No palanque da candidata à Prefeitura de S. Paulo, Marta Suplicy (PT), o presidente Lula exigiu desculpas do Governador Serra.
Ele afirmou: “O governador Serra, me conhecendo do jeito que conhece, não tinha o direito de acusar o PT nesse caso da Polícia Civil. Espero que, em algum momento, ele peça desculpa”.
Ora, presidente, desculpas e muitas o Sr. deve aos cidadãos brasileiros pelo seu voto contra a Constituição que este mês completa 20 anos.
Aos brasileiros não lhes falta memória. Lutaram muito para conquistar a democracia e seu partido, sob o seu comando, foi contra.
Estamos, até hoje, esperando suas desculpas.
Clique abaixo e ouça o discurso de Lula, na época, contra a constituição!http://img.estadao.com.br/audios/1C/4F/A1/1C4FA1C45BA94AD298B3D42BE9DC0FFF.mp3
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
domingo, 19 de outubro de 2008
A Constituição e a estabilidade democrática
Gilmar Mendes
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
O STF vem assumindo a responsabilidade política de aplicar a Carta para tornar concretos os direitos e as garantias fundamentais
PARA CIDADÃOS de países regidos por vetustas Constituições, podem até parecer estranhas tantas comemorações pelos 20 anos da nossa Carta. Mas quem conhece a história pátria há de bem dimensionar a significância dessas duas décadas de estabilidade, mormente se confrontada com o acidentado trajeto percorrido pelo país até o Estado democrático de Direito.
A Constituição de 1988, mais do que assinalar o término de um regime de exceção, simbolizou o afã da mudança em favor de mais equilíbrio em todas as vertentes -sociais, políticas, econômicas, institucionais. A Constituição Federal fez-se, assim, eivada da força simbólica do recomeço. O gigante parecia despertar com vontade de compor a galeria dos grandes -e não só em potência econômica.
Daí o extenso catálogo de direitos fundamentais -um dos mais amplos do mundo-, cuja efetividade é garantida por mecanismos judiciais consistentes, previstos no texto constitucional. As criticas quanto a certa propensão para o dirigismo econômico foram superadas com as mudanças aprovadas pelo Congresso Nacional.
De fato, a normalidade democrática assegurada pela Constituição de 1988 demonstrou ser à prova de choques tão perturbadores quanto um confisco radical da poupança, tão graves quanto o impeachment do presidente eleito pelo povo, isso sem mencionar crises agudas de hiperinflação e corrupção. Não houve turbulência interna ou externa que não tenha sido resolvida dentro dos parâmetros fixados pela Carta.
A partir dessa solidez constitucional, na qual o Supremo figura como órgão-chave moderador nos embates democráticos, o país pôde crescer de forma organizada. A segurança institucional traduziu-se em dividendos econômicos e políticos, além de elevar a auto-estima do brasileiro. É da legitimidade que advém a força dessa Constituição, doravante não mais associada a outorgas ou tutelas de qualquer ordem, não mais compatível com degolas ou golpes.
De 1988 até hoje, o país passou por transformações visíveis: o atraso institucional cedeu lugar a um aprendizado da cidadania corroborado por eleições seguras. A renovação do processo eleitoral a cada biênio funciona como força realimentadora do regime. E o melhor: todos os atores políticos comungam das regras do jogo democrático. A democracia tornou-se um valor em si mesmo. E isso é alvissareiro, pois garante que, por estas plagas, diferentemente do viés de retrocesso político que teima em reaparecer em certas nações sul-americanas, haveremos de vivenciar o privilégio de sermos uma forte e soberana democracia.
Isso não significa estar a tarefa completa. Lançando mão de usual metáfora, preparamos o terreno para a colheita -que já começou, a julgar pela melhoria nos indicadores sociais da última década. E a experiência dos últimos anos indica que as mudanças necessárias podem ser realizadas dentro dos marcos existentes, dispensada a aventura de processos constituintes especiais, parciais ou totais.
No Judiciário, a antiga estrutura processual e administrativa consubstancia desafio a ser enfrentado a partir da perspectiva do planejamento estratégico de todos os tribunais, coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça, dirimindo o renitente problema de lentidão processual, bem como aumentando a transparência e o acesso dos cidadãos -sobretudo dos mais carentes- à prestação de justiça.
Tal racionalização está em andamento com a informatização de todos os órgãos. Não se trata de mera opção técnica, mas de escolha inspirada nos direitos humanos. No caso das varas de execução criminal, a informatização permitirá o controle adequado da situação dos presos e evitará a manutenção da prisão além do tempo determinado e fora das condições impostas pela condenação judicial.
A Justiça brasileira realmente tornou-se mais forte com a autonomia administrativa e financeira obtida a partir da Carta de 1988, cujos 20 anos coincidem com os 200 anos da criação do primeiro órgão de cúpula da Justiça nacional, hoje personificado no Supremo Tribunal Federal, corte que vem a ser a própria representação da constitucionalidade, da ordem institucional.
Dia após dia, o Supremo Tribunal Federal vem assumindo a responsabilidade política de aplicar a Carta de modo a tornar concretos os inúmeros direitos e garantias fundamentais constitucionalizados em 1988. E a corte tem respondido -o fará sempre- demonstrando profundo compromisso com o desenvolvimento desses direitos e corroborando, assim, a opção do constituinte pelo renovador princípio da esperança.
GILMAR FERREIRA MENDES, 52, mestre pela UnB (Universidade de Brasília) e doutor em direito do Estado pela Universidade de Münster (Alemanha), é presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
O STF vem assumindo a responsabilidade política de aplicar a Carta para tornar concretos os direitos e as garantias fundamentais
PARA CIDADÃOS de países regidos por vetustas Constituições, podem até parecer estranhas tantas comemorações pelos 20 anos da nossa Carta. Mas quem conhece a história pátria há de bem dimensionar a significância dessas duas décadas de estabilidade, mormente se confrontada com o acidentado trajeto percorrido pelo país até o Estado democrático de Direito.
