segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Paulo Fábio Dantas Neto*: Putin em tempo de Bolsonaro: a esquerda brasileira e os abismos de duas esquinas

O fato incontornável da semana, candidato a ter longa vida, é a agressão militar da Rússia contra a Ucrânia, ato cujas causas e consequências cabe a análises especializadas detectar e estimar e cujo alcance destrutivo, nos sentidos político e humanitário, nenhum agente que exerça ou aspire exercer autoridade política, em qualquer lugar do mundo, tem direito de ignorar ou relativizar. É um novo desafio que se apresenta aos democratas brasileiros, já às voltas com uma devastação promovida por um autocrata interno. Palavras e gestos escolhidos para uma situação podem repercutir sobre a outra.

É imperativo que analistas voltados à compreensão dos cenários anterior e posterior à agressão russa usem informação qualificada, multilateral, o mais isenta possível de vieses e produzam interpretações equilibradas, dotadas de senso de objetividade. Tão imperativo quanto isso é não faltar, por outro lado, em declarações de líderes, partidos e outros agentes da política, a capacidade de se colocar, com clareza e senso de urgência, em oposição a um gesto político-militar imediato e concreto que liquida, por decisão unilateral do governo de um país, instituições e vidas humanas que importam a todos, seja no sentido da solidariedade entre indivíduos e entre povos, seja no da autopreservação de cada pessoa, ou país. São igualmente problemáticas, numa hora dessas, a contaminação ideológica de quem se propõe a ocupar o lugar de analista e a ausência, no caso de agentes políticos, da disposição subjetiva de encarar a agressão militar sob a orientação primordial de valores.

Nenhuma posição política realista precisa ou deve ser cancelada em emergências assim. Ao contrário, nessas situações-limite elas são ainda mais requisitadas, porém, o que delas se requer, como uma de suas premissas, é que não confundam uma saudável recusa à ideologia com sua diluição num varejo destituído de causas, o que denota, não política realista, apenas uma política pequena. Daí que a condenação da agressão não comporta meias palavras da parte de quem tem responsabilidade política.

Fernando Gabeira: Aventura humana do vírus à guerra

O Globo

Quando a pandemia entra em declínio, sopram ventos de guerra. A Rússia invadiu a Ucrânia e rompeu com a esperança global de que as fronteiras não sejam definidas pela força militar, mas por negociações diplomáticas.

Em 2018, estive em Moscou. Era Copa do Mundo, o que não impediu que eu conversasse com alguns russos sobre outros temas. A Ucrânia, para quase todos com quem falei, era tida como um pedaço da Rússia, uma perda dolorosa.

Putin decidiu completar a tarefa que iniciou em fevereiro de 2014, anexando a Crimeia. É indiscutível sua força militar. No entanto nem sempre a força bruta triunfa, apesar da admiração dos chamados realistas. Funcionou na Crimeia, não funcionou no Afeganistão.

Rússia e China parecem unidas no momento. Cada vez mais, cresce sua importância diante de um Ocidente perplexo. Ambas têm uma visão específica sobre democracia, direitos humanos, liberdades individuais.

Miguel de Almeida: No cercadinho com o inimigo

O Globo

Vivemos o tempo dos homens ocos, como lá atrás decretou T.S. Eliot. Também o aguçamento das mentiras, na visão de Marcel Proust ao ler as falsas notícias de vitórias francesas na Primeira Guerra Mundial. Em fuga das armadilhas fáceis das generalizações, Thomas Mann discordava de quem colocava o nazismo em igual patamar do comunismo.

— O nazismo é apenas o niilismo diabólico — teria declarado em 1949, alertando ainda que não era comunista.

Os três escritores passaram por guerras — Proust apenas pela Primeira Guerra (morreu em 1922). Já morando em Londres, Eliot, que era americano, permaneceu como professor e, em seu posto bancário, sem muitos percalços ao longo dos dois conflitos mundiais, somente decepcionado com a maldade humana. Basta ler “A terra desolada” e escutar seu mergulho no desencanto.

