sábado, 28 de fevereiro de 2009

O castelo, os príncipes e o rei nu

Marco Aurélio Nogueira
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Dizem que no Brasil tudo começa depois do carnaval. A convicção é em muitos aspectos verdadeira, mas não se aplica ao ano político, que costuma dar o ar da graça bem antes disso, se é que calendários políticos conheçam férias e interrupções.

2009 começou com a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado e, quase ao mesmo tempo, com a descoberta do castelo construído pelo deputado Edmar Moreira. Nada deveria chamar muito a atenção, não estivesse o deputado ocupando a segunda vice-presidência da Câmara (cargo que incluía a função de corregedor) e não tivesse "esquecido" de declarar o bem, avaliado em mais ou menos R$ 50 milhões. Com a agravante, como logo se soube, de que o castelo havia sido planejado para servir de cassino, num país em que o jogo é ilegal. A cereja do bolo coube ao STF, que revelou a existência de um inquérito para apurar a apropriação indébita, pelo deputado, de contribuições ao INSS. Os desdobramentos do caso são conhecidos, não há necessidade de voltar a eles.

Também seria normal a recondução do deputado Michel Temer e do senador José Sarney à direção do Congresso Nacional, não fossem os parlamentares vinculados ao mesmo partido e não fosse esse partido um operador político inteiramente dedicado a seus próprios interesses, sem ideias consistentes ou laços substantivos com qualquer força viva da Nação. Partido que inscreveu seu nome na história por ter conduzido, com realismo e inteligência, a luta pela redemocratização do País, hoje o PMDB é uma sombra de seu passado, ainda que continue ativíssimo. Faltam-lhe clareza programática e projeto nacional, sobram-lhe vínculos regionais e apetite por cargos. Passou a expressar o "atraso" político brasileiro, mas, curiosamente, ajuda a que se afirme "a tradição do público na sociedade", como observou o cientista político Luiz Werneck Vianna (Estado, 15/2). Faz isso, porém, por via eminentemente fisiológica, acabando por transferir ao sistema uma pesada carga de fatores degenerativos. Para ser contido precisa ser incorporado ao jogo político, mas ao sê-lo rebaixa a qualidade do jogo. Tê-lo na condução do Congresso funciona assim de modo paradoxal: amarra o partido à democracia e à institucionalidade política, ao mesmo tempo que o reforça como estrutura predatória.

Também anterior ao carnaval foi a entrevista do senador Jarbas Vasconcelos, que não poupou palavras para detonar seu partido, que estaria hoje definido por uma estrutura "coronelística" dedicada a explorar o governo e corroída pela negociata política. O tom foi de desgosto e decepção, mas o discurso foi calculado. Dize-me com quem andas e direi quem és pareceu ser o recado ao Planalto, à direção do PMDB e a todos os que flertam com o partido. Política pura, com muita dissimulação, drama e jogos de cena. O estrondo só não foi maior porque o PMDB engoliu em seco, fez-se de morto e esfriou o fato.

O período foi pródigo na reiteração de duas tendências da política brasileira recente. Lula deu prosseguimento ampliado ao estilo que lhe tem concedido altos índices de aprovação popular, que atingiram agora impressionantes 84%. O Encontro Nacional de Novos Prefeitos, por ele patrocinado, foi uma festa política, mas não um desfile carnavalesco. Serviu de palco para a campanha presidencial de 2010, que, a esta altura, já se tornou fato consumado. Mas também conteve um elemento de vida institucional e governo: nas palavras do cientista político Fábio Wanderley Reis (Estado, Aliás, 15/2), "a aproximação do governo federal com o municipal cria uma estrutura de Estado mais equilibrada" e reproduz a forma brasileira de fazer política.

A oposição não perdoou o que considerou uma antecipação da campanha presidencial. Foi, no entanto, bisonha e ineficiente na operação, reiterando a desgraça maior de sua fase atual. Exigir que um governante deixe de fazer política e de buscar extrair vantagens eleitorais de seus atos é tão sem sentido quanto achar que uma oposição de verdade deva atuar em tempo integral para demolir a situação. A denúncia foi somente uma demonstração adicional de medo e preocupação com os movimentos de Lula, quem sabe um reflexo da necessidade que têm os oposicionistas de ganhar tempo para arrumar a própria casa. Além do mais, veio embrulhada em paradoxos e contradições, como bem lembrou o professor Fábio Wanderley Reis: ganhou luz pela boca do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no mesmo momento em que convocava o PSDB para entrar firme na disputa.

Juntando-se os fios, o período pré-carnavalesco serviu de espelho para que mirássemos a real situação da política nacional. Refletiram-se nele diversos traços da nossa dificuldade de ingressar num ciclo virtuoso de vida democrática, reformismo e reorganização social. A persistência do flerte que o Congresso mantém com a desmoralização pública de sua imagem e de suas funções reflete um processo impulsionado pelo esforço compulsivo de políticos e partidos para maximizar interesses de curto prazo. A popularização banalizada da Presidência ganha embalo na figura carismática de Lula. O não-aparecimento de lideranças de novo tipo expressa a falta de uma oposição democrática suficientemente lúcida, unida e corajosa para abrir mão de ganhos imediatos e se apresentar como opção para a sociedade.

O ano começou dando transparência a uma situação cortada por dilemas, paradoxos e interrogações, em que não há nenhum príncipe (o estadista) ao estilo de Maquiavel e desapareceram os príncipes modernos de que falava Antonio Gramsci, os partidos políticos, dedicados a organizar ideias e interesses em torno de um projeto de sociedade.

Nunca o rei esteve tão nu.

Marco Aurélio Nogueira, professor titular de Teoria Política da Unesp, é autor dos livros Em Defesa da Política (Senac, 2001) e Um Estado para a Sociedade Civil (Cortez, 2004)

Tudo pelo 'social'

EDITORIAL
DEU EM O GLOBO

Não é pequena a herança de mazelas deixadas por qualquer ditadura. A depender da duração do regime de exceção, os quadros políticos não são renovados, e por isso cai a qualidade da representação na volta à democracia. Quanto mais longa a ditadura, pior. A repressão política e a ausência de um estado de direito democrático deixam marcas difíceis de cicatrizar no retorno às liberdades e na reconquista dos direitos civis. No caso brasileiro, várias das distorções existentes na Constituição de 88 derivam dessa herança: leniência no tratamento da criminalidade e excessiva liberalidade nas regras de funcionamento de partidos, entre tantos aleijões.

Além disso, a sociedade saiu de 21 anos de regime fechado tolerante com tudo aquilo que leve o adjetivo "social". Em nome do "social" relaxa-se diante da favelização, da desordem urbana generalizada, de homicídios, de agressões a preceitos constitucionais no atacado e no varejo.

Uma explicação pode estar no fato de que embriões desses tais movimentos enfrentaram a violência de Estado ao lado de várias outras tendências políticas e ideológicas, fizeram parte da ampla aliança de resistência à ditadura. Mas, passados 23 anos de estabilidade democrática, já é mais do que tempo de se entender que não se consolidará a democracia se o império da lei, o estado de direito não for preservado, sem concessões. Também é evidente que tendências políticas que enfrentaram a ditadura defendiam a democracia apenas como tática. Queriam - e alguns ainda querem - executar um projeto autoritário, só que com eles no poder. Nem todo "social" é a favor das liberdades democráticas. Em última análise, sequer levará o bem-estar às massas.

Já passou da hora de agentes públicos deixarem de ser tíbios diante das ilegalidades cometidas sob o guarda-chuva do "social". Esta postura, observada também no governo FH, mas que chega ao ápice intolerável na era Lula, solapa as instituições democráticas. Particularmente, é grave ameaça quando se aproxima um período eleitoral em que há a possibilidade de grupos que drenam recursos públicos para projetos ideológicos específicos serem retirados do poder pelo voto, dentro das normas usuais numa democracia. Pavimenta-se o terreno para tentações de sabotagem às práticas eleitorais saudáveis.

Este é o pano de fundo da correta iniciativa do presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, de alertar para a ilegalidade na atuação de organizações de sem-terra - MST à frente - e, em específico, na transferência de recursos públicos para esses grupos, que vivem na semiclandestinidade e atuam ao arrepio da lei, com a conivência de agentes públicos.

Como noticiou O GLOBO ontem, nos últimos sete anos - inclui, portanto, a gestão FH - foram dados a essas organizações R$49,4 milhões em verbas oficiais. Claro que parte substancial desse dinheiro do contribuinte financiou ilegalidades. As mais recentes: quatro assassinatos em Pernambuco e uma onda de invasões no interior de São Paulo, fatos que motivaram o presidente do STF a se pronunciar.

É imperioso que a Justiça, o Ministério Público, o Poder Legislativo, o Executivo e a própria sociedade façam uma reflexão séria sobre os riscos criados por esta subjugação da Lei a interesses desestabilizadores que atuam contra a democracia valendo-se do quadro social do país.

Barbárie Consentida

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, foi apenas mais explícito e retumbante devido ao peso do posto.

No conteúdo, suas declarações logo após o assassinato de quatro seguranças de fazenda em Pernambuco seguiram a linha dos inúmeros alertas feitos a propósito da série de ilegalidades consentidas cometidas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra e denominações adjacentes.

O governo Luiz Inácio da Silva ignorou solenemente todos os avisos de que dia menos dia se veria na contingência de pagar o preço da leniência, seja pelo imperativo de usar a força do Estado para coibir os crimes ou pela constrangedora constatação de que o Estado é cúmplice de criminosos.

Pois eis que o presidente da Corte Suprema do País afirma que o governo acoberta os atos ilegais do MST e o Palácio do Planalto não tem como se defender. Presidente da República, ministro do Desenvolvimento Agrário e demais autoridades da área saíram pela tangente: silenciosos, usaram versões de assessoria para classificar de "descabida" a atitude do magistrado por falar "fora dos autos".

Ora, a que autos se referem? Nessa altura, os únicos condizentes com a situação seriam os autos de um bom processo cobrando a responsabilidade do poder público por reiterada infração às leis em vigor no País.

Não fossem o Ministério Público, o Congresso Nacional e os partidos tão suaves diante da acintosa decisão do Executivo de dar aos sem-terra salvo-conduto para transgredir, o presidente do STF poderia falar "dentro" dos autos.

Não havendo processo, faz a sua parte assim mesmo e se manifesta contra agressões à propriedade privada, ao patrimônio público, à pesquisa científica, aos direitos e garantias individuais, às regras de convivência coletiva e, agora, à vida humana.

Começaram invadindo terras improdutivas, em seguida invadiram as produtivas, prosseguiram ocupando prédios públicos, destruindo laboratórios de pesquisa, promovendo a baderna nas dependências do Poder Legislativo, numa escalada de vandalismo cuja culminância foi o assassinato dos quatro seguranças em Pernambuco.

Em contrapartida já foram recebidos com honras de Estado no Palácio do Planalto, ganharam o controle do Incra, continuam a ser sustentados por verbas oficiais, tiveram o apoio do Ministério da Previdência Social para requerer aposentadoria rural e, façam quaisquer barbaridades, do governo federal ouvem no máximo reprimendas paternais.

