminhos na economia e nas políticas sociais, mas na questão
institucional há uma única via: a democracia. Isso não foi entendido pelos
tucanos que se juntaram a Bolsonaro, em 2018, nem por Ciro Gomes que se absteve
no segundo turno.
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