terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna *

IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algo?

Luiz Werneck Vianna – Estou preparando um curso sobre a teoria política de Hannah Arendt e estou sendo obrigado a viver nos anos 1920, 30, com o avanço do totalitarismo, do imperialismo, que são os temas da autora. Vivo isso também na minha realidade cotidiana, e vivo imerso nessas cogitações. E comparando o momento de hoje com o que foi o advento do totalitarismo, principalmente do nazifascismo dos anos 1930, a nossa situação é completamente diferente. Inclusive, vivemos um tempo em que a hegemonia americana não é mais o que era. Qual é a data disso? O desfecho da crise com o Irã no Oriente Médio e o avanço da China na economia – um avanço dotado de movimentos de irreversibilidade.

A Rota da Seda passa pelo Irã. A influência da política externa no Brasil no que se refere à logística da produção brasileira é apenas o começo da investida da China no nosso mundo. A Rússia está assentada no arsenal atômico monumental, inabalável. O que pode, nesta altura, o exercício do império americano? Ele está cheio de limitações internas.

A questão ambiental pega gregos e troianos, e não há como fugir dela. Ela tem, por natureza, um elemento de correção do capitalismo na sua fisionomia atual. O capitalismo precisa de limites ambientais, sociais e políticos. Acabou-se o tempo do exercício do poder discricionário da economia nas coisas do mundo. É isso que o Guedes não entende. Florações como Guedes, Araújo, Salles, são florações de uma primavera; não resistem à mudança de estação.

*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio, Em entrevista 13/1/2020

Merval Pereira - Do espírito à realidade

- O Globo

Guedes em Davos terá a mesma receptividade que encontrou em Stanford, mas precisará enfrentar perguntas difíceis

O ministro da Economia Paulo Guedes começou bem seu périplo internacional para vender a imagem do governo brasileiro, com uma palestra magna num jantar no Instituto Hoover, da Universidade Stanford, organizado pela Mont Pelerin Society, grupo que reúne economistas e intelectuais liberais de diversas partes do mundo.

De Palo Alto, na Califórnia, Guedes viajou para Davos, na Suíça, onde participa do Fórum Econômico Mundial desde segunda-feira. Como principal representante do governo brasileiro, tem como missão mostrar para os investidores internacionais um país pronto para crescer economicamente. O que se confirma com o aumento da previsão de crescimento do PIB brasileiro feito pelo FMI e pelo Fórum Econômico.

Do espírito de Mont Pelerin, na Suíça, onde aconteceu a primeira reunião do grupo em 1947, até a realidade de Davos, a Montanha Mágica do livro de Thomas Mann.

O encontro deste ano da Mont Pelerin Society teve como base o tema “Do Passado ao Futuro: Idéias e Ações para uma Sociedade Livre”. A Sociedade teve sua reunião inaugural em 1947, em Mont Pelerin, Suíça, fundada por historiadores, economistas e filósofos como Friederich Hayek, seu primeiro Presidente, Ludwig Von Mises, Frank Knight, George Stigler, Karl Popper e Milton Fiedman, da Escola de Chicago, alma mater de Paulo Guedes.

Historicamente, seu quadro de membros vai desde Ludwig Erhard, ex-chanceler alemão, até pelo escritor peruano Prêmio Nobel de Literatura Mário Vargas Llosa, passando por muitos outros líderes das esferas governamental, acadêmica e jornalística, vários deles agraciados com o Nobel e o Pulitzer.

Míriam Leitão - Davos mudou com o clima

- O Globo

O mundo das finanças quer investir em sustentabilidade, e o Brasil nada tem de bom a contar na área ambiental nos últimos tempos

O Brasil chega à Montanha Mágica de Thomas Mann, neste aniversário de 50 anos do Fórum Econômico Mundial, distante da questão central que o mundo quer discutir. O ministro Paulo Guedes tem boas novas: a reforma da Previdência foi aprovada e a trajetória da dívida pública tem uma curva mais sustentável. Mas a palavra “sustentável” tem outra amplitude hoje para quem decide para onde vai o dinheiro do mundo. O Brasil nada tem a contar de bom sobre a questão ambiental desde a última visita de Guedes a Davos.

A montanha que foi cenário do belo livro de Mann — publicado no tempo de definições e escolhas do pós-guerra — recebe de novo o mundo das altas finanças, como faz anualmente desde 1970. Neste tempo muita coisa mudou, principalmente a noção de risco e lucro. O banco suíço UBS preparou um estudo com o título “Tornando-se consciente do clima”. O objetivo é ajudar os clientes a construir um portfólio de investimentos para atingir suas metas de redução das emissões. Segundo o banco, citando estudos da OCDE, há um gap financeiro de US$ 90 trilhões para investimento em infraestrutura para que o mundo atinja as metas do Acordo de Paris. “Os investidores precisam de ferramentas e técnicas para guiar a alocação de capital e o UBS desenvolveu esse Guia de Conscientização Climática para ajudá-los a alcançar suas metas”, diz o longo texto de 60 páginas.

Na semana passada, a carta anual de Larry Fink aos principais executivos globais deixou claro que o dinheiro está procurando novos destinos. Ele é o executivo da BlackRock, a maior gestora de recursos do mundo, com US$ 7 trilhões, e mostrou que está de olho nas ruas. “A mudança climática se tornou um fator definidor das perspectivas de longo prazo das companhias. No último setembro, quando milhões de pessoas tomaram as ruas exigindo ação contra a mudança climática, muitas delas enfatizaram o impacto significativo e duradouro que ela terá no crescimento econômico e na prosperidade.” Segundo Larry, este é um risco que os mercados têm demorado a responder, mas “a consciência está mudando rapidamente e eu acredito que nós estamos à beira de uma reformatação fundamental das finanças”.

Carlos Andreazza - Alvim é Bolsonaro

- O Globo

Impulsos extremistas do presidente autorizam vídeos como o do ex-secretário de Cultura

‘Não queira estar no meu lugar” — vitimizou-se Jair Bolsonaro. Não quero — respondo. Por isso não me candidatei à Presidência nem fiz campanha — ilegalmente — por quase quatro anos. Há método, porém, na falsa incoerência. O líder que, eleito como consequência do próprio empenho, projeto de uma vida, reclama do fardo como se cumprisse missão divina é aquele que — síntese do populista autoritário — pede, cobra, adesão incondicional. Ele se sacrificou por nós. Não é isso?