Tudo em nome do "respeito" aos movimentos sociais, em flagrante desrespeito aos genuínos movimentos sociais. Todos restritos, como os demais setores da sociedade, aos limites legais.

Desde o começo do governo, o presidente Lula fez uma clara opção: entre a lei e o MST, escolheu o lado dos sem-terra.

A matriz da tolerância revelou-se já no início do ano de 2003 quando o então ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, avisava que não cumpriria a medida provisória do governo anterior, proibindo repasses de verbas e excluindo do programa de reforma agrária entidades e pessoas envolvidas em invasões.

Para Rossetto aquela era a expressão do "autoritarismo de Estado" ao qual o PT não se associaria porque, de acordo com a nova concepção, qualquer legislação punitiva representava a criminalização dos movimentos sociais.

À falta de força política e de argumentos aceitáveis para derrubar a lei - por meio de outra medida provisória, por exemplo -, o governo escolheu simplesmente ignorá-la.

E as outras instituições simplesmente aceitaram essa lógica de um grupo que chega ao poder e resolve unilateralmente cumprir ou descumprir a legislação de acordo com suas convicções.

Louvem-se as posições dos presidentes da Câmara e do Senado, que se manifestaram em acordo ao presidente do STF. Apropriada, também, a constatação do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, a respeito do destino reservado a homicidas, "a cadeia".

Agora, cumpre lembrar a incoerência dos três que apoiam um governo insensível ao princípio constitucional da igualdade de todos perante a lei.

O presidente do Senado, José Sarney, não faz coro às críticas palacianas ao comportamento do presidente do Supremo. Aponta que Gilmar Mendes defende o Estado de Direito e as liberdades públicas.

Fala do respeito aos direitos alheios, bem como o presidente da Câmara, Michel Temer, enxerga nas ações do MST violação constitucional.

Esquecem, propositadamente, de estabelecer a relação de causa e efeito entre o recrudescimento gradativo da ousadia dessas hordas e a indulgência com que são tratadas recebendo, por omissão, licença para invadir, destruir, barbarizar e agora também para matar.

Não caberia ao chefe da nação nem a ninguém além da Justiça a iniciativa ou o ato de punição.

A condenação moral, contudo, baliza valores no presidencialismo forte do Brasil. Feito quase imperial na era Lula, na prática, quando o Poder Executivo cala o resto consente.

CPT critica e ruralistas dão apoio a Mendes

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O discurso do presidente do Supremo, Gilmar Mendes, contra supostos atos ilegais do MST e financiamento público obtido pelo movimento foi criticado pelo advogado José Batista Afonso, da Comissão Pastoral da Terra. Para ele, há um "caráter mais político que jurídico".

"É estranho que não se ouça palavras sobre impunidade no campo, concentração da terra, necessidade da reforma agrária ou contra proprietários que fizeram grilagem", disse.

Já o presidente da Associação Comercial de São Paulo, Alencar Burti, enviou ontem carta de apoio a Mendes, na qual chamou de "excrescência" o financiamento do MST. Segundo Burti, a posição do presidente do STF é "oportuna manifestação contra o repasse de verba pública para financiar movimentos sociais que atuam em constante desrespeito ao Estado de Direito".

O promotor gaúcho Gilberto Thums, responsável por uma ação civil pública para declarar o MST ilegal, tem opinião parecida. "O que o ministro quer é: quem pratica atos ilegais não pode receber apoio do poder público."

Para Zander Navarro, professor de sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, iniciativas políticas dos movimentos sociais fazem parte do jogo democrático. "O caminho mais correto, democrático e que poderia realmente aprimorar as instituições e práticas políticas seria sugerir que o Executivo passe a liberar recursos somente com uma contrapartida real de total transparência."

A coordenadora nacional do MST Marina dos Santos disse que Mendes parece um "cabo eleitoral" do governador José Serra (PSDB-SP) e que o presidente do STF deveria usar o mesmo discurso para, entre outras coisas, explicar a soltura do banqueiro Daniel Dantas.

"As declarações [de Mendes] são carregadas de preconceito de classe, claramente ideológicas. O senhor Gilmar Mendes está agindo como o líder da direita no país." O STF não comentou as declarações.

Em nota, a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) afirmou que Mendes "cumpre com rigor e responsabilidade institucional seu papel de guardião da Constituição e do Estado de Direito". Também em nota, o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, que reúne entidades como MST, Contag e CPT, disse que as declarações do presidente do STF são "carregadas de preconceito e rancor".

MST: Dilma e ministro defendem repasses

Evandro Éboli e Juraci Perboni
DEU EM O GLOBO


Os ministros Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário) e Dilma Rousseff (Casa Civil) defenderam a legalidade dos repasses para entidades ligadas a movimentos que invadem terras, como o MST, o que é proibido por lei. Cassel chegou a dizer que é impossível associar as entidades com o MST, apesar de elas serem as pessoas jurídicas do movimento.

E não dão declarações para condenar assassinato de seguranças por líderes dos sem-terra

Dois dias depois das declarações do presidente do STF, Gilmar Mendes, reafirmando ser ilegal o repasse de verbas públicas a movimentos que invadem terras, como o MST, o governo federal saiu ontem em defesa da legalidade dessa transferência de recursos. Em Florianópolis, a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, disse que o governo cumpre a legislação. Em Porto Alegre, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, também disse que não há irregularidades e chegou a alegar que é impossível associar as entidades beneficiadas com recursos públicos a movimentos sociais como o MST. Segundo ele, essas vinculações são suposições.

Nenhum dos ministros deu uma palavra sequer para condenar atos criminosos em Pernambuco, onde líderes do MST mataram quatro seguranças de fazendas. Em nota, o ministro da Justiça, Tarso Genro, disse apenas que a apuração dos crimes cabe às polícias estaduais. "Do ponto de vista do Ministério, temos consciência de que essas violações de propriedade privada são questões de ordem pública, de responsabilidade dos estados, da polícia estadual e da Justiça estadual".

- Não operamos com nenhuma ilegalidade - disse Dilma. - E, para que alguma coisa se caracterize como ilegalidade ou legalidade, ou há uma prova real ou um julgamento.

Segundo Dilma, o governo não vai polemizar com o presidente do STF:

- Essa é a característica do Executivo. Não tem que gostar ou não gostar da lei. Tem que cumprir. Nós não temos manifestação a fazer. Respeitamos a declaração do presidente do Supremo, mas o governo cumpre a lei. Quando avaliarmos que alguma coisa está ilegal, não vamos fazer. Enquanto estivermos legais, estamos fazendo.

Cassel disse desconhecer as ligações entre entidades beneficiadas pelo governo e o MST, que, no entanto, são conhecidas por todos da área:

- Não passamos nenhum centavo para o MST. O que existe são suposições de que possa haver cooperativas, empresas ou ONGs que tenham vínculos com o MST.

O ministro disse que seria ilegal suspender o repasse para uma entidade pelo fato de ela ter simpatizantes de movimentos sociais.

- Não posso, por lei, discriminar uma entidade porque ela tem simpatizantes do movimento A ou B, do partido político ou de alguma religião. Quando uma entidade presta serviço ao governo, é porque tem CNPJ e cumpre as exigências legais.

Advogado-geral acusa Serra para defender Lula e Dilma

Felipe Recondo
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

AGU alega, no TSE, que governador também se reuniu com prefeitos

Para defender o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, a Advocacia-Geral da União (AGU) resolveu atacar o governador de São Paulo, José Serra (PSDB). No documento que encaminhou ontem ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para contestar a acusação de que Lula e Dilma aproveitaram o Encontro Nacional de Prefeitos e Prefeitas em Brasília, nos dias 10 e 11, para fazer campanha eleitoral antecipada, a AGU afirmou que Serra se reuniu, por duas vezes, com prefeitos de cidades paulistas.

Na semana passada, o DEM e o PSDB protocolaram no TSE representação contra o presidente e a ministra, acusando-os de usar o encontro para promover a pré-candidatura da ministra da Casa Civil à Presidência. Os dois foram notificados na quinta-feira. Na defesa elaborada pela AGU e entregue ao TSE, o governo afirmou que os prefeitos do PSDB e do DEM também participaram do evento. O governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM), acompanhou Lula na solenidade de abertura do encontro.

"Como se não bastasse, neste início de mandato dos novos gestores municipais, conforme reportagens jornalísticas, o governador de São Paulo, destaca-se, do PSDB, também realizou encontro de prefeitos, só que não apenas um, mas dois", enfatizou a AGU, no documento.

Os advogados argumentaram que Lula e Dilma não podem ser acusados de fazer campanha antecipada, porque o presidente não pode disputar o terceiro mandato e a ministra não foi lançada. "A ministra-chefe da Casa Civil nem mesmo é pré-candidata a qualquer cargo eletivo. Aliás, as convenções partidárias para escolha dos candidatos somente ocorrerão em junho de 2010", afirmou a AGU.

Os advogados pedem que a representação seja arquivada sem a necessidade de julgamento do mérito. O caso é relatado pelo ministro do TSE Arnaldo Versiani. Até agora, não há previsão para o julgamento.

DESCABIDA
Em Florianópolis, onde participou ontem de uma inauguração ao lado de Lula, Dilma disse ser "totalmente descabida" a ação de opositores. "A avaliação que o governo faz é de absoluto descabimento e que se trata de ação política, tendo em vista uma tentativa de bloquear ou de interditar o governo", afirmou. "Avaliamos que a ausência de projetos de governo da oposição faz com que tente impedir que o governo governe."

Segundo ela, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Bolsa-Família e a entrega de mais 100 escolas técnicas incomoda a oposição. "Nós até entendemos que isso incomode, mas não achamos que é do jogo político interditar a ação governamental." Questionada sobre as viagens ao lado de Lula, ela não titubeou: "Vou continuar viajando, é da minha função viajar."

''Reunião do governador foi de trabalho'', reage Guerra

Julia Duailibi
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Presidente do PSDB rebate argumento da AGU e vê diferença entre reuniões políticas e administrativas

O PSDB reagiu ontem aos argumentos do advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, que citou eventos promovidos por tucanos para defender a ida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao encontro nacional de prefeitos, em fevereiro.

O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), afirmou haver uma "diferença" entre as reuniões de caráter político e os encontros verdadeiramente administrativos. "A reunião do governador (de São Paulo, José Serra) não foi política, mas uma reunião de trabalho com seus secretários e prefeitos", rebateu Guerra. Na defesa de Lula e da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Toffoli falou em "não apenas um, mas dois" encontros de prefeitos dos quais Serra teria participado.

Em janeiro, o governador anunciou um plano de recuperação de estradas vicinais em cerimônia no Palácio dos Bandeirantes. Na ocasião, estiveram presentes prefeitos de cidades do interior paulista que serão beneficiadas pelo projeto. Mais recentemente, há cerca de 15 dias, o governador encontrou-se com alguns prefeitos num auditório na capital paulista, desta vez para tratar de parcerias com o governo do Estado na área da saúde. Para Guerra, "há uma grande diferença entre esse tipo de reunião administrativa e a de caráter político e eleitoral, que o governo federal tem realizado no País inteiro."