A Constituição de 1988, mais do que assinalar o término de um regime de exceção, simbolizou o afã da mudança em favor de mais equilíbrio em todas as vertentes -sociais, políticas, econômicas, institucionais. A Constituição Federal fez-se, assim, eivada da força simbólica do recomeço. O gigante parecia despertar com vontade de compor a galeria dos grandes -e não só em potência econômica.
Daí o extenso catálogo de direitos fundamentais -um dos mais amplos do mundo-, cuja efetividade é garantida por mecanismos judiciais consistentes, previstos no texto constitucional. As criticas quanto a certa propensão para o dirigismo econômico foram superadas com as mudanças aprovadas pelo Congresso Nacional.
De fato, a normalidade democrática assegurada pela Constituição de 1988 demonstrou ser à prova de choques tão perturbadores quanto um confisco radical da poupança, tão graves quanto o impeachment do presidente eleito pelo povo, isso sem mencionar crises agudas de hiperinflação e corrupção. Não houve turbulência interna ou externa que não tenha sido resolvida dentro dos parâmetros fixados pela Carta.
A partir dessa solidez constitucional, na qual o Supremo figura como órgão-chave moderador nos embates democráticos, o país pôde crescer de forma organizada. A segurança institucional traduziu-se em dividendos econômicos e políticos, além de elevar a auto-estima do brasileiro. É da legitimidade que advém a força dessa Constituição, doravante não mais associada a outorgas ou tutelas de qualquer ordem, não mais compatível com degolas ou golpes.
De 1988 até hoje, o país passou por transformações visíveis: o atraso institucional cedeu lugar a um aprendizado da cidadania corroborado por eleições seguras. A renovação do processo eleitoral a cada biênio funciona como força realimentadora do regime. E o melhor: todos os atores políticos comungam das regras do jogo democrático. A democracia tornou-se um valor em si mesmo. E isso é alvissareiro, pois garante que, por estas plagas, diferentemente do viés de retrocesso político que teima em reaparecer em certas nações sul-americanas, haveremos de vivenciar o privilégio de sermos uma forte e soberana democracia.
Isso não significa estar a tarefa completa. Lançando mão de usual metáfora, preparamos o terreno para a colheita -que já começou, a julgar pela melhoria nos indicadores sociais da última década. E a experiência dos últimos anos indica que as mudanças necessárias podem ser realizadas dentro dos marcos existentes, dispensada a aventura de processos constituintes especiais, parciais ou totais.
No Judiciário, a antiga estrutura processual e administrativa consubstancia desafio a ser enfrentado a partir da perspectiva do planejamento estratégico de todos os tribunais, coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça, dirimindo o renitente problema de lentidão processual, bem como aumentando a transparência e o acesso dos cidadãos -sobretudo dos mais carentes- à prestação de justiça.
Tal racionalização está em andamento com a informatização de todos os órgãos. Não se trata de mera opção técnica, mas de escolha inspirada nos direitos humanos. No caso das varas de execução criminal, a informatização permitirá o controle adequado da situação dos presos e evitará a manutenção da prisão além do tempo determinado e fora das condições impostas pela condenação judicial.
A Justiça brasileira realmente tornou-se mais forte com a autonomia administrativa e financeira obtida a partir da Carta de 1988, cujos 20 anos coincidem com os 200 anos da criação do primeiro órgão de cúpula da Justiça nacional, hoje personificado no Supremo Tribunal Federal, corte que vem a ser a própria representação da constitucionalidade, da ordem institucional.
Dia após dia, o Supremo Tribunal Federal vem assumindo a responsabilidade política de aplicar a Carta de modo a tornar concretos os inúmeros direitos e garantias fundamentais constitucionalizados em 1988. E a corte tem respondido -o fará sempre- demonstrando profundo compromisso com o desenvolvimento desses direitos e corroborando, assim, a opção do constituinte pelo renovador princípio da esperança.
GILMAR FERREIRA MENDES, 52, mestre pela UnB (Universidade de Brasília) e doutor em direito do Estado pela Universidade de Münster (Alemanha), é presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Aloprados e truculentos
Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Sete dias depois de veicular uma das maiores barbaridades eleitorais dos últimos tempos, o marqueteiro João Saldanha admitiu um “erro de avaliação”. O comandante da campanha de Marta Suplicy, João Santanna, em entrevista à repórter Renata Lo Prete da Folha de S.Paulo, lamentou profundamente não ter previsto a reação da opinião pública.
Aprendiz de Duda Mendonça, o novo Dr. Goebbels não lamentou o pérfido preconceito, nem a ostensiva introdução do lixo no debate eleitoral. A admissão do erro não foi um dever de consciência, esforço para mostrar alguma urbanidade e decência, na realidade foi mais uma tentativa de livrar a ex-campeã da tolerância do papel de ícone da arrogância e da presunção.
A solução "relaxa e goza" proposta pela então ministra do Turismo para enfrentar o caos aéreo foi evidentemente uma gafe, fruto da desatenção ou do despreparo, mas como sabem psicólogos, psicanalistas e inclusive a autora do despautério, gafes são lapsos que não acontecem por acaso. Armazenados em algum recanto da alma, soltam-se na primeira oportunidade.
As duas perguntinhas fatais – "Ele é casado? Ele tem filhos?" – foram estudadas, foram estratégicas, resultaram de uma bateria de "pesquisas qualitativas" onde os marqueteiros identificaram uma oportunidade para cobrar esclarecimentos a respeito da intimidade de Gilberto Kassab.
Imaginaram que o eleitor engoliria a maldade. Não contaram com a internet onde, no mesmo dia em que começaram a ser transmitidas as primeiras mensagens (domingo, passado) já se abrigava enorme onda de protestos.
Na reta final da disputa pelo governo de São Paulo, em 2006, um pelotão de milicianos ligados à candidatura de Aloísio Mercadante também inventou uma operação suicida: a divulgação através da revista IstoÉ de um falso dossiê contra o candidato José Serra, o famigerado Dossiê Vedoin. Apesar da repercussão, como se tratava de grave crime eleitoral o então-ministro da Justiça Márcio Thomas Bastos associado ao então Diretor Geral da Polícia Federal deram um jeito de livrar da merecida condenação os "aloprados" – a designação é do próprio presidente Lula.