Bolsonaro, o que se martiriza pelo Brasil, pede — cobra — adesão incondicional tanto quanto não hesita em se livrar dos que instrumentalizou.

Investido de poder pelo presidente e estimulado por ele (“secretário de Cultura de verdade”), Roberto Alvim cumpriu seu papel. Mais um kamikaze disparado para desfiar o tecido social de um país há muito em profunda depressão política; um país cujo liberalismo, por exemplo, dá-se à luxúria de se crer somente econômico — a própria expressão da doença — e capaz de prosperar servindo ao ressentimento reacionário (a própria definição de suicídio).

Como todo fusível, Alvim queimou. Há vários assim, peões de baixo alcance, à mão do projeto bolsonarista de afrouxamento da democracia liberal. Sim, as instituições mobilizaram-se para mostrar que o vídeo do então secretário de Cultura, aquele com referência a texto nazista, violava valores inegociáveis. Não havia dúvida de que a reação viria; tampouco de que Alvim seria lançado ao mar. O problema está na frequência com que as instituições ora são provocadas no Brasil — o que significa que os freios de nosso sistema, por enérgicos que sejam, submetem-se ao desgaste de um uso excepcional, não sendo improvável que, tão esticados, cedam algum terreno a cada vez que acionados. Alvim vai. A ideia fica.

Alvim morto é Alvim posto. Um provocador que veio para trombar, para testar linguagem, averiguar reações e avançar algumas peças retóricas extremadas — que equivalem a iscas para demonstração de fidelidade, de submissão. A ideia fica e circula. Considerada a relativização do discurso do sujeito por influentes pensadores do bolsonarismo, a questão agora consiste somente em medir como o arreganho fascista chegará ao guarda da esquina. Sempre chega.

Luiz Carlos Azedo - A namoradinha

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Regina Duarte na Secretaria de Cultura pode representar o fim da ofensiva obscurantista e reacionária contra a classe artística, e não o contrário. Em miúdos, pode ser pior sem ela”

O presidente Jair Bolsonaro está em vias de transformar um limão em limonada, com a nomeação da atriz Regina Duarte para o cargo de secretária de Cultura, no lugar do neonazista enrustido Roberto Alvim. Ontem, o Palácio do Planalto confirmou que a protagonista da série Malu Mulher e das novelas Minha Doce Namorada, na qual era a jovem Patrícia, e Roque Santeiro, em que interpretou a Viúva Porcina, entre outros papéis de destaque, virá a Brasília amanhã para conhecer a Secretaria Especial da Cultura. Foi convidada por Bolsonaro para assumir o órgão. Os dois tiveram uma reunião no Rio de Janeiro, onde foi convidada. Depois da conversa, ela escreveu que está “noivando” com o governo.

Bolsonaro resumiu os entendimentos no Twitter: “Tivemos uma excelente conversa sobre o futuro da cultura no Brasil. Iniciamos um ‘noivado’ que possivelmente trará frutos ao país”, escreveu o presidente. Conservadora assumida, antipetista de primeira hora, Regina Duarte participou das campanhas das Diretas, Já!, de Tancredo Neves (1985) e José Serra (2002). Reconhecidamente, é uma grande atriz e tem o respeito da maioria de seus colegas, mas nunca teve unanimidade. Agora, sofrerá uma campanha de feroz oposição, porque assume o cargo em circunstâncias muito desfavoráveis, uma vez que seu antecessor desnudou um projeto reacionário de cultura, cuja inspiração estava na máquina de propaganda nazista. A questão é: fará uma inflexão nos rumos da pasta ou seguirá a mesma orientação?

No governo Bolsonaro, a fronteira entre o conservadorismo e o reacionarismo é muito sinuosa, porém, já foi atravessada nas áreas da educação, cultura, direitos humanos e meio ambiente. Agora, o que foi barrado pela forte reação da opinião pública, do mundo artístico-cultural, da imprensa e até mesmo de setores militares no governo foi a narrativa fascista, que orienta a deriva contra a democracia de setores do governo. A crise provocada por Ricardo Alvim, ao reproduzir em vídeo trechos de um discurso de Joseph Goebbels, o ministro da Cultura e Propaganda de Adolf Hitler, levou-o à demissão, a contragosto do presidente. Pouco antes do “sincericídio”, numa live, Bolsonaro havia elogiado o seu então secretário de Cultura, que estava ao seu lado.

José Casado - A sedução do autoritarismo

- O Globo

O senador do PT e o deputado do PSL se encontraram

Eles pertencem a mundos distintos. Humberto Costa, de 62 anos, é psiquiatra e senador pelo PT de Pernambuco. Eduardo Bolsonaro, de 35 anos, é policial e deputado pelo PSL de São Paulo. Na aparência, não têm muito em comum, além do hábito de abusar dos gritos nos ataques aos adversários em plenário. Mas acabaram se encontrando em peculiares interpretações sobre a palavra “liberdade”.

Costa propôs ao Senado a criação de um “órgão independente” para controlar a internet. Pretende liquidar “mídias sociais” que “destroem reputações e disseminam o ódio”.

O senador se esqueceu de definir “mídias sociais” no projeto (PRS nº 56). Nem citou nomes. Só não deixou de lembrar a criação de 24 cargos nessa “instituição” (5) e no seu “conselho multissetorial” (19).

Costa quer impor ordem na “desordem informacional” da rede mundial, que tem 209 milhões de usuários brasileiros. Não é difícil imaginá-lo à frente da brigada de catalogação infinita de sites e mensagens, para intimar provedores à “remoção de conteúdos”, como prevê no seu projeto.

Bernardo Mello Franco - A última do Seu Creysson

- O Globo

Weintraub anunciou o “melhor Enem de todos os tempos”. Horas depois, foi desmentido pelos alunos. A nova lambança expôs o despreparo do ministro

É “imprecionante”. Na sexta-feira, o ministro Abraham Weintraub disse ter comandado o “melhor Enem de todos os tempos”. Horas depois, foi desmentido por quem fez o exame. Pelas redes sociais, estudantes denunciaram erros na correção e no lançamento das notas.

