quarta-feira, 17 de abril de 2019

Opinião do dia: Cesar Maia*

• O sr. foi exilado, preso político no Chile. Como vê essa tentativa do presidente de revisão histórica, querendo comemorar o golpe de 64?

Ele não entendeu. Há uns quatro, cinco anos atrás, estava lendo a respeito da nova direita brasileira. Que Olavo [de Carvalho] é apenas um personagem. Nesses estudos havia um ponto em comum, que a direita ia continuar a crescer. Mas sempre dissociada do golpe de 64. A associação com o golpe de 64 tirava força dessa nova direita. Para que introduzir um tema que dificulta você ser um novo líder da direita? O Bolsonaro é um antigo líder da direita na hora em que toca esse tema. Ele vai ao Chile, ele e Onyx, e elogiam o Pinochet. Ninguém no Chile elogia o Pinochet. Ele vai a Israel e usa uma expressão considerada absurda pelos judeus [de que seria possível perdoar o Holocausto]. Pode ter falado uma besteira dessas? Então, ele vai sendo a velha direita. Assim como ele fala da nova política, da velha política, Bolsonaro é a velha direita.

*Cesar Maia, ex-prefeito do Rio de Janeiro, entrevista à Folha de S. Paulo, 16/4/2019.

José Nêumanne*: Nunca houve milícias ‘do bem’, general

- O Estado de S.Paulo

Construtora dos prédios que desabaram é criminosa, como a Máfia e a Camorra

O desabamento de dois prédios na Comunidade da Muzema, no Rio, começou, realmente, com um imprevisto: o índice pluviométrico deste início de abril surpreenderia até o gênio da música popular Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, que registrou, em antológica gravação com Elis Regina, “as águas de março fechando o verão”. Mas estas jamais poderiam ser usadas como pretexto pelo prefeito Marcelo Crivella. Qualquer pré-adolescente em qualquer região do Brasil hoje é avisado por um simples aplicativo no celular sobre vinda de chuva com muita antecedência. A falta dessa informação na ex-Cidade Maravilhosa é um sinal absurdo de incapacidade gerencial.

No entanto, por uma questão de justiça, não se pode negar que o problema dos deslizamentos de barrancos nos morros que cercam o Rio, origem da tragédia e da fama de sua deslumbrante paisagem urbana na harmonia de mar e montanha, vem de priscas eras e do longevo abandono da cidade – e do País – pelo Estado corrupto, estroina e imprevidente. Começa, de verdade, na invasão da então capital federal pelos soldados da República chegados de Canudos, na Bahia, aonde foram massacrar os desvalidos do sertão, que, fiéis ao fanático cearense Antônio Vicente Maciel, o Conselheiro, foram confundidos com revoltosos monarquistas, assim como hoje quem apoia o governo federal é chamado de fascista e quem a este “resiste”, de comunista. Sem lar nem dinheiro, eles se instalaram nas encostas que descem até perto da praia, por falta de condições financeiras para ter habitação decente em local seguro.

Vera Magalhães: Saída honrosa

- O Estado de S.Paulo

Recurso de Raquel Dodge deverá ser apresentado ao plenário do STF, forçando os demais ministros da Corte a se posicionarem

Diante do impasse institucional entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Procuradoria-Geral da República em razão do “inquérito multiuso” instaurado na Corte e comandado pelo ministro Alexandre de Moraes, integrantes das duas instituições e observadores externos, inclusive dos demais Poderes, se preocupam em tentar enxergar uma “saída honrosa”.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, deverá recorrer da decisão de Moraes, que, por sua vez, decidiu ignorar o arquivamento do inquérito determinado por ela. O recurso deverá ser apresentado ao plenário do STF, forçando os demais ministros da Corte a se posicionarem quanto ao mérito do inquérito e de algumas das medidas polêmicas tomadas nele – como a censura à revista Crusoé e ao site O Antagonista e as buscas e apreensões e restrições ao uso de redes sociais de pessoas aleatórias por declarações ou postagens contra o Supremo ou seus ministros.

Outro caminho seria o ministro do STF Edson Fachin conceder uma cautelar na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental impetrada pela Rede Sustentabilidade, algo considerado menos provável pelo potencial de mal-estar entre integrantes da Corte.

Por fim, expoentes do Congresso e do governo já discutem a possibilidade de apresentação de alguma emenda à Constituição resguardando de maneira mais clara o direito à opinião e rechaçando iniciativas que resvalem para censura ou restrição a liberdades individuais.

PODERES EM TRANSE
STF agrava seu desgaste e tira Bolsonaro do foco

A escalada de decisões controversas tomadas nesta semana pela dupla Dias Toffoli-Alexandre de Moraes tirou o foco do governo numa semana de más notícias na economia, como a projeção negativa do PIB do primeiro trimestre, o anúncio de que não haverá aumento real do salário mínimo e o impasse provocado pela intervenção no preço do diesel. De quebra, a censura determinada pelo STF à imprensa deu a Jair Bolsonaro a chance de, corretamente, se colocar como defensor da liberdade de expressão.

Merval Pereira: Por linhas tortas

- O Globo

O agravante é que todos os movimentos dos ministros envolvidos são relacionados com o interesse deles próprios de se protegerem

Uma sucessão de erros levou o Supremo Tribunal Federal (STF), o guardião da Constituição e defensor dos direitos dos cidadãos, a provocar uma potencial crise institucional. Essa história está sendo escrita por linhas tortas, mas dificilmente chegará a um final feliz num país que carece de lideranças e excede em desregramentos.

O STF decidiu censurar o site de notícias O Antagonista e sua revista “Crusoé”, impensável em uma democracia. Expediu diversos mandados de busca e apreensão na casa de supostos agressores do STF nas redes sociais, entre eles um general da reserva, que está sendo defendido por seus companheiros de farda, alguns membros do governo Bolsonaro.

Abriu também uma guerra com o Ministério Público e boa parte do Legislativo e representantes da sociedade civil. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, saiu em defesa do Supremo, avaliando que seria preciso aguardar as investigações para tomar uma posição. Mas deputados e senadores se manifestaram com críticas, e vários partidos entraram com ações no próprio Supremo para anular o inquérito, que está em andamento mas, segundo a procuradora-geral Raquel Dodge, produzirá provas imprestáveis para uma futura ação penal.