A partir daquele episódio, aloprar e seus derivados, incorporaram-se ao nosso riquíssimo vocabulário político como sinônimos de paranóia e falta de escrúpulos. Insinuar que Gilberto Kassab pode ser homossexual porque não é casado e não tem filhos não constitui crime. É um ardiloso desvio de conduta, manifestação de preconceito, falha ética, irregularidade que o TRE de São Paulo puniu rápida e exemplarmente.
É possível que o "deslize" (como o classificaram círculos petistas que condenaram as perguntas, mas não a candidata) possa ser absorvido e superado. O saldo, porém, dificilmente será esquecido: a percepção do eleitorado avançou, a veneranda passividade e complacência começam a ser substituídas por um senso de vigilância e responsabilidade social.
A ameaça de novos surtos de alopramento é concreta. A possibilidade da derrota de candidatos próximos ao governo federal em cidades-chaves como Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre pode estimular a insensatez, os desvarios e o seu ingrediente mais perigoso: o vale-tudo político.
Convém lembrar que nesta quinta-feira, uma das mais animados participantes do bafafá que resultou no confronto entre as polícias civil e militar em São Paulo, era o deputado federal Paulo Pereira da Silva (PDT), o Paulinho, presidente da Força Sindical que corre o perigo de perder o mandato por conta de uma sucessão de estripulias com dinheiro público.
Gente assim, ameaçada de perder as regalias, embarca sem qualquer constrangimento em aventuras e desatinos. Diferentes do Dr. Goebbels não apelam para perguntas insidiosas. Preferem a truculência.
» Alberto Dines é jornalista
Ondas e marolas eleitorais
Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
BRASÍLIA - De Barack Obama, nos EUA, a Leonardo Quintão, em Belo Horizonte, as eleições têm mostrado a força das "ondas". Pegam o vento de jeito e vão embora.
Obama, senador negro de 47 anos e vida interessante, faz sucesso até internacionalmente e avança por Estados solidamente republicanos, como Virgínia. John McCain não atraiu um só reduto democrata. E Quintão (PMDB), que força seus erres e esses para se moldar ao máximo ao gosto mineiro, consegue desbancar Marcio Lacerda (PSB), que tem mais idade, mais experiência e sobretudo os dois padrinhos dos sonhos de qualquer candidato: o governador e o atual prefeito, muito bem avaliados.
No primeiro turno, o grande eleitor foi a reeleição. No segundo, consolidam-se candidatos "novos" que dispararam na campanha, como Gilberto Kassab (DEM), com 16 pontos à frente de Marta Suplicy (PT), apesar da confusão em São Paulo: confronto de policiais militares e civis em torno do Palácio dos Bandeirantes e o desfecho trágico do seqüestro em Santo André.
No Rio, veio a onda Eduardo Paes (PMDB), que saiu da rabeira e disparou, e depois a de Fernando Gabeira (PV), que encostou e não saiu mais. A perspectiva é de uma contagem voto a voto até o fim. Qualquer erro pode ser fatal.
Há ainda o confronto entre a força da reeleição e a "onda" da vez. Caso de Porto Alegre, onde José Fogaça (PMDB) tem o cargo e a dianteira, e Maria do Rosário (PT) disputou a condição de "onda" com a jovem Manuela Dávila. Caso também de Salvador, onde João Henrique (PMDB) segue sete pontos na frente de Walter Pinheiro (PT).
As candidaturas que viram moda atraem o indeciso, o pouco politizado, os que vão na onda. Mas ondas têm vida curta e morrem na praia. O importante é sobreviver à posse, quando o vento deixa de ser a favor e vêm os problemas. Eles não são poucos -nem na maior potência nem no "emergente" Brasil.
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
BRASÍLIA - De Barack Obama, nos EUA, a Leonardo Quintão, em Belo Horizonte, as eleições têm mostrado a força das "ondas". Pegam o vento de jeito e vão embora.
Obama, senador negro de 47 anos e vida interessante, faz sucesso até internacionalmente e avança por Estados solidamente republicanos, como Virgínia. John McCain não atraiu um só reduto democrata. E Quintão (PMDB), que força seus erres e esses para se moldar ao máximo ao gosto mineiro, consegue desbancar Marcio Lacerda (PSB), que tem mais idade, mais experiência e sobretudo os dois padrinhos dos sonhos de qualquer candidato: o governador e o atual prefeito, muito bem avaliados.
No primeiro turno, o grande eleitor foi a reeleição. No segundo, consolidam-se candidatos "novos" que dispararam na campanha, como Gilberto Kassab (DEM), com 16 pontos à frente de Marta Suplicy (PT), apesar da confusão em São Paulo: confronto de policiais militares e civis em torno do Palácio dos Bandeirantes e o desfecho trágico do seqüestro em Santo André.
No Rio, veio a onda Eduardo Paes (PMDB), que saiu da rabeira e disparou, e depois a de Fernando Gabeira (PV), que encostou e não saiu mais. A perspectiva é de uma contagem voto a voto até o fim. Qualquer erro pode ser fatal.
Há ainda o confronto entre a força da reeleição e a "onda" da vez. Caso de Porto Alegre, onde José Fogaça (PMDB) tem o cargo e a dianteira, e Maria do Rosário (PT) disputou a condição de "onda" com a jovem Manuela Dávila. Caso também de Salvador, onde João Henrique (PMDB) segue sete pontos na frente de Walter Pinheiro (PT).
As candidaturas que viram moda atraem o indeciso, o pouco politizado, os que vão na onda. Mas ondas têm vida curta e morrem na praia. O importante é sobreviver à posse, quando o vento deixa de ser a favor e vêm os problemas. Eles não são poucos -nem na maior potência nem no "emergente" Brasil.
Devagar com o andor
Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Entre 13h15 e 15h20 da última quinta-feira não se passaram 10 minutos inteiros sem que o governador Aécio Neves fizesse alguma referência ao fato de ter sido posto no topo da lista dos derrotados dessas eleições municipais, porque seu candidato a prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, não ganhou no primeiro turno.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Entre 13h15 e 15h20 da última quinta-feira não se passaram 10 minutos inteiros sem que o governador Aécio Neves fizesse alguma referência ao fato de ter sido posto no topo da lista dos derrotados dessas eleições municipais, porque seu candidato a prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, não ganhou no primeiro turno.
