quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Merval Pereira: Excesso de provas

- O Globo

Delação de Antonio Palocci pode ser comprovada em grande parte pelas provas que já estão em poder do Judiciário

A delação do ex-ministro Antonio Palocci à Polícia Federal, finalmente homologada pelo TRF-4 e liberada para divulgação pelo juiz Sergio Moro, alegadamente para atender à defesa do ex-presidente Lula, caiu como uma bomba na campanha presidencial a seis dias do primeiro turno da eleição, e tem uma característica única: pode ser comprovada em grande parte pelas provas que já estão em poder do Judiciário, mais precisamente o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Também podem ser cruzadas com outras delações, de dirigentes da Odebrecht e de outras empreiteiras. As delações cruzadas tornam-se matéria de comprovação das denúncias. O ex-ministro do PT disse que as campanhas de Dilma Rousseff em 2010 e 2014 custaram respectivamente R$ 600 milhões e R$ 800 milhões, a maior parte em dinheiro sujo, quantia muitas vezes maior do que a declarada ao TSE.

As investigações sobre a campanha de 2014 foram amplas, e o relator do TSE, ministro Herman Benjamin, pediu a anulação da eleição por abuso de poder econômico e político. Os depoimentos dos executivos da empreiteira Odebrecht e dos marqueteiros Mônica Moura e João Santana foram utilizados como “provas alargadas” pelo relator Herman Benjamin, que mandou acrescentar aos autos esses depoimentos, frutos de delações premiadas na Operação Lava-Jato.

Segundo o relator e o vice-procurador eleitoral, Nicolao Dino, houve abuso de poder econômico e fraudes na contratação das gráficas fantasmas por parte da chapa Dilma-Temer. Numa das delações premiadas de executivos da empreiteira Odebrecht, foi revelado que a chapa presidencial do PT-PMDB recebeu R$ 30 milhões de caixa 2 na campanha de 2014.

Elio Gaspari: A ‘bala de prata’ feriu Moro

- O Globo

Se era “bala de prata”, o teor da colaboração do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci tornou-se um atentado à neutralidade do Poder Judiciário, à desejada exposição das roubalheiras do comissariado petista e à boa-fé do público.

Foi uma ofensa à neutralidade da Justiça porque o juiz Sergio Moro deu o tiro seis dias antes do primeiro turno da eleição presidencial. Trata-se de um depoimento tomado em abril que não revela o conjunto da colaboração do poderoso detento-comissário. Podia ter esperado o fim do processo eleitoral, até mesmo porque o doutor Moro é pessoa cuidadosa com o calendário. Com toda a razão, ele suspendeu dois depoimentos de Lula porque o ex-presidente transforma “seus interrogatórios em eventos partidários”.

Foi uma ofensa para quem espera mais detalhes sobres as roubalheiras petistas, porque a peça de dez páginas tem apenas uma revelação factual comprovável, a reunião de 2010 no Alvorada, na qual combinou-se um processo de extorsão, cabendo a Palocci “gerenciar os recursos ilícitos que seriam gerados e seu devido emprego na campanha de Dilma Rousseff para a Presidência da República”. Traduzindo: Palocci foi nomeado operador da caixinha das empresas contratadas para construir 40 sondas para a Petrobras. Só a divulgação de outras peças da confissão do comissário poderá mostrar como o dinheiro foi recebido, a quem foi entregue e como foi lavado. O juiz Sergio Moro fica devendo essa.

Afora esse episódio, o que não é pouca coisa, a colaboração de Palocci é uma palestra sobre roubalheiras que estão documentadas, disponíveis na rede, em áudios e vídeos, na voz de empresários e ex-diretores da Petrobras. Em julho passado, o procurador Carlos Fernando de Souza contou que a força-tarefa da Lava-Jato tratou com Palocci: “Demoramos meses negociando. Não tinha provas suficientes. Não tinha bons caminhos investigativos”. Se as confissões de Palocci à Polícia Federal quebraram a sua barreira de silêncio, só se vai saber quando o conjunto da papelada for conhecido.

Bernardo Mello Franco: Alta de Bolsonaro deixa o PT atônito

- O Globo

As novas pesquisas jogaram água no chope petista. A campanha de Haddad se assustou com o aumento da sua rejeição e com o crescimento do rival entre as mulheres

A alta de Jair Bolsonaro deixou o PT atônito. O partido terminou a semana passada beirando a euforia. Considerava que Fernando Haddad havia se tornado favorito a vestir a faixa. Os mais animados já discutiam a nomeação antecipada de ministros.

As novas pesquisas jogaram água no chope petista. No Datafolha de ontem, dois dados alarmaram a campanha. A rejeição de Haddad subiu nove pontos, chegando a 41%. Ao mesmo tempo, Bolsonaro recuperou a liderança entre as mulheres, que resistem mais ao seu discurso de ultradireita.

“Acendeu uma luz amarela na campanha. De amarela para vermelha”, resume o ex-ministro Gilberto Carvalho. “As pesquisas refletem o crescimento do antipetismo. Isso significa que os ataques ao Haddad estão surtindo efeito”, analisa.