O ministro Alexandre de Moraes, nomeado relator do inquérito sobre notícias falsas e ataques contra membros do STF e parentes pelo próprio presidente do STF Dias Toffoli, rejeitou seu arquivamento decidido pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

Dias Toffoli não poderia ter aberto o inquérito, mas requisitado a ação do Ministério Público, que é o detentor da acusação no Estado. Não poderia ter indicado o relator sem uma escolha aleatória, por sorteio eletrônico. Mas a procuradora-geral da República não poderia também determinar o arquivamento do inquérito, o que é atributo de órgão judicial, segundo o Código de Processo Penal.

Míriam Leitão: A crise agora é dentro do Supremo

- O Globo

Toffoli e Moraes levaram a crise para dentro do STF. Outros ministros querem o caso no plenário para condenar o ato de censura

A crise se instalou dentro do Supremo. A reação à censura contra a revista Crusoé aumentou a rejeição de alguns ministros do STF a todo o processo iniciado pelo presidente da corte, Dias Toffoli. O pedido de arquivamento feito pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge —e rejeitado pelo presidente do inquérito —, foi visto com estranheza por alguns integrantes do STF. O ministro Marco Aurélio Mello verbalizou isso. Chamou de “inconcebível” a censura e de “inusitado” o ato da PGR.

O pedido de arquivamento foi rejeitado por Moraes, mas o curioso é que o ato da PGR foi mal visto inclusive por aqueles que discordam da abertura do inquérito e rejeitam frontalmente a decisão de retirar as matérias com referência a Dias Toffoli da revista Crusoé e do site O Antagonista. Um dos ministros explicou assim a sua visão:

—O meu medo é que se o inquérito terminar nenhum de nós vai falar porque o assunto não será levado a plenário. Nós temos que condenar de público a censura para não se repetir. Por isso defendo que isso vá a julgamento. E dada a gravidade da decisão tem havido questionamento. Vários ministros estão querendo que isso seja levado a plenário. Se formos autorizados a falar, o peso de ter decidido censurar uma informação não ficará sobre todos. Se houver votação ficará claro que o Supremo não é um todo coeso.

O país está num nó institucional. A preocupação com o combate a fake news é legítima. É um desafio para as instituições democráticas em qualquer país do mundo. São preocupantes os ataques quando vão além da crítica normal e disseminam injúria contra alguém e ameaças frontais às instituições democráticas. Até porque, como se viu durante a campanha eleitoral, o incentivo ao fechamento do Supremo foi feito publicamente pelo deputado Eduardo Bolsonaro, pessoa com mandato público e filho do presidente.

Bernardo Mello Franco: Moraes quer ser juiz, delegado e promotor

- O Globo

Depois de ressuscitar a censura à imprensa, o ministro Alexandre de Moraes mandou a polícia vasculhar as casas de uma estudante e um general de pijamas

O ministro Alexandre de Moraes não cabe mais na toga. Há dois anos no Supremo, ele quer acumular os figurinos de juiz, delegado e promotor. Nas horas vagas, também cobiça uma vaga de censor. Falta o lápis vermelho para riscar as reportagens proibidas.

Depois de avançar contra a liberdade de imprensa, o ministro voltou a fazer barulho ontem. De manhã, deflagrou uma operação que mobilizou policiais em São Paulo, Goiás e Distrito Federal. À tarde, meteu-se numa queda de braço com a Procuradoria-Geral da República, que o acusa de conduzir um inquérito fora da lei.

A mando de Moraes, a PF vasculhou as casas de sete ativistas de Facebook. Entre os perigosos alvos, estavam um general de pijamas e uma estudante de que sonha com a volta da ditadura. No ano passado, os dois tentaram entrar na política e tiveram votações pífias. Agora ganharam uma nova chance de se promover.

Hélio Schwartsman: O regime do insulto

- Folha de S. Paulo

Não vejo ângulo pelo qual se possa defender decisão do STF contra sites

Alguns meses atrás, eu escrevia neste espaço que o Supremo seria importante para evitar possíveis investidas autoritárias do governo Bolsonaro. Minha aposta era a de que o STF, apesar das divisões internas, se uniria na defesa de direitos e garantias fundamentais. É, portanto, entre chocado e decepcionado que constato que membros da corte estão eles próprios promovendo atos de censura.

Não vejo ângulo pelo qual se possa defender a ordem para que os sites Crusoé e O Antagonista retirassem do ar reportagens e notas sobre uma críptica menção de Marcelo Odebrecht ao presidente do STF, DiasToffoli. Os sites se limitaram a reproduzir material que consta dos autos da Lava Jato. A rigor, censurou-se a própria Justiça.

Também me parece um despropósito a mais alta instância do Judiciário se pôr a caçar militantes de direita que se dedicam a escrever bobagens nas redes sociais. Ainda que ofendam ministros, correr atrás deles é um erro estratégico, que só faz aumentar a circulação das ofensas.

Bruno Boghossian: Rumo a uma guerra suja

- Folha de S. Paulo

Tentativa de blindar STF de novos ataques descamba em guerra suja sem vencedor

Dias Toffoli queria defender o STF de ataques que feriam a “honorabilidade” da corte. Em pouco mais de um mês, o inquérito aberto por ele obteve o resultado contrário. Os abusos da blitz do Supremo contra seus críticos conseguiram ampliar ainda mais o desgaste do tribunal.

As medidas tomadas pelo STF para enfrentar seus opositores mostram que alguns ministros estão dispostos a seguir um caminho sem volta. Ao ordenar operações contra militares da reserva e buscar um embate direto com procuradores, o tribunal mergulhou de vez num conflito institucional que não terá vencedores.

Em sua origem, a investigação abriu a porta para uma série de arbítrios. Como o inquérito não tinha um objeto claramente definido, as apurações se tornaram uma ferramenta de exibição de poder.