“O aluno respondeu a prova cinza e veio o gabarito da prova amarela”, resumiu o presidente do Inep. Alexandre Lopes é o quarto burocrata a ocupar o cargo em apenas um ano. A alta rotatividade expõe a falta de rumos do MEC no governo Bolsonaro.

A lambança no Enem é a cara de Weintraub. Ao atacar as universidades públicas, o ministro ofendeu professores e mostrou desprezo pelo ensino superior. Ao escrever coisas como “imprecionante”, 

“paralização” e “suspenção”, agrediu o idioma e virou piada entre alunos do ensino fundamental.
Weintraub se tornou uma espécie de Seu Creysson do bolsonarismo. O personagem do Casseta & Planeta também combinava o ar pretensioso com os erros de português. A diferença entre os dois é que o ministro não tem a menor graça. A cada aparição circense, com ou sem guarda-chuva, só deixa claro que não tem condições para exercer o cargo.

O economista não foi escolhido por sua capacidade de gestão. Chegou lá porque jurou lealdade à cartilha olavista. Até a semana passada, ele competia em sectarismo e agressividade com Roberto Alvim. Só não cometeu o erro de plagiar o ideólogo da turma.

Arnaldo Bloch - Regina Duarte tem um nome a zelar

- O Globo

Espanta que a atriz não sinta medo de entrar na máquina bolsonarista. Terá que conviver com ideias torpes contra as quais, um dia, teria lutado

Segunda-feira, 16hs. Regina Duarte diz que está noivando com Bolsonaro, indicando que aceitará o convite para suceder a Roberto Alvim. Comparo as fotos em que ela posa com o nosso atual presidente nacional-populista de extrema-direita a uma outra, dos anos 1970, em Havana, ao lado do ditador cubano Fidel Castro. O sorriso nas duas imagens é o mesmo, se bem que o atual parece um pouco amarelo.

No tempo em que esteve em cuba, Regina lutou contra a censura no Brasil. Será que, empossada, pactuará com a versão de que o regime militar não foi uma ditadura, propalada por Jair Bolsonaro e grande elenco, em meio a loas a torturadores?

Semana passada, num post no Instagram, Regina disse, em referência ao documentário "Democracia em vertigem" (que é apenas um filme, não uma política de governo, e não teve nenhum incentivo) que "nenhum Oscar vai reescrever a nossa História". Para provar que está engajada na lisura da nossa história será agora preciso que ela diga não aos tais "filtros" (um dos fetiches do governo) nos critérios de fomento a obras que discorram sobre os anos de chumbo, ou sobre qualquer assunto, sejam elas de que coloração forem. E que, como artista, saiba que História se escreve com base em uma pluralidade de análises, cruzadas com a factualidade dos eventos.

Por estes dias, ventilou-se que Regina só aceitaria o cargo se tivesse autonomia. É preciso que alguém lembre a ela que, no governo Bolsonaro, só tem autonomia quem reza (no sentido literal, inclusive) pela sua cartilha, como era o caso de Alvim, que tinha carta branca para purificar a cultura nacional. Deu no que deu.

Ricardo Noblat - Regina Duarte entra no governo bem devagarinho

- Blog do Noblat | Veja

Cultura não se dirige, apoia-se

Nunca se viu um convidado para qualquer cargo de governo pedir para fazer antes um teste ou reservar-se ao direito de só entrar aos poucos, podendo desistir na última hora. Bem, mas o Brasil também nunca viu um governo como o de Jair Bolsonaro.

Ministros dão como certo que a atriz Regina Duarte aceitará o convite para substituir o filonazista Roberto Alvim na Secretaria de Cultura. Se isso acontecer, o que significa? Até que ela comece a mostrar serviço, apenas que o governo preencheu uma vaga aberta.

Regina terá autonomia para demitir quem Alvim nomeou? Terá autonomia para escolher quem bem quiser para pôr no lugar? Com sua aquisição, Bolsonaro estará disposto a rever sua estreita, marcadamente ideológica política cultural?

Em um Estado democrático, Cultura não se dirige, apoia-se, estimula-se, incentiva-se e respeita-se sua diversidade. É isso o que ele pretende fazer doravante? Já o disse a Regina ou ela já perguntou a respeito?

Moro cala sobre os ataques de Bolsonaro à imprensa

Ministro da Justiça do Brasil ou ministro do governo?
O ex-juiz Sérgio Moro foi aprovado em mais um teste de fidelidade irrestrita ao presidente Jair Bolsonaro. Foi capaz de afirmar que seu patrão “dá ampla liberdade à imprensa” apesar dos ataques que ele faz rotineiramente a jornalistas e a veículos de comunicação desde que tomou posse em janeiro do ano passado.

Entrevista |70 anos sem George Orwell: 'nunca houve tanto desprezo pela verdade', diz especialista no escritor

Jornalista britânico Dorian Lynskey fala sobre a recepção do clássico distópico '1984', tema de seu novo livro

Ruan de Sousa Gabriel – O Globo / Segundo Caderno

SÃO PAULO – "Não é um livro em que eu apostaria como sucesso de vendas”, escreveu George Orwell a seu editor, Fred Warburg, em dezembro de 1948. Orwell se referia a “1984”, distopia publicada em meados do ano seguinte — e sete meses antes de sua morte, em 21 de janeiro de 1950, há exatos 70 anos. Ao contrário do que suspeitava seu autor, “1984” frequenta até hoje as listas de mais vendidos.

Orwell já vendeu mais de 100 milhões de livros em cerca de 50 idiomas. Historicamente, a procura por seus livros tende a aumentar em tempos de turbulência política, e ano passado, no Brasil, “A revolução dos bichos” e “1984” foram o sétimo e o décimo livros de ficção mais vendidos, segundo o site “Publishnews”. Lançada em dezembro pela Companhia das Letras, a edição de luxo de “1984” já vendeu 3 mil exemplares.

E vem mais por aí. Nos próximos meses, a Companhia lança uma edição de luxo de “A revolução dos bichos”, “1984” em quadrinhos e “O Ministério da Verdade: uma biografia de ‘1984’”. Neste livro, o jornalista britânico Dorian Lynskey investiga a recepção do livro que popularizou a expressão “Big Brother” e como a passagem de Orwell nas trincheiras da Guerra Civil Espanhola (1936-1939) ajudou a transformá-lo em um militante da verdade. (O Ministério da Verdade, aliás, é a instituição responsável pela propaganda e pelo revisionismo histórico em Oceânia, onde se passa “1984”).