Toffoli chama de "contradição" o fato de os tucanos acusarem Lula de usar o encontro para promoção eleitoral - no caso, de Dilma - já que também realizaram grupos de trabalho com novos prefeitos.

Para o presidente do PSDB estadual, deputado Mendes Thame, o argumento colocado pelo advogado-geral da União é vazio. "Aqui em São Paulo não participaram prefeitos de outros Estados, mas apenas os beneficiados com o programa (de estradas vicinais), inclusive prefeitos do PT", declarou.

Tucanos questionam ainda o fato de o advogado-geral da União, que já foi advogado eleitoral do PT, fazer a defesa do presidente da República neste caso. Na avaliação deles, trata-se de uma acusação que não envolve especificamente a instituição Presidência, mas, sim, Lula, que deveria se defender com um advogado próprio.

O Palácio dos Bandeirantes informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não iria se manifestar sobre o assunto, uma vez que não se trata de questão de governo. Serra está em viagem fora do País.

Ousadia de Obama

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Já começou a guerra no Congresso americano contra as mudanças que o governo Barack Obama incluiu no Orçamento. Há, na reordenação de despesas, propostas inovadoras e mudanças radicais de rumo. Mas as críticas começaram e os lobistas iniciaram sua pressão. Disposto a não deixar um dia sem novidade, Obama anunciou ontem a retirada das tropas do Iraque.

Ele tinha avisado que subiria o imposto dos ricos e dos derivados de petróleo. E fez isso. É a revogação da renúncia fiscal promovida por George W. Bush. A boa notícia para nós, do corte do subsídio agrícola, já está mobilizando a bancada ruralista de lá. Em compensação, os defensores da energia solar e de vento se armam em defesa dos fortes investimentos no setor. Mas a ousadia maior do Orçamento é em relação à mudança climática.

Na verdade, é uma aposta. Obama incluiu receitas que terá com um novo sistema de limite de emissão de carbono e com a cobrança de quem emitir acima daquele limite. Há várias propostas sobre isso tramitando no Congresso americano. O que Obama fez foi apostar que o sistema será criado, e que uma lei será aprovada por deputados e senadores. E já cria despesas com base no que arrecadará. Assim, ele consegue mais aliados para uma causa revolucionária: incluir os Estados Unidos dentro do clube dos países que, por lei, impõem um teto declinante às emissões dos gases de efeito estufa; e muda radicalmente a posição americana em relação ao aquecimento global. O que parecia tão distante na era Bush está agora escrito na proposta de Orçamento. Será fácil? Certamente não, mas uma das delícias da democracia é ver o voto mudando as escolhas feitas por um país.

As ousadias de Obama têm contas a acertar com a realidade fiscal. Difícil conciliação, aliás. O déficit é gigantesco, como se viu, e a dólares de hoje pode-se concluir que é equivalente ao PIB somado de um Brasil e duas Argentinas. Em percentual do PIB deles, passa de 12%. Mais do que o déficit, o que impressiona um defensor da austeridade como o "Wall Street Journal" é o salto nas despesas. O jornal alerta que elas pulam de 21% para 27% do PIB.

Claro, houve uma crise econômica, um colapso bancário e um estouro de bolha imobiliária herdados do governo anterior. Isso, sim, uma real herança maldita! O problema é que o governo, no documento que enviou ao Congresso, projeta que o país, neste ano, vai ter uma queda do PIB de 1,2%, mas que em 2010 vai crescer 3,2% e daí para diante 4%. E se não for assim tão fácil? Ontem mesmo, apareceu o terrível número do PIB do último trimestre de 2008: 6,2% de queda. Se o país não se recuperar tão rápido, a previsão de que o déficit voltará a 3,5% do PIB em 2012 não se realiza.

As contas só fecham se a economia retomar o crescimento. Para que a economia retome o crescimento, é preciso remover uma pedra no meio do caminho: o colapso bancário. Ontem, novo choque de realidade foi dado logo cedo, quando o governo oficialmente virou o maior acionista do Citibank, com 36% do capital votante, e as ações despencaram instantaneamente, chegando a uma queda de 42%. Há uma pedra no meio do caminho de Barack Obama, diria o nosso poeta, e é daquelas imensas pedreiras.

Ontem mesmo, Obama anunciou seu plano de retirada das tropas do Iraque. Ele projetou um declínio importante dos gastos de defesa, mas, evidentemente, a retirada de tropas custa dinheiro. Aliás, será, do ponto de vista logístico e de segurança, um desafio. Mas o que houve nas últimas horas foi o gigante americano fazendo uma movimentação dramática: de reduzir a ênfase no orçamento militar, para aumentar os gastos com saúde, novas energias, educação.

É previsível que haja em torno desse Orçamento a mais ferrenha batalha que se viu em tempos recentes. Ele mexeu com interesses demais. Os republicanos, que sustentaram governos que produziram déficits fiscais, já estão falando no déficit como se fossem puros fiscalistas. As críticas terão apoio de quem vai pagar mais imposto, das empresas que terão suas emissões de carbono taxadas e dos sinceramente convencidos de que a equação fiscal de Obama se equilibra em base frágil.

Não há ilusão: o que sairá será diferente do que foi proposto, mas o envio da peça orçamentária foi precedido por aquele discurso do presidente no Congresso, na última terça-feira, em que ele explicou as opções que fez. O roteiro do documento é claro, por isso foi fácil entender as decisões. Lá também há despesas obrigatórias, mas elas ocupam espaço menor do Orçamento. Lá há também emendas. Mas os temas que estão dominando o debate são as escolhas das políticas públicas.

No Brasil, o Orçamento é engessado, escrito de forma incompreensível, a barganha das emendas apaga o debate sério das políticas públicas e, no fim, ele nem é cumprido, porque as despesas são contingenciadas e os gastos decididos na boca do caixa, por critérios muitas vezes obscuros. Um Orçamento que reflita a vontade do eleitor, que seja entendido, e cumprido, é uma das bases da democracia. Afinal, para isso se organizou o Estado: para que ele recolhesse os impostos e os redistribuísse segundo a vontade do cidadão.

Clima de mudança

Paul Krugman
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Eleições têm consequências. O novo orçamento do presidente Obama representa enorme ruptura, não apenas com as políticas dos últimos oito anos, mas com as tendências políticas dos últimos 30 anos. Se ele pode conseguir qualquer coisa como o plano anunciado na quinta-feira no Congresso, vai pôr os EUA em um novo caminho.

O orçamento vai, entre outras coisas, vir como um grande alívio para os democratas que estavam começando a se sentir um pouco deprimidos. A lei de estímulo que passou no Congresso pode ter sido muito fraca e concentrada em reduções de impostos.

A recusa do governo em ser duro com os bancos pode ser profundamente decepcionante, mas temores de que Obama sacrificaria prioridades progressivas em seus planos orçamentários e se satisfaria ao lidar com o sistema fiscal foram banidas agora.

Para isso, o orçamento aloca US$ 634 bilhões na próxima década para reforma da saúde. Não é suficiente pagar cobertura universal, mas é um começo impressionante. E Obama planeja pagar pela reforma da saúde, não apenas com impostos maiores para os mais ricos, mas dando um basta na terrível privatização da Medicare, eliminando excesso de pagamentos para empresas de seguro.

Em outra frente, também é animador ver que o orçamento prevê US$ 645 bilhões em receitas a partir da venda de permissões de emissões. Depois de anos de negação e adiamentos por seu antecessor, o governo Obama mostra que está pronto para assumir mudanças climáticas.

E essas novas prioridades estão num documento cuja clareza e plausibilidade parecem quase incríveis para aqueles de nós que crescem acostumados a ler orçamentos da era Bush, que insultavam nossa inteligência em cada página. Esse é o tipo de orçamento em que podemos acreditar.

Muitos vão perguntar se Obama pode, na verdade, conseguir reduzir o déficit como promete. Ele conseguirá reduzir o déficit de US$ 1,75 trilhões este ano para menos de um terço em 2013? Sim, ele pode.

Agora, o déficit é enorme graças a fatores temporários (pelo menos esperamos que sejam temporários): uma desaceleração econômica violenta está reduzindo as receitas e grandes quantias precisam ser alocadas tanto para estímulo fiscal quanto para socorros financeiros.

Mas se e quando a crise passar, o panorama do orçamento deve melhorar bastante. Não esqueça que de 2005 a 2007, ou seja, nos três anos antes da crise, o déficit federal ficou, em média, US$ 243 bilhões por ano. Durante esses anos, as receitas foram infladas, até certo ponto, pela bolha imobiliária. Mas também é verdade que estávamos gastando mais de US$ 100 bilhões por ano no Iraque.

Então, se Obama sair do Iraque (sem nos atolar num pântano afegão igualmente caro) e conseguir uma recuperação econômica sólida, baixar o déficit para cerca de US$ 500 bilhões até 2013 não deve ser tão difícil. Mas o déficit não vai aumentar com os juros sobre a dívida nos próximos anos? Não tanto quanto você deve achar. Taxas de juros sobre dívida do governo de longo prazo são menos de 4%, então até um trilhão de dólares de dívida adicional acrescenta menos de US$ 40 bilhões por ano para futuros déficits. E esses gastos com juros estão totalmente refletidos nos documentos do orçamento.

Então, temos boas prioridades e projeções plausíveis. Do que não dá para gostar nesse orçamento? Basicamente, o cenário em longo prazo continua preocupante. De acordo com as projeções orçamentárias do governo Obama, a proporção da dívida federal em relação ao PIB, medida amplamente usada para indicar a posição financeira do governo, vai subir nos próximos anos, depois mais ou menos estabilizar.

Mas essa estabilidade será alcançada numa proporção de dívida em relação ao PIB de cerca de 60%. Isso não seria um nível de endividamento extremamente alto para padrões internacionais, mas seria o maior que os EUA vivenciaram desde os anos imediatamente posteriores à segunda guerra mundial.

E nos deixaria com espaço bastante reduzido para manobra se outra crise vier. Além disso, o orçamento de Obama nos fala dos próximos 10 anos. É um avanço em relação aos orçamentos da era Bush, que faziam projeções apenas para cinco anos à frente. Mas os problemas fiscais realmente grandes se escondem além do horizonte orçamentário: mais cedo ou mais tarde teremos de conter as forças que aumentem os gastos em longo prazo – acima de tudo, o custo muito alto da saúde.

E mesmo que a reforma do sistema de saúde fundamental controle os gastos, eu, pelo menos, acho difícil ver como o governo federal pode atender as obrigações de longo prazo sem aumentos de alguns impostos na classe média. Seja lá o que os políticos digam agora, há provavelmente impostos maiores no futuro.

Mas não culpo Obama por deixar algumas grandes perguntas sem respostas nesse orçamento. Ele está fazendo o que pode por enquanto. E esse orçamento parece muito bom.

AS DORES DOS HOMENS (Poesia)

Graziela Melo

As dores
Dos homens
Que passam

Nunca sabemos
Quais são

Entre sorrisos
E afagos

Às vezes
Um aperto
De mão

Escondem
Tristezas
Profundas

No fundo
Do coração

Saudades
De mortos
Queridos

Ou mesmo
De vivos
Distantes

Ou ainda
Daqueles
Instantes

Mais felizes
Que ficaram
Para trás

Que se foram
Para sempre

E não retornam
Jamais!!!