Na residência oficial do bairro das Mangabeiras, que dá nome ao Palácio localizado no seu ponto mais alto, não se vê sinal de tempestade eleitoral. Nenhum entra e sai, nada de assessores, telefonemas, aflição.
Mas que houve algo de anormal, isso é inequívoco. As marcas estão lá, nítidas, no espírito do jovem governador, bem menos tolerante, mais sensível a críticas, que o habitual.
Sorridente, tenta de quando em vez fazer alguma graça com a situação, informa já ter na mente desenhado o mapa dos equívocos cometidos, só não desce a detalhes porque ainda mantém viva, senão uma certeza, uma esperança forte na vitória.
“Se não acontecer vou ser o primeiro a chamar a imprensa e assumir: fui derrotado. Minha tese sobre a possibilidade de aliança administrativa entre adversários partidários terá perdido agora, mas pode vir a ser politicamente vitoriosa amanhã.”
Uma tradução mais elaborada para o “bola para a frente” subjacente ao discurso que propositadamente exacerba as dimensões do acontecido antes que os outros o façam.
Analisando o cenário friamente, Aécio Neves não se sente derrotado coisa nenhuma. “Das três maiores capitais, Belo Horizonte foi onde o vencedor do primeiro turno ganhou com o maior percentual”, diz, referindo-se aos 43% de Márcio Lacerda contra os 31% de Eduardo Paes no Rio e os 33% de Gilberto Kassab em São Paulo.
“O adversário sobe nas pesquisas dizendo que é meu aliado e sou eu o derrotado?”, pergunta sem realmente indagar; constata de si para si.
Se vier a perder a eleição, manterá do PMDB representado pelo candidato Leonardo Quintão a devida distância política, avisa já frustrando expectativas de que possa de imediato estabelecer com ele a mesma relação construída ao longo de seis anos com o atual prefeito e parceiro de aliança, o petista Fernando Pimentel.
“Primeiro é preciso ver a equipe, examinar se não haverá um retrocesso de qualidade administrativa. Aliás, primeiro vamos esperar o resultado do próximo domingo.”
Seja qual for Aécio já está demarcando seu terreno. Não assume o ato como resultado de qualquer ensinamento, mas talvez o governador tenha revisto conceitos a respeito de unanimidades. Sobre transferência de votos, certamente reviu.
Ainda que seu candidato ganhe, não terá sido ungido no altar de sua popularidade, hoje na marca dos exatos 91,6%. Ruim para ele?
“Pior para o presidente Lula, pois quem perdeu com isso foi a construção do discurso para 2010.” A constatação de que capital eleitoral não é legado, na visão de Aécio Neves, fere o plano de sucessão do Planalto.
“Estanca o processo de beatificação dos candidatos de majestades e tira Dilma Rousseff da condição de ungida desde já pela mão de Lula.”
E, pelo visto, põe o governador de Minas em aberta oposição.
Assim é
Uma coisa é a repercussão eleitoral do conflito entre as polícias civil e militar de São Paulo, quinta-feira nas cercanias do Palácio dos Bandeirantes. Esta, se tiver de aparecer, será daqui a uma semana ou nas próximas pesquisas.
Outra é o uso político da greve que já dura um mês e virou assunto de campanha a partir do conflito. Criou-se um fato de geração obviamente não espontânea.
O governador José Serra aponta o deputado e presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, como o responsável, que repudia a acusação, mas estava lá, microfone na mão, incitando policiais armados para pressionar “quem manda” a negociar na base da força bruta.
Este é também um fato. Ao qual acrescenta-se a ausência de qualquer reparo à atitude por parte da campanha de Marta Suplicy. Ao contrário: em função do caso, ela passou a comentar a greve que até então estava fora da sua agenda.
Portanto, deu margem à conclusão de que a batalha de polícias lhe foi circunstancialmente conveniente. Mais não seja, para mudar a pauta das insinuações pessoais sobre Gilberto Kassab para os ataques a Serra como administrador da crise.
Fica até parecendo que o PT, dando por perdido o embate municipal, resolveu se voltar contra o futuro adversário federal.
O presidente Lula comentou o assunto sem fazer referência à “turbinada” que pôs o tema na pauta política, o PT rejeita a mais leve suposição de que tenha tirado proveito do conflito, mas é de se perguntar como reagiria se porventura um sindicalista ligado ao PSDB fosse para as proximidades do Planalto fazer o papel de mestre-de-cerimônias de um hipotético levante entre a Polícia Federal, os arapongas da Abin e tropas do Exército subordinadas ao ministro da Defesa, Nelson Jobim.
O novo papel da China
Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
Nova York. A relação entre os Estados Unidos e a China nos últimos dez anos foi a coisa mais importante na economia mundial, na avaliação do historiador escocês Niall Ferguson, professor de Harvard. Ele e Moritz Schularick, da Universidade Livre de Berlim, criaram uma entidade chamada "Chimerica" - trocadilho com o nome dos países e a palavra quimera em inglês - para exemplificar essa simbiose, que representaria 13% da superfície terrestre, 1/4 de sua população, 1/3 do PIB mundial e mais da metade do crescimento econômico nos últimos seis anos. Esse "relacionamento quase perfeito" se baseava, segundo Ferguson, no fato de que uma metade poupava para que a outra metade gastasse, ou mais especificamente, o "apetite por poupança" asiático tornou mais barato os financiamentos de imóveis.
Ferguson ressalta que a poupança nos Estados Unidos declinou de mais de 5% do PIB em meados de 1990 para virtualmente zero em 2005, enquanto a chinesa aumentou de menos de 30% para 45% do PIB no mesmo período.
Uma inevitável conseqüência da crise financeira será a redução do crescimento econômico dos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que a China poderá continuar crescendo a 8% ao ano com base em seu mercado interno e pelos investimentos governamentais em infra-estrutura interna, ressalta Ferguson.
