Para 6 ministros,
ex-chefe da Casa Civil deu ordem para pagar propina em troca de votos no
Congresso
Também foram punidos
por corrupção ativa o ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro Delúbio
Soares, o operador do esquema, Marcos Valério, e outros quatro réus. O ex-homem
forte do governo Lula ainda será julgado por formação de quadrilha
Seis anos após ser
apontado na denúncia do Ministério Público como "chefe da quadrilha"
do mensalão, o ex- ministro da Casa Civil José Dirceu foi condenado pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção ativa. A votação ainda não foi
concluída, mas seis dos dez ministros entenderam que Dirceu foi o mandante do
pagamento de propina a parlamentares da base aliada em troca de apoio em
votações no Congresso. Também já há maioria para condenar o ex-presidente do PT
José Genoino, o ex-tesoureiro Delúbio Soares, Marcos Valério e mais quatro
réus.
Dirceu é condenado
Seis dos dez integrantes do Supremo punem ex-ministro da Casa Civil por
corrupção ativa
Carolina Brígido, André de Souza
BRASÍLIA - Apontado como o mentor e comandante do mensalão, o ex-ministro da
Casa Civil José Dirceu foi condenado por seis dos dez ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF) por corrupção ativa. Para a maioria dos integrantes da
Corte, vinham de Dirceu as ordens para pagar propina a parlamentares em troca
de apoio em votações no Congresso Nacional, garantindo para o governo federal
uma base aliada fiel.
Até agora, condenaram Dirceu os ministros Joaquim Barbosa, relator do
processo, Luiz Fux, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Marco Aurélio
Mello. Absolveram-no os ministros Ricardo Lewandowski, revisor do processo, e
Dias Toffoli. Mesmo com a situação definida, a conclusão deste sexto capítulo
ocorrerá hoje, 34º dia de julgamento, com os votos de Celso de Mello e do
presidente da Corte, Ayres Britto.
Também já há maioria para condenar, pelo mesmo crime, o ex-presidente do PT
José Genoino; o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares; Marcos Valério,
operador do mensalão; e quatro réus do grupo de Valério: seus ex-sócios
Cristiano Paz e Ramon Hollerbach; o advogado Rogério Tolentino; e a ex-diretora
financeira da agência SMP&B Simone Vasconcelos.
- Não há como não se chegar à conclusão de que Dirceu, homem forte do
governo Lula, encarregado da articulação da base aliada no Congresso, não só
sabia do esquema de transferência irregular de verbas entre o PT e os partidos
da base aliada, como também contribuiu intelectualmente para sua estruturação -
disse Gilmar.
Há também votos suficientes para a absolvição da ex-gerente financeira da
agência SMP&B Geiza Dias e do ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto.
Proximidade de empréstimos e reuniões
Até agora, só Lewandowski e Dias Toffoli absolveram Dirceu. Mas, para a
maior parte dos integrantes do STF, Dirceu negociou com a diretoria de BMG e
Rural empréstimos a Valério que seriam usados para comprar apoio de
parlamentares. As reuniões, a portas fechadas, teriam ocorrido na presença de
Valério, Genoino e Delúbio.
Apesar de não haver documento comprovando que Dirceu influiu na liberação do
dinheiro, há proximidade de datas entre a concessão dos empréstimos e as
reuniões. A maioria dos ministros considerou esta uma evidência de que a
participação do réu foi fundamental para garantir o funcionamento do esquema.
- A ilicitude advém do contexto em que os fatos se entrelaçam, na medida em
que o chefe da Casa Civil se reúne exatamente com os dirigentes das
instituições financeiras que advogam em interesses privados alheios à
competência do ministro e que concedem, inclusive com coincidência temporal, os
malsinados empréstimos utilizados para irrigar a corrupção de parlamentares -
disse Gilmar Mendes. - Curiosamente, ainda participam dessas reuniões os dois
operadores ostensivos do esquema de corrupção, Delúbio Soares e Marcos Valério.
Os ministros listaram uma série de depoimentos de testemunhas e outros réus
afirmando que Dirceu tinha como uma de suas tarefas formar uma base aliada no
Congresso. A agenda do ex-ministro continha audiências com líderes partidários.
Os depoimentos também indicavam que o réu, mesmo na chefia da Casa Civil,
continuava gerenciando os interesses do PT.
Também foi considerado o empréstimo que a ex-mulher de Dirceu, Angela
Saragoza, conseguiu no Rural por intermédio de Valério. E, ainda, o fato de
Tolentino ter comprado com dinheiro vivo um apartamento que Angela vendia em
São Paulo. Para Marco Aurélio, Dirceu valeu-se do esquema inclusive para beneficiar
a ex-mulher:
- As declarações prestadas demonstram que Dirceu valeu-se da estrutura do
grupo para resolver problemas particulares da ex-cônjuge.
Cármen Lúcia, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral, disse que
ficou espantada com a confissão da defesa de que houve crime de caixa dois. Os
advogados de alguns réus confessaram o caixa dois no intuito de alegar que não
houve compra de votos no Congresso:
- Acho estranho e muito grave que alguém diga, com toda a tranquilidade, que
houve caixa dois. Caixa dois é crime, é uma agressão à sociedade brasileira.
Dizer isso na tribuna do Supremo, ou perante qualquer juiz, me parece grave,
porque fica parecendo que o ilícito no Brasil pode ser praticado, confessado e
tudo bem. E não é tudo bem. Tudo bem é estar num país, num estado de direito,
quando todo mundo cumpre a lei.
Em seguida, ela foi incisiva ao condenar o ex-tesoureiro do PT Delúbio
Soares:
- Ficou comprovado que este réu atuou com desenvoltura, proeminência e
permanência de práticas, que foram do início de 2003 até 2005, quando houve a
eclosão do que se vinha passando, com uma desmesura impressionante.