Pablo Ortellado: O Telegram cedeu

O Globo

Após ultimato do ministro Alexandre de Moraes, plataforma finalmente cumpriu uma decisão judicial brasileira

Depois de muita especulação sobre o que fazer com o Telegram, o ministro Alexandre de Moraes deu um ultimato e a empresa finalmente cumpriu uma decisão judicial brasileira. Em sua decisão, o ministro determinou a suspensão do canal do ativista bolsonarista Allan dos Santos, sob pena de multa de R$ 100.000 diários e a suspensão do aplicativo de mensagens no país, inicialmente por 48 horas. O Telegram, que sistematicamente se negava a atender decisões judiciais, cedeu e bloqueou no Brasil os canais de dos Santos. A mudança de postura da empresa terá grandes repercussões para o processo eleitoral no Brasil.

Marcus André Melo*: Bilhões e eleições

Folha de S. Paulo

Existe financiamento de partidos e campanhas em outras democracias?

Sempre houve muito dinheiro nas nossas eleições, e elas estão entre as mais caras do mundo. "Os gastos partidários são astronômicos, as despesas dos candidatos, elevadíssimas", escreveu Hermes Lima, em 1955.

Hoje estão ainda maiores; e a fatura continua a ser socializada. Até 2015, através de doações de empresas (ex. sobrepreço de contratos públicos); agora através de fundos públicos bilionários. A mudança tem elementos positivos —diminuição da influência corporativa sobre as eleições— mas os valores envolvidos, não. Remédio e veneno variam apenas na dose.

Celso Rocha de Barros: Esquerda e direita diante da Ucrânia

Folha de S. Paulo

Bolsonaro gostaria de unir-se à Otan, como os ucranianos, e instaurar uma ditadura como a de Putin

No que se refere à invasão da Ucrânia por tropas russas, duas coisas devem ser óbvias para a esquerda latino-americana: em primeiro lugar, ninguém precisa nos explicar que os Estados Unidos também são capazes de agressões imperialistas. Em segundo lugar, ninguém aqui aceita a ideia de que potências nucleares têm o direito de invadir países vizinhos que tentam sair de suas áreas de influência.

A Ucrânia é um país soberano que deve ter suas fronteiras preservadas.

Qualquer outra posição dentro da esquerda está errada. Não, uma vitória russa não será um triunfo do anti-imperialismo; será uma vitória do imperialismo russo.

Mirtes Cordeiro*: A paz e a liberdade como escudos para fazer a guerra

Sobre a guerra deflagrada contra a Ucrânia em pleno século XXI, o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica, com sua grande sabedoria, fruto da experiência de vida, nos alerta a todos que querer resolver conflitos entre homens que habitam o mesmo espaço neste mundo, através da guerra, é indicativo de que ainda estamos na pré-história, apesar dos grandes avanços tecnológicos.

De 1945, quando acabou a Segunda Guerra Mundial, até a queda do Muro de Berlim (09.11.1989) – anunciando o fracasso da experiência do socialismo real instituído pela União Soviética (URSS), criada em 1922 por Lenin, então líder da Revolução Bolchevique -, a Europa ficou dividida entre o leste, que “pertencia” à União Soviética liderada pela Rússia, e o oeste, que “pertencia” aos países do ocidente participantes e vencedores da Segunda Guerra (EUA, Reino Unido e França).

O sentimento era de pertencimento mesmo, dados os níveis de obediência e restrições das quais se tinha notícia.

Ana Cristina Rosa: Com mulheres na cabeça

Folha de S. Paulo

voto feminino no Brasil completou 90 anos na semana passada. Desde que a professora Celina Guimarães se alistou para votar em Mossoró, em 1927, e Alzira Soriano, primeira mulher eleita para um cargo público no país, assumiu a Prefeitura de Lajes, em 1929, ambos municípios do Rio Grande do Norte, muita coisa mudou. Em que pesem os avanços legais, o cenário nacional segue desfavorável e a participação das mulheres na política ainda é irrisória considerando o perfil demográfico brasileiro.