Com o fim da "Chimerica", a China poderá explorar outras esferas de sua influência global, especula Ferguson, "desde a Organização de Cooperação de Shangai que reúne China, Russia e quatro países da Ásia Central, até o nascente império chinês na África rica em commodities".
O economista brasileiro Paulo Vieira da Cunha, ex-diretor do Banco Central que atua no mercado financeiro em Nova York, vê também essa possibilidade de a China se voltar mais para seu mercado interno, se desligando paulatinamente do dólar:
"No momento atual a China não tem muita opção, mas pode ir mudando. Se ela assumir o papel de sustentar a economia global, vai ter maior gasto doméstico e menor receita das exportações, e uma das opções é vender reservas e aplicar na própria China, ou mesmo parar de acumular reserva e gastar no seu investimento", lembra ele.
Com isso, os Estados Unidos teriam maior dificuldade para ampliar sua dívida externa e se financiar. A China é o segundo maior comprador de bônus do Tesouro americano, só perdendo para o Japão. Ou, como diz Niall Ferguson, "os Estados Unidos poderiam perder a facilidade conveniente de ser capaz de pegar emprestado do exterior a juros baixos na sua própria moeda".
Paulo Vieira da Cunha vê o Brasil da mesma forma, parando de acumular reserva e se voltando mais para o financiamento doméstico. "Na verdade, se o Brasil se recuperar mais rápido do que os Estados Unidos, vai atrair mais o investimento estrangeiro", ressalta.
O sociólogo e historiador brasileiro Hélio Jaguaribe considera que neste contexto abre-se para um país como o Brasil "um maior espaço de permissibilidade internacional".
Mas para dele se valer satisfatoriamente "o Brasil precisa acelerar seu processo de desenvolvimento, notadamente na dimensão cultural, e empreender uma séria reforma do sistema político eliminando os importantes resíduos clientelistas que nele subsistem e fortalecendo o sistema partidário".
Para Hélio Jaguaribe, "nosso sistema partidário continua muito subdesenvolvido. Necessitamos que se configurem com clareza os programas de cada partido e que se reduza significativamente o número de partidos existentes, para se alcançar sua limitação a não mais de três".
Na sua análise do quadro partidário brasileiro, Jaguaribe diz que PSDB e o PT "constituem núcleos a partir dos quais podem emergir dois importantes partidos". Restaria um espaço a ser preenchido "por um importante partido conservador e pelos declinantes resíduos do clientelismo".
Jaguaribe vê a inclusão no Conselho de Segurança da ONU de países como África do Sul, Brasil, China, Índia e México, "uma necessidade" nesse novo quadro geopolítico internacional "que terá de ser atendida a não longo prazo".
O historiador Niall Ferguson acha que "pode estar chegando ao fim" a era em que o dólar era a única moeda de reserva internacional, e lembra a crise da libra inglesa. "A principal razão foram as grandes dívidas que a Inglaterra fez para financiar suas guerras pelo mundo. E a segunda razão foi a desaceleração do crescimento da economia nas décadas do pós-guerra".
Se a principal conseqüência fiscal da crise financeira for um aumento grande das dívidas do governo federal, diz ele, os Estados Unidos podem ficar em situação similar, e o dólar pode seguir a libra e perder a condição de moeda de reserva.
O economista Paulo Vieira da Cunha lembra que o processo da transição da hegemonia da Inglaterra para os Estados Unidos levou décadas, e houve a concorrência entre libra e o dólar como moedas de reserva por quase 60 anos. E, sobretudo, "não está nada claro se a China vai assumir uma posição de maior responsabilidade de manter o crescimento da economia global e extrair a contrapartida de estar assumindo esse papel".
Hoje em dia, ressalta Vieira da Cunha, não há nenhum mercado financeiro que chegue perto do mercado americano, e a única alternativa de moeda de reserva é o euro, "mas a Europa não está em uma situação estrutural muito melhor do que a americana, talvez esteja até pior".
DEU EM O GLOBO
Nova York. A relação entre os Estados Unidos e a China nos últimos dez anos foi a coisa mais importante na economia mundial, na avaliação do historiador escocês Niall Ferguson, professor de Harvard. Ele e Moritz Schularick, da Universidade Livre de Berlim, criaram uma entidade chamada "Chimerica" - trocadilho com o nome dos países e a palavra quimera em inglês - para exemplificar essa simbiose, que representaria 13% da superfície terrestre, 1/4 de sua população, 1/3 do PIB mundial e mais da metade do crescimento econômico nos últimos seis anos. Esse "relacionamento quase perfeito" se baseava, segundo Ferguson, no fato de que uma metade poupava para que a outra metade gastasse, ou mais especificamente, o "apetite por poupança" asiático tornou mais barato os financiamentos de imóveis.
Ferguson ressalta que a poupança nos Estados Unidos declinou de mais de 5% do PIB em meados de 1990 para virtualmente zero em 2005, enquanto a chinesa aumentou de menos de 30% para 45% do PIB no mesmo período.
Uma inevitável conseqüência da crise financeira será a redução do crescimento econômico dos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que a China poderá continuar crescendo a 8% ao ano com base em seu mercado interno e pelos investimentos governamentais em infra-estrutura interna, ressalta Ferguson.
Com o fim da "Chimerica", a China poderá explorar outras esferas de sua influência global, especula Ferguson, "desde a Organização de Cooperação de Shangai que reúne China, Russia e quatro países da Ásia Central, até o nascente império chinês na África rica em commodities".
O economista brasileiro Paulo Vieira da Cunha, ex-diretor do Banco Central que atua no mercado financeiro em Nova York, vê também essa possibilidade de a China se voltar mais para seu mercado interno, se desligando paulatinamente do dólar:
"No momento atual a China não tem muita opção, mas pode ir mudando. Se ela assumir o papel de sustentar a economia global, vai ter maior gasto doméstico e menor receita das exportações, e uma das opções é vender reservas e aplicar na própria China, ou mesmo parar de acumular reserva e gastar no seu investimento", lembra ele.
Com isso, os Estados Unidos teriam maior dificuldade para ampliar sua dívida externa e se financiar. A China é o segundo maior comprador de bônus do Tesouro americano, só perdendo para o Japão. Ou, como diz Niall Ferguson, "os Estados Unidos poderiam perder a facilidade conveniente de ser capaz de pegar emprestado do exterior a juros baixos na sua própria moeda".