Quem acompanhou o petista nos últimos dias notou um candidato de salto alto. Embalado por pesquisas favoráveis, ele fazia uma campanha olímpica, ignorando os adversários. No debate da TV Record, chegou a menosprezar Ciro Gomes, sugerindo que queria seu apoio no segundo turno.

Míriam Leitão: Além da palavra de Palocci

- O Globo

Polícia Federal precisa levar Palocci a ir além das palavras, para que sua delação não seja derrubada pelos inimigos da Lava-Jato no STF

A importância da delação de Antonio Palocci é que é o primeiro dentro do PT a falar, o que quebrou o pacto do silêncio, que na Itália se chama Omertá. Mas há dois problemas. Um é o da hora da divulgação, a uma semana de uma eleição muito disputada. Outro é o sinal dado pelo Ministério Público. O MP no Paraná foi exposto às mesmas informações, mas preferiu não fazer o acordo de colaboração porque considerou que havia dificuldades de ter provas de corroboração.

Enquanto isso, José Dirceu já deu vários sinais ameaçadores nos últimos dias. Não ganhou ainda a eleição, mas avisou que desta vez o que quer é “tomar o poder, que é diferente de ganhar eleição”. E depois disse que é preciso tirar o poder de investigação do Ministério Público porque a Lava-Jato foi um erro. O PT não precisa de inimigos, basta a si mesmo.

Este é o momento de atrair os milhões de não petistas, que podem considerar votar no partido olhando mais para a sua história, de políticas de inclusão, e na esperança de que a Lava-Jato tenha ensinado algo. O partido prefere manter a narrativa excludente, voltada apenas para o público interno. 

Vera Magalhães: Profecia autorrealizável?

- O Estado de S.Paulo

Uma profecia autorrealizável é um prognóstico que, ao ser tomado como crença por quem o repete, acaba por provocar sua realização. O crescimento de Jair Bolsonaro a despeito de muitas circunstâncias adversas foi construído de maneira engenhosa por seus apoiadores muito com base nesse mecanismo simples, mas que foi usado com brilhantismo.

Começou com a construção da mitologia em torno de um deputado saído diretamente do folclore do baixo clero politicamente incorreto, ganhou alicerces nas redes sociais antes mesmo de ter um partido, tão fundados que prescindiram da antes poderosa propaganda em rede nacional de TV, e mostrou ser uma máquina muito bem azeitada, na verdade, depois do atentado a Bolsonaro.

Ali a estrutura que muitos – incluídos aí nós, jornalistas – julgavam mambembe se mostrou sofisticada no que tinha de organicidade, mas também de cálculo político.

Diante do início da pregação de candidatos como Geraldo Alckmin de que Bolsonaro perderia para o PT num eventual segundo turno, seus apoiadores retrucaram (ele próprio estava incapacitado de fazê-lo, por estar no hospital) imediatamente com a forte pregação para que lhe fosse, então, dada a vitória já no primeiro turno, como forma de se precaver para a volta do petismo.

A eficiente rede de propagação da profecia, via WhatsApp e redes sociais, muitas vezes operando no limite da irresponsabilidade, com a disseminação da versão segundo a qual uma não vitória seria fraude, ajudou a engrossar o caldo.

Por fim, a reação também imediata ao #EleNão, com um #EleSim no dia seguinte, acabou por cristalizar os votos que Bolsonaro já tinha e trazer outros entre relutantes e antes envergonhados, mas que foram saindo do armário com o álibi virtuoso de que tudo é melhor que a volta do PT.

Os últimos quatro dias serão de carga total para realizar a profecia já no domingo. Os adversários, por ora, se mostram como baratas tontas diante do bonde do capitão. Discursos de apelo à racionalidade ou ao voto útil, críticas ao histórico de declarações e votos de Bolsonaro, nada cola nele. E a rejeição a Fernando Haddad, que galopa na mesma velocidade da transferência de votos de Lula, pode ajudar com os pontos que faltam.

Monica De Bolle*: Balzaquiana

- O Estado de S.Paulo

Essa eleição não deveria ter se transformado em referendo sobre a democracia versus referendo sobre a corrupção

Há poucas semanas, o general Hamilton Mourão, vice de Bolsonaro, defendeu a elaboração de uma nova Constituição “sem os eleitos pelo povo” pois, afinal, “já tivemos vários tipos de Constituição sem ter passado pelo Congresso”. Nos últimos dias, o adversário de Bolsonaro e candidato do PT Fernando Haddad disse que alteraria a Constituição “se o Congresso assim entender”.

Embora a declaração do petista se enquadre nos moldes da democracia brasileira, ao contrário da declaração do general, é curioso que as campanhas dos dois candidatos favoritos a disputar o segundo turno neste momento tenham se referido à necessidade de mudar a Carta Magna do País justo quando ela completa 30 anos. A Constituição brasileira foi aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte em 22 de setembro de 1988 e promulgada em 5 de outubro do mesmo ano.