Em entrevista por e-mail ao GLOBO, Lynskey disse que a principal lição de Orwell é o compromisso com a honestidade.

• Por que escrever uma biografia de “1984” e não do próprio autor do livro, George Orwell?

Em 2016, comecei a me interessar pela trajetória deste gênero literário específico, a ficção distópica. Foi quando me dei conta de que, ao contar uma biografia de “1984”, eu podia, de uma vez só, lançar um novo olhar sobre a vida de Orwell e o contexto histórico em que ele viveu e ainda examinar por que o livro continua a ser relevante. Quando estava escrevendo o projeto do livro, Donald Trump foi eleito. O aumento das vendas de “1984” depois da posse dele confirmou que valia a pena escrever esse livro.

• Muito se discutiu se “1984” era uma denúncia do nazifascismo, do comunismo soviético ou das tendências autoritárias do capitalismo americano. Você remonta as origens do livro à Guerra Civil Espanhola, na qual Orwell lutou contra as forças de Franco. Por quê?

Orwell foi para a Espanha acreditando que o fascismo era a principal ameaça à liberdade, enquanto o comunismo soviético, que ele nunca apoiou fervorosamente, era um contrapeso necessário. Ficou horrorizado ao ver republicanos perseguirem a esquerda que não seguia as diretrizes de Moscou, como o POUM (Partido Operário de Unificação Marxista), do qual ele fazia parte. Concluiu que o stalinismo e o nazismo eram duas faces do mesmo monstro totalitário. Para ele, foi estarrecedor ver intelectuais de esquerda pró-Stalin repetirem as mentiras que tinham condenado seus camaradas na guerra civil e se recusarem a publicar seu relato da guerra, “Lutando na Espanha”. Foi quando experimentou o que seria o tema central de “1984”: o pesadelo criado pelo desaparecimento da verdade objetiva.

Hélio Schwartsman - O buraco é mais embaixo

- Folha de S. Paulo

A indisposição de Bolsonaro com os fatos é gritante.

Já se tornou um lugar-comum classificar o governo de Jair Bolsonaro como anticientífico. Eu receio, porém, que o buraco seja mais embaixo. A administração Bolsonaro é não apenas anti-intelectual mas também pré-lógica e antifactual.

Um exemplo recente da incongruência de Bolsonaro foi o episódio do não veto ao Fundo Eleitoral de R$ 2 bilhões, que frustrou as expectativas de parte de sua base eleitoral. O capitão reformado tentou justificar sua atitude afirmando que não tinha alternativa que não a de sancionar o projeto, pois é um “escravo da lei” e que até correria o risco de sofrer impeachment caso vetasse a proposta.

Concordo que autoridades devem cumprir a lei, mas é importante notar que, num mundo onde vigora a lógica, um projeto só se torna lei após sanção ou promulgação pelo presidente. Antes disso, não cria nenhum tipo de obrigação. No mais, embora a lei nº 1.079, que regulamenta o impeachment, seja suficientemente aberta para permitir que quase qualquer estripulia seja classificada como crime de responsabilidade, ela em nenhum momento afirma, nem mesmo insinua, que um presidente não pode vetar uma proposta legislativa que lhe pareça caminhar contra o interesse público.

Ranier Bragon - A malinha de Wajngarten

- Folha de S. Paulo

Caso do chefe da Secom é teste para autonomia de Ministério Público e órgãos de controle

Na única vez em que se manifestou pessoalmente sobre suas relações público-privadas, o chefe da comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten, afirmou não ter apego mesquinho ao cargo. "Quando o Fabio tiver errado, eu pego a minha malinha e vou embora", afirmou. Disse ainda estar no governo por ter se apaixonado por um então deputado que se destacava pela ética, sinceridade e humildade. Como não revelou o nome, ficamos sem saber quem diabos era esse ser sublime.

Afetados por essa lacuna, nos confortamos, porém, ao ouvir que Wajngarten diz tratar a coisa pública com o máximo de "ética, transparência e modernidade". Se se manter dono de uma empresa com clientes que se beneficiam de verba liberada por ele insere-se nesse esforço ético e moderno, estamos mesmo lascados.

Pablo Ortellado* - Indignação impassível

- Folha de S. Paulo

Vídeo de ex-secretário gera reações de júbilo que nos distraem da missão política de desarmar o bolsonarismo

Vivemos uma espécie de paradoxo. Crise após crise ficamos apavorados com o futuro da democracia no Brasil. Mas não estamos propriamente reagindo. É verdade que nos indignamos, mas é uma mistura de indignação com inação. Assistimos a tudo chocados, revoltados, porém, apáticos.

Em artigo na revista Piauí, Marcos Nobre descreveu assim o paradoxo: “Mesmo quem considera que a situação é gravíssima age como se estivéssemos diante de um governo normal. Há um descolamento flagrante entre repetir à exaustão que a democracia está em risco e a ausência do sentido de urgência que deveria acompanhar essa constatação”.

Por que estamos desorientados, sem qualquer capacidade de reação efetiva? Nossa única reação parece ser a de nos indignar e culpar a parcela de eleitores que elegeu e agora apoia Bolsonaro. É como se o reforço de nossa identidade funcionasse como substituto da ação política. Somos, ao que parece, reféns de identidades políticas hipertrofiadas.

Muitos não esconderam o júbilo quando as referências conceituais e estéticas do vídeo de Alvim emergiram. É nazismo! E, se é nazismo, somos antinazistas, e se somos antinazistas, estamos, mais do que nunca, do lado certo da história.

Joel Pinheiro da Fonseca* - O mercado não se importa com a democracia?

- Folha de S. Paulo

Não existe incoerência entre PIB em crescimento e repressão em alta; é só ver a China

Um medidor da qualidade da água de um rio mede apenas a água que passa por ele e, se o faz com precisão, cumpre bem sua função. Ninguém esperaria que seus números refletissem também o nível de desemprego no país, a desnutrição infantil ou a chance de o país entrar em guerra.

Indicadores econômicos e números do mercado financeiro seguem a mesma lógica: nos informam acerca de um recorte da realidade, e só. Se a bolsa bate novos recordes, significa que os investidores estão otimistas com o desempenho futuro das empresas ali negociadas, não da seleção de futebol ou da democracia brasileira.