Paulo Vieira da Cunha vê o Brasil da mesma forma, parando de acumular reserva e se voltando mais para o financiamento doméstico. "Na verdade, se o Brasil se recuperar mais rápido do que os Estados Unidos, vai atrair mais o investimento estrangeiro", ressalta.
O sociólogo e historiador brasileiro Hélio Jaguaribe considera que neste contexto abre-se para um país como o Brasil "um maior espaço de permissibilidade internacional".
Mas para dele se valer satisfatoriamente "o Brasil precisa acelerar seu processo de desenvolvimento, notadamente na dimensão cultural, e empreender uma séria reforma do sistema político eliminando os importantes resíduos clientelistas que nele subsistem e fortalecendo o sistema partidário".
Para Hélio Jaguaribe, "nosso sistema partidário continua muito subdesenvolvido. Necessitamos que se configurem com clareza os programas de cada partido e que se reduza significativamente o número de partidos existentes, para se alcançar sua limitação a não mais de três".
Na sua análise do quadro partidário brasileiro, Jaguaribe diz que PSDB e o PT "constituem núcleos a partir dos quais podem emergir dois importantes partidos". Restaria um espaço a ser preenchido "por um importante partido conservador e pelos declinantes resíduos do clientelismo".
Jaguaribe vê a inclusão no Conselho de Segurança da ONU de países como África do Sul, Brasil, China, Índia e México, "uma necessidade" nesse novo quadro geopolítico internacional "que terá de ser atendida a não longo prazo".
O historiador Niall Ferguson acha que "pode estar chegando ao fim" a era em que o dólar era a única moeda de reserva internacional, e lembra a crise da libra inglesa. "A principal razão foram as grandes dívidas que a Inglaterra fez para financiar suas guerras pelo mundo. E a segunda razão foi a desaceleração do crescimento da economia nas décadas do pós-guerra".
Se a principal conseqüência fiscal da crise financeira for um aumento grande das dívidas do governo federal, diz ele, os Estados Unidos podem ficar em situação similar, e o dólar pode seguir a libra e perder a condição de moeda de reserva.
O economista Paulo Vieira da Cunha lembra que o processo da transição da hegemonia da Inglaterra para os Estados Unidos levou décadas, e houve a concorrência entre libra e o dólar como moedas de reserva por quase 60 anos. E, sobretudo, "não está nada claro se a China vai assumir uma posição de maior responsabilidade de manter o crescimento da economia global e extrair a contrapartida de estar assumindo esse papel".
Hoje em dia, ressalta Vieira da Cunha, não há nenhum mercado financeiro que chegue perto do mercado americano, e a única alternativa de moeda de reserva é o euro, "mas a Europa não está em uma situação estrutural muito melhor do que a americana, talvez esteja até pior".
Um pouco de futurologia
Nas Entrelinhas :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE
Desta vez, o que estamos vendo é outra coisa: a unidade européia. A Inglaterra se afastou de Bush e se aproximou da União Européia
Não gosto de fazer previsões categóricas. É uma adivinhação, embora dê direito a quem acerta de extravasar o próprio narcisismo com aquele famoso “eu não disse?” Prefiro analisar os fatos, imaginar cenários e esperar que um deles se realize. Mesmo assim, às vezes, erro feio. Por isso, perdoem-me a futurologia. Serei brevíssimo.
Obama
O governo Bush é um fracasso. O epicentro da crise econômica mundial está nos Estados Unidos, com o colapso de seu mercado imobiliário e o derretimento de Wall Street. Fala-se muito que o mercado financeiro é uma economia virtual, descolada da economia real. Até que ponto a outra face dessa crise não é o esgotamento do esforço de guerra norte- americano, cujo complexo militar-industrial manteve sua economia real aquecida? Se o capital financeiro é uma espécie de fusão do capital bancário com o capital industrial, não se pode separar uma coisa da outra.
Será tão irreversível o declínio norte-americano? A hegemonia dos Estados Unidos entrou em decadência por vários motivos. Dois são mais relevantes: primeiro, Bush liquidou a sua liderança moral no mundo ocidental; segundo, o poder de consumo global está se deslocando do Atlântico para o Pacífico. Mas a economia ianque ainda é a mais poderosa do mundo. E o “sonho americano” não acabou. A provável eleição do candidato democrata Barack Obama vai resgatá-lo com seu sorriso de Gagárin, o primeiro a ver a Terra azul. Quem imaginaria, há 40 anos, um afrodescedente na liderança dos EUA, quando em algumas cidades do Mississipi a mãe e o pai do novo presidente dos Estados Unidos não poderiam sequer usar o mesmo bebedouro ou viajar lado a lado no mesmo banco de ônibus? Esse sonho é isto: qualquer cidadão pode chegar no topo pelo próprio mérito. Só valia para os brancos, agora está valendo para qualquer um. É um recado dos americanos de que continuam sendo uma grande nação.
Obama está falando que o americano comum deve enfrentar a crise econômica com muito sacrifício e trabalho, acabar com a dependência ao petróleo e desenvolver um esforço de paz no mundo. Há retórica nisso, mas uma significativa mudança de rumo na política norte-americana de fato ocorrerá. E seu impacto será mundial. No plano econômico, os EUA vão enfrentar a crise com uma dura recessão, da qual sairão à frente da recuperação econômica mundial. Obama quer superar a dependência ao petróleo do Oriente Médio e construir um novo modelo energético. Isso significa um novo ciclo de expansão, em busca de outro padrão tecnológico, um modelo mais ecológico. Quais as conseqüências em termos de conversão da indústria, do aproveitamento de matérias-primas e da produção de bens de consumo duráveis e não- duráveis? Os americanos têm recursos materiais e humanos para serem bem-sucedidos. A Europa também. Mas qual será o impacto no resto do mundo?