Rio de Janeiro, 27/2/2009


O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1253&portal=

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O Erro

Pietro Ingrao
Tradução: A. Veiga Fialho
Fonte: Gramsci e o Brasil


Pietro Ingrao, nascido em 1915, é figura histórica do velho PCI e referência moral da esquerda italiana e europeia. Militante clandestino durante o fascismo, partigiano e depois deputado entre 1948 e 1992, chegou a ser presidente da Câmara de 1976 a 1979, nos “anos de chumbo” do terrorismo negro e do vermelho.

Na passagem abaixo, Ingrao empreende vigorosa autocrítica do comunismo, assinalando-lhe momentos luminosos na mobilização dos “de baixo” e passagens obscuras, derivadas da ruptura original com o princípio democrático. Ingrao examina desta perspectiva Lenin e Stalin, figuras centrais na história do comunismo do século passado. A passagem foi extraída de um importante depoimento dado a Antonio Galdo, intitulado Il compagno disarmato (Milão, 2004), no qual o velho dirigente advoga uma verdadeira distância crítica, por parte de homens e mulheres da esquerda, em relação à violência na política.

Dois livros de Ingrao foram publicados em português — As massas e o poder (Trad. Luiz Mário Gazzaneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980); Crise e terceira via (Trad. Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1981) — e constituem ainda hoje, mesmo num contexto inteiramente mudado, pontos de referência para a reflexão sempre atual sobre democracia política e pensamento socialista. Em 2006 saiu na Itália seu grande livro de memórias,
Volevo la luna, do qual ainda não há tradução entre nós.

No interfone, na entrada do edifício de via Balzani, 6, está escrito um nome: Guido. Ingrao é muito ligado ao nome de guerra que tinha nos anos da clandestinidade (na documentação, porém, estava Vittorio Infantino), ainda que Togliatti não gostasse dele. “É alemão demais” — dizia o secretário do PCI. E no entanto o nome Guido, com o qual Ingrao quis chamar também seu único filho homem, permaneceu esculpido na família, quase como memória dos anos sombrios da conspiração comunista. Os anos durante os quais Ingrao conquista na ação a estima de Togliatti, que, apoiando-se nas novas gerações para construir o “partido novo”, considera-o um bravo companheiro, a ponto de lhe confiar, já em 1948, a direção de L’Unità. É um encargo prestigioso para alguém na casa dos trinta anos, porque na estratégia do secretário o jornal de uma força política de massas não é só um instrumento da propaganda política. É a bússola para os dois milhões de militantes que, ao cabo de poucos anos, inscrevem-se no PCI. É a voz da verdade, porque qualquer discussão entre companheiros termina num segundo se “L’Unità não disse isso”. E é um terreno fundamental de preparação da classe dirigente do partido: depois de Ingrao, virão, por exemplo, Alfredo Reichlin, Maurizio Ferrara, Giancarlo Pajetta, Aldo Tortorella, Claudio Petruccioli, Emanuele Macaluso, Gerardo Chiaromonte, Massimo D’Alema e Walter Veltroni. Todos diretores. Tal como Ingrao durante o “inesquecível 1956”. E de fato coube a ele escrever o editorial que censurava, de modo violento, os intelectuais, os operários e os estudantes húngaros que vinham às ruas só para invocar a liberdade. O artigo tem um título: “De um lado da barricada”, que indica uma precisa escolha de campo e não deixa espaço para qualquer forma de negociação. “Deve-se escolher entre a defesa da revolução socialista e a contrarrevolução branca em favor da velha Hungria fascista e reacionária” — escreve L’Unità. “Quando crepitam as armas dos contrarrevolucionários, fica-se ou de um lado ou de outro da barricada. Um terceiro campo não existe. Nós somos pelo socialismo, por aqueles que neste grave momento o defendem na Hungria com as armas na mão. Desejamos-lhes a vitória e conclamamos à solidariedade com eles todos os que odeiam a reação, o retorno ao passado, a violência branca.” Os raios do quotidiano do PCI antecipam a tempestade na Hungria, onde alguns dias depois as tropas soviéticas reprimiriam com sangue a revolução popular.

Jamais esquecerei aquele dia, 3 de novembro de 1956. Na redação soubera da notícia dos tanques que invadiam Budapeste para deter o protesto que irrompera em 25 de outubro. Percebi que se tratava de uma tragédia e assim telefonei a Togliatti pedindo um encontro. Antes de chegar na casa dele, em Montesacro, caminhei por muito tempo pelas ruas de Roma. Era uma tarde cinzenta, chuvosa. Triste. Diante da minha incerteza, das minhas dúvidas, Togliatti foi muito frio. Disse-me que não se devia ter dúvidas e, para cortar a conversa, usou esta frase: ‘Hoje bebi um copo a mais de vinho...’ Não tive força para reagir, voltei ao jornal e o preparei com enorme angústia. Na redação aconteceu uma discussão muito dura, até porque da periferia do partido, e mesmo das seções, chegavam sinais de forte contestação. As posições eram diversas, havia também aqueles que criticavam a URSS em nome do comunismo traído, mas convergiam num ponto comum: a exigência de uma crítica muito drástica e radical do stalinismo. Na cúpula do partido, a linha de Togliatti, de total adesão à invasão de Budapeste, foi corrigida graças às pressões de Giuseppe di Vittorio e de Umberto Terracini, mas o Erro permaneceu e a partir daquele momento nos acompanhou por toda a nossa história.

Meio século depois, aqueles dias representam a ferida mais grave nas recordações, lucidíssimas, de Ingrao. De um ponto de vista humano, significam a traição, a priori, daquilo que em seguida se tornaria um mandamento na longa batalha de Ingrao dentro do partido: o direito ao dissenso, a liberdade de ser contra. No plano político, escrever, ontem, um texto como “De um lado da barricada” significa reconhecer, hoje, o erro de uma leitura infundada do comunismo soviético e do seu pecado original. Mas, se há uma coisa que não falta a Ingrao é a coragem, o sentido de um desafio que se prolonga até inverter o ponto de vista de um passado que incomoda tanto que não pode ser cancelado.

O artigo de 1956 foi o Erro, com E maiúsculo, da minha vida. Porque lança uma luz sobre todos os atrasos, as incompreensões que cometemos não só sobre o específico drama húngaro, mas em geral sobre o leninismo e o stalinismo, isto é, sobre as duas figuras centrais na história do comunismo durante todo o século XX. Naquele momento não compreendemos, ou não quisemos compreender, que aquela ideologia nascera sob o signo do repúdio à democracia e com o uso sistemático de uma violência revolucionária que mata, reprime e destrói. Não percebemos, e poderíamos ter percebido, que sem limpar o terreno deste vício de origem do movimento comunista iríamos ao encontro de uma derrota dramática, como depois aconteceria inequivocamente. Eis por que falo de um erro fundamental, decisivo.

Portanto, em 1956, os comunistas italianos deveriam ter aberto os olhos e reconhecido uma violência que une, com um fio vermelho, a revolução de Lenin aos horrores do stalinismo.

Já Lenin afirmava a construção violenta do Estado e do poder político, e não se tratava só de uma resposta revolucionária ao sangue do capitalismo. Era uma idéia errada, erradíssima, de abuso e de esmagamento, que também atingiria, cedo ou tarde, uma parte do movimento operário. Tal como ocorreu, precisamente, em Budapeste, em 1956. E não só. Os massacres estavam fadados a se voltarem contra os próprios militantes, os próprios filhos. Os tanques na Hungria nos abriam os olhos para uma violência que devíamos recusar, e no entanto foi apregoada e inscrita nas nossas bandeiras.

Por outra parte, a história já confirmou ter sido Lenin quem assinou o decreto sobre o primeiro campo de concentração na Europa para aqueles que não compartilhavam suas idéias e, portanto, os gulags de Stalin já nascem com a Revolução de Outubro.

Antes nos iludíamos dizendo que havia uma diferença substancial entre os dois personagens centrais da história do comunismo e considerávamos Stalin o traidor dos ideais de Lenin. Não era verdade. Hoje, por sabermos a verdade, podemos captar melhor as diferenças entre Lenin e Stalin, a partir daquela que considero a mais significativa. Lenin, com sua revolução, teve em mente o poder dos sovietes e do partido, conquistado e defendido com a violência. Em vez disso, Stalin, com métodos ainda mais ferozes em relação a Lenin, tem em mente só o poder pessoal e do seu clã.

A autocrítica de Ingrao é radical, assinala a natureza, as raízes da ideologia comunista, e a investigação do erro não se reduz à leitura do passado, mas se torna um instrumento para olhar adiante. Mesmo que, noventa anos depois, a conta da verdade seja muito alta.

Os gulags não foram uma fábula, mas não vejo por que hoje deveria assumi-los no meu patrimônio, no meu sentimento de comunista, agora que não tenho nem mesmo o álibi de ‘não saber’. Ao lado desta derivação, o movimento comunista no século XX arrastou classes sociais inteiras para a luta política e social, e grande parte do crescimento da democracia, pelo menos na Europa, está ligada a esta participação, a esta batalha. Por que não deveria revisitar e reexaminar nossa história, ver as luzes e as sombras? Enfraqueço-me? Penso exatamente o contrário: a autocrítica me reforça. O arrependimento é uma palavra que não pertence à minha linguagem, tem um sabor de sacristia. Mas, se arrepender-se significa reconhecer os erros, então não tenho medo desta palavra. Tentar compreender onde erramos me ajuda a viver, a me sentir mais forte, a olhar para a frente. A reconstruir o passado para dar uma indicação sobre o futuro: pode-se aprender com os erros. E no horizonte futuro resta a necessidade de uma resposta às exigências, decisivas, de sentido da vida, de horizonte, num mundo vergado como então, como em todo o século XX, pela maldição de uma guerra. Passei uma vida batendo-me por coisas essenciais: o direito de se alimentar, crescer, se instruir, se cuidar, ser criativo no próprio trabalho. O movimento operário, no curso de um século, cresceu no contexto da reivindicação de necessidades fundamentais, a começar pelo grande tema do resgate do trabalho, e da exigência destas coisas nasceu a ideologia comunista, com seus erros, suas culpas, seus delitos. A violência armada, infelizmente, teve um lugar na história e na ideologia do movimento comunista. Em nome desta violência, o homem foi posto sob cadeias, quando nós o queríamos livre. Nossa derrota nasceu também daqui. Mas aquelas exigências permanecem presentes, continuam a ser atuais, e alguém terá de responder a elas...

O jogo foi antecipado

José Luciano Dias
DEU EM O GLOBO


Para um olhar mais atento, a agenda política das últimas semanas teve como foco real a candidatura da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil). Sob os episódios quase exóticos gerados pelo encontro dos prefeitos eleitos com o presidente da República, como as montagens de fotos ao lado da ministra e de Lula, está a realidade de uma campanha eleitoral em curso.

Está em campanha justamente porque não está bem nas pesquisas, ainda muito distantes das eleições, mas próximas das definições dos partidos e da formação das chapas para 2010. É natural que esse contraste preocupe a mídia e os meios políticos, mas a experiência eleitoral recente mostra que esse fenômeno não é desconhecido e pode sofrer mudanças com grande rapidez.

