terça-feira, 21 de novembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Fora do palanque, Milei tem de se provar viável

O Globo

Vitória avassaladora nas urnas traduz desejo de se livrar do peronismo, que há décadas leva o país ao precipício

vitória de Javier Milei nas eleições presidenciais da Argentina foi acachapante. A vantagem foi de mais de 11 pontos sobre o peronista Sergio Massa — 55,7% dos votos, ante 44,3%. A mensagem das urnas não poderia ter sido mais clara: a sociedade decidiu se livrar do peronismo, que tem levado o país ao precipício há décadas, e acreditar nas promessas do ultraliberal populista. Tal voto de protesto, mesmo que compreensível, mergulha o país na incerteza, pois o novo líder é inexperiente e, até o momento, deu repetidas mostras de instabilidade. Cabe a Milei demonstrar rapidamente o que fará e como reunirá equipe e apoio político para implementar uma reforma realista do Estado argentino.

Do ponto de vista do Brasil, todas as medidas para estabilizar a economia serão bem-vindas. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não escondeu a preferência por Massa e as críticas a Milei. Passada a eleição, Lula parabenizou os argentinos e, mesmo sem citar Milei, deixou claro que os interesses dos dois Estados precisam prevalecer. Milei tem mais a perder que a ganhar se entrar em disputas estéreis com o Brasil, em particular sobre o Mercosul. Ele já tem problemas demais a enfrentar.

Opinião do dia - Manuel Castells*

Em tempos de incertezas costuma-se citar Gramsci quando não se sabe o que dizer. Em particular, sua célebre assertiva de que a velha ordem já não existe e a nova ainda está para nascer. O que pressupõe a necessidade de uma nova ordem depois da crise. Mas não se contempla a hipótese do caos. Aposta-se no surgimento dessa nova ordem de uma nova política que substitua a obsoleta democracia liberal que, manifestamente, está caindo aos pedaços em todo o mundo, porque deixa de existir no único lugar em que pode perdurar: a mente dos cidadãos.

A crise dessa velha ordem política está adotando múltiplas formas. A subversão das instituições democráticas por caudilhos narcisistas que se apossam das molas do poder a partir da repugnância das pessoas com a podridão institucional e a injustiça social: a manipulação midiática das esperanças frustradas por encantadores de serpentes; a renovação aparente e transitória da representação política através da cooptação dos projetos de mudanças; a consolidação de máfias no poder e de teocracias fundamentalistas, aproveitando as estratégias geopolíticas dos poderes mundiais; a pura e simples volta à brutalidade irrestrita do Estado em boa parte do mundo, da Russia à China, da África neocolonial aos neofascismos do Leste Europeu e às marés ditatoriais na América Latina.

E, enfim, o entrincheiramento no cinismo político, disfarçado de possibilismo realista dos restos da política partidária como forma de representação. Uma lenta agonia daquilo que foi essa ordem política.  

*Manuel Castells. "Ruptura – A crise da democracia liberal", p.144. Editora Zahar. Rio de Janeiro, 2017.

Merval Pereira - A vitória dos memes

O Globo

As redes socais chegaram para ficar, e os memes “são a ponta de lança, às vezes com humor, às vezes críticos, funcionam melhor para um eleitor jovem, menos politizado, menos engajado.

A vitória tão alargada do candidato anarcocapitalista Javier Milei na Argentina parece indicar um rompimento, pelo menos momentâneo, do eleitorado com o peronismo, que já fora tentado com a eleição de Mauricio Macri e se consolida agora com um candidato excêntrico e desequilibrado, que teve no ex-presidente argentino uma âncora com a realidade de centro-direita que certamente levou a essa maioria não detectada por nenhuma pesquisa, nem círculo político.

A direita venceu na Polônia, Hungria, Itália, Espanha, Nova Zelândia, no Uruguai, Paraguai, Equador e agora na Argentina. Pode vencer no Chile, na França e no Reino Unido. Talvez mesmo nos Estados Unidos com Trump. Na América do Sul, a hegemonia da esquerda, que chegou a ser chamada de “nova onda rosa”, em referência à onda de partidos de esquerda que dominaram a região nos anos 2000, está decrescendo.