Trata-se, portanto, de uma balzaquiana. Mulher experiente e emocionalmente amadurecida, ainda que possa ter lá seus defeitos como qualquer outra balzaquiana.

Mulheres têm sido protagonistas nessas eleições tão estranhas. A elas fazem questão de se referir os candidatos nos debates na TV. Foram elas que organizaram o movimento #EleNão, que ganhou não apenas as ruas do País, mas também as páginas da imprensa internacional e a adesão de celebridades globais. A divisão dramática do País ficou evidente quando, um dia após os protestos contra Bolsonaro, houve manifestações apoiando o candidato da direita extrema em algumas cidades brasileiras. As pesquisas de opinião continuam a mostrar que, apesar do peso das eleitoras, o candidato rejeitado por grande contingente das mulheres brasileiras ganha novos adeptos e adeptas, todos aqueles eleitores que nele votarão para evitar o retorno do PT.

Que fique claro: o pior cenário eleitoral se consolida rapidamente. Essa eleição não deveria ter se transformado em referendo sobre a democracia versus referendo sobre a corrupção, mas essa é a escolha com a qual se defrontará a população, por mais que o instinto de negação queira demonizar o outro lado para evitar a dor dessa realidade. Realidade que é fruto de circunstâncias que escaparam do nosso controle.

Luiz Carlos Azedo: Na aba do chapéu

- Correio Braziliense

“A taxa de rejeição de Fernando Haddad disparou de 32% para 41%. Bolsonaro, ao contrário, oscilou de 46% para 45%. Esse resultado colocou em xeque a estratégia do PT”

As últimas pesquisas confirmaram o favoritismo de Jair Bolsonaro (PSL) no primeiro turno das eleições, com uma alta de 28% para 32% nas intenções de voto. Seu principal concorrente, Fernando Haddad (PT), oscilou de 22% para 21%, ou seja, para baixo, o que confirma as avaliações de que os efeitos da transferência de votos do ex-presidente Luiz Inácio Lula Silva já se esgotaram. O surgimento de uma terceira via é quase impossível, apesar da resiliência de Ciro Gomes (PDT), que se manteve em 11%, e de Geraldo Alckmin, que oscilou de 10% para 9%. Marina (Rede) continua em queda gradativa: passou de 5% para 4%. Entretanto, essa correlação de forças ainda garante a realização de um segundo turno.

A primeira grande surpresa da pesquisa foi o crescimento de Bolsonaro em todos os segmentos nos quais estava em aparente dificuldade, a começar pelas mulheres. Apesar das manifestações de sábado passado em 14 estados, intituladas #EleNão, nesse segmento, cresceu de 21% para 27%, ultrapassando Haddad, que tem 20%. Confirmaram-se as análises de que a pauta identitária de gênero é minoritária, a exemplo do que aconteceu nas eleições norte-americanas, nas quais a candidata democrata Hillary Clinton foi derrotada pelo republicano Donald Trump, com seu discurso machista e homofóbico.

Os números de Bolsonaro impressionam, se levarmos em conta que o capitão reformado do Exército está fora das ruas, não tem tempo de televisão e administra declarações desencontradas de seu vice, general Hamilton Mourão, e do assessor econômico Paulo Guedes. A pesquisa mostrou que Bolsonaro continua em alta entre os eleitores com mais estudos e renda familiar de cinco a 10 salários mínimos. No Brasil meridional, está disparando: cresceu de 31% para 36% no Sudeste e de 35% para 44%, no Sul. O Nordeste continua sendo o principal reduto de Haddad, com 36% das intenções de voto.

Outra grande surpresa da pesquisa, porém, foi a taxa de rejeição de Fernando Haddad, que disparou de 32% para 41%. Bolsonaro, ao contrário, oscilou de 46% para 45%. Esse resultado colocou em xeque a estratégia do PT na reta final do primeiro turno, frustrando expectativas. Na aba do chapéu do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Haddad teve a identidade abduzida pelo seu criador e herdou toda a rejeição ao PT. O discurso petista, do ponto de vista programático, também afastou possíveis aliados no segundo turno, abrindo espaço para que Bolsonaro busque alianças ao centro do espectro político. Ontem, recebeu o apoio explícito da Frente Parlamentar Agropecuária, o que sinaliza essa deriva de aliados do ex-governador Geraldo Alckmin já no primeiro turno.

Nas simulações de segundo turno, inverteram-se as posições: Bolsonaro cresceu de 39% para 44%, e Haddad oscilou de 45% para 42%. O capitão reformado do Exército, porém, ainda perde para Ciro (46% a 42%) e Alckmin (43% a 41%). Segundo o Datafolha, 84% dos que lhe declaram apoio não pensam em mudar de voto; em relação ao petista, são 82%. Entre os que apoiam Ciro, 57% se dizem convictos; entre de Alckmin, 52%. Os apoiadores de Marina que admitem a possibilidade de mudar até o dia da eleição são 62%. O percentual de eleitores que pretendem votar em branco ou anular o voto caiu para 8%, dos quais 30% admitem votar em alguém até domingo, e 5% estão indecisos.