Vale a pena, portanto, examinar alguns casos importantes da associação entre governos populares e candidatos desconhecidos.

A expressão "eleger um poste" nasceu precisamente nas eleições municipais de 1996, quando os governos bem-sucedidos de Paulo Maluf (PPB-SP) e Cesar Maia (PFL-RJ) buscaram a continuidade administrativa por meio da eleição de seus principais secretários municipais. Sem o mecanismo da reeleição em vigor, restava esse recurso a um governante bem avaliado com planos de manter a gestão seguinte sob controle.

Em julho de 1996, quatro meses antes da eleição, o ex-secretário municipal de Finanças Celso Pitta (PPB-SP) tinha na sondagem Datafolha cerca de 19% das intenções de voto, estando bem atrás da favorita, Luiza Erundina. Em agosto, depois da campanha na televisão, o até então desconhecido Pitta tinha 29%. Na véspera da eleição, a última pesquisa eleitoral mostrava-o com 40% das intenções de voto, patamar compatível com a avaliação positiva do governo Maluf.

No Rio de Janeiro, a transição foi ainda mais drástica, devida talvez à evidente falta de carisma pessoal do secretário de Urbanismo, Luiz Paulo Conde. Na pesquisa Datafolha de julho de 1996, Conde somava apenas 4% das intenções de voto.

Logo em agosto, a campanha ao lado do prefeito Cesar Maia levou Conde ao patamar de 24%. Na véspera da eleição, ele acumulava 36% das preferências, sendo posteriormente eleito prefeito do Rio de Janeiro.

Os confrontos seguintes, já sob as regras da reeleição, tiveram concorrentes conhecidos às prefeituras do Rio e de São Paulo, mas, novamente em 2008, o governador José Serra decidiu apostar na eleição de seu "poste", o prefeito Gilberto Kassab (DEM-SP).

Os números são conhecidos. Na série Ibope, Kassab tinha 13% das intenções de voto em maio de 2008. Na véspera da eleição, tinha 32% e, nas urnas, praticamente empatou com Marta Suplicy, que liderou as pesquisas ao longo do ano.

A eleição de um candidato desconhecido por um governante popular, portanto, nada tem de especial, podendo ser produzida no curso de poucos meses antes da eleição.

Esses números mostram, assim, que a pergunta não é "por que Dilma Rousseff?", mas "por que tal antecedência?" O presidente Lula poderia deixar toda essa atividade para meados de 2010, sem incorrer em qualquer risco maior.

A antecipação da candidatura de Dilma Rousseff só faz sentido, neste momento, como uma ofensiva política do presidente Lula, que não quer deixar à oposição nem mesmo um ano tranquilo em 2009, com Serra em vantagem nas simulações.

O presidente Lula está antecipando, na verdade, o julgamento eleitoral do seu governo, buscando derrotar a oposição desde agora. Justamente, aliás, quando essa não tem condições de concorrer com o governo em matéria de exposição pública.

O tempo disponível até a eleição de 2010 não justificaria o investimento imediato do governo Lula em uma candidatura presidencial, mesmo sendo Dilma Rousseff uma personalidade desconhecida do eleitor médio. O objetivo primordial é diminuir os espaços da oposição desde logo. É possível prever, portanto, que outras vulnerabilidades do PSDB e dos Democratas serão exploradas.
José Luciano Dias é cientista político.

A imagem do espelho em Minas

César Felício
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Em relação ao quadro nacional, a sucessão mineira é o Brasil com sinal trocado. Se na sucessão presidencial os governadores tucanos Aécio Neves (MG) e José Serra (SP) ameaçam fragmentar o lado oposicionista, está no PT a divisão entre duas candidaturas à chefia do Executivo: uma de oposição dura em relação ao comando atual, representada pelo ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, e outra que cultiva boas relações com o Palácio da Liberdade, encabeçada pelo ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel.

Deverá vir como candidato do PSDB um tecnocrata clássico, considerado o gerente do atual governo: o vice-governador Antonio Junho Anastasia. É o equivalente mineiro à escolha lulista da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, para disputar o Planalto.

O elemento original é que no quadro mineiro o PMDB deverá ter candidato. É o ministro das Comunicações, Hélio Costa, que já tentou o cargo em 1990 e 1994. Pairam incertas personalidades que se aproximam mais do perfil de grandes eleitores do que de possíveis candidatos. Com prestígio popular em alta em função do martírio pessoal, o vice-presidente José Alencar é peça decisiva que oscila fora da órbita tucana. Colaborador nas vitórias tanto de Aécio quanto de Lula no passado, o ex-presidente Itamar Franco deve seguir sua tradição de definir-se por último. Operador da micropolítica municipal, o empresário, ex-ministro e ex-vice-governador Walfrido Mares Guia deve voltar a atuar em 2010, provavelmente do lado petista.

Anastasia no passado chegou a ser identificado em uma publicação mineira como "um popular", na legenda de uma foto em que aparecia abraçado a uma figura mais conhecida. Jamais disputou uma eleição e nem possui um passado marcado pela participação em movimentos de contestação ao regime, como Dilma. Nas últimas semanas intensificou sua agenda no interior do Estado, em atividades que buscam claramente identificar sua pessoa com o governo tucano.

A possível candidatura de Anastasia surgiu diante da falta de opções dentro do PSDB. A competição entre os grupos tucanos pela proximidade em relação a Aécio impediu que surgisse no partido outro nome além do vice, que assume a posição de titular no próximo ano seja qual for o destino do governador, que sairá para disputar a Presidência ou uma cadeira ao Senado. Em tese, Anastasia representaria um alto risco para Aécio, dificultando o projeto do mineiro de disputar a candidatura presidencial com Serra. Mas mesmo críticos ao Palácio da Liberdade comentam que o vice tem vocação política. "Ele surpreende pela flexibilidade, pela habilidade em fazer concessões em pontos que não alteram a essência do que busca. Sua capacidade negociadora é grande", diz o cientista político Rudá Ricci.

Sua possível candidatura em 2010 conta com trunfos: gravitariam em sua volta grande parte dos 852 prefeitos mineiros e a maior parte do empresariado, além da simpatia da mídia local. O retrospecto é ligeiramente favorável ao oficialismo em Minas. Nas 11 eleições democráticas no Estado desde 1947, o candidato governista venceu em cinco: Bias Fortes, em 1955, Newton Cardoso, em 1986, Eduardo Azeredo, em 1994, e nas duas eleições de Aécio, em 2002 e 2006.

Há uma concentração de vitórias no período mais recente. A oposição ao Palácio da Liberdade ganhou em 1950, com Juscelino Kubitschek; 1960, com Magalhães Pinto; 1965, com Israel Pinheiro; 1982, com Tancredo Neves; e 1998, com Itamar Franco. Foram outras cinco vitórias, quatro delas na fase pré-redemocratização. Muito desgastado, Newton Cardoso não participou da própria sucessão em 1990.

A eleição municipal do ano passado, contudo, foi um sinal preocupante para o aecismo. O grupo do governador assistiu ao crescimento do PT e do PMDB nas grandes cidades, ainda que o PSDB tenha se mantido com o maior número de prefeituras, ao vencer em 159 cidades.

A ânsia do PT nacional em fechar um acordo com o PMDB pode beneficiar Hélio Costa, que viu a vitória escapar na última hora nas duas eleições que disputou. E que, de certa maneira, voltou a ser um quase vencedor na eleição em Belo Horizonte no ano passado, com a candidatura do deputado Leonardo Quintão. Caso consolide sua candidatura, Costa deverá ser visto como o principal inimigo a ser batido pelo grupo de Aécio. O governador está muito mais distante do ministro das Comunicações do que dos seus dois adversários petistas. Em pesquisas não publicadas que circularam entre petistas e aliados de Aécio, Hélio Costa aparece na dianteira.

O potencial destrutivo da disputa entre Pimentel e Patrus não pode ser subestimado. No PT, o cenário de guerra para a escolha de candidatos é um roteiro quase permanente de derrotas futuras, como mostram os casos do Rio Grande do Sul em 2002 e de São Paulo em 2006. Muito ligado a Dilma, Pimentel poderá ser desviado da eleição para outra função. Mas mesmo neste caso, não é certo que Patrus seria o beneficiado. Os aliados do ex-prefeito sempre lembram a importância do PT abrir espaço para PMDB e outros parceiros na eleição estadual. Mineira de nascimento e de início de militância política, Dilma poderá atuar no quadro regional de um modo mais incisivo do que faria no Rio Grande do Sul, onde tem seu domicílio eleitoral.

Segundo maior colégio eleitoral do País, Minas parece subverter sua tradição de início tardio do processo sucessório. "A eleição só começa depois das paradas militares" era um dito célebre do ex-governador Hélio Garcia, que queria com isso dizer que somente após 7 de setembro, cerca de um mês antes das eleições, o quadro político tornava-se claro. Diante da nebulosidade do quadro eleitoral em São Paulo, onde Serra ainda irá arbitrar quem será o candidato tucano, em caso de conseguir a candidatura presidencial em 2010, e o PT enfrenta uma escassez de nomes viáveis, Minas ao que tudo indica deverá mostrar o seu jogo antes.

César Felício é correspondente em Belo Horizonte. A titular da coluna, Maria Cristina Fernandes, excepcionalmente, não escreve hoje

Lula é popular

João Mellão Neto
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Um ano antes da eleição em que, após outras três tentativas frustradas, Lula foi guindado à Presidência da República, o então novo marqueteiro do PT, Duda Mendonça, publicou um livro que merece ser ressaltado. O título é Casos e Coisas.

Entre outras afirmações, Duda vaticinou que o Partido dos Trabalhadores, em função da coesão, da motivação e da uniformidade ideológica de seus membros, haveria, mais cedo ou mais tarde, de alcançar o poder nacional.

Duda realçou que alguns retoques na imagem de Lula e do partido deveriam ser feitos de imediato. Entre eles, o principal era o de eliminar qualquer resquício da ideia de luta de classes, tão cara aos intelectuais marxistas. E foi mais além. O ideal, mesmo, era suprimir todos os vestígios que lembrassem luta. Segundo o marqueteiro, o bordão preferido dos petistas - "a luta continua!" - era terrivelmente contraproducente. A palavra luta lembrava briga, confusão. E se havia algo de que os brasileiros, em geral, queriam distância, era isso.

Dito e feito. Nunca mais nenhum petista - a não ser alguns desavisados - se valeu de tal slogan. Nunca mais, também, foi utilizado o argumento de que haveria uma contraposição entre os anseios dos proletários e dos seus patrões burgueses. Não havia mais por que dividi-los em duas classes em tudo opostas e conflitantes. A partir de então seríamos todos brasileiros. Com princípios, conceitos e objetivos iguais em tudo. O atual slogan do governo de Lula, "um Brasil de todos", é um eloquente exemplo dessa então nova postura.

Lula jamais venceria eleições majoritárias enquanto provocasse receio e ojeriza nas camadas mais elevadas da sociedade. Se não pudesse tê-las ao seu lado, deveria, ao menos, neutralizá-las.

