quarta-feira, 31 de maio de 2017

TSE julga processo intrincado e resultado é imprevisível – Editorial | Valor Econômico

O pedido de cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, solicitado em 18 de dezembro de 2014 pelo PSDB e partidos da coligação derrotada nas eleições, foi uma ameaça coadjuvante da oposição à via principal do impeachment da presidente Dilma Rousseff, que acabou ocorrendo. A base do pedido eram fatos considerados até triviais na desonesta campanha eleitoral de 2014, exceto por uma acusação, que se revelaria funesta até para Aécio Neves (PSDB-MG) - o uso de dinheiro desviado da Petrobras. O processo finalmente será julgado a partir de 6 de junho pelo Tribunal Superior Eleitoral e pode abater o presidente Michel Temer, já sob investigação do Supremo Tribunal Federal.

A proverbial e injustificável morosidade desses processos tornou-o um espantalho político por 30 longos meses. Ele criou hipóteses capazes de assustar a nação como, a certa altura, a de que o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, iria assumir a Presidência com a cassação da chapa. Agora, assombra um presidente impopular, cujo núcleo de poder está repleto de ministros investigados na Operação Lava-Jato. Se o processo moveu-se com a lentidão de sempre, o cenário político nesse interim deu cambalhotas imprevisíveis. Até há pouco, Temer contava escapar da condenação ora com a defesa de uma incomum separação de responsabilidades e contas da campanha, ora com as delongas do julgamento que não o atingiria até o fim do mandato. Se o TSE condenar a chapa, enfim, parte-se para uma eleição indireta, inédita em períodos democráticos.

A delação dos irmãos Batista atingiu o coração da Presidência e colocou o julgamento do TSE como algo que por si só poderia retirar Temer do Planalto e forçar a resolução da encalacrada escolha de um sucessor que promovesse a continuidade na mudança, a saber, reformas econômicas. É natural para um país que assistiu a crescente judicialização da política, quando o STF entrou para decidir várias vezes o que um Congresso inerme não decidiu, esperar que dessa vez os três ministros aninhados entre os sete do TSE ponham fim à crise política. Sob pressão, o presidente do TSE, Gilmar Mendes, não quer essa responsabilidade. "Tribunal não é instrumento para solução de crise política", disse.

Mendes e o novo ministro da Justiça, Torquato Jardim, que não vê a existência de uma crise política na República (Folha de S. Paulo, 29 de maio), ressalvam o aspecto técnico, jurídico, do julgamento. Nesse caso tudo pode acontecer, inclusive um pedido de vistas de algum ministro, o que seria considerado normal no caso dos dois recém-chegados ao TSE, indicados por Temer, Admar Gonzaga Neto e Tarcisio Carvalho Neto.

O processo iniciado pelo PSDB teve uma trajetória ímpar. A principal acusação, de roubo na Petrobras, provou-se por trabalho realizado fora do tribunal pela Lava-Jato, bem depois de finda as eleições. As investigações constataram que se houve crime de abuso de poder econômico não foi exclusivo da campanha de Dilma-Temer, e que o dinheiro sujo irrigou também a chapa perdedora.

Boa parte das demais alegações da oposição contra Dilma talvez não motivasse a cassação: "propaganda institucional em período vedado, ocultação de dados econômicos sociais negativos pelo Ipea, IBGE e Ministério do Meio Ambiente", ou "uso do Palácio para atividade de campanha", além do caso de doação de uma dentadura para um eleitor que apareceu em propaganda eleitoral.

O processo ganhou corpo com as incríveis revelações saídas de Curitiba, como as delações dos executivos da Odebrecht e do marqueteiro João Santana, que só foram incluídas na fase de instrução. Elas incriminam Aécio, Dilma e Temer, mas as denúncias e as delações não foram ainda comprovadas, nem sentenças de condenação atribuídas. Não se sabe de antemão como os juízes julgarão dados que não constavam do processo original. Isso permite ao ministro Jardim imaginar que não haverá condenação. "Os fatos que estão ali são poucos, têm a ver com o início da Lava-Jato de três anos atrás", afirmou (Valor, 29 de maio). "Tudo que veio depois não faz parte".

É como se o TSE tivesse que avaliar as pistas iniciais e confusas de um escândalo em seu início já tendo conhecimento de quase todo o desenrolar da trama. É o terreno perfeito para malabarismos jurídicos. A Justiça já errou ao adiar um julgamento dessa importância por quase três anos e ter deixado para fazê-lo em meio a uma devastadora crise política. Já tardou e não pode agora falhar.

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