segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A candidatura Gabeira e seu futuro

Fernando Monteiro, Antonio Sérgio Martins, Tibério Canuto e Gilseane Cosenza

DEU NO BLOG PITACOS

Na campanha de Fernando Gabeira nem tudo foi céu de brigadeiro.

Não estamos falando do apoio da máquina estadual a Eduardo Paes. Nem do apoio, nem sempre republicano que o governador Sérgio Cabral deu ao seu candidato. Nem de toda sorte de ilegalidades perpetradas por apoiadores de Eduardo Paes, com ou sem supostos conhecimento e patrocínio dele.

Pelos resultados obtidos nos dois turnos, a campanha de Gabeira superou as melhores perspectivas, sobretudo por suas impressionantes possibilidades de vitória.

Eleitoralmente, ele quase chegou lá e politicamente foi vitorioso. Com o resultado obtido nas urnas, Gabeira pode jogar um papel importante no tabuleiro político do Rio de Janeiro em 2010.

César Maia sabe disso e deixa patente que gostaria muito de ter Gabeira como candidato a senador em uma coligação cuja cabeça de chapa seja o atual Prefeito do Rio.

Esta é apenas uma das hipóteses e não se exclui a possibilidade de o próprio Gabeira ser o nome de uma coligação que dispute, de forma competitiva, o governo do Rio.

Mas isto não acontecerá pelo fatalismo e dependerá do quanto Fernando Gabeira superará, em dois anos, os impasses e limites manifestados na disputa da prefeitura carioca.

A candidatura de Gabeira constituiu-se num fenômeno pessoal, que não é ímpar no Rio de Janeiro.

A cidade tem uma sólida classe média, parte expressiva politizada, e movimentos populares organizados (para o bem e para o mal). Ciclicamente acontecem fenômenos como a candidatura Gabeira.

Em certo sentido, ela guardou semelhança com o fenômeno “Brizola na Cabeça”, que elegeu o caudilho gaúcho governador do Rio, em 1982, para surpresa de muitos.

Em uma escala menor, Denise Frossard foi uma espécie de fenômeno individual, na eleição de 2006.

Aliás, o candidato não é neófito na cidade. Nas últimas eleições gerais, foi o candidato mais votado para deputado federal, com inserção importante na vasta classe média da cidade.

O fato de ser um fenômeno não é negativo. Para que se perenize, é preciso continuidade e organização de suas bases.

E isto não se dá por decreto. Brizola, por exemplo, se transformou em uma referência no Rio e líder de uma corrente que só entrou em declínio mais para frente. Já o fenômeno Denise Frossard teve fôlego curto.

Os partidos da coligação, PV, PSDB e PPS, são pouco inseridos na cidade. Nesse sentido, Gabeira extrapolou as forças políticas que o apoiavam. Atraiu amplos setores que estavam à margem da política. A arregimentação de 8.000 voluntários é digna de nota. Acontecimentos como, mais recentemente, esse eram típicos do PT, nos anos 80 e começo dos 90.

Esse dado é alentador quanto à possibilidade de que Gabeira não seja apenas um meteoro na política do Rio. Mas ocorreram em sua campanha, importantes aspectos negativos.

O discurso do candidato negou os partidos e o colocou acima deles. Personalizou sua candidatura.

Gabeira desdenhou o marketing, as contribuições financeiras e a formação de grupos de assessoramento na campanha.

Quase a totalidade das atividades e decisões concentrou-se no candidato, todo-poderoso.

A marca da campanha foi ser “alternativa”.

Pelos resultados, Gabeira tornou-se uma personalidade importante na política fluminense, nas eleições gerais de 2010 e subseqüentes.

A campanha de Gabeira trouxe-lhe um salto político de grandes dimensões para ele e condições para que as forças e personalidades que o apoiaram avancem na construção de um movimento institucional de centro-esquerda.

O grande desafio é que a candidatura de Gabeira realmente evolua de um fenômeno sazonal para uma aliança política que acumule para transformar o Rio de Janeiro.

Ressaca eleitoral


Wilson Figueiredo
Jornalista
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Em conversas reservadas, segundo informações menos contingenciadas, cedo na segunda-feira o presidente Lula já se convencera de que pouco importa o que as urnas disseram. Dispensava maiores cuidados a situação pós-eleitoral já sem os véus que a encobriam. As eleições foram exclusivamente municipais. Lula decidiu não atribuir ao PMDB peso suficiente para levá-lo a reabrir o ministério e reacomodar interesses menores. O presidente ainda não se refez das cólicas de que foi vítima todas as vezes que precisou acalentar insatisfações na base de sustentação do governo. Na República Velha vigorava a lição que recomendava "deixar como está, para ver como é que fica". Ficava sempre do mesmo jeito, senão pior. Já era o pressuposto de que o que está ruim não escapa do fim. No século 21, ficou diferente. Não é mais como no tempo em que se mudava de Constituição como barata troca de casca. Na verdade, não existe nada tão ruim que não possa piorar. É o ancestral do quanto pior, melhor.