Brown
Primeiro-ministro britânico, Gordon Brown emerge da crise econômica como um grande estadista europeu. Era um político desgatado e sem carisma, mas foi ágil e firme. Surpreendeu: ele é o autor da proposta de intervenção dos governos europeus no sistema financeiro e defende um novo acordo de Bretton Woods. Assinado em 1944 pelos países mais industrializados na época na cidade americana que lhe empresta o nome, o acordo estabeleceu as regras atuais das relações comerciais e financeiras internacionais. Os ingleses sabem das coisas, inclusive o que é decadência e perda de hegemonia.
As grandes depressões das décadas de 1890 e 1920 foram as maiores crises capitalistas da história. Resultaram em duas guerras mundiais, em plena Europa. Desta vez, o que estamos vendo é outra coisa: a unidade européia. A Inglaterra se afastou de Bush e se aproximou da União Européia. O principal mérito de Brown foi romper a blindagem de certa “oligarquia financeira” que havia se colocado — como em todos os demais países capitalistas — acima dos estados nacionais, da política e de suas instituições. A discussão sobre a política monetária e o funcionamento do mercado financeiro estava interditada à política propriamente dita, mesmo na esquerda européia. O que vem por aí é uma grande reforma financeira, para regulamentação do mercado de capitais e sua subordinação aos estados nacionais. Sem isso, a economia global não entrará nos eixos. É o que o presidente francês Nicolas Sarkozy está chamando de “refundação” capitalista.
Para encerrar, confesso minhas preocupações com a China, a Índia e a Rússia. Os chineses não têm massa salarial para absorver a produção que exportam para o mundo em caso de uma grande recessão. A Índia também depende muito do comércio exterior e da mão-de-obra barata. A Rússia terá problemas com a redução do consumo e dos preços do gás na Europa. Mas essas três grandes nações, assim como o Brasil — que está em melhor situação mas não vai tirar a crise de letra — são assunto para outra coluna.
Pane ideológica
Luiz Gonzaga Belluzzo
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Além do bloqueio do crédito, a crise planetária também ameaça paralisar os cérebros, até mesmo os bem-dotados
DURANTE a semana, a crise financeira ganhou velocidade. Em sua pedagogia truculenta, ensinou aos desavisados e aos nefelibatas que a paralisia no sistema de crédito causa danos consideráveis ao mundo "real". Os bancos não emprestam, as empresas reduzem a produção e o emprego, a atividade econômica afunda e, finalmente, os bancos não recebem o dinheiro que emprestaram antes da tormenta.
As certezas dos analistas mais certeiros desmoronam. Um deles proclamava na televisão: "Os investidores são racionais, mas estão em pânico". Imaginei que antes da emboscada do "subprime" e de outros créditos alavancados, os investidores racionais estivessem apenas eufóricos em sua peculiar racionalidade.
Enquanto arengavam os oráculos, transtornados por incertezas e infortúnios, uma pulga intrometida desembarcou atrás de minha orelha. A Pulex irritans esmerou-se em insinuações: além do bloqueio do crédito, a crise planetária também ameaça paralisar os cérebros, até mesmo os bem-dotados -para não falar do meu, apenas mediano. O pânico dos mercados induziu à pane na razão. O ineditismo dos acontecimentos abalroa seus modelos e faz naufragar suas previsões. Desconcertados, os sábios de ontem embarcam em hipóteses exóticas e peregrinas, como as que atribuem responsabilidade aos devedores "ninja" ("no income", "no job", "no asset"), gente irresponsável que não deveria aceitar os empréstimos gentilmente oferecidos por bancos generosos. A culpa é, afinal, dos políticos que estimularam os créditos predatórios.
A pane cerebral afeta com particular virulência o pensamento imune à experiência histórica.
Percebo resmungos e muxoxos quando alguém menciona os "anos dourados", a era em que o capitalismo juntou prosperidade, avanço tecnológico, inovação institucional e redução das desigualdades. Esse período, assinala o economista Kenneth Rogoff, registrou a mais baixa freqüência de crises financeiras e de crédito, desde o século 19. Não escaparia ao crítico desconfiado que o sucesso do "modelo" do pós-Guerra possa ter nascido de um arranjo virtuoso entre a democracia e o capitalismo.
Depois de 30 anos de progresso material, redução das desigualdades nos países centrais e altas taxas de crescimento na América Latina e na Ásia emergente, o vento virou. A estagflação dos anos 1970 foi entendida como uma advertência e uma recomendação: era preciso dar adeus a tudo aquilo. O mal, como sempre, era o intervencionismo do Estado, o poder dos sindicatos, o controle dos mercados financeiros, os obstáculos ao livre movimento de capitais.
Não por acaso, há espanto e inquietação, além de alívio naturalmente, com a ousadia de Gordon Browm, o primeiro-ministro da pérfida Albion. Ele não hesitou em adquirir participação acionária nos periclitantes bancos ingleses. Foi seguido pelos colegas europeus. Convenceu Paulson e Bernanke de que essa era a melhor solução. Há fundados receios, entre os sobreviventes do naufrágio financeiro, de que o bote salva-vidas do Estado seja baixado por políticos populistas para resgatar a turma do "andar de baixo".
LUIZ GONZAGA BELLUZZO, 65, é professor titular de Economia da Universidade Estadual de Campinas. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Além do bloqueio do crédito, a crise planetária também ameaça paralisar os cérebros, até mesmo os bem-dotados
DURANTE a semana, a crise financeira ganhou velocidade. Em sua pedagogia truculenta, ensinou aos desavisados e aos nefelibatas que a paralisia no sistema de crédito causa danos consideráveis ao mundo "real". Os bancos não emprestam, as empresas reduzem a produção e o emprego, a atividade econômica afunda e, finalmente, os bancos não recebem o dinheiro que emprestaram antes da tormenta.
As certezas dos analistas mais certeiros desmoronam. Um deles proclamava na televisão: "Os investidores são racionais, mas estão em pânico". Imaginei que antes da emboscada do "subprime" e de outros créditos alavancados, os investidores racionais estivessem apenas eufóricos em sua peculiar racionalidade.