Ruy Castro*: Deu a louca no pomar

- Folha de S. Paulo

As frutas ameaçam azedar o governo de Bolsonaro

É bom saber que, num país com 52 milhões de habitantes abaixo da linha da pobreza, as pessoas poderão morrer de tédio, mas não de fome. A ministra Tereza Cristina, da Agricultura, declarou outro dia que o sustento do brasileiro está garantido porque nossas cidades abundam de pés de manga —dessas que provavelmente dão o ano inteiro, estão ao alcance de qualquer braço e podem ser chupadas ao pé da árvore, usando-se o chafariz mais próximo para lavar a deliciosa lambança que produzem.

E depois nos perguntamos por que o presidente Bolsonaro vive atravessando a rua para escorregar em cascas de banana. Uma pessoa que escolhe esse tipo de auxiliares não tem alternativa. Vide outra ministra, Damares Alves, da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que disse ter visto Jesus Cristo empoleirado numa goiabeira. Imagine, 2.000 anos de cristianismo ignoravam que Ele comia goiabas. Infelizmente, essa revelação parece equivaler às jabuticabas conceituais do presidente, como a de que o nazismo era de esquerda —um conceito, assim como a jabuticaba, só existente no Brasil.

Elio Gaspari*: E se Guedes pegar fogo?

- Folha de S. Paulo / O Globo

Se o 'Posto Ipiranga' fechar, a conta irá para todo o Brasil

Todos os adultos que ouviam Jair Bolsonaro dizer que não entendia de economia, mas tinha à mão o seu "Posto Ipiranga", sabiam que isso era apenas uma frase engraçadinha. Alguns endinheirados, julgando-se mais espertos que os outros, viam nela uma promessa de abdicação. O capitão seria eleito, mas Paulo Guedes comandaria a economia. Fariam melhor se acreditassem em Papai Noel.

Nos últimos 60 anos o Brasil teve 12 presidentes e esse comando só foi delegado por três deles: Itamar Franco com FHC, Emílio Médici com Delfim Netto, e Castello Branco com a dupla Octavio Bulhões-Roberto Campos. Bolsonaro não tem a astúcia de Itamar, a disciplina de Médici nem o rigor de Castello. Para preservar o "Posto Ipiranga", precisará de astúcia, disciplina e rigor.

Quando o presidente meteu o sabre na política de preços da Petrobras, mostrou que precisa entender de administração. O estrago estava feito e o caminhoneiro "chorão" prevaleceu, ainda que momentaneamente. Prenuncia-se encrenca muito, muito maior: o incêndio do "Posto Ipiranga".

Cem dias de governo mostraram que a habilidade política de Paulo Guedes é mínima e, ainda assim, ele é obrigado a carregar as encrencas geradas pelo Planalto. Tudo isso com 13 milhões de desempregados e a economia andando de lado.

Vinicius Torres Freire: Orçamento 2020, um cenário de desastre

- Folha de S. Paulo

Previsão sugere que governo vai parar se não der 'tudo certo'

Quem lê as previsões de receita e despesa do governo federal nos próximos anos até 2022 conclui que o país está a caminho de alguma explosão, talvez várias.

Se não passar uma reforma da Previdência integral e, de quebra, se não entrar um dinheiro grosso extra, muitas das poucas obras restantes e partes da administração pública vão parar em 2021, quem sabe antes. O gasto discricionário, aquele que o governo está “livre” para fazer ou não, o que inclui investimento em obras, cairia uns 45% do realizado em 2018 até o estimado para 2022. O governo para.

Não chega a ser grande novidade, mas o roteiro do desastre está documentado no aparentemente burocrático “Anexo 4.1, de Metas Fiscais Anuais”, do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020,enviado nesta semana ao Congresso.

Primeiro alerta: na projeção do “Anexo 4.1”, a receita líquida do governo federal cai a partir deste ano e sem parar até 2022, como proporção do PIB. Isto é, a receita cresceria ainda menos do que a economia. É uma estimativa conservadora, no sentido de não ser otimista, o que em geral é conveniente quando se faz um Orçamento. Mas os motivos para o conservadorismo da projeção não tranquilizam ninguém.

“No atual momento ... observa-se um cenário em que a recuperação da arrecadação está atrelada fundamentalmente ao crescimento da economia, haja vista não se vislumbrar, nas projeções até 2022, retomada de medidas não recorrentes como as utilizadas no passado recente”. Isto é dinheiro de repatriação de capital que fugiu de maneira ilegal e de vários “Refis” (dívidas tributárias refinanciadas) ou receitas de concessões e dinheiro extra com royalties de petróleo e gás, por exemplo.

Alguém pode dizer que algum tutu de concessões entrará. O pessoal do governo preferiu não arriscar um valor.

Luiz Carlos Azedo: Togas em desalinho

Nas entrelinhas / Correio Braziliense

A primeira vítima da guerra entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a força-tarefa da Operação Lava-Jato foi a liberdade de imprensa, com a censura à edição da revista digital Crusoé por causa de uma matéria que citava o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli. Nos bastidores do Judiciário, porém, a segunda pode ser a boa convivência entre a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que pleiteia a recondução ao cargo, e o ministro Alexandre de Moraes, que rejeitou o pedido dela de arquivamento do inquérito aberto para apurar ofensas a integrantes do STF e a suspensão dos atos praticados no âmbito dessa investigação, como buscas e apreensões e a censura a sites.

Moraes apura se o presidente do Supremo, Dias Toffoli, estava sendo investigado pela força-tarefa da Lava-Jato, o que a Constituição não permite. Ministros do Supremo somente podem ser investigados pelos próprios pares, nem mesmo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem essa atribuição. Por essa razão, os questionamentos feitos pela Lava-Jato sobre o ministro Toffoli à defesa do empresário Marcelo Odebrecht, que depois foram retirados dos autos, mas vazaram para a revista, podem ser caracterizados como uma não conformidade. Uma cópia da resposta, porém, havia sido encaminhada à Procuradoria-Geral da República pela defesa do empresário.

Ontem, Toffoli autorizou a prorrogação do prazo do inquérito por 90 dias, solicitação feita pelo próprio ministro Alexandre de Moraes, que investiga o caso ex-ofício, ou seja, por determinação do presidente do Supremo. Mais cedo, Raquel Dodge havia enviado ao STF documento no qual defendia o arquivamento do inquérito. O ministro fulminou o pedido: “Na presente hipótese, não se configura constitucional e legalmente lícito o pedido genérico de arquivamento da Procuradoria-Geral da República, sob o argumento da titularidade da ação penal pública impedir qualquer investigação que não seja requisitada pelo Ministério Público”.