Em última análise, o desempenho das empresas depende do comportamento dos consumidores e outros participantes do mercado. Você vai mudar seu consumo, deixar de comprar leite ou carne, por causa do discurso nazista do ex-secretário da Cultura? Vai pedir demissão do seu emprego? O governo também não mudará seus gastos e nem sua arrecadação. Assim, por mais que a agenda cultural aponte para um retrocesso das artes, não há motivo evidente para que isso devesse gerar queda na bolsa ou alta da taxa de câmbio.

Entrevista | Leandro Karnal: ‘Moro e Dallagnol são dotados de um certo tenentismo’

Historiador diz que atuação do ex-juiz e atual ministro e do procurador da República se compara ao movimento de oficiais do Exército na década de 1920 que buscava reformar o País ‘para o bem e para o mal’; segundo ele, ‘papel messiânico do Estado’ une Bolsonaro e Lula

Vinícius Passarelli e Eduardo Kattah – O Estado de S. Paulo

Quase três anos após apagar das redes sociais uma foto na qual aparecia jantando com o ex-juiz Sérgio Moro, o que lhe rendeu críticas e muitas ameaças, o historiador Leandro Karnal afirma que personalidades como Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol trazem elementos de um “certo tenentismo” à política brasileira. Trata-se de uma referência ao movimento oposicionista de oficiais do Exército na década de 1920.

“Esse tenentismo é reformador do País. Seja na década de 1920, com tenentes conservadores ou de esquerda, seja depois quando esses tenentes se tornam generais em 1964. Esses tenentes continuam querendo transformar o Brasil, para o bem e para o mal”, compara.

Em entrevista ao Estado, Karnal também diz que a crença em um “papel messiânico” do Estado une o presidente Jair Bolsonaro ao ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva. “(É a crença de que) O Estado vai salvar a família, o Estado vai tirar os pobres da miséria, o Estado vai dar emprego, o Estado vai impedir o comunismo, o Estado vai implantar o socialismo: o Estado tem papel messiânico.”

Karnal recebeu a equipe do Estado na manhã da quinta-feira passada em seu confortável apartamento nos bairro dos Jardins, em São Paulo. Uma entrevista em que se comprometeu e estava disposto a falar de política.

Leia os principais trechos:

• Como avalia o primeiro ano do governo Bolsonaro? Durante as eleições de 2018, em entrevista ao ‘Estado’, o senhor identificou um sentimento de “vingança” na sociedade brasileira. Esse sentimento permanece?

Quando Bolsonaro assumiu, houve esse sentimento. Eu sou ligado à universidade e muitos diziam: “Acabou, é o fim, não vai existir mais vida civilizada depois disso”. Acho que a grande surpresa para todos é que o Bolsonaro é um homem que na prática vem cumprindo o que prometia (risos. Nós achávamos que era um pouco discurso de campanha, que era para o eleitorado, que como todo político ia fazer um discurso e depois uma prática mais conciliadora, como o fizeram Lula e Fernando Henrique. O Bolsonaro de fato cumpriu (as promessas). Ele fez uma conversão pessoal porque ele não era um liberal há 30 anos, ele não era adepto de um Estado mínimo, não era um leitor da Adam Smith, com certeza. Ele era um militar com perfil talvez até do desafeto dele, o (Ernesto) Geisel: desenvolvimentista nacionalista estatizante. Agora, o governo é feito por muitas tendências políticas e existe uma coisa completamente diferente, por exemplo, entre o ministério do Guedes e talvez outros elementos do governo Bolsonaro. Mas o mundo não acabou, as coisas seguem.

• Bolsonaro na Presidência colocou ou coloca em risco a democracia? Em artigo recente, o cientista político Carlos Pereira afirma que “é possível que as reações da sociedade às transgressões de Bolsonaro às normas de civilidade democrática possam fortalecer ainda mais a democracia”. O sr. concorda com essa ideia?

O Brasil enfrentou um doloroso processo de impeachment do Collor e um doloroso processo de impeachment da Dilma e chega ao governo Bolsonaro, que tem feito declarações que não são as clássicas que se espera de um governo no sentido da defesa do Estado Democrático de Direito. Uma coisa é o discurso, outra coisa é a prática. A democracia, arranhada nos discursos e em algumas práticas, sobrevive. Nós temos instituições. O presidente do Supremo está lá exercendo seu poder por indicação de um partido de oposição a Bolsonaro. A liberdade do Executivo no Brasil é um pouco menor do que as pessoas imaginam, apesar de ter uma quantidade gigantesca de cargos a indicar. A democracia está sempre em risco pela própria existência do Estado, o grande risco democrático é a existência do Estado. Acho que tanto a esquerda tradicional quanto o governo Bolsonaro, mais conservador e de direita, acreditam no papel messiânico do Estado. O Estado vai salvar a família, o Estado vai tirar os pobres da miséria, o Estado vai dar emprego, o Estado vai impedir o comunismo, o Estado vai implantar o socialismo: o Estado tem papel messiânico, vai redimir a sociedade e vai apontar o caminho. Na verdade, o que une Bolsonaro e Lula, entre tantas coisas diferentes, é a crença no Estado.

• O presidente não poupa ataques à imprensa e, mais recentemente, tem adotado um discurso vitimizante, dizendo que recebe “pancada” de todos os lados. É uma espécie de “coitadismo” do chefe da Nação?

Eu acho que Bolsonaro erra ao atacar a imprensa. Acho que culpar o termômetro pela febre é sempre uma estratégia ruim. Você deve lembrar que o Estadão era atacado pelo governo Lula por ser conservador, ou por ser antipetista, agora é atacado pelo governo Bolsonaro por ser de esquerda ou antibolsonarista. O principal sintoma que a democracia vai bem é uma imprensa atacada, no sentido de que se a imprensa começar a ser louvada, se os governos começarem a dizer que a imprensa está agindo corretamente e de forma patriótica, aí a democracia terminou. A liberdade de imprensa é algo extraordinariamente basilar, fundamental, estruturante do Estado Democrático de Direito. Eu sinto o governo Bolsonaro e seu primeiro escalão pouco acostumados ao fato de que o exercício de cargo na democracia pressupõe ataques. Se ele sentasse para ler as opiniões dos jornais londrinos sobre o primeiro ministro, um conservador, ele diria que o Estadão, a Folha e a Globo têm filiais em Londres, porque eu achei o tom da imprensa britânica menos respeitoso do que a grande imprensa brasileira. E em nenhum momento o primeiro ministro inglês (Boris Johnson) foi à TV dizer que há um plano orquestrado para acabar com o seu governo. Enquanto houver críticas do governo Bolsonaro à imprensa, eu fecho meu jornal pela manhã feliz, esse Brasil ainda está funcionando.