"Não estamos julgando histórias"
A ministra também contestou o argumento da defesa de Genoino de que o réu
tinha um passado de intensa luta pela democratização do país. Cármen deixou
claro que o estava julgando pelo mensalão, não pela história de vida dele:
- Não estamos julgando histórias, porque as histórias são feitas, às vezes,
com desvios que seriam impraticáveis em outras circunstâncias.
A maioria do tribunal concluiu que o ex-presidente do PT sabia do esquema e
prometeu vantagens a parlamentares. Genoino ainda avalizou um empréstimo do PT
no Banco Rural no valor de R$ 3 milhões. Teria ficado a cargo de Delúbio
indicar para Valério os beneficiados com os repasses de dinheiro.
Para Gilmar, não há como acreditar na possibilidade de que partidos com
ideologia oposta ao PT tenham aceitado integrar a base de apoio do governo sem
receber nada em troca. Ainda segundo Gilmar, também não faz sentido a tese de
que Delúbio e Valério agiram sozinhos, sem o conhecimento da cúpula do partido:
- Não é crível nem lógico admitir que o acordo político não contemplou uma
contrapartida. Extremamente difícil acreditar que alguns partidos,
reconhecidamente não conciliados do ponto de vista programático, aceitariam um
acordo sem nada em troca. (...) É possível que José Dirceu e José Genoino
realmente, após celebrado o acordo, não se ocupassem da operacionalização dos
repasses, função que coube a Delúbio Soares e a Marcos Valério. Mas daí dizer
que ignoravam por completo o centro de distribuição de recursos, administrado
pelo tesoureiro do partido, voltado a beneficiar os parlamentares da base
aliada, me parece é menosprezar a inteligência alheia - argumentou.
Marco Aurélio Mello concordou:
- Apontar Delúbio, e parece que ele próprio aceita posar como tal, como bode
expiatório, como se tivesse autonomia suficiente para levantar milhões e
distribuir ele próprio, definindo os destinatários sem conhecimento da cúpula
do PT? A conclusão subestima a inteligência mediana.
Marco Aurélio ironizou a alegação da defesa de Genoino de que ele não tinha
conhecimento dos empréstimos:
- Genoino era o interlocutor político do grupo, era o presidente do partido
que esteve envolvido nesta tramoia. Poupem-me desse desejo de atribuir a
Genoino, com a história de vida que tem, tamanha ingenuidade.
Como votaram os ministros sobre José Dirceu, o chefe da Casa Civil do
governo Lula
Joaquim Barbosa "liderança da prática criminosa"
O relator do mensalão condenou Dirceu por corrupção ativa: "Eu
considero que o conjunto probatório (...) coloca o então ministro chefe da Casa
Civil em posição central, posição de organização e liderança da prática
criminosa, como mandante das promessas de pagamentos de vantagens indevidas a
parlamentares que viessem a apoiar as votações de seu interesse."
Ricardo Lewandowski não descarto, mas não há provas
O revisor absolveu Dirceu: "Eu não afasto a possibilidade de que José
Dirceu tenha de fato participado desses eventos. Não descarto, inclusive, a
possibilidade de que ele tenha sido o mentor dessa trama criminosa, mas o fato
é que isso não encontra ressonância na prova dos autos. Não há uma prova
documental, resultante da quebra de sigilo bancário, telefônico, telemático.
Não há nenhuma prova pericial que comprove tal fato. Muito embora o processo
tenha se arrastado por quase sete longos anos, o que existem são
testemunhos."
Rosa Weber "acima de qualquer dúvida razoável"
Rosa deu o segundo voto pela condenação: "Para mim, existe prova, acima
de qualquer dúvida razoável, de que Delúbio não pode ser responsabilizado
sozinho. E considero a responsabilidade de José Dirceu, devendo responder por
nove crimes de corrupção ativa."
Luiz Fux "o articulador político desse caso penal"
Fux deu o terceiro voto pela condenação: "Pelas reuniões às quais
compareceu e pelos depoimentos prestados, o denunciado (Dirceu) figura como
articulador político desse caso penal, até pela sua posição de proeminência no
partido e posição de destaque no governo. Ele próprio declarou que era
responsável pelas alianças políticas, uma de suas atribuições era a formação da
base aliada."
Dias Toffoli "sem demonstração inequívoca" do crime
Toffoli deu o segundo voto pela absolvição: "A simples condição de
chefe da Casa Civil, sem a demonstração inequívoca de que tivesse oferecido ou
prometido qualquer vantagem indevida para a cooptação de apoio político no
Congresso Nacional, não conduz automaticamente à tipificação do crime que lhe é
imputado."
Cármen Lúcia "houve sim vantagem garantida pelo réu"
Deu o quarto voto pela condenação: "Não tenho como descaracterizada, de
maneira comprovada, que houve sim vantagem que tenha sido de alguma forma
ofertada ou garantida pelo réu José Dirceu."
Gilmar Mendes não só sabia do esquema como contribuiu
O quinto voto pela condenação: "Não há como não se chegar à conclusão
de que José Dirceu, homem forte do governo Lula, encarregado da articulação da
base aliada no Congresso Nacional, não só sabia do esquema de transferência
irregular de verbas entre o PT e os partidos da base aliada como também
contribuiu intelectualmente para sua estruturação."
Marco Aurélio Mello "dirceu teve participação acentuada"
O sexto e decisivo voto pela condenação: "Restou demonstrado que Dirceu
realmente teve participação acentuada a meu ver nesse escabroso episódio."
(Faltam os votos de Celso de Mello e Ayres Britto hoje)
Fonte: O Globo