Mauro Paulino e Alessandro Janoni*: Reação conservadora e antipetista alavanca Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Ascensão de Haddad no Datafolha anterior permitiu ao deputado capitalizar o discurso de oposição ao PT

Os dados divulgados pelo Datafolha confirmam a tese, já apontada pelo instituto em análises anteriores, de que o crescimento do PT nas intenções de voto alimenta também seu antagonista, Jair Bolsonaro (PSL).

A expressiva ascensão de Fernando Haddad (PT) na pesquisa de sexta-feira (28), além de nova mídia espontânea no último final de semana, em função das manifestações pró e contra sua candidatura, permitiu ao deputado capitalizar o discurso antipetista e não só intensificar apoio em segmentos onde já encontrava entusiastas como também garimpar eleitores em estratos que mais o rejeitam.

A simpatia por sua candidatura ficou ainda mais forte no Sul, entre os mais ricos e mais escolarizados, mas também se espraiou para estratos de menor renda, para o Nordeste e inclusive no segmento feminino.

Bolsonaro continua rejeitado por metade das mulheres do país, e sua taxa de intenção de voto no estrato continua muito mais baixa do que no segmento masculino, mas, depois do final de semana, o índice das que pretendem elegê-lo subiu seis pontos percentuais.

Ao se combinar variáveis demográficas e econômicas, percebe-se que esse crescimento foi de 10 pontos percentuais entre as mulheres com renda mais alta, porém se mostra significativo também em estrato de maior peso na composição do eleitorado —entre as mulheres com até dois salários mínimos, ele subiu cinco pontos percentuais.

Uma hipótese para o fenômeno é o grau de identificação de subconjuntos femininos com valores das que se mostraram nos últimos dias contra ou a favor do capitão reformado.

Hélio Schwartsman: Civilização ou barbárie?

- Folha de S. Paulo

Segundo turno afigura-se como uma disputa entre o mal maior e um menor

Se de fato se confirmar um segundo turno entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro, o PT tentará vender a disputa como um embate entre a civilização e a barbárie.

Concordo com uma das pernas do raciocínio.
A candidatura do capitão reformado encontra-se, segundo a minha bússola moral e política, tão perto das trevas quanto é possível estar. Bolsonaro flerta com soluções extraconstitucionais, seu programa econômico é inconsistente e, mais importante, a pauta de valores que ele defende é diametralmente oposta à minha.

Não penso, contudo, que seja tão simples equiparar a candidatura petista à civilização. Embora eu considere Haddad um dos melhores quadros da sigla, ele não vem sozinho. O pacote petista traz vários senões, que, se não se equiparam às vicissitudes da candidatura adversária, não deixam de ser problemas.

Até hoje o PT não explicou seu ocaso ético. Acusa uma suposta injustiça da condenação de Lula, mas nada diz sobre o Petrolão, o megaescândalo de corrupção do qual foi fiador e que está comprovadíssimo. Bilhões de reais já foram ressarcidos aos cofres públicos. Eles vieram do nada?

Bruno Boghossian: A rejeição como diretriz

- Folha de S. Paulo

Motor da rejeição ao PT vale mais para alguns eleitores do que preferências sociais

O crescimento de Jair Bolsonaro e a disparada simultânea da rejeição a Fernando Haddad mostram o potencial do antipetismo como fator de definição do voto este ano. A aversão ao partido atravessa os segmentos do eleitorado, superando questões econômicas, sociais, regionais e até democráticas.

O candidato do PSL ganhou espaço em nichos que haviam erguido barreiras a seu avanço, como mulheres (27%), o Nordeste (20%) e os mais pobres (21%). Haddad parou de crescer em todos esses grupos e ainda viu sua rejeição subir 10 pontos no eleitorado feminino, chegando a 36%.

A repulsa ao PT sempre deu as caras nas grandes eleições com participação da sigla, aparecendo em todos os estratos da população com maior ou menor intensidade. O que os números do Datafolha sugerem é que Bolsonaro conseguiu aglutinar esse sentimento de maneira vigorosa na reta final do primeiro turno.

Cristiano Romero: Presidentes não podem agir como tiranos

- Valor Econômico

Dilma caiu por razões políticas, mas a crise pavimentou o caminho

O Brasil chegou a 2010 vivendo um momento mágico. Tendo vencido a guerra de 30 anos contra a inflação crônica, voltou a crescer a um ritmo respeitável (depois de duas décadas "perdidas"), com recuo da pobreza, acesso das empresas a crédito barato no exterior, investimento estrangeiro recorde no país (menor apenas que o recebido pela China). Depois de um longo inverno, o Brasil estava novamente na moda. Apesar dos muitos problemas não resolvidos, sentíamo-nos fortes para enfrentá-los.