Sem perda de tempo, o presidente emitiu o recado a quem pudesse interessar. Há vencedores por todos os lados mas, da sua cota, pode contar com poucos de bom peso. São Paulo pesou, para menos, por todo o resto: o PT perdeu o equivalente a 10 vezes seu peso político. Lula já pode tornar-se sócio do clube dos que gostam de "tomar o mingau pelas bordas", fundado por Leonel Brizola para fortalecer a democracia no recomeço. Para quê pressa? O tempo ajuda, quando não atrapalha. O PMDB desempenha o rendoso papel de vítima no espaço político nacional, desde que os demais partidos lhe deram acintosamente as costas nas sucessões presidenciais. Nenhum fechou com candidatos do PMDB a presidente. Sob os militares, o velho MDB abrigou todas as tendências políticas, mas de nenhuma teve a menor retribuição. Nada, porém, impede que, na encruzilhada do passado com o futuro, avalie favoravelmente a oportunidade e apresente candidato próprio daqui a dois anos. Vai ver o que é oportunismo. Eis a incógnita que saiu das urnas municipais.

Foi Lula quem recomendou ao PT aumentar a dose da impropriamente chamada federalização das eleições municipais. Vista de onde o presidente se plantou, entre o terceiro mandato que recusa (vá lá, por uma questão de princípio) e a posição de magistrado, com a história ao seu dispor, transferiu sua volta ao Planalto para 2014. Não hesitou em garantir presença nos palanques, como nunca se viu neste país. Arrombou a porta sem se lembrar de que é presidente da República, e não do PT e associados na bacia das almas. Adiou a hora de cuidar da biografia.

Vale pouco o pragmatismo presidencial, sem a garantia contra falha humana e erro eleitoral, como ocorreu no caso da prefeitura paulistana, a jóia da coroa que os eleitores recusaram a Marta Suplicy. A que título se revezam dois Lulas, um generoso com o risco eleitoral alheio e outro que desaparece de cena assim que pinta resultado adverso? São Paulo atravanca o futuro do petismo em sua própria casa. A classe média paulista não faz cerimônia em abster-se, em relação tanto ao petismo quanto ao aguado socialismo pós-Lenin para o século 21. Trata-se de produto que não recuperou posição no mercado democrático, nem sob a forma diluída e abstrata como o PT o oferece. Não basta ser mais barato, se não for legítimo. Qual seja, sem mostrar os benefícios e ocultando as imperfeições que roeram a teoria, cada vez mais distante da prática.

O presidente não é de se aborrecer com o que não dá certo. Parece convencido de que seus erros são menores que os acertos, com base nas pesquisas. Se passar dos 100 por cento de aprovação, estaremos aritmeticamente perdidos. A oposição mostra-se satisfeita no nicho que ocupa. O PT também espera que a História lhe abra a porta para mais de uma reeleição. Uma vez despejado, por falta de sucessor sangue puro, o petismo irá olhar para trás à procura da explicação definitiva e então se dará conta de que pode estar condenado a virar estátua de sal. Então dirá baixinho, como o último dos luízes, depois de mim só a recessão.

Os novos governos e a crise


Claudia Costin
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


No dia 26 de outubro elegemos, no Brasil, novos prefeitos em todos os municípios onde houve segundo turno. Muita comemoração entre os vencedores e alguns gestos bonitos e civilizados dos derrotados. Mas as cidades do País, mal saíram do som dos fogos de artifício, tiveram de se defrontar com algo que nem o feriado emendado do Dia do Servidor Público pôde abafar: muitas das promessas não poderão ser cumpridas - não necessariamente por descompromisso dos eleitos, mas porque, enquanto os dias finais da campanha corriam, a crise, que já parecia séria, assumiu feições com que nem os melhores compêndios de economia ensinaram a lidar. Trata-se, nas palavras do economista-chefe de um dos maiores bancos do País, não de uma recessão pura e simples, mas de uma depressão. A economia mundial não quer mais trabalhar com empréstimos, todos querem entesourar e um pânico generalizado atinge não só a economia virtual, o que Manuel Castells chama de autômato ou o gerenciador eletrônico que comanda as finanças do planeta, mas a economia real, a dos produtos, empregos, salários e aquisições.