Denis Lerrer Rosenfield*: O Estado de bem-estar social

O Estado de S. Paulo

É uma falácia considerar que o valor da liberdade é representado pela direita, enquanto o da igualdade o seria pela esquerda

A discussão política acerca da esquerda e da social-democracia no Brasil é frequentemente confundida com o debate sobre a noção de Estado de bem-estar social, como se este fosse fruto da esquerda. Note-se, a respeito, que a trajetória histórica de constituição desta forma de Estado foi liderada por vários partidos, adotando todos os valores da democracia e da igualdade. Na Itália, sucederam-se vários governos de orientação democrata-cristã, muitas vezes com apoio dos comunistas e socialistas. Na Alemanha foram governos também de orientação democrata-cristã, alternando-se no poder no transcurso de décadas com governos social-democratas. Nada de essencial mudava nesta alternância política, salvo em questões menores, nenhuma delas comprometendo as liberdades, a democracia, as medidas sociais e a economia de mercado. Na França, governos de orientação gaullista se alternaram com governos socialistas, sem que os pilares do Estado fossem comprometidos. Em nenhuma destas alternâncias em diferentes países adversários políticos foram tratados como inimigos a serem eliminados.

Luiz Carlos Azedo: Ocidente e Oriente estão em luta pela hegemonia na Ucrânia

Correio Braziliense, 27.2.2022

O Estado de bem-estar social, que fora fundamental para suplantar o chamado “socialismo real”, entrou em crise e a democracia tem dificuldades de acompanhar as mudanças de uma economia globalizada

Quando Alexander Hamilton exortou os norte-americanos a decidirem se “as sociedades humanas são mesmo capazes de constituir um bom governo, com base na reflexão e na escolha, ou se estão condenados para sempre a ter organizações políticas que são fruto do acidente e da força” (O Federalista, nº 1), em 1787, no debate que levou à consolidação a Constituição dos Estados Unidos, traçou o curso da linha divisória que separa o Ocidente democrático do resto do mundo. Os países que foram capazes de seguir esse caminho constituíram bons governos e foram adiante, ampliando consideravelmente a sua influência mundial; os que tomaram outro rumo, como a Alemanha nazista e, mais recentemente, a antiga União Soviética, amargaram o declínio, a disfunção e/ou o colapso.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Senado acerta ao tomar iniciativa de regular criptoativos

O Globo

A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado fez bem ao aprovar na semana passada um projeto de lei sobre transações com criptomoedas. O projeto tem dois pontos- chave: 1) estabelece que as prestadoras de serviços de criptoativos só poderão operar no país após receber autorização do Banco Central (BC) ou de outro órgão indicado pelo Executivo; 2) altera o Código Penal para tipificar fraudes com serviços de ativos digitais. A expectativa é que os investidores se sintam mais protegidos e que aqueles até agora reticentes possam começar a aplicar nesses ativos com segurança.

O universo das criptomoedas nasceu descentralizado e avesso à regulamentação. Alimentado por um sonho libertário, atraiu um sem-número de golpistas e o crime organizado, interessado em novas formas de lavar o dinheiro obtido como produto de atividades ilegais.

Muitos investidores, inebriados pela promessa dos altos retornos, se tornam presas fáceis dos faraós de pirâmides financeiras sem a menor sustentação. Como os brasileiros podem testemunhar por experiência própria, os golpes podem ser virtuais, mas os prejuízos logo assumem a forma de reais no saldo bancário.

Poesia | Manuel Bandeira: Poema de uma quarta-feira de cinzas

Entre a turba grosseira e fútil
Um pierrot doloroso passa.
Veste-o uma túnica inconsútil
feita de sonho e de desgraça…
o seu delírio manso agrupa
atrás dele os maus e os basbaques.
Este o indigita, este outro apupa…
indiferente a tais ataques,
Nublaba a vista em pranto inútil,
Dolorosamente ele passa.
veste-o uma túnica inconsútil,
Feita de sonho e de desgraça...

Música | Alceu Valença, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo: Banho de Cheiro