Carlos Andreazza - Lula despachante de Lira

O Globo

A lógica do orçamento secreto — mais que a opacidade, o autoritarismo nas distribuições — veio para ficar. Mecanismo sem precedentes para o exercício concentrado de poder pela elite imperial parlamentar, permanecerá. A única questão sendo como se arranjará — que forma haverá — para 2024; costurado, no vácuo ligeiro franqueado por uma LDO que encavala a LOA, o orçamento do ano que vem, a ser novamente peça de ficção. A questão sendo quão ficcional será a fantasia.

Para aquilatar a ordem de grandeza de apenas uma entre as mordidas projetadas. O Congresso Lira — o Parlamento do Lirão (antes houvesse um Centrão) — avança com inflação própria e estica a corda de suas pretensões para o valor total de emendas parlamentares em 2024: R$ 46 bilhões. (Foram inscritos pouco mais de R$ 36 bilhões para 2023.)

Míriam Leitão - As promessas de Javier Milei

O Globo

Acabar com o Banco Central argentino parece sem sentido, mesmo para quem acha possível a dolarização da economia

O banco central tem outras funções além de ser a autoridade monetária. Mesmo um país que não tenha moeda própria, permanece tendo um banco central para cuidar das atribuições legais de supervisão bancária e financeira. É por isso que os países da União Europeia, que abriram mão de ter moeda própria em favor do euro, mantiveram o órgão para a supervisão, como a Alemanha e a Itália. A ideia de acabar com o Banco Central da Argentina parece sem sentido, mesmo para quem acha que a dolarização sem dólar é possível.

A dolarização envolveria transformar todos os contratos da economia numa espécie de dólar argentino que equivaleria a um dólar americano. Mas a primeira dificuldade é em que taxa de câmbio os ativos em peso se transformariam em dólar? Hoje há várias taxas na Argentina e no câmbio livre o peso é mais desvalorizado. Dessa escolha dependerá a dimensão da perda de valor de ativos e da riqueza argentina.

Luiz Carlos Azedo - Milei governará entre liberais e peronistas

Correio Braziliense

A Liberdade Avança e Juntos pela Mudança têm 20 deputados a mais do que os peronistas. Essa aliança é a chave para a governabilidade

Se a vitória de Javier Milei nas eleições argentinas foi incontentável, com uma diferença de quase 3 milhões de votos a mais que Sergio Massa, o futuro de seu governo ainda é uma grande incógnita. Tem um mês para montar seu governo e formar maioria no Congresso. Nesse ínterim, terá que administrar as incertezas econômicas do país, com uma corrida atrás de dólar e a inflação em disparada.

No seu primeiro dia como presidente eleito, Milei reiterou a intenção de fechar o Banco Central, dolarizar a economia e pôs na ordem do dia as privatizações, a começar pela petroleira do país. Milei quer privatizar, também, a Telám — a TV pública do país — e a Rádio Nacional. E pretende visitar Israel e os Estados Unidos antes de tomar posse, marcada para 10 de dezembro.

Humberto Saccomandi - Milei terá pouca margem de erro na economia e próximos meses serão decisivos

Valor Econômico

Ganhar eleição foi a parte fácil. A parte difícil começa agora. A partir de hoje, atenções estarão voltadas às indicações econômicas e políticas que o presidente eleito dará

Presidente eleito da Argentina, o libertário Javier Milei assumirá, em 10 de dezembro, em meio a uma gravíssima crise econômica. Ele prometeu, em seu discurso de domingo à noite, “mudanças drásticas”, sem gradualismo.

Seu plano econômico para o curto prazo não é claro ainda. E ele terá pouco tempo para aplicá-lo e quase nenhuma margem de erro. Os riscos são enormes. Os próximos seis meses serão decisivos.

A vitória de Milei encerra um ano em que o atual governo de esquerda basicamente adiou o enfrentamento de crise do país e fechou suas contas com dinheiro emprestado, adiando pagamentos e imprimindo moeda. Essa longa protelação, que agravou a situação econômica, acaba agora.