Enquanto arengavam os oráculos, transtornados por incertezas e infortúnios, uma pulga intrometida desembarcou atrás de minha orelha. A Pulex irritans esmerou-se em insinuações: além do bloqueio do crédito, a crise planetária também ameaça paralisar os cérebros, até mesmo os bem-dotados -para não falar do meu, apenas mediano. O pânico dos mercados induziu à pane na razão. O ineditismo dos acontecimentos abalroa seus modelos e faz naufragar suas previsões. Desconcertados, os sábios de ontem embarcam em hipóteses exóticas e peregrinas, como as que atribuem responsabilidade aos devedores "ninja" ("no income", "no job", "no asset"), gente irresponsável que não deveria aceitar os empréstimos gentilmente oferecidos por bancos generosos. A culpa é, afinal, dos políticos que estimularam os créditos predatórios.
A pane cerebral afeta com particular virulência o pensamento imune à experiência histórica.
Percebo resmungos e muxoxos quando alguém menciona os "anos dourados", a era em que o capitalismo juntou prosperidade, avanço tecnológico, inovação institucional e redução das desigualdades. Esse período, assinala o economista Kenneth Rogoff, registrou a mais baixa freqüência de crises financeiras e de crédito, desde o século 19. Não escaparia ao crítico desconfiado que o sucesso do "modelo" do pós-Guerra possa ter nascido de um arranjo virtuoso entre a democracia e o capitalismo.
Depois de 30 anos de progresso material, redução das desigualdades nos países centrais e altas taxas de crescimento na América Latina e na Ásia emergente, o vento virou. A estagflação dos anos 1970 foi entendida como uma advertência e uma recomendação: era preciso dar adeus a tudo aquilo. O mal, como sempre, era o intervencionismo do Estado, o poder dos sindicatos, o controle dos mercados financeiros, os obstáculos ao livre movimento de capitais.
Não por acaso, há espanto e inquietação, além de alívio naturalmente, com a ousadia de Gordon Browm, o primeiro-ministro da pérfida Albion. Ele não hesitou em adquirir participação acionária nos periclitantes bancos ingleses. Foi seguido pelos colegas europeus. Convenceu Paulson e Bernanke de que essa era a melhor solução. Há fundados receios, entre os sobreviventes do naufrágio financeiro, de que o bote salva-vidas do Estado seja baixado por políticos populistas para resgatar a turma do "andar de baixo".
LUIZ GONZAGA BELLUZZO, 65, é professor titular de Economia da Universidade Estadual de Campinas. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).
Caixinha de surpresas
Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
MADRI - O mundo está redescobrindo uma obviedade, contida, por exemplo, em escrito de James Madison. "Se os homens fossem anjos, o governo não seria necessário", escreveu Madison (1751-1836), quarto presidente dos Estados Unidos.
Agora que o mundo financeiro soltou todos os seus demônios, descobre-se que o governo é indispensável para cortar-lhes um pedaço do rabo. Mas é só um pedacinho. Não decorre daí que se esteja às portas do comunismo, ao contrário do que temem os ultraliberais.
Nem decorre que se esteja estatizando os bancos. Na prática, o que está ocorrendo é o inverso: privatizam-se os recursos públicos e estatiza-se o risco -só o risco.
O governo abre os cofres, mas não entra na administração dos bancos. Hank Paulson, o secretário norte-americano do Tesouro, pode soltar dinheiro, mas não pode determinar que os bancos, em vez de apostar em derivativos, financiem a juros camaradas o trem-bala Nova York-Los Angeles.
Nem sei se é possível de fato enjaular todos os demônios. Dá, por exemplo, para proibir que empresas apostem a favor da moeda do país em que operam, como o fizeram -e perderam- Sadia, Aracruz e Votorantim, fora as que ainda não saíram do armário?
Ajudaria um pouquinho se os economistas que adoram fazer previsões fossem obrigados, todos, a adotar como papel de parede de seus computadores a seguinte frase: "A economia, como o futebol, é uma caixinha de surpresas". Logo, previsões só sobre o passado.
Evitar-se-ia assim que a turma da Goldman Sachs, quando o petróleo chegou a US$ 147 em julho, previsse o barril a US$ 200. O petróleo só fez cair desde então. E os jornalistas ainda acreditamos na história dos Brics, potências mundiais a partir de 2020, palpite da mesma Goldman Sachs que não acertou nem 2008. Imagine 2020.
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
MADRI - O mundo está redescobrindo uma obviedade, contida, por exemplo, em escrito de James Madison. "Se os homens fossem anjos, o governo não seria necessário", escreveu Madison (1751-1836), quarto presidente dos Estados Unidos.
Agora que o mundo financeiro soltou todos os seus demônios, descobre-se que o governo é indispensável para cortar-lhes um pedaço do rabo. Mas é só um pedacinho. Não decorre daí que se esteja às portas do comunismo, ao contrário do que temem os ultraliberais.
Nem decorre que se esteja estatizando os bancos. Na prática, o que está ocorrendo é o inverso: privatizam-se os recursos públicos e estatiza-se o risco -só o risco.
O governo abre os cofres, mas não entra na administração dos bancos. Hank Paulson, o secretário norte-americano do Tesouro, pode soltar dinheiro, mas não pode determinar que os bancos, em vez de apostar em derivativos, financiem a juros camaradas o trem-bala Nova York-Los Angeles.
Nem sei se é possível de fato enjaular todos os demônios. Dá, por exemplo, para proibir que empresas apostem a favor da moeda do país em que operam, como o fizeram -e perderam- Sadia, Aracruz e Votorantim, fora as que ainda não saíram do armário?
Ajudaria um pouquinho se os economistas que adoram fazer previsões fossem obrigados, todos, a adotar como papel de parede de seus computadores a seguinte frase: "A economia, como o futebol, é uma caixinha de surpresas". Logo, previsões só sobre o passado.
Evitar-se-ia assim que a turma da Goldman Sachs, quando o petróleo chegou a US$ 147 em julho, previsse o barril a US$ 200. O petróleo só fez cair desde então. E os jornalistas ainda acreditamos na história dos Brics, potências mundiais a partir de 2020, palpite da mesma Goldman Sachs que não acertou nem 2008. Imagine 2020.
O QUE PENSA A MÍDIA
Editoriais dos principais jornais do Brasil
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1122&portal=
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1122&portal=
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