E o Brasil? Houve aqui, inicialmente, um esforço governamental grande para tranqüilizar o mercado, assegurando aos agentes que estaríamos imunes ao que se passava em outras terras, dados os inegáveis fundamentos macroeconômicos mais sólidos de que dispomos hoje. O baixo índice de crédito imobiliário era usado para mostrar que não teremos (como não temos) problemas nesse segmento. Não creio que tais garantias tenham sido anunciadas de má-fé. Pouco se sabia ou entendia do que haveria de vir.

Na semana da eleição, o cenário mostrou-se mais claro. O Brasil, que vende commodities a países industrializados, conta com uma estrutura de gastos correntes no setor público muito amarrada e pouca folga para investimentos, vai ser, sim, afetado, não é impermeável ao que se passa lá fora. Acabaram-se os tempos de bonança, de arrecadação alta e dinheiro disponível para os necessários gastos sociais, para obras e aumentos de salários que possam atrair bons quadros para o funcionalismo, especialmente num contexto em que, como divulgou o IBGE, o número de funcionários da administração pública no País aumentou 7,5% de 2005 para 2006, bem mais que o aumento no setor privado. Neste contexto, ganharam os prefeitos reeleitos que se prepararam para os tempos de vacas magras.

Na verdade, vários prefeitos eleitos já admitem rever seus programas de governo e adotar uma postura inicial mais austera. Como bem observam Geraldo Biasoto Jr. e José Roberto Afonso, em artigo do dia 25 de outubro no Estadão, a arrecadação deve cair e será fundamental controlar o gasto de custeio para preservar as ações sociais básicas, vitais em momento de crise para garantir a qualidade de vida da população e os investimentos em infra-estrutura. Acrescentaria investimentos em educação, focalizando o gasto em ações que introduzam maior qualidade no ensino, evitando despesas não diretamente vinculadas à aprendizagem dos alunos. O mecanismo mais fácil para avaliar a importância de uma despesa nesta área é verificar se ela contribuirá para um Ideb (o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica estabelecido e monitorado pelo MEC) mais alto ou não. Mas tudo isso, segundo os autores do artigo, deve se subordinar ao preceito da responsabilidade fiscal e da própria democracia: a despesa de um mandato precisa caber dentro de seu período. Para os prefeitos, nesse sentido, o momento é de priorizar gastos, reavaliar as promessas de campanha, reprogramando o momento certo de honrá-las, e, sobretudo, comunicar com clareza aos eleitores o porquê de suas ações. Transparência aqui é chave e serenidade, uma boa conselheira diante do turbilhão que afeta a economia e agitará, certamente, as ondas das finanças públicas municipais.

Outro governo que terá de repensar suas propostas diante de um novo cenário é o do novo presidente americano. Barack Obama ou John McCain, ambos senadores, têm grande familiaridade com a discussão de orçamentos, que nos EUA confere um papel ainda mais importante ao Legislativo. Suas prioridades em políticas públicas são distintas, mas envolvem gastos que, num contexto recessivo, não podem permitir, como chegou a propor McCain, corte de impostos. Há, em primeiro lugar, o programa contra o aquecimento global, tema negligenciado por Bush, mas assumido por ambos os candidatos. McCain chega a afirmar em seu programa que “os EUA não podem continuar a negar sua responsabilidade na redução das emissões de dióxido de carbono”. E Obama, segundo artigo recente de Richard Holbrook na Foreign Affairs, tem o plano mais completo na área, com metas ambiciosas para redução de emissões de dióxido de carbono e um mecanismo de mercado para compensação de carbono respeitado por economistas de direita e de esquerda. Ora, uma ação consistente nessa direção demanda investimentos importantes. O mesmo se pode dizer do reaparelhamento das Forças Armadas, de algumas ênfases na política externa, como o Afeganistão, ou mesmo a mudança na matriz energética. A recuperação de um papel importante e da respeitabilidade dos EUA no cenário internacional tampouco será levado a efeito sem gastos. No caso específico de Obama, incluem-se também gastos sociais relevantes, como a ampliação dos serviços de saúde e educação.

Novamente, neste caso, a crise obrigará o eleito a priorizar e, assim como no Brasil (provavelmente em maior medida), a convencer o Congresso e os eleitores da justeza das prioridades. Afinal, numa democracia promessas podem ser revistas diante de novas circunstâncias, mas sempre em diálogo com o cidadão e seus representantes.