Raquel Dodge pretendia arquivar o inquérito por considerá-lo ilegal, pois foi aberto pelo STF sem participação do Ministério Público. A intenção dela, porém, foi rechaçada por Moraes, com o argumento de que o requerimento da Procuradoria não tem “qualquer respaldo legal, além de ser intempestivo, e, se baseando em premissas absolutamente equivocadas, pretender, inconstitucional e ilegalmente, interpretar o regimento da Corte”. Moraes justificou sua decisão com o argumento de que o inquérito é “claro e específico, consistente na investigação de notícias fraudulentas (fake news), falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas, ameaças e demais infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atinjam a honorabilidade institucional do Supremo Tribunal Federal e de seus membros”.

Rosângela Bittar: Complacência

- Valor Econômico

Se a economia não se mover, adeus viola

É possível estranhar que o presidente Jair Bolsonaro tenha um índice alto de apoio popular, até hoje, depois de cem dias de dolce far niente. Mas é o que mostram as pesquisas de opinião da semana passada, embora seja evidente para o eleitorado a ausência de governo nesses primeiros três meses do seu mandato.

Um resumo sobre o que aconteceu sob nossos olhos aponta que o presidente ficou quase um mês em recuperação de cirurgia abdominal ainda em consequência da agressão sofrida na campanha, fez quatro viagens internacionais (Davos, Estados Unidos, Chile e Israel), demitiu dois ministros ambos em meio a crise política e briga de poder entre aliados e filhos, e mandou uma proposta de reforma da Previdência ao Congresso Nacional, medida objetiva para o crescimento do país. Suas escolhas políticas, de líderes do governo e do partido que o abrigou, bastante controvertidos, até o momento foram inócuas. O presidente termina essa primeira fase queixando-se e insinuando que pode deixar o PSL. Houve muito barulho, confusão, balbúrdia, falta de comando e de liderança.

No entanto, ainda estão com ele a totalidade do seu eleitorado original e boa parte do eleitorado que o acompanhou porque não estaria na caravana do PT em nenhuma hipótese, fosse quem fosse o candidato. Embora a seara petista tenha vaticinado que este 2019 será o ano do arrependimento, nem o principal partido de oposição imaginava que isso poderia ser constatado tão cedo. O sentimento não incide ainda sobre a totalidade, mas apenas sobre parte do voto antipetista em Bolsonaro, e mantém-se longe de seu eleitorado original.

Esses últimos levantamentos mostram, também, que a sociedade está fazendo uma avaliação menos rigorosa do presidente e seu governo nesses primeiros três meses do que os analistas, experts e a mídia.

Segundo a interpretação corrente entre especialistas na leitura dessas manifestações do eleitorado, não está havendo ainda perda substancial de capital político, a popularidade não está se esvaindo como faziam crer as crises sucessivas deste início de governo, a maioria delas provocada pelo choque entre as forças de poder que se digladiam pelo domínio da orientação ao presidente: o professor Olavo de Carvalho, militares da reserva e da ativa, filhos, Paulo Guedes, para ficarmos com os eixos mais importantes.

Seis em cada dez brasileiros, segundo os últimos levantamentos, alimentam ainda a esperança de que Bolsonaro fará um ótimo governo. Não é pouco, o índice de expectativa continua elevado. A grande maioria ainda acha o governo bom ou regular.

Evitando a comparação com o PT pela atipicidade, estudos demonstram que nos cem primeiros dias de Fernando Henrique Cardoso as expectativas positivas eram maiores que as relacionadas ao governo Bolsonaro, mas menores se a avaliação fosse buscar a perspectiva do governo até o fim, e é a promessa de futuro o que mais conta.

As pesquisas apontam uns traços nada simpáticos para o governo Bolsonaro: mais de 50% o acham autoritário, e 57% acham que ele respeita mais o direito dos ricos.

Isso não foi suficiente para derrubar a aposta. Bolsonaro desconectado da imagem de pai dos pobres tem tudo a ver, mas ser o titular de um governo sem rumo desnorteia os ricos, os investidores, o mundo da economia. Até dois salários mínimos, ele tem só 6% de avaliação positiva. A partir de cinco salários mínimos tem 43% de aplauso, ótimo e bom.

Ainda há margem de apoio que supera seu eleitorado do peito: são 59% os que têm expectativa positiva com o governo Bolsonaro, e 39% são os que votaram nele no segundo turno. Está sobrando.

Isso é o que leva especialistas a considerar as avaliações mais rigorosas que a realidade.

A falta de governo ainda não foi determinante, embora as pesquisas mostrem que Bolsonaro fez muito menos do que as pessoas esperavam dele: São 61% os que dizem que faltou governo.

O que faltou mais nesse primeiro momento para que fosse possível identificar um novo governo? Faltou a roda da economia se mover, resumem analistas das pesquisas.

Bolsonaro pode viajar, ir à China três vezes e voltar, receber afagos de Donald Trump. pode dar declarações mais felizes, pode frequentar menos o Twitter, pode pedir aos filhos para agirem com equilíbrio, evitando derrubá-lo precocemente, pode errar menos. A mudança, porém, está atrelada à economia e esta, neste início de mandato, à reforma da Previdência. Por isso estão todos concentrados no Congresso onde se inicia o debate sobre a reforma. A questão é saber se a economia se movimentará com o presidente Bolsonaro ou não. Resta esperar. A maioria dos analistas ainda crê na aprovação da reforma. Talvez não aquela do Paulo Guedes, com economia de R$ 1 trilhão, mas o mercado se satisfará com a do Michel Temer, com economia de R$ 750 milhões.

Cristiano Romero: Populismo, volver?

- Valor Econômico

O populismo jogou a Argentina numa penosa decadência

O populismo costuma brotar nos momentos de fraqueza dos governantes, quando as coisas não vão bem ou quando uma política que promete o paraíso na Terra não dá certo. No caso do governo Jair Bolsonaro, emergiu em menos de quatro meses de mandato. Testado pela primeira crise real de sua gestão, o presidente reagiu de forma populista ao ordenar que a Petrobras suspendesse o reajuste do preço do óleo diesel, que não se move há mais de 20 dias, mesmo em meio à forte escalada do petróleo neste ano.

