*Míriam Leitão, jornalista. “Emergência
democrática”, O Globo, 24.4.2022.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
segunda-feira, 25 de abril de 2022
Opinião do dia – Míriam Leitão*: Emergência democrática
Paulo Fábio Dantas Neto*: Com firmeza das instituições e paciência das oposições, o golpe não passará
A
situação permite avaliações polares. Uma delas é que Bolsonaro já perpetra,
neste preciso momento, um tantas vezes cogitado autogolpe, agora com razoável
chance de êxito, o que exige mobilização para a resistência, da sociedade
organizada, partidos políticos e dirigentes das instituições, sob pena do fato
se consumar irreversivelmente. Outra avaliação é que ele confunde desejo com
possibilidade de ser ditador numa democracia e, nesse caso, cabe remetê-lo a
Gilberto Gil, recentemente reconhecido como imortal no nosso país: “Se oriente,
rapaz!” (...) pela rotação da Terra em torno do Sol”. Nas entrelinhas desse
enredo ambivalente respira uma terceira avaliação, de que não se está nem no
alto mar, nem na terra firme. Estaríamos suspensos no ar, em busca de areia e
águas mornas de uma baía. Aterrissemos.
Usando um lugar comum, digo que a relativa confiança em que os movimentos ríspidos do nosso açodado candidato a Putin poderão ser refratados não nos dispensa de refletir a sério sobre as armadilhas de mais esse teste a que ele submete as instituições republicanas. Por prudência política façamos a seguinte pergunta: se pela Constituição cabe ao STF dar a última palavra num conflito entre Poderes, que apoio político e social é preciso e haverá para que essa prerrogativa seja exercida no instante em que o presidente intenta tratar o STF como parte de um contencioso consigo? A intenção mais abrangente da aventura parece óbvia: ou o STF cede e legitima a anarquia, ou ele (Bolsonaro) colocará no bolo, de novo, o suposto poder moderador das forças armadas para conjurá-la.
Bruno Carazza: Em busca das ovelhas desgarradas
Valor Econômico
Como Lula atrairá os arrependidos de votar
em Bolsonaro?
Uma das características mais marcantes da
eleição deste ano é a definição de voto antecipada por boa parte dos eleitores.
De acordo com o último Datafolha, que foi a campo em 22 e 23 de março, 67% dos
entrevistados afirmam que já estão totalmente decididos sobre o seu voto para
presidente em outubro deste ano. A diferença em relação a 2018 é gritante:
faltando menos de um mês para o primeiro turno, apenas 55% dos eleitores haviam
definido seu candidato no pleito que elegeu Jair Bolsonaro.
A principal explicação para essa consolidação precoce das escolhas eleitorais deve-se ao fato, único até aqui em nossa história, de termos uma disputa centrada entre um presidente em busca de reeleição, de um lado, e um ex-presidente querendo uma volta triunfal ao poder, de outro. E como nada indica que surgirá um terceiro nome que seja capaz de romper esse antagonismo, 80% dos eleitores de Bolsonaro e 78% dos adeptos de Lula afirmam que não mudam de opinião de jeito nenhum até outubro.
Fernando Gabeira: O feitiço do WhatsApp
O Globo
Desculpe se escrevo sobre algo muito geral
como a sociedade em que vivemos, problemas de atualidade ou tudo isso que está
aí.
Através de seu caminho, o texto se torna
mais específico. Quando estou no Rio, trabalho e estudo um pouco até as oito e
meia da noite. Nesse momento, sinto-me livre e vou ler algo e ver uma série na
TV.
Ultimamente estava lendo o livro “68 contos
de Raymond Carver”. Terminado um conto, ligava a TV.
Os personagens de Carver são pessoas
simples. Ele se inspirou no grande escritor russo Tchekhov. São garçonetes,
limpadores de chaminés, mecânicos, às vezes um professor universitário. Eles
têm problemas, alguns são alcoólatras em recuperação. Mas seus problemas são
pequenas neuroses, essa loucura cotidiana que está em nós e ao nosso redor.
Quando começo a ver uma série, já no final da jornada, costumo levar um susto. Tenho muita simpatia por roteiristas, são nossos irmãos. Mas às vezes inventam coisas estapafúrdias para nos arrancar do torpor cotidiano. Saio da literatura para as séries de TV e sinto como se estivesse saindo do território da neurose para o da psicopatia.
Miguel de Almeida: Milagres existem
O Globo
A extrema direita jamais escondeu sua
pulsão pela morte. Tampouco seu maior instrumento — a violência física.
Em um só exemplo, o que Putin faz contra os
ucranianos.