Maria Cristina Fernandes - É a realidade, e não Lula, quem vai moderar Milei

Valor Econômico

Se a Argentina perder os mercados de Brasil e China, e os chineses resolverem executar a dívida argentina, assim como o fizeram com países africanos, Milei terá dificuldades de cumprir seu mandato

A ausência na posse de Javier Milei bastaria para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dar o recado de que foi tratado de maneira ofensiva pelo presidente eleito da Argentina durante a campanha. Ainda assim, Lula fez saber, pelo ministro da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, que esperava um pedido de desculpas. A exigência veio depois que Milei convidou pessoalmente o ex-presidente Jair Bolsonaro para sua posse. “Ele fez sua escolha”, resumiu um assessor presidencial.

Basta olhar para as contas da Argentina para se concluir que a birra parece desnecessária. Brasil e China, de fato, foram os países mais agredidos por Milei durante a campanha eleitoral. Mas se a Argentina perder os mercados de ambos os países, e os chineses resolverem executar a dívida argentina, assim como o fizeram com países africanos, Milei terá dificuldades de cumprir seu mandato.

Eliane Cantanhêde - Motosserra na Argentina

O Estado de S. Paulo

Um perigo para a Argentina, Milei forma com Bolsonaro e Trump um trio contra a democracia

O que começa errado tende a dar errado até o fim e este é o caso, não só da eleição do anarcocapitalista Javier Milei na Argentina como também das relações entre Milei e Lula. Se fosse só entre os dois, problema deles. Como é entre os dois principais países do Mercosul, estão em jogo as relações bilaterais, a sobrevivência do bloco, o acordo com a União Europeia (EU), o equilíbrio do Cone Sul e as relações com o resto do mundo.

Milei foi eleito com mais de 10 pontos, às vésperas de três eventos nesta semana em Brasília. Primeiro, o anúncio Mercosul-UE e a reunião 12 X 12, entre os ministros de Defesa e de Relações Exteriores dos 12 países da América do Sul. Como Milei ameaça retirar a Argentina do Mercosul, imaginem o climão.

Lourival Sant’Anna - Uma espiral de incertezas

O Estado de S. Paulo

Reformas necessárias na Argentina incluem o corte de subsídios para serviços e produtos essenciais

A Argentina pode mergulhar esta semana em uma grande espiral de incertezas econômicas e políticas. A reunião entre o presidente eleito, Javier Milei, e o atual, Alberto Fernández teve de ser cancelada. Isso porque Fernández e o ministro da Economia, Sergio Massa, derrotado por Milei, não querem arcar com o custo político da maxidesvalorização do peso, demandada pela presidente eleito.

Massa falou em renunciar na noite de domingo, quando a reunião foi acertada entre Milei e Fernández. Parece ter recuado ontem. O governo estudava estender o feriado de segunda, Dia da Soberania Nacional, para essa terça-feira, para ganhar mais um dia de mercado fechado, já que os agentes econômicos não sabem como precificar o peso argentino.

Milei, por sua vez, anunciou “mudanças drásticas” em seu discurso de vitória: “A situação da Argentina é crítica. Não há lugar para fraquezas e meias tintas”. O presidente eleito voltou a falar em dolarização. A combinação de sua vitória com uma eventual saída de Massa da Economia poderia apressar a marcha rumo à hiperinflação.

Alvaro Costa e Silva - A lei do conchavo

Folha de S. Paulo

Promiscuidade com o poder favoreceu grupos paramilitares

"Milicianos", livro recém-lançado do jornalista Rafael Soares, é didático ao esmiuçar o problema da segurança. O subtítulo explica tudo: "Como agentes formados para combater o crime passaram a matar a serviço dele". E como —acrescento eu— eles atuaram quase sempre com a cumplicidade do poder político.

Hoje, o modus operandi dos grupos paramilitares está estabelecido. É um empreendimento de sucesso. Por trás de negócios de aparência legal, lavam e movimentam fortunas; achacam empreiteiras envolvidas em obras públicas e humildes vendedores de mariola; disputam com traficantes territórios aonde o Estado não chega; exploram trabalhadores com pedágio sobre transporte e sobrepreço em botijões de gás; internet, só a deles; quando não matam, traumatizam e expulsam pessoas de suas casas. Tocam o terror.

Joel Pinheiro da Fonseca - Milei e os prós e os contras da ideologia libertária

Folha de S. Paulo

Olhemos para o que ele traz em termos de ideologia e programa, ao contrário de Bolsonaro, ele os tem

Vamos deixar de lado as bizarrices de Javier Milei. Olhemos para o que ele traz em termos de ideologia e programa. Ao contrário de Bolsonaro, ele os tem. Para mim é duplamente curioso, porque o meio anarcocapitalista e libertário é de onde eu vim. Os autores que Milei cita —Mises, Rothbard, Friedman— são os autores que eu lia e discutia ativamente na minha formação.