Tudo deveria começar com uma mudança radical de atitude, começando por sua aparência pessoal. Lula aparou a barba e corrigiu os dentes. Foram comprados ternos bem cortados, camisas sob medida e gravatas de bom gosto. Passou também a se apresentar com o rosto bronzeado e sem suor.

O tom do discurso mudou. Saiu o Lula combativo, feroz e ameaçador para dar lugar à versão "paz e amor".

Quer dizer, então, que o novo Lula é uma farsa? Não. O seu compromisso com o marxismo e com a Teologia da Libertação era apenas circunstancial. No início de sua carreira pública, como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, no final dos anos 70, Lula não só tinha nenhum dos cacoetes da esquerda brasileira, como também se mostrava refratário a qualquer participação dela em sua pregação.

Chegou a declarar, à época, que intelectuais e estudantes só serviam para atrapalhar.

Lula despontava perante a opinião pública como um líder operário de massas de perfil moderno, destituído dos vícios ideológicos que inviabilizaram os sindicalistas de antes de 1964.

Mais tarde, depois de fundado o PT, ele percebeu que o apoio do pensamento de esquerda era fundamental para motivar a militância, passando, então, a permitir que professores, estudantes e padres o municiassem de argumentos.

Lula, em sua origem, não era um esquerdista. E após a chegada de Duda Mendonça deixou logo de sê-lo. Não há nada de insincero ou artificial, portanto, em seu atual perfil.

Lula, no poder, tem-se revelado ora liberal, ortodoxo e conservador, ora esquerdista, "progressista" e nacionalista, ora clientelista e assistencialista. Qual deles é o verdadeiro Lula?

Talvez todos.

Sua política econômica é, em todos os sentidos, de cunho liberal. Ou seja, não faz apostas contra as forças do mercado, não demoniza a iniciativa privada e, no geral, procura não atentar contra o direito de propriedade e o fiel cumprimento dos contratos. É melhor que seja assim. Ao agir dessa forma, Lula ganha alguns inimigos dentro das esquerdas, mas, em contrapartida, passa a ser respeitado na comunidade internacional e no meio empresarial.

Seu lado esquerdista e terceiro-mundista se revela, principalmente, na política externa, na área fundiária e, até recentemente, no que tange ao meio ambiente.

Aí vale de tudo: cortejar Hugo Chávez, Evo Morales, Rafael Correa e, agora, Fernando Lugo, do Paraguai, mesmo quando estes manifestam intenções belicosas e contrárias aos interesses do Brasil, despender tempo e dinheiro em viagens aos países pobres da África, rosnar e vociferar contra os Estados Unidos, e vai por aí em diante.

Na política fundiária, o governo de Lula transfere recursos para o MST, nada faz contra as invasões de terras e fecha os olhos para tudo de ilegal que ocorre nesse campo.

Mas é do clientelismo e do assistencialismo - práticas atrasadas e antiquadas de nossa democracia - que Lula extrai suas maiores forças.

Este governo abrigou mais de 30 mil petistas na administração pública federal. Os que não estão diretamente empregados no governo são favorecidos por este por meio de contratos de prestação de serviços e de fornecimento de produtos. Tudo isso sai muito caro para o Brasil, que cada vez mais desperdiça recursos, quer por corrupção, quer por incompetência.

Há, por fim, o cume do assistencialismo, que é o famigerado Bolsa-Família. Já são bastante conhecidos os inconvenientes provocados por tal programa. Ao dar dinheiro vivo às pessoas sem exigir nenhum tipo de contrapartida, o governo está incentivando a irresponsabilidade, o parasitismo e o espírito da mendicância. Está dando o peixe, abstendo-se de ensinar a pescar. O problema é que o Bolsa-Família alcança 11 milhões de famílias, em todos os rincões da Nação. Ou seja, não dá mais para voltar atrás.

Lula é tudo isso e entende, também, que a coerência é um princípio descartável quando se exerce o poder.

Lula é popular. Com tudo isso e apesar de tudo isso.

João Mellão Neto, jornalista, deputado estadual, foi deputado federal, secretário e ministro de Estado

Real baixeza

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A retirada da proposta de substituição de diretores da Fundação Real Grandeza abafa, mas não resolve esse obscuro caso do fundo de pensão dos funcionários de Furnas.

Por um triz não se deflagra uma greve inusitada e potencialmente explosiva para o governo Luiz Inácio da Silva: de um lado, os sindicalistas, a base social; de outro, o fisiologismo da base política.

O presidente interferiu em cima do laço. Como sempre, ao sentir o desagradável aroma do desgaste a rondar sua excelsa pessoa.

Mas, lamentavelmente, para o objetivo de transformar o dito em não dito, Lula não agiu a tempo de evitar que o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, abrisse a O Globo o coração.

"Isso é uma bandidagem completa! Esse pessoal está revoltado porque não quer perder a boca. O que eles querem é fazer uma grande safadeza", disse ele ao jornal em defesa das mudanças na diretoria do fundo de pensão preconizadas pela direção de Furnas, empresa integrante do robusto patrimônio federal do PMDB.

Com aqueles argumentos, o ministro pretendia esclarecer que os funcionários de Furnas estavam equivocados ao enxergar motivações político/fisiológicas na pressão "de cima" para a troca de diretores.

A mudança vinha sendo tentada desde o fim de 2007, já provocara a renúncia de seis conselheiros da fundação, mas nunca tivera maior repercussão nem merecera atenção especial do Palácio do Planalto.

Tanto que, quando os funcionários marcaram protestos e paralisações para ontem, dia da decisão sobre as alterações, Lula chamou o ministro a fim de "entender melhor a situação".

Pela decisão do presidente de suspender a reunião do conselho, Edison Lobão não conseguiu convencê-lo de que se armava "uma grande safadeza".

O próprio Lobão ao sair do encontro com Lula já falava na necessidade de cotejar razões de parte a parte para "encaminhar a solução com tranquilidade".

Mas o presidente Lula preferiu a celeridade das decisões políticas e mandou informar os funcionários sobre a retirada da proposta ontem mesmo, antes da reunião do conselho deliberativo.

Suspenderam os protestos, o ministro calou-se, mas sobraram as acusações lançadas à ação do ventilador. Continuam lá, paradas no ar.

Da parte do ministro, a afirmação peremptória sobre a urdidura de uma "bandidagem completa".

Da parte da Associação dos Funcionários de Furnas, a convocação, por escrito, dos protestos contra "atos inescrupulosos que ameaçam o patrimônio da fundação em nome de interesses políticos para a campanha eleitoral de 2010".

Resumo do embate: o maior partido da coalizão governista, cogitado para compor a chapa da sucessão, é acusado de tentar tomar de assalto o fundo de pensão de Furnas para alimentar caixa 2 da campanha e, no revide, chama os controladores do fundo de safados defensores das respectivas sinecuras.

A interferência do presidente teve o poder de conter uma guerra de extermínio, mas não teve o condão de absolver autores de "atos inescrupulosos", não erradicou o foco da "bandidagem" nem fez os contendores se sentirem na obrigação de se retratar.

Ficou tudo como estava. Naquela nada santa obscuridade que até hoje deixa o respeitável, e pagante, público sem explicação sobre o que queria dizer exatamente o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, ao apontar "ineficiência" e "corrupção" na Fundação Nacional de Saúde, também sob a gerência do PMDB.

O mesmo terreno sombrio por onde transitou o partido para obter a presidência de Furnas retardando nas mãos do deputado Eduardo Cunha o relatório da CPMF na comissão especial da Câmara, em 2007.

Pântano tão caudaloso quanto o descortinado pelo senador Jarbas Vasconcelos sob os pés do partido, atolado em suas contradições e, ainda assim, silencioso, temeroso, indefensável, mas protegido, cerimoniosamente reverenciado e, portanto, devidamente autorizado.

Essa maneira de resolver problemas imediatos varrendo as coisas para debaixo do tapete a médio e longo prazos vai banalizando as denúncias e firmando a convicção de que a "maracutaia" outrora condenada agora compensa.

Carta da mesa

Em março do ano passado, o então primeiro-secretário da Câmara, Osmar Serraglio, distribuiu aos companheiros de bancada do PMDB uma carta denunciando as ações dos deputados Eduardo Cunha e Leonardo Picciani, ambos da seção do Rio de Janeiro, na Comissão de Constituição e Justiça.

Segundo o relato feito por ele, Picciani e Cunha montaram um "balcão de negócios" a partir do comando da CCJ, onde se revezavam para "manipular relatórios de projetos de interesse do governo em troca de cargos no Executivo e de posições importantes do Legislativo".

Ninguém deu bola: nem partido, nem governo, nem direção da Casa, nem o governador Sérgio Cabral Filho nem parlamentares de outros partidos - notadamente do PT - que viviam reclamando da dupla pelos cantos.

O bloco da quinta-feira

Fernando Gabeira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


RIO DE JANEIRO - Muitos blocos saem na Quarta-Feira de Cinzas. Um deles estava preparado para 48 horas depois. Era o bloco mascarado do PMDB do Rio.Na quinta, preparava a mudança na diretoria do fundo de pensão Real Grandeza, dos funcionários de Furnas. Houve gritaria, o bloco recuou. Mas está sempre na tocaia, pronto para o bote.

Furnas foi entregue ao PMDB do Rio. A empresa já havia sido estrela de escândalos no tempo de um diretor chamado Dimas Toledo. Dizia-se dele que controlava 33 deputados e dois governadores. Mas não resistiu ao impacto do mensalão.

Passou algum tempo e Furnas cai nas mãos de um novo dirigente talvez mais voraz que o outro. Seu objetivo não é apenas conduzir a empresa, mas também os milhões da aposentadoria dos funcionários. Por que um partido quebraria tantas lanças para ocupar um fundo de pensão?

O domínio fisiológico será sempre assim. Se há gritaria, recuam. Quando todos se distraem, atacam de novo. É a lógica que empregam no Congresso. Quando houve o movimento contra os sanguessugas, recuaram e permitiram que se aprovasse o voto aberto, em primeiro turno. A pressão foi atenuada e jamais se votou o segundo turno.

A eleição do corregedor do castelo foi outro exemplo. Ele recuou com a grita. Concederam mais transparência, divulgando notas da verba indenizatória. Esperam agora o refluxo da onda.

É uma pena o Brasil seguir assim. Não pelas lutas e denúncias, pois isso faz parte de qualquer processo, inclusive o norte-americano. Aqui, a dupla Sarney-Renan é fixada no Ministério de Energia. Nosso ministro é o Lobão. O dos EUA é um Prêmio Nobel de Física, Stephen Chu. Energia é tão importante lá como aqui.

Diferente é o modo de governar. Lobão e Chu são um bom tema para meditar na Quaresma.

A bandidagem

Janio de Freitas
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Lula teria que contrariar a banda ultrafisiológica do PMDB para assumir sua responsabilidade presidencial

AO MENOS por ora, Lula sustou um escândalo explosivo que teria como palco o grande cofre do fundo de pensão Real Grandeza, mas ficou só no passo inicial. Com isso, o comprometimento indireto do seu governo e dele próprio com as causas do escândalo, por nomeações "políticas" que têm fins além da política, torna-se direto, claro e acima dos demais. A menos que não se limite a desautorizar o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e o afaste por ser o operador confesso, no governo, da entrega dos R$ 6,5 bilhões do fundo à manipulação de um grupo do PMDB, digamos por delicadeza, fisiológico.

