- O Globo
“O PT não rouba nem deixa roubar”. A frase, que dita hoje tem um ar anacrônico, era a preferida do então todo poderoso ministro- chefe da Casa Civil José Dirceu no começo do primeiro governo Lula. Dirceu hoje está na cadeia pela segunda vez, acusado novamente de corrupção no escândalo do petrolão.
Caminha perigosamente para o anacronismo outra frase, esta muito repetida pela presidente Dilma: “O PT deixa investigar, não joga nada para debaixo do tapete”. Com a saída do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, por clara pressão do PT e, sobretudo, do ex- presidente Lula, que cobravam dele um controle das ações da Polícia Federal, há um cheiro de queimado no ar: começa a desmoronar a farsa petista e arma- se uma crise institucional.
Na semana passada, deputados petistas, entre eles o líder na Câmara, Afonso Florence ( PT- BA), e o ex- presidente da OAB Wadih Damous ( PT- RJ) estiveram no Ministério da Justiça cobrando duramente Cardozo, alegando que a Polícia Federal estaria conduzindo as investigações de modo parcial, que Lula se tornara um “alvo preferencial”, e, se não forem tomadas providências, “Lula vai acabar sendo preso".
A saída de José Eduardo Cardozo é o desfecho de uma relação tumultuada que ele, um dos fundadores do PT, sempre teve com Lula e dirigentes do partido, como José Dirceu. Nos anos 1990 ele fez parte de uma comissão de investigação interna do PT em São Paulo sobre uma denúncia do economista Paulo de Tarso Venceslau contra o advogado Roberto Teixeira, o mesmo compadre de Lula que até hoje está no noticiário, e seu irmão, Dirceu Teixeira, que usariam o bom trânsito no PT para recomendar a prefeitos do partido a contratação da Consultoria Para Empresas e Municípios (CPEM).
Os outros membros da comissão eram Hélio Bicudo, que rompeu com o partido e hoje assina o pedido de impeachment da presidente Dilma, e Paul Singer. O diretório nacional do PT, controlado por Lula, rejeitou o relatório da comissão de averiguação, que viu sinais de corrupção nos contratos, e o único punido foi Paulo de Tarso Venceslau, expulso da legenda.
No episódio do mensalão, o deputado federal José Eduardo Cardozo participou da CPI dos Correios e defendeu a “refundação” do PT. “Temos de fazer um processo interno criterioso, duro e imparcial, para aplicar punições severas a todos que se desviaram da conduta ética”.
Nunca teve a confiança de Lula e era acusado internamente de não ter o controle da Polícia Federal, enquanto de público o PT se vangloriava de permitir investigações sem tentar controlá-las. A Polícia Federal, portanto, está com um pé atrás em relação à nomeação do procurador Wellington César para ministro da Justiça, temendo que interfira na instituição.
O pensamento do novo ministro está sendo esquadrinhado, em entrevistas antigas e pronunciamentos públicos. Ele já se manifestou, por exemplo, contra uma eventual hegemonia da polícia nas investigações. O fato de ele ser do Ministério Público é uma preocupação a mais, pois o órgão teria alguns posicionamentos institucionais que são contra atribuições legais que a Polícia Federal entende ter.
Por exemplo, o Ministério Público tem normas internas que instruem os procuradores a não aceitarem que delegados de polícia representem diretamente ao juiz. Já a Polícia Federal entende que a legislação prevê que possa fazê-lo, e querem saber se o novo ministro da Justiça se baseará nas normas internas de sua corporação ou terá uma atuação mais flexível, levando em conta os interesses de cada um dos órgãos a ele submetidos administrativamente.
Há ainda uma discussão sobre se um membro do Ministério Público pode ser nomeado ministro de Estado, pois uma decisão do Supremo Tribunal Federal diz que essa subordinação ao Executivo afetaria a autonomia da instituição.
Os petistas, que fizeram pressões para tirar o ministro da Justiça, agora veem que podem ter tido uma “vitória de Pirro” e tentam vender a ideia de que a troca de ministro foi normal, sem significar uma mudança de atitude do governo. Politicamente, vai ser difícil tentar manipular a Polícia Federal, mas a instituição teme que um corte de recursos, por exemplo, inviabilize as principais operações em andamento, como a Lava- Jato.
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