Parte do universo religioso tem seu quinhão
de inferno em seu acasalamento oportunista com o discurso direitista. De padres
a pastores, principalmente, há um apadrinhamento — bênção? — ao ódio, à cizânia
e inconformismo autoritário diante de seu mundo idealizado.
Papa Francisco começa a punir padres pedófilos, eliminando as “más ovelhas” de seu rebanho, mas no Brasil se invoca a figura da intolerância religiosa quando se tenta investigar os pastores do MEC.
A religião soa como um biombo para a ocultação de esqueletos. Na Rússia, o arcebispo da Igreja Ortodoxa, em nome da Virgem Maria, apoia a fratricida invasão da Ucrânia empreendida por Putin. Enxerga na luta um corpo a corpo contra a alegada decadência do Ocidente, estampada principalmente pelas paradas gays. Tá. Por isso, tudo bem matar crianças em orfanatos e idosos em asilos e doentes em hospitais... O arcebispo russo já colhe ventos contrários dos ortodoxos ucranianos e de outras regiões. “O Patriarca de Moscou não está engajado na teologia, mas simplesmente interessado em apoiar a ideologia de Estado”, atestou o arcebispo Volodymyr Melnichuk, em Udine, na Itália.
Marcus André Melo*: O STF na berlinda
Folha de S. Paulo
Nova agenda para o STF: julgar ataques à
corte ao invés de arbitrar conflitos entre poderes
"Nunca antes o Supremo Tribunal
brasileiro pôde exercer sua missão específica de árbitro da legalidade,
contendo os excessos do Executivo", notou Afonso Arinos em 1958. O
diagnóstico é preciso: "Desde o princípio, o STF fracassou na sua missão.
Fracassou com Floriano, com Hermes, com Vargas. A instituição em seu conjunto
naufragou historicamente, na fraqueza, na omissão e no conformismo".
Nos anos que se seguiram o quadro só
piorou. Na última década, o STF tornou-se hiperprotagonista do jogo político.
Não se trata de algo trivial, mas da maior transformação em nosso sistema
político pós 88. Terá também fracassado com Lula, Temer e Bolsonaro? Não,
hiperprotagonismo não significa sucesso. O juízo mais acertado é falar de
muitos resultados positivos com grandes retrocessos.
São três as principais razões para o hiperprotagonismo. A primeira é a hiperpolitização do STF, produto da combinação de desenho institucional e da própria magnitude do que entrou na sua agenda. Ela é produto de sua insólita atuação como corte criminal e de tribunal recursal em um contexto de mega escândalos de corrupção e que levaram centenas de agentes políticos, inclusive presidentes e chefes de poderes legislativos, aos bancos dos réus e à prisão.
Celso Rocha de Barros: Bolsonaro solta seus bandidos
Folha de S. Paulo
Jair pode se orgulhar de ter exposto seu
próprio golpismo
Com medo de perder, Bolsonaro já
começou a soltar bandidos da cadeia para organizar
o golpe da derrota. Segundo a última pesquisa do Ipespe, a vantagem
de Lula sobre
Bolsonaro no segundo turno está em 20 pontos percentuais.
Na quinta-feira passada (21), Bolsonaro
perdoou os crimes de Daniel Silveira, extremista que quebrou a placa
de Marielle
Franco em 2018. Agora o governo já pensa em perdoar Osvaldo Eustáquio,
um profissional de fake news que mentiu que a mãe de Glenn Greenwald não tinha
câncer (ela faleceu pouco depois), e Roberto Jefferson, aquele.
Bolsonaro é o mandante do crime que perdoou na última quinta-feira. O extremista Daniel Silveira ameaçou o STF porque é isso que o presidente da República manda seus militantes fazerem todo dia. Quando Silveira cometeu seu crime, ele não era um indivíduo dando sua opinião diante do poder do Estado: era o Palácio do Planalto ameaçando destruir o STF.
Lygia Maria: Democracia sob ataque
Folha de S. Paulo
A ferramenta mais democrática para lidar
com ataques verbais à democracia é a esfera do debate público
O deputado Daniel Silveira foi condenado a quase nove anos de prisão por proferir
ofensas e ameaças contra ministros do STF. Dentre os artigos da Lei de
Segurança Nacional infringidos, está: "tentar mudar, com emprego de
violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de
Direito". No vídeo, há ofensas como "menino mimado",
"bosta", "covarde" e ameaças como "que o povo entre no
STF e agarre o Alexandre de Moraes pelo colarinho e sacuda a cabeça de ovo
dele".
Juristas manifestaram opiniões contrárias à dosimetria da pena, considerada exagerada, e sobre o âmbito processual: o juiz, que é vítima, acusa, julga e condena. Porém, a meu ver, também há a questão da liberdade de expressão. Segundo Alexandre de Moraes, "A Constituição não garante liberdade de expressão como escudo protetivo para discurso de ódio, contra a democracia, contra as instituições".