Em 2010, a economia brasileira cresceu 7,5%, a taxa mais alta em 24 anos. A inflação - de 5,91% - estava relativamente alta para padrões internacionais, mas dentro do intervalo do regime de metas, na ocasião de 2,5% a 6,5%. O ritmo acelerado de expansão do PIB sobreveio à perturbadora crise mundial de 2008-2009. Depois de submeter-se a uma dieta fiscal que perdurou três mandatos presidenciais, em dois governos (Fernando Henrique Cardoso e Lula), pela primeira vez, o Brasil sobreviveu a uma crise externa sem sofrer disrupção.

Os 16 anos de FHC e Lula, os dois primeiros presidentes eleitos na Era do Real, consagraram alguns consensos, necessários à manutenção da inflação em níveis baixos, ao equilíbrio das contas públicas (condição sine qua non para conter o aumento da dívida mobiliária) e à garantia de um certo ritmo de crescimento do PIB, ainda que pequeno para as necessidades do povo brasileiro.

Alguns dos consensos são: disciplina fiscal, traduzida pela geração permanente de superávits primários (receitas menos gastos, exclusive, a despesa com juros) nas contas do setor público; regime de metas para a inflação, adotado pelo país desde meados de 1999 e que, de forma flexível, domou a inflação e diminuiu a volatilidade do produto; e o câmbio flutuante, fortalecido pela criação de um seguro (a acumulação de reservas cambiais) para o enfrentamento de crises de liquidez. Outros consensos: a ampliação da rede de proteção social e a realização de reformas institucionais.

Vinicius Torres Freire: A festa do dinheiro com Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Alegria no mercado é fato, mas em boa parte uma animação pelo mundo

É fato que o dinheiro fez festa para o salto de Jair Bolsonaro (PSL) na pesquisa de segunda-feira (1º).

Mas o motivo eleitoral parece apenas a espuma de uma onda de animação com países emergentes, notável desde meados de setembro.

Caso essa animação persista, terá impacto positivo mesmo na nossa paisagem com ruínas. No entanto, o cálculo das probabilidades ainda é uma pilhéria, tanto no que diz respeito a melhoras duradouras no panorama financeiro global quanto no doméstico, mesmo em caso de vitória da extrema-direita.

Os povos do mercado discutem se passou o pior das tormentas que abalaram os preços de ativos financeiros em países emergentes neste 2018.

As moedas, em particular, foram abaladas pela ameaça de guerra comercial, pelas crises turca e argentina, pela incerteza sobre a alta de juros nos EUA e por um ano política ou eleitoralmente agitado.

A resposta provisória parece ser "sim", a coisa pode acalmar. Pelo menos, o pessoal aproveita para fazer compras de ações e de moedas na xepa.

O estresse baixou aqui também, embora o barco brasileiro ainda vá balançar na eleição. O dólar ficou mais barato, os juros reais de curto prazo recuaram, para os níveis ainda altos de agosto.

As taxas de longo prazo, porém, indicam desconfiança grande do que será o próximo governo e desanimam quem queira tocar negócios na economia real.

Mesmo que sobrevenha euforia financeira em caso de vitória de Bolsonaro, o efeito a princípio será pirotécnico.

Ânimo para valer, para expansão de negócios, contratações de trabalhadores e aberturas ou levantamento de capital, tudo vai depender de perspectivas sérias de reforma econômica, fiscal em particular.

Há mais dificuldades.

Ricardo Noblat: Resta ao PT torcer por Alckmin

- Blog do Noblat

O preço da arrogância e da incúria

Seria ingenuidade pedir ao PT ou a qualquer outro partido que admitisse seus erros passados em plena campanha eleitoral ou às vésperas dela. Mas o PT teve tempo suficiente para pedir desculpas bem antes, e não pediu.

Deixou o eleitor sem saída: ou ele engolia a seco os erros não confessados e votava no PT ou simplesmente negava seu voto ao partido. É o que acontece, segundo as pesquisas de intenção de voto para presidente.

O transplante de votos de Lula para Fernando Haddad se deu a uma velocidade que surpreendeu os adversários. É possível que tenha acabado. O transplante da rejeição a Lula e ao PT ainda está em curso.

A quatro dias da eleição, resta ao PT acender velas para que Geraldo Alckmin (PSDB) cresça ou se mantenha como está, represando preciosos votos que poderiam eleger Jair Bolsonaro (PSL) direto no primeiro turno.

Alckmin ainda se mexe, embora respire por meio de aparelhos. Conforme-se o PT em apanhar dele hoje e amanhã, quando acaba no rádio e na televisão a propaganda eleitoral. Até torça para apanhar.

Por fim, cuide-se o PT para que Haddad não proceda mal no debate entre os candidatos nesta quinta-feira, o último e o mais decisivo da atual temporada. Fora isso, não terá muito mais o que fazer.