Esse era o risco mais temido pelos eleitores "móveis", aqueles que vão além da base social de qualquer candidato e que, por puro pragmatismo, são capazes de votar em Dilma Rousseff (PT) numa eleição e em Bolsonaro (PSL) na seguinte, dois extremos do espectro político nacional. Se dependesse apenas dos eleitores que se identificam com suas ideias, Bolsonaro não estaria hoje em Brasília, no comando do país cuja economia é a 9ª maior do planeta, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI) - no auge do último "boom" (2004-2010), chegou a ser a 6ª e nós, brasileiros crédulos, confiamos que ultrapassaria a da Inglaterra, tomando-lhe a 5ª posição. Depois de chegar em 2º lugar em três corridas presidenciais, Lula venceu em 2002 porque os eleitores "móveis" decidiram lhe dar um voto de confiança.

Mas, afinal, como se define um político populista? Populista é aquele que promete durante a campanha eleitoral algo que sabe que não poderá cumprir. É o governante que adota políticas que não cabem no orçamento público. Revestidas de forte apelo social, são deliberações feitas para conquistar eleitores a qualquer preço e, assim, sustentar projetos de poder.

O populismo enfraquece a democracia. Seus adeptos iludem os eleitores com a ideia de que suas ações são legítimas porque atendem aos interesses do cidadão comum, dos pobres e desvalidos. Não é à toa que, mesmo sem representação parlamentar, os pobres constam da "exposição de motivos" da grande maioria das políticas aprovadas em Brasília. Apesar disso, o nível de miséria e pobreza da população segue vexaminoso, escancarando o verdadeiro caráter de iniciativas adotadas em nome dos mais necessitados.

Fábio Alves: É a política, estúpido!

- O Estado de S.Paulo

Analistas afirmam que a economia precisa de um novo choque de confiança

Após importantes instituições financeiras passarem a projetar um recuo no PIB do primeiro trimestre, ficou claro que as incertezas políticas, que contribuíram para um desempenho mais fraco da atividade em 2018, seguem afetando negativamente a confiança de empresários e consumidores e podem prejudicar ainda mais a já anêmica recuperação da economia em 2019.

O otimismo com a eleição de Jair Bolsonaro e a sua agenda de reformas, em particular a da Previdência, vem se dissipando com rapidez nas últimas semanas. Afastado o temor de uma vitória do candidato do PT nas eleições presidenciais de 2018, a expectativa era de que o capital político do novo presidente permitisse a aprovação da reforma da Previdência e, por tabela, o equilíbrio de longo prazo nas contas do governo.

O reflexo disso seria o aumento dos investimentos e do consumo, com geração de empregos, turbinando o crescimento do PIB. Todavia, as sucessivas crises nos três primeiros meses de mandato de Bolsonaro e a fraca articulação política com o Congresso levaram analistas e investidores a rever as projeções tanto em relação ao prazo de aprovação quanto aos valores da economia fiscal em dez anos da reforma da Previdência.

Monica De Bolle*: Terra em transe

- O Estado de S.Paulo

Nos próximos 30 anos, cerca de 4 milhões de pessoas podem fugir de seus vilarejos no México e na América Central

Há 20 anos, ninguém comia aspargos peruanos. Hoje, o Peru é o maior exportador de aspargos frescos do mundo, e o segundo maior exportador de aspargos processados depois da China. O Peru exporta 99% de toda sua produção de aspargos. A maior parte vem da província de Ica, região árida onde está localizado o maior aquífero do Peru, responsável pelo suprimento de água para boa parte do país e pela produção de aspargos.

Aspargos exigem água em abundância. Conto tudo isso para relatar algo inusitado. Na semana passada, durante as reuniões de primavera do FMI e do Banco Mundial, participei de um painel cujo tema era a trajetória da América Latina nos últimos 60 anos e seus rumos nos próximos 60. Os aspargos peruanos apareceram na pergunta de um membro da plateia, que manifestou intensa ansiedade com a perspectiva de que mudanças climáticas possam dizimá-los devido à projetada escassez de água. O drama do vegetal acabou me levando a pensar sobre os refugiados ambientais, termo cunhado nos anos 70 para referir-se aos riscos malthusianos do crescimento populacional desenfreado, mas hoje usado para discutir a gravíssima crise migratória planetária.

Longe dos aspargos, cresce a preocupação com os imigrantes da América Central, que continuam chegando aos milhares à fronteira do México com os Estados Unidos. Muitos fogem da violência de seus países de origem, de governos corruptos que não têm conseguido controlar a escalada do crime organizado. Contudo, essa não é toda a história das caravanas de imigrantes de Honduras, El Salvador, Guatemala que lotam os vilarejos na fronteira e os acampamentos cada vez mais abarrotados nos Estados Unidos.

Ricardo Noblat: Querem encurralar o Supremo

- Blog do Noblat / Veja

O que está por trás
O desastrado passo dado pela dupla de ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes ao instituírem a censura à imprensa ao arrepio da Constituição alimenta um movimento ainda embrionário que tem como objetivo pôr de joelhos o Supremo Tribunal Federal.

Há quem participe dele de caso pensado. E há os que ainda não se deram conta de que participam involuntariamente. Não, não será necessário mandar um cabo e dois soldados para fechar o tribunal como cogitou certa vez o deputado Eduardo Bolsonaro.

Basta desmoralizá-lo, enfraquecê-lo, aproveitar a aposentadoria em breve de dois ministros e talvez forçar a de mais um ou dois, de modo a montar ali uma maioria ao gosto do presidente da República e dos que compartilham com suas ideias extremas.

O boato de que um oficial de justiça, a mando do ministro Alexandre de Moraes, esteva ontem no Congresso à caça do senador Jorge Kajuru (PSB-GO) para intimá-lo a depor sobre fake news foi o suficiente para incendiar os ânimos de muitos dos seus pares.

Correu a história logo desmentida pelo próprio Kajuru de que suas contas nas redes sociais haviam sido bloqueadas por ordem de Alexandre de Moraes, indicado por Toffoli para identificar os responsáveis pela onda de críticas ao tribunal.