Denis Lerrer Rosenfield*: A narrativa da guerra
O Estado de S. Paulo
A Otan, que tinha perdido a sua
justificativa, ganha uma nova: a de defender os valores da liberdade e da
democracia.
O mundo tal como configurado no século 20,
após a Segunda Guerra, com suas fronteiras e diferentes concepções geopolíticas
e militares, ruiu. Em certo sentido, o século 21 começa agora. Nada mais será
como antes, seja em termos econômicos, geopolíticos, militares, diplomáticos ou
financeiros. Cadeias de produção globais deverão ser repensadas, colocando-se
como questões estratégicas nacionais de defesa, não apenas no sentido militar,
mas também sanitário, industrial e mineral. O mundo será redesenhado.
No pós-guerra, numa Europa em ruínas, surgem duas potências que vão disputar a hegemonia mundial. Os EUA mostraram todo o seu poderio militar, sua pujança econômica, sua coesão social e sua liderança mundial. A URSS conseguiu reverter sua derrota militar na primeira invasão alemã e, com enorme espírito de sacrifício, terminou afirmando-se como grande potência. Por outro lado, o Reino Unido vive o seu estertor imperial, exaurido, perdendo suas colônias, com enormes problemas sociais, financeiros e econômicos. A França, ainda naquele então se apresentando como um “império”, sofre o mesmo destino, particularmente em razão de sua fragorosa derrota militar.
Macron barra ultradireita na Franca
Macron vence Le Pen na França e volta a barrar ultradireita, mas promete mudanças
Michele Oliveira, Alexandra Moraes Folha de
S. Paulo
MILÃO e PARIS - O presidente Emmanuel
Macron, 44, foi reeleito, neste domingo (24), para mais cinco anos como
presidente da França. Pouco depois da meia-noite pelo horário local, com 100%
das urnas apuradas, o político de centro-direita tinha 58,55% dos votos, à
frente de Marine
Le Pen,
53, com 41,45%.
Os números são praticamente os mesmos que
haviam sido apontados pelas projeções divulgadas logo após o fechamento das
urnas, às 20h no horário local (15h de Brasília), 58,2% e 41,8% —as estimativas
são calculadas a partir dos resultados das seções eleitorais que encerram
primeiro a votação.
Quinze minutos depois da divulgação da
projeção, Le
Pen já admitiu a derrota em discurso a apoiadores, buscando manter sua
base mobilizada de olho na eleição legislativa de junho. O presidente se torna,
agora, o quarto mandatário reeleito na Quinta República, como é chamado na
França o período após 1958. O feito não era alcançado havia 20 anos,
quando Jacques
Chirac venceu o pai de Marine, Jean-Marie Le Pen.
A apoiadores no campo de Marte, em Paris, em frente à Torre Eiffel, Macron agradeceu a vitória, dizendo que será sua responsabilidade encontrar uma resposta para o que chamou de raiva que teria movido os eleitores da rival. Ele fez menção àqueles que "votaram em mim não porque apoiam minhas ideias, mas para bloquear a ultradireita".
O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões
Editoriais
WhatsApp precisa resistir à investida de
Jair Bolsonaro
O Globo
O presidente Jair Bolsonaro afirmou que
procuraria representantes do WhatsApp no Brasil para tratar do acordo firmado
entre a empresa e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Tal acordo adiou o
lançamento, para depois das eleições de outubro, de uma função que permite
ampliar o alcance das mensagens no aplicativo. “Se ele [o WhatsApp] pode fazer
um acordo com o TSE, pode fazer comigo também. Por que não?”, disse Bolsonaro.
O raciocínio do presidente não tem nexo. O Executivo é parte interessada no
pleito de outubro, pois Bolsonaro busca a reeleição e deveria respeitar à risca
todas as regras estabelecidas para o pleito — da vedação à campanha antecipada
às medidas tomadas para coibir a desinformação.
Os bolsonaristas obviamente não inventaram a disseminação de mentiras, nem detêm monopólio sobre elas, mas a memória da campanha de 2018 está fresca demais para esquecer quem mais abusou desse instrumento de manipulação. Não se ouviu crítica ao acordo do TSE com o WhatsApp vinda da oposição. É papel da Corte tomar iniciativas para garantir uma campanha tranquila e uma votação justa — e isso significa conter a enxurrada de fake news que já circula nos aplicativos de mensagem, em especial nas redes bolsonaristas. Como é mera ilusão esperar comedimento do presidente, os executivos responsáveis pelo WhatsApp no Brasil terão de resistir à pressão.