Eliane Cantanhêde - Brasil na berlinda

- O Estado de S.Paulo

Com Bolsonaro remendando estragos, Doria, Huck e Moro se mostram ao mundo

Sem o presidente Jair Bolsonaro, mas com seus rivais João Doria e Luciano Huck, o Fórum Econômico Mundial deste ano, em Davos, pode jogar o Brasil na constrangedora situação de país digno de uns bons puxões de orelha por maltratar o meio ambiente, ameaçar a mídia, provocar líderes mundiais, enaltecer ditadores e, agora, ultrapassar todos os limites trazendo Hitler e o nazismo ao ambiente.

O puxão de orelhas deve começar com a Greta, a menina que virou personalidade internacional pela defesa da natureza, foi chamada de “pirralha” por Bolsonaro e devolveu com ironia. Uma adolescente dando lições em Davos a poderosos cheios de pretensão e ideias equivocadas, não raro perigosas. Delicioso.

Ninguém diz, mas Bolsonaro teve dois bons motivos para não ir a Davos. Um é que certamente baixou uma baita insegurança depois do vexame na estreia no fórum em 2019. Se mal conseguiu falar coisa com coisa quando ainda era cercado de expectativas, imaginem agora, depois de tudo?

O segundo motivo é que Bolsonaro achou que Donald Trump não iria. Se Trump não vai, esse encontrinho de grandes líderes internacionais, megainvestidores, homens das finanças e do pensamento não serve pra nada. Mas a aposta foi errada: Trump anunciou que vai, mesmo acossado pelo processo de impeachment – ou até por causa dele.

Entorno de Huck vibra com ataque de extremos

- Coluna do Estadão

Cresce entre apoiadores de Luciano Huck a sensação de que ele está no caminho certo. O motivo? Começou a “apanhar” dos extremos. Em entrevista recente, Lula disse que Huck “não representa a centro-esquerda”. Em movimento quase simultâneo, mas em sentido contrário, o bolsonarista Marco Feliciano (SP) o chamou de “comunista”, numa estratégia clara de tirar o apresentador da centro-direita e empurrá-lo para a esquerda. Segundo um aliado, Huck até agora chuta com os dois pés: discurso social na canhota; economia liberal na destra.

Rota. Huck estaria a caminho de atingir o que o ex-presidente FHC chama de “centro radical”: posicionar-se firmemente (quando assumir uma eventual candidatura) contra erros do governo Bolsonaro também os cometidos pelo PT.

Ombro. Um petista próximo a Lula disse que ele apenas “deu um tranco” em Huck para marcar posição. O ex-presidente, ao menos por enquanto, está convencido de que a via da esquerda ainda tem dono, o PT.

Olha lá. Não passou despercebido no entorno de Huck o ataque de Carlos Bolsonaro nas redes sociais, alinhando o apresentar ao Partido Novo, e aos movimentos da sociedade civil, como o Livres, o MBL e o RenovaBR. “Tirem suas conclusões”, afirmou o filho do presidente.

Pauta. No Fórum Econômico Mundial de Davos, Huck participará de duas mesas. Abordará desigualdade, crescimento sustentável e democracia. Quer marcar posição em relação a Bolsonaro, mesmo sem citar o presidente.

Pauta 2. João Doria falará em Davos sobre urbanismo e desenvolvimento: cidades conectadas.

Marcelo de Moraes - Indiferente à confusão na Cultura, Bolsa bate novo recorde

- O Estado de S. Paulo

A atriz Regina Duarte deverá ser a nova secretária de Cultura do governo Bolsonaro. Apesar de todo o desgaste político provocado pela crise no setor, o entusiasmo do mercado não foi afetado, em mais uma situação em que a economia precisou resistir a polêmicas desnecessárias

Fim da confusão. Desde a sexta-feira passada, o governo tem concentrado suas atenções na crise provocada pelo vídeo do então secretário de Cultura Roberto Alvim, com claras inspirações nazistas. O discurso alucinado de Alvim provocou reações indignadas até de aliados de Jair Bolsonaro, desgastou politicamente o presidente e custou a cabeça do secretário. Hoje, Bolsonaro avançou na substituição com um convite praticamente aceito por Regina Duarte, com que se encontrou no Rio. O presidente disse que os dois estão "noivando".

Vai dizer sim. A noiva Regina já avisou a amigos que vai topar o convite, o que fará com que se licencie da Rede Globo, onde trabalha há 50 anos. Apoiadora de Bolsonaro, a atriz se tornou imediatamente alvo dos partidos de esquerda e do meio artístico mais engajado. Mas sua chegada ao governo, inegavelmente, é um movimento positivo para os bolsonaristas. Ao contrário de Alvim, que era um dos principais líderes da guerra ideológica contra a esquerda produzida no setor, Regina é uma atriz de grande popularidade e já avisou que pretende pacificar a relação beligerante do governo com o meio cultural.

Autonomia. A grande dúvida é qual política pública Regina pretende adotar para o setor. Outra pergunta é se ela terá autonomia no cargo. A posição política conservadora da atriz é conhecida há décadas. Mas também se sabe que ela passa longe da ala radical do bolsonarismo. Apesar disso, sua posição dura contra o especial de Natal feito pelo Porta dos Fundos foi muito lembrada, num questionamento sobre até onde a atriz pretende se alinhar com Bolsonaro e seus seguidores dentro do governo.

Dá para rir, dá para chorar. Colocar uma atriz importante na sua equipe de governo é, sem duvida, um fato positivo para o presidente, especialmente num momento em que acaba de enfrentar uma crise que associa um de seus auxiliares ao nazismo. Mas se, eventualmente, Regina se incomodar com seu trabalho na secretaria e decidir pular fora do barco, o prejuízo político para Bolsonaro será proporcional ao prestígio da atriz.

Andrea Jubé - Sucessão: dois é bom, três é demais?