Claudia Costin, vice-presidente da Fundação Victor Civita, professora do Ibmec-SP, foi ministra da Administração Federal e Reforma do Estado e secretária de Cultura do Estado de São Paulo

De segredos, marcas e eficiência


Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Num volume do século XIX sobre "A Constituição Inglesa", Walter Bagehot reavalia o sistema de governo britânico de maneira que tem sido retomada recentemente. Ele destaca o que chama um "segredo eficiente": enquanto a teoria tradicional, "como consta de todos os livros" (incluído, celebremente, "O Espírito das Leis", de Montesquieu), via o mérito do sistema inglês na separação entre os Poderes Legislativo e Executivo, o "segredo" seria que, na verdade, o que se tem é a fusão completa dos dois Poderes, com o Gabinete como elo decisivo entre eles - e como fator de "eficiência", em contraste com o caráter cerimonial e "dignificado" dos aspectos destacados na visão tradicional.

Naturalmente, este é um ponto relevante da distinção entre os sistemas parlamentarista e presidencialista de governo. Contra certo senso comum em que o presidencialismo surge como o sistema de chefe de Executivo "forte", por ser escolhido diretamente pelos eleitores e não responder perante o parlamento, a fusão parlamentarista redunda em que, especialmente na versão de governo de Gabinete, o chefe do Executivo seja por definição o líder do partido em controle do parlamento, o que evita as dificuldades do "governo dividido" a que se expõe o presidencialismo e em princípio contribui para a eficiência administrativa.

Mas um dos aspectos com relação aos quais Bagehot tem sido retomado é o da eficiência em termos eleitorais e suas relações com a natureza e a dinâmica dos partidos. A evolução que resulta no "segredo eficiente" tem como componente importante o fortalecimento dos partidos, numa dinâmica em que o político interessado em reeleger-se (ou eleger-se) para o parlamento, em vez de ter de empenhar-se em prestar serviços a interesses particularistas e clientelas locais (e competir nisso com seus próprios companheiros de partido), é induzido a valer-se da "marca" trazida pelo partido e a identificar-se com ela. E no confronto das "marcas" partidárias passaríamos a ter alternativas significativas de políticas públicas definidas por referência a categorias amplas e de alcance tendencialmente nacional. Há um claro sentido, assim, em que "eficiência" (eleitoral, mas também supostamente administrativa em consequência) vem a equivaler a um modelo de política "ideológica".

Pode-se encontrar, na literatura corrente, certo recurso abusivo à fórmula do "segredo eficiente". É o caso de M. S. Shugart e J. M. Carey, que, no volume "Presidents and Assemblies", de 1992, usam a expressão "segredo ineficiente" de modo que, além de tornar difícil perceber onde está o segredo, leva eficiência e ineficiência na verdade a se confundirem. Mas o abuso mesmo não deixa de relacionar-se com as complicações reais que cercam o assunto, pois trata-se de designar, a propósito de determinados sistemas presidencialistas, a combinação de práticas eleitorais clientelistas e barganhas pragmáticas no nível do poder legislativo, de um lado, com, de outro lado, a formação de coalizões mais amplas, eventualmente representando alternativas autênticas em termos de políticas, no nível das disputas pela Presidência da República. O Chile anterior à intensificação da polarização política no final dos anos 1950 seria o exemplo por excelência, e o aspecto a ser destacado é o de que a "ineficiência" (ou o "fisiologismo" nosso conhecido) do Legislativo seria um fator favorável à estabilidade do sistema - que, com a polarização, termina mais tarde radicalmente comprometida.

A questão decisiva acaba girando em torno da velha questão de ideologia e pragmatismo e de como combiná-los, e ela é de evidente relevância na política brasileira de agora (embora de maneira menos dramática, ainda bem, do que algum tempo atrás). Acabamos de sair de eleições que permitem a leitura de vitória do PMDB, com sua "marca" tênue e seus caciques regionais pragmáticos prontos à barganha: haverá nisso algo de bom, nas circunstâncias atuais da vida político-partidária brasileira? Há uma maneira de ver as coisas que poderia pretender dar resposta positiva à pergunta por se tratar de eleições municipais. Mas a discussão poderia estender-se no rumo das interpretações da eleição em que se festejou o caráter "racional" da postura do eleitor, tido como atento ao que teria a ganhar ou perder pessoalmente com o acesso à prefeitura de um candidato ou outro. Pondo de lado as complicações que a definição de racionalidade pode envolver, é fácil assinalar como essa postura poderia eventualmente ser contrastada com outra semelhante, a que teríamos na eleição presidencial com o eleitor prestando atenção aos seus ganhos com o programa Bolsa Família - sem falar da decisão de voto pelo eleitor com base em imagens em que esteja envolvida uma identidade popular: populismo, manipulação? Em todo caso, não há como negar que podemos ter aí quando nada a raiz de um processo de fixação de alternativas de política em torno de "marcas" nítidas, ainda que a "ideologia" envolvida possa deixar a desejar quanto ao conteúdo de informação ou uma suposta "racionalidade" correlata.