O medo de apanhar ao vivo e a cores

O dilema do capitão

Rosângela Bittar: O novo em casa velha

- Valor Econômico

Ibaneis saiu do traço para a liderança das pesquisas no GDF

Durante muito tempo a melhor escada para ascender à política partidária foi a política estudantil, a União Nacional dos Estudantes (UNE). Produziu políticos de esquerda e de direita, sem distinção. Muitos dos que hoje ainda estão em cargos de comando ou mandatos sucessivos vieram daí. Depois, o filhotismo, sobretudo pelo comando político dos coronéis do Nordeste, tornou-se ficha de entrada ampla e geral para o Congresso e as Assembleias. Isso permanece como um caminho seguro para muitos que desejam ingressar na política, principalmente na região onde os velhos caciques ainda controlam as regras.

Este ano, Brasília, que tem um lamentável escrete político que torna a escolha eleitoral um parto, notadamente na Câmara Distrital, deu uma contribuição importante à inovação e renovação. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) transformou-se em propulsão de acesso à política, com a candidatura de Ibaneis Rocha ao Governo do Distrito Federal.

Até a atual campanha, ninguém que não seja advogado filiado à Seccional da OAB do DF, ou que não tenha precisado do serviço de um escritório de advocacia especializado em ações trabalhistas, portanto representando o corporativismo exaltado que em Brasília é sinônimo de profissão e vida, tinha ouvido falar nele. Sua vivência política girou entre a advocacia trabalhista e os cargos de representação na OAB, de onde foi presidente da seccional e, ainda é, diretor do Conselho Federal e Corregedor da entidade.

Fantasmas petistas: Editorial | Folha de S. Paulo

Datafolha mostra avanço de Bolsonaro e disparada da rejeição a Haddad

No cenário sonhado pelo comando petista, o segundo turno da eleição presidencial seria um plebiscito sobre Jair Bolsonaro —no qual Fernando Haddad representaria a alternativa à truculência e ao despreparo do candidato do PSL.

Entretanto dificilmente deixaria de haver um outro plebiscito, que parece em curso acelerado, acerca do legado do PT e de seu líder máximo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Aqui, é o capitão reformado quem assume desde já o papel principal no contraponto aos escândalos de corrupção e à devastação das finanças públicas.

Na semana final da campanha de primeiro turno, a nova pesquisa Datafolha mostra a rejeição a Haddad em elevação rápida e acentuada, de 32% na sondagem de 26 a 28 de setembro para 41% verificados nesta terça-feira (2).

Já as intenções de voto no petista ficaram estagnadas, oscilando de 22% para 21%, pela primeira vez desde que Lula foi substituído no posto de candidato.

Bolsonaro mantém a maior taxa de rejeição, de 45%, mas ampliou sua dianteira na corrida ao Planalto. Tem 32% das preferências, ante 28% no levantamento anterior, o que tende a alimentar seus apelos a eleitores por uma vitória definitiva já no domingo (7).

O aviso está dado: Editorial | O Estado de S. Paulo

O Ministério do Planejamento elaborou um extenso documento em que detalha as decisões que o próximo governo terá de tomar logo nos primeiros dias da nova gestão para evitar que as contas públicas se aproximem perigosamente do colapso. Não se trata, é claro, de nenhuma imposição, pois o presidente eleito terá absoluta autonomia para tomar as decisões que julgar adequadas, de acordo com o programa apresentado ao eleitor. No entanto, será muito difícil, se não impossível, governar sem adotar imediatamente a maioria das medidas destacadas pelo Planejamento.

Segundo o relatório, são 36 decisões a serem tomadas nos primeiros cem dias de governo. De saída, conforme os técnicos do Planejamento, o presidente terá de proibir que os Ministérios reajustem índices e tabelas que representem mais despesas, o que tem sido feito por meio de portarias, que não passam pelo crivo do Congresso.

Também nos primeiros dias, o novo governo terá de enviar ao Congresso um pedido de crédito extraordinário, da ordem de R$ 285 bilhões, para cobrir gastos com a Previdência e pagar despesas correntes sem violar a chamada “regra de ouro” – que impede o governo de contrair dívidas para manter a máquina pública em funcionamento. Se ignorar a “regra de ouro”, o presidente pode ser acusado de crime de responsabilidade.

Além disso, o documento avisa que será necessário rever despesas e renúncias fiscais até o final de março, com o objetivo de cumprir o estabelecido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias. Um dos pontos mais importantes dessa revisão diz respeito ao reajuste salarial dos servidores públicos, que terá de ser adiado para 2020, segundo o estudo do Planejamento.

Lewandowski e Moro avançam o sinal: Editorial | O Globo

Liberação de entrevista de Lula e divulgação de depoimento de Palocci atestam objetivos eleitorais

O juiz Sergio Moro, da Lava-Jato, da primeira instância da Justiça Federal do Paraná, já havia alegado a necessidade legal da publicidade ao divulgar em 2016 grampo em que a presidente Dilma Rousseff, protegida pelo foro privilegiado, combinava com o ex-presidente Lula, este sob risco de prisão, a remessa de documento que o colocaria sob a mesma proteção.

Referia-se à nomeação dele para a chefia da Casa Civil, cargo ministerial. Era uma evidente patranha, mas não só o grampo fora feito além do horário permitido pela Justiça, como a participação da presidente da República na conversa no mínimo justificaria uma consulta de Moro ao Supremo.