O pedido de criação da CPI da Toga havia sido arquivado. Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado, recuou e prometeu submetê-lo a votação em plenário em data ainda a ser marcada. Os partidários da CPI comemoraram a decisão de Alcolumbre.

Se ela de fato for aprovada e instalada se abrirão as portas do inferno institucional. Imagine que a CPI convide um dos ministros do Supremo para depor e que ele não vá. O lance seguinte será convocá-lo. E se ele recusar-se a depor, obrigá-lo a ir à força.

Uma CPI detém tal poder. Acionada, a Polícia Federal atenderia à ordem de conduzir coercitivamente o ministro? E se atendesse como reagiriam os colegas do ministro convocado? É de se imaginar o que resultaria da colisão entre os dois poderes.

As redes sociais estão sendo usadas para dar força à CPI e, à falta dela, à pregação de senadores favoráveis à abertura de processos de impeachment contra alguns ministros do Supremo – o mais visado deles, Gilmar Mendes. Não se descarta de que isso possa acontecer.

O pano de fundo de tudo é Lula e o seu destino. Mantida a atual composição do Supremo, a prisão em segunda instância da justiça poderá ser derrubada, mas mesmo que não seja ela poderá tirar Lula de Curitiba e mandá-lo para prisão domiciliar.

Se depender de Bolsonaro, como ele mesmo já disse, Lula mofará na cadeia.

A soberba de Toffoli

Era de se esperar
Havia uma casca de banana do outro lado da rua. O ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), atravessou a rua sem que tivesse sido forçado a fazer isso, pisou na casca de banana que era perfeitamente visível, e esparramou-se no chão.

Por que o fez? Sabe-se lá. A única explicação plausível é que fez por soberba, para demonstrar que detém a força conferida por seu cargo e que está disposto a usá-la sempre que tiver vontade. De fato, o presidente do STF pode muito, mas não pode tudo.

Roberto DaMatta: Chuva e sol

- O Estado de S. Paulo

Os nossos trópicos, além de tristes, tornam-se campeões de desastres ecológicos

A chuva torrencial trouxe flagelos para toda a cidade do Rio de Janeiro, somando mais desgraças aos seus esquecidos traumas quando deixou de ser Corte, Capital Federal e Cidade-Estado para virar mais uma capital de um Estado deprimido, cujo governador bateu um recorde brasileiro (e certamente mundial) em matéria de patologia do saque da “coisa pública” por meio do abastardamento político.

Isso fez com que a “Cidade Maravilhosa, cheia de encantos mil”, se tingisse de uma corrupção difícil de ser dissipada. A chuva veio também desmascarar uma indústria imobiliária criminosa cuja ética é a ambiguidade malandra do “tirar vantagem de tudo”, ponto capital da lógica das nossas absurdas acumulações de poder com riqueza.

Em meio à tempestade, olhei para o céu apenas para vê-lo confundido com as montanhas e matas na densa neblina das águas que banhavam tudo como uma cascata. Amigo da claridade solar, a chuva me deprime quando liquida as mais humildes diferenciações entre calçadas e ruas. Além disso, sou perturbado pelas incuráveis goteiras. Esses vazamentos fora de hora e lugar, inevitáveis na minha casa e na minha vida.

Mas um dia depois do temporal, sou abençoado pelo sol e por uma cúpula azul como só o céu, onde moram os deuses e anjos, pode fabricar. Ao longo dos dias fui invadido por um sentimento positivo de vida toldado, entretanto, pelas consequências da triste reunião do imprevisto da água com o mais do que previsto não cumprimento de regras de moradia urbana causadora de horríveis desabamentos.

Mas foi-se a chuva com seus imprevistos, chega o sol com seu calor e sua luz e agora vamos cuidar de nossas mazelas.

Governo promove retrocessos em série na agenda ambiental: Editorial / Valor Econômico

O Ministério do Meio Ambiente quase soçobrou na reestruturação geral da Esplanada com que o presidente Jair Bolsonaro iniciou seu governo. De cara, ele perdeu o Serviço Florestal Brasileiro, responsável pelo Cadastro Ambiental Rural, para o Ministério da Agricultura, entregue a Tereza Cristina, ex-deputada e líder da Frente Parlamentar da Agropecuária no Congresso. O novo ministro, Ricardo Salles, comportou-se desde o início de maneira incomum em Brasília - em geral, ministros buscam mais poder para suas pastas, mas Salles faz o contrário. Cumpre a divisa eleitoral do presidente, de tirar o Estado do "cangote" dos brasileiros.

Salles se filia ao ramo "duro" do bolsonarismo, como o ex-ministro Ricardo Vélez e o chanceler Ernesto Araújo. Uma de suas missões, encomendadas pelo presidente, é acabar na sua área com a "indústria de multas". A cruzada contra essa "indústria" nada tem de quixotesca, embora o Ibama arrecade fatia irrisória das multas que aplica, porque quase ninguém as paga. Ela já vitimou em 2012 o deputado Jair Bolsonaro, por pescar em área proibida em Angra dos Reis. Em dezembro, o Ibama do Rio arquivou o processo contra Bolsonaro. Para encerrar o assunto, o ministro mandou demitir José Augusto Morelli, que cumpriu seu dever e lavrou a multa ao agora presidente da República.

Salles, como Bolsonaro, critica, com razão, a grande morosidade dos licenciamentos ambientais. A solução proposta, da desregulamentação a caminho da autorregulação parcial, desloca o pêndulo da questão para o extremo oposto. Sem regulação eficaz e fiscalização ágil a devastação ambiental será maior do que é, e irrestrita. Só a presença ativa do Estado nas fronteiras agrícolas impedirá retrocesso na agenda ambiental. Há um tom exagerado e estridente sobre os problemas que o ministro enxerga, quando ele não os vê nos lugares errados.

Congresso precisa entender gravidade da crise: Editorial / O Globo

Escaramuças contra a reforma da Previdência refletem a ignorância, e má-fé, diante da situação do país

Brasília, há muito tempo, ganhou o nada lisonjeiro título de “Ilha da Fantasia”, dado o distanciamento dos poderes em relação ao país real. Agora, esta alienação está concentrada no Congresso, como poucas vezes visto. E se trata de uma patologia pluripartidária.