- Valor Econômico

PEC de pedetista quer três candidatos no segundo turno

Em abril do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro divulgou um vídeo bem humorado cumprimentando o ator Paulo Cintura pelo aniversário. Com roupa de ginástica e ar despojado, Bolsonaro apontou o Alvorada e declarou que o local o fazia sentir-se em uma “prisão domiciliar sem tornozeleira eletrônica”.

Bolsonaro ainda não cumpriu um terço do mandato, mas não cessa de reclamar da fiscalização da imprensa, das cobranças da sociedade e até da solidão do poder. Apesar dessa aparente insatisfação, no sábado, ele admitiu cogitar mais de uma reeleição. “[A Presidência] é um casamento de quatro ou oito anos. Ou, quem sabe, por mais tempo, lá na frente", aventou.

Não está claro se foi uma inconfidência ou um balão de ensaio, mas a aposta remete aos movimentos de 2008 e 2009 de aliados do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela aprovação de uma proposta de emenda constitucional (PEC) que assegurasse um terceiro mandato ao petista.

Enquanto Bolsonaro não decodifica sua fala, é certo que a afirmação dialoga com medidas que visam à alteração das regras eleitorais em curso no Congresso - embora faltem três anos para a sucessão presidencial.

Por exemplo, a PEC 230 de autoria do deputado Mário Heringer (PDT-MG) é explosiva. Na conjuntura de 2018, levaria Ciro Gomes, seu correligionário, ao segundo turno ao lado de Bolsonaro e Fernando Haddad (PT).

Heringer, que é membro da Mesa Diretora da Câmara, lançou ao papel a ideia original do ex-deputado Miro Teixeira de que se nenhum candidato alcançar maioria absoluta na primeira votação, os três postulantes mais votados passam ao segundo turno da eleição presidencial. Elege-se quem obtiver a maioria dos votos válidos.

Robinson Borges* - Muito além dos muros da economia

- Valor Econômico

Transição para a democracia eleva o PIB per capita em 20% em 25 anos, indica pesquisa

O governo federal pode ser compreendido como a aliança de quatro grandes blocos vivendo em um mesmo condomínio: o econômico, o militar, o jurídico e o de costumes. Apesar de serem vizinhos, tem sido comum a percepção de parcela da sociedade de que os blocos são independentes, têm a sua própria portaria e o que ocorre em cada um tem caráter autônomo. São frequentemente celebradas as vitórias da agenda liberal na economia, por exemplo, mas minimizados os impactos das medidas da ala ideológica, como se fosse mais um ruído daquela turma barulhenta lá do bloco do fundo.

Os blocos, de fato, têm perfis, importâncias, qualidades e realizações distintos e, às vezes, contraditórios e complementares. No entanto, é impossível ignorar que um condomínio, como um governo, funciona de forma sistêmica. Assim, quando um secretário adensa o estoque de elogios a Estados despóticos e divulga vídeo com citações de discursos de ministro nazista, seu efeito vai muito além do endereço reservado para os “costumes”. Ele se esparrama por todos os espaços do condomínio.

Foi acertada, portanto, a decisão do presidente de exonerar seu secretário especial da Cultura, Roberto Alvim, que ultrapassou todos os limites. Mas é preciso ressaltar que ele não é o centro do problema. Alvim pode ser visto como mais um sintoma do grupo de políticos que chegou ao poder, pelas vias democráticas, elogiando Carlos Alberto Brilhante Ustra.

Já foram debatidos os efeitos corrosivos dos ataques às pesquisas científicas e ao combate da mudança climática, além do pouco caso com o multilateralismo, não só para a reputação do Brasil como para a economia do país. Mas há outra questão que também impõe um teto importante para a falsa ideia de autonomia do bloco econômico e a “agenda liberal” que se configura por aqui: o cerceamento da liberdade.

Armando Castelar Pinheiro* - A privatização de Bolsonaro

- Valor Econômico

A aceitação popular é maior do que no passado. Talvez os achados da Lava Jato tenham contribuído para isso

O Brasil começou a discutir privatização ainda na primeira metade dos anos 1970; há quase meio século, portanto. À época, porém, ninguém queria mesmo privatizar, sequer os liberais no governo, que compartilhavam a visão dominante de que desenvolver era “ocupar os espaços vazios” na matriz produtiva.

A discussão, porém, avançou e ganhou fôlego com a crise da dívida externa no início dos anos 1980. Foi quando, em 1981, o governo Figueiredo criou a Comissão Especial de Desestatização. Havia então, pelas contas do governo, 268 estatais federais, das quais 140 foram consideradas privatizáveis. A privatização começou então a andar e crescer: em 1981-84, foram 20 privatizações e US$ 190 milhões em receitas; em 1985-89, 18 estatais vendidas e US$ 533 milhões arrecadados. Além disso, no todo da década, 10 estatais foram absorvidas por outros órgãos públicos, 18 transferidas para governos estaduais e quatro fechadas.

Com Collor, a privatização ganhou uma escala muito maior. Em 1990 se criou o Programa Nacional de Desestatização, que gradualmente incorporou estatais antes consideradas “imprivatizáveis”, como a Embraer e a Companhia Siderúrgica Nacional. O mesmo ocorreu no governo FHC, quando a privatização entrou com tudo no setor de infraestrutura, até então considerado cativo do setor público, inclusive pela Constituição de 1988, que precisou ser emendada.

Ao todo, entre 1991 e fevereiro de 2000, foram 125 estatais privatizadas. Destas, 91 eram federais e as demais de propriedade dos estados, que nesse período também deram início aos seus próprios programas de desestatização. As receitas, por sua vez, totalizaram US$ 72,9 bilhões (US$ 123 bilhões em valores atuais), dos quais US$ 46,7 bilhões em nível federal e US$ 26,2 bilhões nos estados.

O capitalismo, do papel para a prática

Algumas empresas e setores aprenderam, da forma mais difícil, que não prestar atenção às questões ESG&D pode deteriorar a confiança dos investidores

Por Richard Samans* e Jane Nelson* – Valor Econômico

O papel dos conselhos de administração das empresas nunca foi tão importante, nem tão fiscalizado, quanto nos dias de hoje. As transformações tecnológicas, ambientais, geopolíticas e socioeconômicas dos últimos 20 anos têm fomentado uma reavaliação do modelo de governança predominante nas empresas e criado grandes desafios para muitas áreas da governança e das políticas públicas.