Foi admoestado pelo ministro do STF Teori Zavascki, que também decretou a nulidade do grampo. O juiz depois pediu desculpas. Porém, o caso havia sido criado, e posteriormente Dilma seria cassada, mas por crime de irresponsabilidade fiscal.

Na segunda, Moro divulgou a delação que o ex-ministro Antonio Palocci, homem forte de Lula, fizera à Polícia Federal, em abril, na qual garante que o ex-presidente sabia do grande esquema de corrupção montado na Petrobras. Pela simples razão de que ele mesmo avalizara nomeações de técnicos da estatal para a diretoria da empresa, mas subordinando-os ao PT, PMDB e PP. A delação acabara de ser homologada pelo TRF-4, de Porto Alegre.

Moro fez com que se recordasse o caso do grampo de Lula e Dilma, agora com evidências de tentativa de interferência no primeiro turno das eleições presidenciais, a ser realizado domingo que vem.

Trump agora insinua uma ofensiva contra o Brasil: Editorial | Valor Econômico

O presidente Donald Trump, de repente, começou a fazer críticas à política comercial brasileira. Vindo do nada, em um discurso após ter sua truculência recompensada com um Nafta recauchutado e rebatizado de Acordo EUA, México, Canadá (USMCA), Trump criticou a "senhora das tarifas", a Índia e, em seguida, o Brasil, que segundo ele, "trata os Estados Unidos injustamente". Não se sabe o que o presidente americano pretende com isso, ao descer no ranking dos parceiros comerciais com os quais acena com relações belicosas.

Trump, em pleno período eleitoral, arrancou concessões do México e Canadá - e cedeu em pontos importantes, como a manutenção de um organismo tripartite para a arbitragem de contenciosos comerciais, que já existia no Nafta. O Canadá bateu o pé e conseguiu o que queria e Trump detesta, a saber a subordinação dos EUA a um centro de decisões que não controlam. O Canadá tinha seus trunfos nas mangas. Para poder aprovar no Congresso o acordo com o México, Trump tinha de levar junto o Canadá, porque seu mandado de negociação era sobre o Nafta. Na última hora, os negociadores americanos piscaram.

Pode-se intuir alguma coisa do que os EUA pretendem do Brasil se o acordo com seus mais próximos sócios comerciais serve de parâmetro. Pelas gabolices de Trump, é um grande acordo, que substitui "o pior jamais feito pelo país", o do Nafta. O presidente americano quer vantagens imediatas para setores determinados, isto é, não há uma visão geral de grande alcance, mas negociações no varejo, em retalhos.

1/3 dos eleitores ainda não cita candidato. A eleição está aberta’, diz diretora do Ibope

Entrevista com Marcia Cavallari, diretora executiva do Ibope

Marcia Cavallari afirma haver possibilidade de vitória de Bolsonaro no 1º turno, mas é ‘difícil’

Daniel Bramatti | O Estado de S.Paulo

Para a diretora executiva do Ibope Inteligência, Marcia Cavallari, responsável pelas pesquisas de opinião que indicam as chances de êxito de cada candidato, a probabilidade de uma vitória de Jair Bolsonaro (PSL) no primeiro turno das eleições 2018 é muito pequena, apesar de ele ter crescido no mais recente levantamento do instituto.

Na pesquisa divulgada nesta segunda-feira, 1.º, Bolsonaro apareceu com 31% das intenções de voto, quatro pontos a mais do que tinha cinco dias antes.

• Quais as chances de uma eventual vitória de Bolsonaro já no primeiro turno?

Essa possibilidade existe. Mas é uma probabilidade muito pequena. Bolsonaro tem 38% de votos válidos, segundo nossa pesquisa mais recente. Ele teria de crescer 12 pontos porcentuais até o dia da eleição, já que precisaria de 50% mais um. E não estamos vendo movimentação, pelo menos até a pesquisa de segunda-feira, de perda de votos dos demais candidatos. Isso reduz o espaço para crescer 12 pontos nessa semana. Se outros candidatos estivessem em curva descendente, o Ciro, o Alckmin, o próprio Haddad… Mas não é o que estamos vendo. Ciro está estável com 11% há muito tempo, Alckmin oscila em torno de 8% há muito tempo.

‘Os canais de renovação de ideias na política estão entupidos’, diz sociólogo

Entrevista com Sérgio Abranches, sociólogo e cientista político

Para Sérgio Abranches, autor do termo ‘presidencialismo de coalizão’, próximo presidente eleito terá de fazer alianças ‘grandes e heterogêneas’

Paulo Beraldo e Vítor Marques | O Estado de S.Paulo

Autor de artigo acadêmico que, há três décadas, cunhou o termo “presidencialismo de coalização”, o sociólogo e cientista político Sérgio Abranches, de 68 anos, considera que o presidente eleito nas eleições 2018 terá de fazer alianças “grandes e heterogêneas” e terá “dificuldade para governar”. “O futuro democrático está em jogo porque estamos com todos os canais de renovação de liderança e de circulação de novas ideias entupidos”, diz Abranches, ao Estado. O sociólogo acaba de lançar o livro Presidencialismo de Coalização – Raízes e Evolução do Modelo Político Brasileiro, no qual faz uma radiografia do sistema de governo brasileiro. Abaixo, os principais trechos da entrevista.