O ponto de partida para a compreensão básica do episódio é o conhecimento de que os grandes fundos de pensão, como o Real Grandeza dos funcionários e pensionistas de Furnas Centrais Elétricas, rendem fortunas aos grupos que os dirijam sem escrúpulos. Há bancos e corretoras sempre prontos a grandes recompensas aos que lhes destinem boas fatias dos bilhões de um fundo, na movimentação diária que faz em aplicações de Bolsa e participações acionárias.Nomeado presidente de Furnas por indicação do PMDB, para substituir dirigentes do Real Grandeza por também indicados do PMDB, o ex-prefeito carioca Luiz Paulo Conde foi derrotado em duas tentativas (2007 e 2008) de substituí-los.

Venceu-o o movimento de resistência dos funcionários da estatal. Conde poderia ter encerrado com mais compostura a sua vida pública, afastado dela e da presidência de Furnas pela força de um câncer. Por indicação do mesmo PMDB e com o mesmo objetivo, substituiu-o Carlos Nadalutti Filho, que montou a operação a ser afinal consumada ontem, em reunião do conselho deliberativo de Furnas.

Mas suspensa por Lula, já à última hora, sob intenso movimento público de resistência dos filiados ao Real Grandeza e forte noticiário de parte da imprensa.Antes, porém, Carlos Nadalutti Filho até prestara um serviço como presidente de Furnas. Com o chão esquentando sob seus pés nos últimos dias, não fez cerimônia para afirmar que tudo, o que incluía substituições aberrantes no conselho deliberativo para a reunião, era feito "por orientação do ministro Edison Lobão". Mais explícito, impossível.

Pouco antes da intervenção de Lula, que lhe coube divulgar e justificar, Lobão tratou de lançar acusações aos dirigentes do Real Grandeza que esperava ver logo afastados, declarações que se prestavam a confundir e aplacar as prováveis reações da imprensa. Atribuiu-lhes uma alteração de estatuto para permanecerem na direção, quererem fazer "uma grande safadeza" e constituírem "uma completa bandidagem". Não seria o caso, em se tratando de sua área, de pôr-lhe a palavra em dúvida.

Mas a modificação de estatuto não foi feita sob a diretoria atual, foi da antecessora. Apesar da crise, como Elvira Lobato mostrou na Folha, em 2008 o Real Grandeza obteve lucro, quando a média do setor foi de 0,7% negativo. As contas deixadas pela diretoria anterior registravam perdas enormes, e foram recompostas.

Lula tergiversou por dois meses e afinal cedeu à nomeação absurda do arquiteto Luiz Paulo Conde; cedeu à nomeação de Carlos Nadalutti Filho, e não opôs iniciativa alguma contra as duas tentativas anteriores de golpe no Real Grandeza.

Em último caso diante das circunstâncias, agora tomou a meia medida de sustar a substituição. Para assumir a responsabilidade presidencial, e afastar o ministro comprometido com uma articulação que o próprio presidente precisou sustar, Lula teria que contrariar a banda ultrafisiológica do PMDB. A qual integra a "base governista", ou seja, é sua aliada e companheira. Não faz o seu gênero, apesar da bandidagem.

Dinheiro público para invasores

Evandro Éboli
DEU EM O GLOBO

Apesar de a lei proibir, governo já repassou R$49,4 milhões para movimentos

Apesar de a legislação proibir desde 2001 o repasse de verbas públicas para entidades que comandam invasões de terra, o governo federal repassou, nos últimos sete anos, R$49,4 milhões para movimentos sociais invasores. Os recursos beneficiaram, principalmente, entidades ligadas ao Movimento dos Sem Terra (MST) e ao Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST). De 2002 a novembro de 2008, foram registradas 1.667 invasões de terra no país, e o MST foi o que mais invadiu.

Desde setembro de 2004, quando a Ouvidoria Agrária Nacional passou a identificar as entidades responsáveis pelas invasões, foram registradas 711 ocupações do MST - ou 66% de todas as ocupações no período.

Os repasses supostamente ilegais começaram em 2002, ainda no governo Fernando Henrique, quando duas entidades ligadas ao MST receberam R$2,1 milhões. Em 2003, já no governo Lula, o repasse para essas associações subiu para R$7,5 milhões. No ano seguinte, chegou a R$14 milhões, a maior cifra até 2008, segundo levantamento do Contas Abertas.

As instituições beneficiadas com maior volume de dinheiro são vinculadas ao MST: Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca), Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária (Concrab) e Instituto Tecnológico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (Iterra). A Anca foi beneficiada com R$23,8 milhões; a Concrab, com R$10,6 milhões; e o Iterra, com R$9,2 milhões.

Na lista está também a Associação Nacional de Apoio à Reforma Agrária (Anara), ligada ao MLST, controlado por Bruno Maranhão, que comandou a invasão do Congresso, em 2006. A Anara recebeu R$5,6 milhões.

Ministro da área prefere o silêncio

Um dia depois de o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, lembrar que o repasse para entidades que organizam invasões é ilegal, o governo se manteve em silêncio. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, recusou-se a comentar e não deu qualquer explicação sobre os repasses ilegais.

O MST aparece com destaque entre os mais de 70 movimentos que invadem fazendas no país, e está sempre no topo da lista das invasões. Em 2007, a participação do movimento nessas ações atingiu, proporcionalmente, seu ápice: o MST foi o responsável por 217 (72,8%) das 298 invasões registradas no país naquele ano. Em 2008, o MST foi o responsável por 132 (57,3%) das 230 ocupações entre janeiro a novembro. Em 2006, o índice foi de 66,5% (171 ações).

Medida provisória editada no governo Fernando Henrique, além de proibir repasse de recursos, também vetou vistoria para fins de reforma agrária, durante dois anos, nos imóveis ocupados por sem-terra. Ministro do Desenvolvimento Agrário à época, o hoje deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE) afirmou que a legislação não vem sendo cumprida pelo governo Lula:

- A lei não está sendo respeitada. Essas entidades, atrás das quais movimentos como o do MST se escondem, continuam recebendo recursos. O Incra nos estados é ocupado por pessoas do MST ou ligadas a ele. Como aplicar a lei contra eles mesmo?

Senado e Câmara apoiam Gilmar

Os presidentes da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), e do Senado, José Sarney (PMDB-AP), apoiaram as declarações de Gilmar.

- O ministro Gilmar Mendes está defendendo o estado de direito e as liberdades públicas. Há no Brasil uma democracia estável, onde o direito de um termina onde começa o direito do outro. Não podemos permitir que invadam o direito dos outros - disse Sarney.

- Concordo com o ministro Gilmar Mendes. Não podemos jamais violar os direitos consagrados na Constituição - disse Temer.

História e crise

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


A crise bancária atual pode ser pior que a de 1929, mas o desemprego não deverá chegar aos níveis aterradores daquele tempo. É o que acha o economista e historiador econômico Marcelo de Paiva Abreu. O ex-presidente do Banco Central, Gustavo Loyola, que enfrentou nossa crise bancária, disse que o maior risco que os Estados Unidos correm é a demora em resolver o problema bancário.

Conversei com os dois no programa da Globonews, juntando História e tempo presente. Há semelhanças e diferenças decisivas entre o fantasma que nos apavora, o de 29, e os sustos atuais.

- Voltar a 29 é impossível, porque hoje temos marcos institucionais que não tínhamos, mas em alguns aspectos pode ser pior. Na crise bancária, por exemplo. Em 29, os bancos da Europa Ocidental estavam bem. Foram atingidos os da Áustria, da Alemanha e dos Estados Unidos. O sistema americano era todo pulverizado, pequenos bancos locais. Um banco dos plantadores de algodão do Alabama: os plantadores corriam, sacavam seu dinheiro e quebravam o banco. Entre 28 e 32 quebraram milhares - lembra Marcelo.

Não havia grandes bancos nacionais. Os daquela época, explica Marcelo, eram proibidos de ser multibancos e não puderam diversificar o risco.

- Uma das duas mudanças que fizeram a lenda Roosevelt (Franklin Delano Roosevelt, o presidente que venceu a Grande Depressão), foi a de criar o seguro de depósito bancário. Outra foi abandonar o padrão ouro que pautou o grande default - diz.

Ao acabar com a indexação entre o dólar e o ouro, o dólar foi desvalorizado em 70%. Como os países, empresas e pessoas deviam em dólar nominal, houve, na verdade, um grande calote.

O que fica claro é que na raiz de uma crise desta dimensão está uma crise bancária. Perguntei a Gustavo Loyola o que está dando errado na estratégia do governo Barack Obama de enfrentar a crise.

- O que está dando errado é a demora. Esse procrastinar de uma solução definitiva vai deixando o mercado nervoso, alimenta boatos, rumores, as expectativas pioram e a economia vai derretendo. O crédito parou. Uma ação rápida, mesmo que não seja perfeita, é a melhor - diz Loyola.

Ele acha que a estratégia de Obama de tentar vender os ativos podres dos bancos pode até dar certo, mas demora. Seria necessário ter uma perspectiva de recuperação econômica para que os ativos pudessem ser valorizados. Gustavo lembra que no Brasil havia bancos sólidos que compraram os ativos e passivos dos bancos com dificuldade.

- A gente vendia os ativos bons, os compradores garantiam os depositantes e o banco reabria no dia seguinte. Assim, cortava-se o pânico pela raiz.

Marcelo e Gustavo acham que haverá nos EUA e na Europa algum tipo de estatização dos bancos.

- Em 29 não houve apoio direto aos bancos como agora, eles simplesmente quebraram. Mas agora há um forte elemento de socialização dos prejuízos. Por isso, em algum momento, os Estados Unidos terão que rever seus princípios contra a nacionalização - diz Marcelo.

- Existe uma clivagem. O pudor de falar em nacionalização ou estatização é maior nos Estados Unidos que na Europa, até por razões históricas. Mas esta montanha de dinheiro que está sendo posta nos bancos terá que ter uma contrapartida para o contribuinte. Deve-se ter uma participação acionária estatal. Com todo esse dinheiro do contribuinte, é pouco crível que os bancos tenham a mesma liberdade de gestão - conta Gustavo.

E isso é o fim do liberalismo? Perguntei a Marcelo Abreu. Resposta:

- É o mesmo que prever o fim do capitalismo na crise de 29. Houve quem fizesse essa previsão.

A outra pergunta é: o que está sendo oferecido como alternativa? Uma versão recauchutada do socialismo?

Marcelo é especialista também em comércio internacional. Ele alerta para questões diferentes na questão do protecionismo: primeiro, diz que em 29 não havia OMC, e que isso nos dá agora alguma proteção institucional; segundo, que as tarifas americanas já eram muito altas e, portanto, a elevação não foi tanta assim; terceiro: o governo Roosevelt era muito unilateralista.

- Ele afundou uma reunião de cooperação internacional porque não compareceu e ficou no seu iate. Barack Obama não tem iate, e isso já é uma chance. Certamente, Obama será mais cosmopolita do que foi Roosevelt.