A última prova do desvario foi a reunião de segunda-feira da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na Câmara, cuja pauta era a deliberação sobre a constitucionalidade da proposta de reforma da Previdência, atestada pelo relator, deputado delegado Marcelo Freitas (PSL-MG). Esta votação é parte da etapa inicial da tramitação deste projeto de importância estratégica.

Mas vários partidos supostamente próximos ao governo — como DEM, PP, PRB, SD e outros do “centrão” —, inclusive a legenda do presidente Bolsonaro, o PSL, ajudaram a oposição na manobra de inverter a pauta, para dar prioridade ao projeto da emenda constitucional (PEC) do Orçamento impositivo. Tudo para obstruir, retardar a tramitação das mudanças no sistema previdenciário, sem as quais a economia não decola, como se está vendo.

Parece chantagem em busca de benesses fisiológicas, como nos 13 anos de lulopetismo, o que o Planalto de Bolsonaro, com acerto, se recusa a fazer. A própria PEC do Orçamento, aprovada em altíssima velocidade pela Câmara e pelo Senado, também com apoio maciço multipartidário, já é por si um instrumento descabido de pressão sobre o governo, porque torna ainda mais estreito o ínfimo espaço de manobra para se administrar o Orçamento — as verbas engessadas passam de 93% para 97% da peça orçamentária. O Senado, pelo menos, incluiu no projeto um escalonamento para a entrada em vigor da regra, e por isso a PEC voltou à Câmara.

O Grande Censor: Editorial / Folha de S. Paulo

Em inquérito anômalo, ministro do STF atropela tradição da corte e suspende publicações

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, foi além do razoável —e do constitucional— no inquérito para apurar ameaças contra magistrados da corte. Mandou censurar, intimou jornalistas, ordenou devassas policiais em nome da caça a divulgadores de supostas fake news.

Colocou o tribunal, garantidor dos direitos fundamentais, a patrocinar medidas típicas de poderes de exceção. É hora de parar com o experimento perigoso. Ou que o plenário da corte o bloqueie.

A instalação do inquérito já foi anômala. Ocorreu pela vontade do presidente do Supremo, valendo-se de interpretação elástica de suas prerrogativas. Dias Toffoli também contornou o expediente ordinário do sorteio do relator e pôs Moraes a chefiar as investigações.

Criou-se um monstrengo no qual um juiz acumula os papéis de alvo potencial do crime, condutor da ação policial e árbitro final da causa. Esse novelo se harmoniza mal com o devido processo legal.

Moraes ativou seus superpoderes e mandou retirar do ar reportagens dos sites O Antagonista e Crusoé que mencionavam um fato ocorrido sob as investigações da Lava Jato. Trata-se de menção do delator Marcelo Odebrecht a Dias Toffoli. Nada, porém, que possa incriminar o presidente do Supremo.

A justificativa de Moraes foi estrambótica em dois aspectos: atropelou a farta jurisprudência da corte a favor da liberdade de expressão e imprensa e tratou como falso um documento que era autêntico.

Atitudes controversas ordenadas por Moraes continuaram nesta terça (16) com intervenções policiais a pretexto de alvejar suspeitos de ameaçar ministros. O que se viu nos elementos levantados, no entanto, ainda não se distingue com nitidez do direito de criticar autoridades e instituições.

O STF decreta censura: Editorial / O Estado de S. Paulo

Uma coisa é a instauração de um inquérito criminal para investigar ameaças veiculadas na internet envolvendo ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Outra coisa bem diferente é um ministro do STF determinar, no âmbito desse inquérito, o que pode e o que não pode ser publicado por um veículo de comunicação a respeito do presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli. Isto é censura e, no Brasil, a Constituição de 1988 veda explicitamente a censura.

Não há outras palavras para descrever a decisão do ministro Alexandre de Moraes. Ao determinar “que o site O Antagonista e a revista Crusoé retirem, imediatamente, dos respectivos ambientes virtuais a matéria intitulada ‘O amigo do amigo de meu pai’ e todas as postagens subsequentes que tratem sobre o assunto, sob pena de multa diária de R$ 100.000”, o relator do inquérito ordenou a censura de dois veículos de comunicação. O assunto tem especial gravidade tendo em vista que a missão do STF é precisamente proteger a Carta Magna.

Num Estado Democrático de Direito, a informação é livre. Não cabe à Justiça determinar o que é e o que não é verdadeiro, ordenando retirar – ordenando censurar, repita-se – o que considera que não corresponde aos fatos. Na decisão, o ministro Alexandre de Moraes alega que o conteúdo publicado pelos dois veículos de comunicação foi desmentido pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e, portanto, não caberia sua publicação – raciocínio que ofende a liberdade de expressão e de imprensa.

“O esclarecimento feito pela PGR tornam falsas as afirmações veiculadas na matéria ‘O amigo do amigo de meu pai’, em típico exemplo de fake news – o que exige a intervenção do Poder Judiciário, pois, repita-se, a plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não constitui cláusula de isenção de eventual responsabilidade por publicações injuriosas e difamatórias, que, contudo, deverão ser analisadas sempre a posteriori, jamais como restrição prévia e genérica à liberdade de manifestação”, escreveu o relator do inquérito.

A grande mágoa de Lobato

Cartas de Monteiro Lobato mostram que autor era rejeitado pela elite de sua cidade natal

Pedro Venceslau / O Estado de S.Paulo / Caderno 2

Desde que a obra de Monteiro Lobato caiu em domínio público, no dia 1.° de janeiro, as editoras abriram uma corrida contra o tempo para colocar na praça novos livros e produtos sobre a obra do escritor, que morreu em 1948, aos 66 anos.

Mas foi um pesquisador de Taubaté que conseguiu ter acesso ao maior conjunto inédito de textos lobatianos: 47 cartas escritas por Lobato ao poeta Cesídio Ambrogi entre 1918 e 1948, além de 15 cartas trocadas com outros destinatários e artigos de jornais locais da cidade que não constam das antologias.

Esse pequeno tesouro foi entregue ao pesquisador Pedro Rubim em 2001 pela viúva de Ambrogi, Lígia Fumagally Ambrogi, que morreu em 2012. Ele esperou 18 anos (até a obra deixar de ser patrimônio dos herdeiros) para organizar o material em plataforma multimídia chamada Almanaque Urupês, que será lançada na quinta, 18, também dia do nascimento de Monteiro Lobato, em 1882.