Em particular, essas transformações tornam as questões ambientais, sociais, de governança e de gestão de dados (ESG&D, na sigla em inglês) cada vez mais importantes para o desempenho e solidez das empresas. Também dificultam a distinção tradicional entre o modelo de primazia dos acionistas (cujo foco são os benefícios e custos operacionais e financeiros) e o modelo voltado a todas as “partes interessadas” (cujo foco são os riscos e oportunidades sociais e ambientais).

Questões antes consideradas secundárias para executivos-chefes e conselhos de administração (outrora administradas pelos departamentos de filantropia, de tecnologia da informação e de relações com as partes interessadas) tornaram-se fatores determinantes para a capacidade das empresas de criar e manter valor econômico. Por exemplo, as mudanças climáticas, a gestão da água e outros aspectos da governança ambiental são cada vez mais vistos como fatores influenciadores do lucro em um mundo no qual a tecnologia, a regulamentação e outros elementos do ambiente operacional podem mudar rapidamente.

Mudanças similares afetam a administração dos ativos intangíveis - uma fonte-chave de vantagem competitiva na Quarta Revolução Industrial. O talento e a motivação do quadro pessoal de uma firma, uma cultura empresarial inovadora, o know-how individual e os dados vêm se tornando fontes de valor cada vez mais importantes.

Da mesma forma, a abordagem das firmas em relação às pessoas, ao planeta e à inovação - incluindo como protegem e aplicam o valor agregado de seus dados - precisa ter mais influência nas decisões de alocação de capital. E, para esse fim, os líderes das empresas precisam compreender melhor como equilibrar os investimentos de longo prazo em nova capacidade produtiva e a racionalização de curto prazo dos ativos e operações existentes. Com o passar do tempo, eles vão precisar dar mais ênfase ao investimento de longo prazo.

O que a mídia pensa – Editoriais

Os limites da governabilidade – Editorial | O Estado de S. Paulo

O governo de Jair Bolsonaro dispõe de cerca de 30 parlamentares fiéis na Câmara, segundo as contas de líderes do Congresso ouvidos pelo Estado. Essa base esquálida nem pode ser propriamente chamada de base, pois com ela o presidente não garantiria a aprovação nem de regimento de condomínio.

A incerteza do apoio ao governo já era grande mesmo quando Bolsonaro podia contar com a maioria dos votos do PSL, partido com o qual se elegeu e que colocou meia centena de deputados na Câmara na eleição de 2018, sob o embalo da onda bolsonarista. Depois que Bolsonaro brigou com o PSL e deixou o partido, o núcleo parlamentar com o qual o presidente podia contar em qualquer circunstância tornou-se praticamente insignificante.

Até que consiga formar seu próprio partido, o que não deve acontecer tão cedo, Bolsonaro terá que conviver com um Congresso sem qualquer tipo de vínculo ou compromisso com o governo. Essa já era mais ou menos a realidade antes da ruptura de Bolsonaro com o PSL, pois o presidente tomou posse determinado a implodir o chamado “presidencialismo de coalizão” – em que o presidente é obrigado a dividir o poder com as fragmentadas forças do Congresso para conseguir governar. Nesse modelo bolsonarista, em que o governo não se dedica nem a montar uma base parlamentar sólida nem a negociar compensações em troca de apoio nas votações de sua agenda, a governabilidade fica à mercê da coincidência circunstancial de interesses entre o Palácio do Planalto e o Congresso.

Música | Paulinho da Viola - Reverso da Paixão

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Elegia

Ganhei (perdi) meu dia.
E baixa a coisa fria
também chamada noite, e o frio ao frio
em bruma se entrelaçam, num suspiro.

E me pergunto e me respiro
na fuga deste dia que era mil
para mim que esperava,
os grandes sóis violentos, me sentia
tão rico deste dia
e lá se foi secreto, ao serro frio.

Perdi minha alma à flor do dia ou já perdera
bem antes sua vaga pedraria?
Mas quando me perdi, se estou perdido
antes de haver nascido
e me nasci votado à perda
de frutos que não tenho nem colhia?

Gastei meu dia. Nele me perdi.
De tantas perdas uma clara via
por certo se abriria
de mim a mim, estrela fria.
As arvores lá fora se meditam.
O inverno é quente em mim, que o estou berçando
e em mim vai derretendo
este torrão de sal que está chorando.

Ah, chega de lamento e versos ditos
ao ouvido de alguém sem rosto e sem justiça,
ao ouvido do muro,
ao liso ouvido gotejante
de uma piscina que não sabe o tempo, e fia
seu tapete de água, distraída.

E vou me recolher
ao cofre de fantasmas, que a notícia
de perdidos lá não chegue nem açule
os olhos policiais do amor-vigia.
Não me procurem que me perdi eu mesmo
como os homens se matam, e as enguias
à loca se recolhem, na água fria.Dia,
espelho de projeto não vivido,
e contudo viver era tão flamas
na promessa dos deuses; e é tão ríspido
em meio aos oratórios já vazios
em que a alma barroca tenta confortar-se
mas só vislumbra o frio noutro frio.

Meu Deus, essência estranha
ao vaso que me sinto, ou forma vã,
pois que, eu essência, não habito
vossa arquitetura imerecida;
meu Deus e meu conflito,
nem vos dou conta de mim nem desafio
as garras inefáveis: eis que assisto
a meu desmonte palmo a palmo e não me aflijo
de me tornar planície em que já pisam
servos e bois e militares em serviço
da sombra, e uma criança
que o tempo novo me anuncia e nega.

Terra a que me inclino sob o frio
de minha testa que se alonga,
e sinto mais presente quando aspiro
em ti o fumo antigo dos parentes,
minha terra, me tens; e teu cativo
passeias brandamente
como ao que vai morrer se estende a vista
de espaços luminosos, intocáveis:
em mim o que resiste são teus poros.
E sou meu próprio frio que me fecho
Corto o frio da folha. Sou teu frio.

E sou meu próprio frio que me fecho
longe do amor desabitado e líquido,
amor em que me amaram, me feriram
sete vezes por dia em sete dias
de sete vidas de ouro,
amor, fonte de eterno frio,
minha pena deserta, ao fim de março,
amor, quem contaria?
E já não sei se é jogo, ou se poesia.