Ainda um par de perguntas, a serem deixadas no ar. Em primeiro lugar, como avaliar, do ponto de vista de "eficiência" agregadora versus clientelas locais e interesses particularistas, uma iniciativa como o orçamento participativo do PT, ou como fazer dele um instrumento de representação universalista? Em segundo lugar, como distinguir, à parte a liderança pessoal de um Lula ou alianças pragmaticamente convenientes, entre a "marca" pessedebista e a "marca" petista? Não serão melhores, em termos tanto de eficiência eleitoral quanto administrativa, os prospectos de uma "marca" socialdemocrática que o PT traz nas práticas de governo e o PSDB reclama até no nome?

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

Nova Bretton Woods


Luiz Carlos Bresser Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


A agência que substituir o FMI deverá alertar os países que ultrapassarem o limite de déficit em conta corrente

NOS PRÓXIMOS dias os líderes políticos e econômicos dos grandes países reunir-se-ão para discutir uma nova Bretton Woods, ou seja, uma nova arquitetura e um sistema de regulação mais rigoroso para o sistema financeiro mundial. Aproveitarão também para repassar as medidas que já tomaram para garantir a solvência e para aumentar a liquidez dos bancos.

Nesse ponto, o essencial já foi decidido e está sendo implementado: a recapitalização dos bancos. O crédito, porém, está demorando a ser restabelecido, dada a natural desconfiança dos bancos em relação às demais empresas. Nos Estados Unidos, o Fed vem se encarregando de agir nessa direção; no Brasil, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) já revelou essa disposição, embora aqui o problema dos grandes bancos não seja grave.

Entrementes as previsões quanto às conseqüências reais da crise estão se agravando. O JPMorgan prevê para 2009 queda de 0,5% no PIB dos países ricos e crescimento de 4,2% no dos emergentes. Para o Brasil, as previsões estão tendendo para 2%. Nouriel Roubini fala em estag-deflação. Embora não tenha dúvida quanto à recessão dos países ricos e à diminuição das taxas de crescimento dos emergentes, creio haver excesso de pessimismo. No momento em que as medidas que estão sendo tomadas fizerem efeito -e farão- deixará de haver motivo para a retração violenta da atividade econômica que está sendo prevista.

Como aconteceu em 1929, a crise financeira terá conseqüências reais, mas não serão tão graves porque, ao contrário do que ocorreu naquela época, os governos agora agiram com rapidez e competência para enfrentá-la. Deverão, adicionalmente, tomar medidas fortes para neutralizar a natural contração real da demanda. Medidas dessa natureza começaram a ser tomadas ainda pelo governo Hoover depois de 1929, mas eram tímidas; as políticas mais fortes vieram com Roosevelt, mas em 1933 o desastre já estava feito.

O que constituirá uma nova Bretton Woods em vez de meros remendos à desgovernança montada desde 1971? Nessa questão, é preciso diferenciar o crédito interno a empresas do crédito externo a países para cobrir déficits em conta corrente. No crédito interno, o essencial é uma regulação muito maior sobre os bancos de varejo, ao mesmo tempo em que se tomem medidas duras para reduzir a desintermediação financeira -ou seja, a concessão de crédito por agências que não são bancos comerciais. É necessário também limitar os bônus dos agentes financeiros, porque são uma causa maior de especulação irresponsável.

No plano internacional, o fundamental é limitar o crédito dado aparentemente a empresas, mas que, na verdade, financia déficits em conta corrente. Em Bretton Woods não havia essa preocupação, e o Banco Mundial foi criado para viabilizar déficits em conta corrente ou "crescimento com poupança externa".

Recentemente, ficou afinal claro que os países não crescem com poupança externa, mas com um bom sistema de crédito interno e com suas próprias poupanças. Os déficits em conta corrente são apenas causa de substituição da poupança interna pela externa, e por crises do balanço de pagamentos. A agência internacional que substituir o FMI (Fundo Monetário Internacional) deverá ter como uma de suas atribuições principais alertar publicamente os países que ultrapassarem o limite, a ser convencionado internacionalmente, de déficit em conta corrente.

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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