Hoje não sou mais um libertário, e sim um liberal. Vejo a atitude revolucionária de querer abolir o Estado, suas garantias e suas leis como algo que reduziria a liberdade da maioria. Estado e mercado precisam um do outro.

Dora Kramer - Saudade da ribalta

Folha de S. Paulo

Sem muito a fazer, Bolsonaro fustiga Tarcísio em busca da relevância perdida

Jair Bolsonaro anda sem atividades relevantes com as quais se ocupar. Transita entre prestações de contas à polícia, cerimônias de entrega de medalhas em Câmaras Municipais e gestos que deem a impressão de que será um cabo eleitoral imprescindível à direita, mesmo impedido de concorrer por decisão da Justiça.

À falta do que fazer, fustiga Tarcísio de Freitas, que tem mais a fazer. Precisa governar São Paulo, cujos problemas não são poucos nem pequenos. Já ao ex-presidente sobra tempo livre para cavar espaço no noticiário político.

Apenas se antagonizar ao presidente da República já não rende, sendo a recíproca verdadeira. Para Luiz Inácio da Silva também é ativo gasto. Por isso o ex-presidente resolveu fazer algo que é notícia pelo inusitado da coisa: afetar contrariedade com o governador que ajudou a eleger.

Vera Magalhães - O que Milei e Trump deveriam mostrar a Lula

O Globo

Vitória de candidato da extrema-direita na Argentina e resiliência do norte-americano são sinais de que o apelo dos outsiders não se esgotou

Viralizou um post no antigo Twitter de uma conta verificada que se apresenta como sendo de Javier Milei, mas que é de apoiadores de sua campanha, com a seguinte formulação com ares de profecia: "Javier Milei 2023/Donald Trump 2024/Jair Bolsonaro 2026", com as bandeirinhas respectivamente da Argentina, dos Estados Unidos e do Brasil.

É óbvio que cada um dois países tem particularidades econômicas, sociais, históricas e políticas que impedem a simplificação da postagem, mas também é evidente que a resiliência do fenômeno do outsider que chega para implodir as estruturas do establishment se mostra maior que as derrotas de Trump em 2020 e de Bolsonaro em 22 pareciam apontar. E isso requer que o governo Lula e a coalizão que venha a se articular para sua sucessão tomem alguns cuidados.

Reveses como o de Trump e de Bolsonaro não esgotaram o apelo eleitoral da extrema-direita. A celebração da vitória de Milei por aqui, inclusive da parte de políticos órfãos do bolsonarismo, evidencia que esse pessoal está em busca de um caminho para voltar à carga em 2026, e ele tende a se dar pela exploração do fracasso de governos de esquerda em manejar a economia e promover segurança e bem-estar social.

Míriam Leitão - Milei deixa de lado improviso

O Globo

Presidente eleito da Argentina falou em cumprimento da lei, elogiou aliados e disse que será preciso adotar medidas fortes para deter a inflação, mas não citou fechamento do Banco Central ou dolarização

Javier Milei surpreendeu em seu primeiro discurso. Primeiro por ter feito um discurso lido, logo ele uma pessoa cheia de improvisos e arroubos, dessa vez, fez tudo diferente. Aliás, ele demorou bastante a ir vir a público. Houve um grande intervalo entre o momento que Sergio Massa reconheceu a derrota e informou já ter ligado para o concorrente para parabenizá-lo e a aparição do novo presidente eleito da Argentina.

Destaco algumas frases do discurso de Milei. Ele disse: "“dentro da lei, tudo, fora da lei, nada”. Não sei se é uma daquelas frases bonitas para começo de mandato, para não assustar. Afinal, ele defendeu durante toda a campanha uma proposta de muita ruptura, mas ressalto nessa primeira fala após eleito a ausência de temas como fim do Banco Central e da dolarização da economia.

Poesia | Uma Esperança - Clarice Lispector por Aracy Balabanian

 

Música | Milton Nascimento - Beatriz (Chico Buarque e Edu Lobo)