- O Globo
• O Brasil tem recursos para se reconstruir. Quem quer viver num país decente tem aliados sólidos nos juízes e procuradores
Ninguém sabe o dia de amanhã, ensinaram-me desde menina. Até hoje eu não tinha vivido um tempo em que esse bordão fosse tão verdadeiro.
A manifestação de amanhã contra o governo do PT está sendo convocada em todo o país pelas redes sociais e, como sabemos, na rede há de tudo.
Não sei como será o dia de amanhã. Sei como gostaria que fosse. Manifestar oposição a um governo é legítimo. Sem violência nem incitação à violência porque de brutalidade não precisamos, é o que está sobrando em nosso país. Nada fora da lei, já que é contra os desmandos de toda ordem que se está protestando e não faz sentido recorrer aos métodos daqueles contra quem se protesta. Se para o PT os fins justificam os meios, em uma manifestação de oposição os meios deveriam espelhar os fins.
Diversa há de ser porque os 76% que desaprovam o governo não são todos iguais. O denominador comum de quem vai sair às ruas é o repúdio ao que se poderia chamar o “sistema PT”: a pilhagem da maior empresa do país, o aparelhamento sistemático do Estado, “como nunca antes nesse país” a corrupção como instrumento de governo e domesticação do Congresso, a formação de quadrilha com empresas corruptas e corruptoras. Militantes e dirigentes arrogando-se em únicos amigos e servidores do povo, colocando-se acima do bem e do mal, descendo assim aos subterrâneos onde o pixuleco se fez lei, permitindo o enriquecimento ilícito de alguns supostos “heróis”.
Os mitos do partido puro, diferente e melhor do que todos os outros ruíram, um a um. Sobrou um rei nu que, num último subterfúgio, talvez busque esconderijo em algum ministério abandonado. Decadência trágica de um projeto portador de tanta esperança e que se deteriorou pela sede de poder e pela ganância, equivalente tupiniquim do “socialismo real” que, em todo canto, cedo ou tarde se desfez em frangalhos, deixando atrás de si terra arrasada.
Por mais forte e justificada que seja a indignação com esse estado de coisas, a sociedade não pode resvalar para o desrespeito às instituições tão a gosto dos pescadores de águas turvas, esses que não têm e nunca tiveram nenhum apreço pela democracia. O ódio, de onde quer que venha, é um veneno letal para quem odeia.
O país não está partido ao meio como se apregoa. A desaprovação do governo é tão ampla que fala por si e desmente a lógica da divisão. Os milhares que protestam nas ruas são a ponta de um iceberg feito de milhões que, dentro de si, partilham o sentimento de revolta. Para esses, a questão que realmente importa é como reconstruir a terra arrasada.
O Brasil tem recursos para se reconstruir. Quem quer viver num país decente tem aliados sólidos nos juízes e procuradores que estão desfazendo esta trama sinistra de arbítrio e corrupção.
Na Petrobras, milhares de funcionários estão empenhados num esforço imenso para soerguer uma empresa símbolo, da qual eles e todos os brasileiros se orgulham. Tantos mais haverá em outras empresas estatais, bancos públicos, fundos de pensão, possíveis vítimas de idêntica pilhagem. São recursos humanos de alto valor.
A mídia que resistiu às tentativas de controle e continua a alimentar o debate de ideias e a exercer seu legítimo dever de informar sobre os passos de qualquer governo é mais um precioso ativo nessa reconstrução.
O quadro se complica quando o olhar se volta para Brasília, onde políticos e partidos viciados no cambalacho são muito mais parte do problema do que da solução. Frente aos desatinos do Congresso Nacional, onde interesses pessoais desabridamente se sobrepõem ao interesse público, pergunta-se onde estão os parlamentares — espalhados em vários partidos — que têm sentido de responsabilidade e espirito público? O momento também é propício para o surgimento de novas lideranças que, como células-tronco, vivifiquem esse tecido morto que são seus partidos de ficção.
É impossível prever como a crise institucional vai evoluir. Qualquer que venha a ser o desdobramento da crise, a legalidade deve ser respeitada e os rituais previstos na Constituição obedecidos.
A manifestação de amanhã não será um ponto de chegada e sim um momento forte em um processo que amadurece. Talvez seja mais acidentado e lento do que se desejaria, mas é irrefreável: o fortalecimento na sociedade brasileira da decisão de resgatar, por todos os meios legais, o Estado brasileiro de um sequestro que as investigações da Lava-Jato tornam cada dia mais claro e comprovado. O que não se fará apenas em uma bela tarde de domingo.
É o que se pode saber hoje sobre o dia de amanhã.
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Rosiska Darcy de Oliveira é escritora
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