A troca de cartas revela a mágoa que o autor do Sítio do Picapau Amarelo sentia da elite de sua cidade natal, que passou a rejeitar as suas obras devido às críticas de Lobato ao comportamento dos barões do Vale do Paraíba.

O ápice da crise entre Taubaté e seu filho mais ilustre foi uma moção da Câmara dos Vereadores do dia 17 de agosto de 1922 que classificou a obra do escritor como derrotista, oportunista e recomendou que os livros de Lobato fossem “banidos” de circulação na cidade.

A ira dos parlamentares taubateanos, que representavam a elite econômica local, foi despertada pelo livro Cidades Mortas, que retrata em linguagem ferina a decadência do Vale do Paraíba, em decorrência da abolição da escravatura.

“Pelas longas linhas das Cidades Mortas, Monteiro Lobato, longe de fazer penetrar seiva nova, forte e revigorante, nas veias dos patrícios, que em vida latente apegam-se aos meios favoráveis, de ocasião, para levantar a glória, o progresso do seu torrão, procura vencê-los traçando painéis de inacreditável futuro de morte para suas esperanças, de desengano para seus esforços”, disse a ata da sessão, que foi obtida por Pedro Rubim.

“Lobato foi a primeira celebridade de Taubaté. Depois de alcançar a glória literária após publicar um artigo no Estadão ele passou a criticar a elite vale-paraibana pelos problemas na roça e pelo fato de o caipira, segundo ele, ser um indolente”, disse o pesquisador.

Selo. A troca de correspondências entre Lobato e Ambrogi começou em 1918, quando o poeta de Taubaté se tornou um ferrenho “lobatista”.

As primeiras cartas foram enviadas após Ambrogi ser convidado pelo escritor a publicar seu primeiro livro pela editora que Lobato comprou, dando início a uma longa amizade.

O escritor conseguiu o dinheiro após vender a fazenda herdada por seu avô, José Francisco Monteiro, mais conhecido como Visconde de Tremembé, um dos homens mais ricos da região. Em uma das cartas recebidas por Cesídio, Lobato fala sobre sua maior criação, o Sítio do Picapau Amarelo. “Duma coisa eu tenho certeza: a originalidade da ideia do Sítio. Creio mesmo que é a primeira vez na vida do Taubaté que apareceu uma ideia própria, não copiada de ninguém. E se soubermos fazer propaganda da coisa depois de construída, de modo que os sítios se espalhem, Taubaté torna-se-á muito mais sonoramente conhecido do que o é efeito daquela ‘piadinha’: Cavalo pangaré, Mulher que mija em pé, Gente de Taubaté. Domine libera-me.”

Em outra correspondência, Monteiro Lobato apresenta uma opinião polêmica, que certamente causaria reações nos dias atuais.

“Eu se fosse estado novo, fazia uma lei acabando com a liberdade de procriar. Para ter filho era necessário um atestado de habilitação e uma permissão especial. A gente feia ficava proibida de reproduzir-se. Outros teriam licença para um filho só. Outros, dois e três. E alguns teriam licença sem limites. Você, meu caro, entrava para este grupo. E não precisava produzir filhos só em casa – teria licença de fazer roças grandes, por montes e vales”, escreveu Lobato ao amigo em 1943.

Café. Formado em direito no Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo, o escritor deixou sua cidade natal em 1907, após ser nomeado promotor no município de Areias.

Segundo Pedro Rubim, foi nessa época que ele enviou ao Estadão uma carta ao leitor que agradou tanto que virou artigo assinado.

“O pai e a mãe de Lobato haviam morrido e ele foi treinado para ser herdeiro do avô, que morreu em 1911. Ele se tornou fazendeiro por um tempo, mas não se adaptou à ideia. Com a publicação no Estadão, Lobato ganhou projeção nacional”, relatou o pesquisador taubateano.

Monteiro Lobato, lembra Rubim, foi o autor do primeiro best-seller brasileiro, Urupês. A obra nasceu da ira do autor contra os caipiras que seriam responsáveis, segundo ele, pelo constante incêndio nos campos, através dos quais limpam os terrenos, as famosas queimadas, cometidas em demasia e, portanto, prejudiciais para um proprietário de terras.

Vermelho. Já consagrado, ele lançou o livro de Ambrogi e sugeriu o nome da obra: As Moreninhas. “Cesídio queria dar o nome de Castalidas Sertanejas, mas o Lobato vetou. Disse que esse nome não venderia nada e optou por As Moreninhas afirmando que as pessoas comprariam o livro para saber das tais moreninhas. A viúva dele contava essa história”, afirmou Pedro Rubim. O livro reuniu 32 poesias roceiras. Depois disso, Ambrogi, que pregava o comunismo cristão, escreveu seu segundo livro, chamado Poemas Atômicos.

Tratava-se de uma reflexão sobre justiça social. A obra, porém, não foi acolhida inicialmente por Lobato, que sugeriu que ao amigo que procurasse Luis Carlos Prestes, grande líder do PCdoB. A resposta veio em uma carta com um timbre do partido.

“Seus poemas bem mostram a preocupação em estar ao lado do povo, embora não concorde com a ideia final de encontrar a solução para os problemas da miséria no ‘retorno ao cristianismo’.” Lobato então decidiu publicar o livro, mas o rebatizou como Poemas Vermelhos.

Confira alguns trechos de cartas:

Graziela Melo: Palavras

Palavras!
São diletas
filhas
do tempo,

amigas
da solidão
reproduzem
dores
da alma,

clamores
no
coração!!!

Palavras,
as que
causam
espanto!!!

Tristeza
ou
alegria,

as vezes
pronunciadas
à noite...
são
desmentidas
de dia!!!

Palavras!
algumas
as mais
verdadeiras,

outras,
mentiras
corriqueiras,

flácidas
lânguidas,
derretem
à luz
do sol!!!

Existem
os belos
vocábulos

que soam
aos nossos
ouvidos

como
o canto
de um
rouxinol!!!

Samba que elas querem - "Nós Somos Mulheres"