Marcelo teme o que ele chama de uma "maldade nova": o protecionismo financeiro. Ou seja, a prática de que os bancos, salvos com o dinheiro do contribuinte, só emprestem para empresas nacionais.

Em 1929, o Brasil foi atingido rapidamente.

- O mundo era menor, os Estados Unidos eram menores, mas a crise foi global. E atingiu primeiro países como o Brasil e a Argentina, porque o Fed subiu os juros e faltou crédito para nós - lembra Marcelo Abreu.

Gustavo acha que a recessão dura pelo menos mais um ano. Para Marcelo, dá para começar a ser otimista em um ano e meio, dois anos. A recessão vai ser demorada, mas Gustavo não acredita em colapso do sistema de pagamentos e Marcelo lembra que, hoje, existem o OMC, o FMI, os fundos garantidores, e mais chance de cooperação global.

Calote em veículos gera novo recorde de inadimplência

Ney Hayashi da Cruz
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Atraso de pessoas físicas atinge 8,3%, diz BC; Serasa aponta alta de 29% em calote de empresas
Para analista, aumento no desemprego e no custo do crédito reforçam tendência; Mantega minimiza alta e põe culpa nos impostos Impulsionado pelos calotes nos financiamentos de veículos, o nível de inadimplência nos empréstimos concedidos a pessoas físicas atingiu o nível mais elevado em quase sete anos, segundo o Banco Central.

No mês passado, as parcelas com pagamentos atrasados por mais de 90 dias representavam 8,3% da carteira de crédito dos bancos, proporção mais elevada desde maio de 2002.

Outra pesquisa divulgada ontem, pela Serasa, que usa metodologia diferente, mostrou um aumento ainda maior da inadimplência, agora entre as empresas. Em janeiro, ela subiu 12,5%, quando comparada com dezembro de 2008. Na comparação com janeiro de 2008, o levantamento mostra que houve uma elevação de 28,9% na inadimplência das pessoas jurídicas.

Enquanto o BC classifica como inadimplência as prestações com 90 dias de atraso, a Serasa mostra a variação do total das dívidas não pagas pelas empresas em todo o país. A pesquisa abrange o total de cheques sem fundos, de títulos protestados e de dívidas com os bancos.

Já o levantamento do BC mostra que o atraso nos pagamentos não tem afetado tanto os empréstimos a empresas e aponta que, entre pessoas físicas, a inadimplência começou a aumentar com maior velocidade no segundo semestre do ano passado. Em junho, por exemplo, a inadimplência atingia 7% dos empréstimos a pessoas físicas e 1,7% a pessoas jurídicas. Em dezembro, essas proporções haviam chegado, respectivamente, a 8% e a 1,8%.

O governo minimiza o significado desses números, muito influenciados pelos atrasos nos financiamentos de veículos, que foram a 4,7% do total, contra 3,1% um ano antes.

Mantega

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o aumento na inadimplência nesta época do ano já era esperado. "É normal que em janeiro e fevereiro haja isso. Você tem vencimentos de pagamentos de IPTU, IPVA, sei lá mais o quê. Isso não significa nenhuma deterioração importante da economia brasileira."

Por outro lado, o economista Roberto Luis Troster, sócio da consultoria Integral Trust, diz que o atraso nos pagamentos reflete as dificuldades que a economia brasileira tem enfrentado nos últimos meses, pois fatores como o aumento no custo do crédito e o maior desemprego favorecem o crescimento da inadimplência.

"As pessoas estão se endividando no cheque especial e no cartão de crédito para pagar outras dívidas. Isso só agrava o problema da inadimplência", diz Troster.

Para Bruno Rocha, analista da Tendências Consultoria, a expectativa é que a inadimplência permaneça em alta no curto prazo. "Com um mercado de trabalho que continua ruim, juros mais altos e prazos mais curtos, é bem provável que [o nível de atrasos] volte a subir nos próximos meses", afirma.

Roberto Dinamita-se

Juca Kfouri
Comentário para a CBN


Roberto Dinamite, o centroavante, foi um dois maiores ídolos da história do Vasco.
Graças a isso se elegeu deputado estadual.

Mau deputado, diga-se.

Fez dobradinha até com Eurico Miranda e, não satisfeito, ajudou a enterrar uma CPI do Futebol que quiseram instalar na Assembléia Legistativa do Rio.

Mesmo assim, com todo mundo sabendo disso muito bem sabido, ele teve apoio quase unânime da chamada sociedade civil quando resolveu bater chapa com Eurico Miranda nas eleições do Vasco.

Entre outras coisas porque foi humilhado, diante do filho, pelo truculento cartola na tribuna de honra de São Januário.

E porque tinha gente boa a cercá-lo.

Ele enfim ganhou a primeira eleição limpa que se fez no Vasco em muitos anos.

Seus melhores conselheiros lhe diziam para se cercar de gente que preenchesse suas deficiências.

E ele começou a trabalhar.

Mau, diga-se, a ponto de escolher Tita como técnico, de perder Morais para o Corinthians e acabar caindo para a segunda divisão, responsabilidade muito maior, no entanto, de Eurico Miranda, que deixou uma herança maldita mesmo, e com M maiúsculo.

Mas eis que pessoas boas começaram a abandonar o barco diante das práticas de Roberto Dinamite.

E ele foi bater na porta da CBF, pedir um empréstimo aqui, outro ali, até desistir, ontem, de lutar pelos direitos do seu clube na Taça Guanabara.

Enfim, já dá para afirmar com todas as letras: Roberto Dinamite é um mal muito menor que Eurico Miranda.

Mas não é a solução para o Vasco.

Infelizmente.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1252&portal=

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Do terrorismo político à delinquência comum

Marco Mondaini
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Há muito é clássica a afirmação do grande historiador francês Marc Bloch acerca do fato de que o historiador não é um juiz, muito menos um juiz que enforca. Suas palavras foram responsáveis pela formação de gerações de estudantes do curso de História, em todas as partes do mundo, que começaram a tomar conhecimento do trabalho que cerca a prática profissional do historiador por meio de um livro inconcluso escrito numa das tantas prisões nazistas.

Peço, porém, licença ao mestre francês para dizer que Cesare Battisti merece ser condenado no plano histórico, pois que no plano jurídico isso já foi pelo Poder Judiciário italiano, cabendo ao nosso Supremo Tribunal Federal (STF) a decisão de ratificar ou não a concessão do status de refugiado político feita pelo ministro da Justiça, Tarso Genro. Não se trata de uma condenação individual, mas sim de uma condenação coletiva que engloba significativa parcela daqueles seus companheiros da extrema esquerda que pegaram em armas, na Itália, entre o final dos anos 1960 e o início da década de 1980 - certamente o período mais sombrio da História italiana depois da escuridão das duas décadas de poder fascista.

Um período que se inicia na esteira de um duplo processo de movimentação social: em 1968, seguindo a maré global, a movimentação estudantil; em 1969, no chamado "outono quente" italiano, a movimentação dos operários. Do cruzamento dessa dupla experiência ganharia forma um segmento político de extrema esquerda reunido em torno da necessidade de estruturação de organizações extraparlamentares voltadas para a formação de um poder operário autônomo em relação às instituições da democracia representativa.

Diante da reação terrorista da extrema direita neofascista aos novos ares que sopravam da parte do movimento estudantil e operário, não foi preciso muito tempo para que tal segmento político de extrema esquerda, do qual Cesare Battisti fez parte, se engajasse na reprodução da "estação das bombas" inaugurada em dezembro de 1969 com a explosão de uma bomba na Piazza Fontana, em Milão.

Assim, enquanto se realizava na mesma Milão, em março de 1972, o XIII Congresso do Partido Comunista Italiano (PCI), chegava a notícia de que fora encontrado um corpo dilacerado por uma bomba na base de uma torre elétrica de alta tensão localizada na vizinhança da grande cidade do norte italiano.
O estupor foi geral quando se descobriu que aquele corpo despedaçado era do intelectual, empresário e dono de uma das maiores editoras italianas Giangiacomo Feltrinelli, que, preocupado com a ascensão das ameaças golpistas de extrema direita, começara a construir uma organização clandestina - os Grupos de Ação Partigiana. Feltrinelli morrera ao tentar acionar os explosivos numa típica ação terrorista.

Dentro desse contexto, não é supérfluo relembrar que, no decorrer do referido congresso dos comunistas italianos, foi eleito secretário-geral Enrico Berlinguer, o mesmo líder que, no ano de 1977, em Moscou, durante as comemorações dos 60 anos da Revolução Russa de 1917, afirmou ser a "democracia um valor universal".

Ora, sob a liderança de Berlinguer, o PCI - o partido de Gramsci e da resistência ao fascismo - procurou, dentro da legalidade democrática, romper as limitações impostas por uma "democracia bloqueada" dos tempos da guerra fria (e não uma ditadura militar!), tendo ao seu lado cerca de um terço do eleitorado nacional, além de um número de filiados e militantes sempre contado na casa das centenas de milhares.

Com essa base sociopolítica, o PCI enfrentou os "anos de chumbo" apresentando-se como alternativa política democrática, aberto ao diálogo com o Partido da Democracia Cristã (DC) de Aldo Moro - o mesmo Aldo Moro que, na primavera europeia de 1978, seria sequestrado e assassinado pelas Brigadas Vermelhas, tendo o seu corpo sido deixado dentro da mala de um carro numa rua a meio caminho entre a Via delle Botteghe Oscure (sede do PCI) e a Piazza del Gesù (sede da DC), em Roma.

O recado deixado pelos terroristas de extrema esquerda (com a concordância não casual dos terroristas de extrema direita) era claro.

Com o assassinato de Moro, a "estratégia da tensão" venceu e os canais de diálogo entre PCI e DC se fecharam, tornando a democracia italiana ainda mais bloqueada. Não se interromperam, porém, os atentados a bomba patrocinados pela extrema direita (como a explosão da estação ferroviária da cidade historicamente comunista de Bolonha, em agosto de 1980) nem os assaltos, sequestros, rajadas de metralhadora na altura das pernas e assassinatos levados a cabo pela extrema esquerda.

Nessa difícil travessia, as ações de "justiçamento" implementadas por grupos como o Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) de Cesare Battisti (como aquela que vitimou o joalheiro Pierluigi Torregiani, deixando o seu filho até hoje entrevado numa cadeira de rodas) foram responsáveis pela pavimentação da estrada que leva da infâmia do terrorismo político à prática da delinquência comum - uma estrada equivocada desde o seu nascedouro e inaceitável para alguém que vê na democracia e nos direitos humanos o único binário possível a ser trilhado pelo trem em constante movimento da civilização contemporânea.

Marco Mondaini, bacharel em História, doutor em Serviço Social pela UFRJ, mestre em História Econômica pela USP, com pesquisas no Instituto Gramsci de Roma e pós doutoramento no Departamento de Teoria e História do Direito da Universidade de Florença, é autor de Escritos sobre o Pensamento de Esquerda Italiano (Suam/Fundação Biblioteca Nacional, 1999), Sociedade e Acesso à Justiça (Edufpe/Karós, 2005), Direitos Humanos (Contexto, 2006) e Direitos Humanos no Brasil (Unesco/Contexto, 2009)