• Em quase três décadas, dois de quatro presidentes eleitos (Fernando Collor e Dilma Rousseff) sofreram impeachment. Isso não mostra uma falha do presidencialismo de coalização?

O impeachment não revela uma falha do sistema. Acho muito mais grave termos eleito apenas quatro presidentes (neste período). O impeachment é um mecanismo traumático para resolver um problema inerente ao presidencialismo de coalizão. Mas isso também seria problema no parlamentarismo. Dificilmente um presidente teria maioria com seu partido, tanto no presidencialismo ou parlamentarismo. Aqui o presidente tem todo o poder financeiro, inclusive para financiar questões dos municípios e Estados. As trocas se dão em torno de recursos para atender grupos de interesses e bases eleitorais. Então, há um incentivo enorme a uma troca puramente clientelista e à corrupção.

• Qual o balanço do presidencialismo de coalização nesses últimos 30 anos?

Conseguimos fortalecer instituições que garantem a governabilidade e a persistência da democracia. O presidencialismo de coalizão é capaz de resolver crises que ele próprio cria, derivadas da dissolução da coalizão presidencial que provoca desestabilização. Mas ele foi perdendo a qualidade na produção de políticas públicas. Para atender à dinâmica da coalizão, os presidentes começaram a baixar o nível de expectativa em relação à qualidade e profundidade das políticas que promoveram. Outro aspecto é que não podemos ter no impeachment a única forma de afastar presidentes que perdem apoio majoritário ou popularidade.

• O sr. cita a reeleição como um dos dilemas do presidencialismo. Por quê?

A reeleição prejudica terrivelmente o processo de renovação. Fernando Haddad tem dificuldade de se impor como liderança nova pela sombra de Lula. O Alckmin, pela sombra de FHC e por ter disputado o tempo todo com líderes regionais do partido. A reeleição agrava a oligarquização e a concentração em poucas lideranças. Ela impede a renovação. Em um sistema com tantos incentivos ao clientelismo, a reeleição é praticamente a regra. Em geral governadores e prefeitos nas grandes cidades conseguem se reeleger, o que agrava o processo. Se ao longo do mandato o presidente faz concessões para se reeleger, o grau de concessões clientelistas é infinitamente superior ao que tinha no primeiro mandato.

Entrevista - Boris Fausto: Disputa irracional

Aos 87 anos, o historiador e cientista político Boris Fausto acompanha com preocupação a campanha eleitoral e "uma tendência autoritária de direita" nunca vista com tal força no país. Mas, diante das dificuldades do país, Bolsonaro não vai liderar esse campo por muito tempo, diz ele. O caminho está aberto para outra figura menos "tosca".

"Vivemos um irracionalismo impressionante"

Por Fernando Taquari | Valor Econômico

SÃO PAULO - Aos 87 anos, o historiador Boris Fausto acompanha com preocupação os desdobramentos da eleição. Em sua opinião, a democracia brasileira está sob ameaça com uma vitória de Fernando Haddad (PT) e, sobretudo, de Jair Bolsonaro (PSL). "Vivemos um irracionalismo impressionante".

O capitão reformado do Exército, segundo Fausto, já demonstrou que não tem apreço pelo regime democrático e por isso representa um risco evidente. No caso de Haddad, ainda que o considere melhor do que o partido, o historiador vê indícios de um autoritarismo por parte de petistas ao mesmo tempo que aponta a falta de esforço do candidato do PT em promover um aceno para uma aliança com setores de centro.

Ex-professor de ciência política da Universidade de São Paulo (USP) e autor de estudos clássicos sobre a história do Brasil, Boris Fausto não descarta ainda a possibilidade de um governo petista adotar uma linha radical e ser alvo, diante da polarização extrema do país, de um golpe por parte de grupos militares com o apoio de civis.

"A figura do general tomando o Poder parece ter passado. A substituição disso se faz de uma forma muito insidiosa, com o controle do Judiciário e da imprensa, além de outras situações que vão corroendo a democracia por dentro e chegam à negação do regime. Isso é nítido e perigoso", afirma.

Com a experiência de quem viveu o Estado Novo (1937-1945), ainda que como criança e adolescente, e a ditadura militar (1964-1985), o historiador enxerga uma tendência autoritária de direita no Brasil neste momento com uma força que nunca se viu no passado.

Fausto, porém, não aposta que Bolsonaro seja capaz de liderar este campo. Uma vez presidente, seu voo será curto diante dos desafios dos país, aponta. O caminho, afirmou o historiador, está aberto para outra figura menos "tosca" e grosseira que o candidato do PSL. A seguir, os principais trechos da entrevista, concedida no escritório de sua casa, no Butantã.

Valor: Alguns analistas comparam esta eleição com a disputa de 1989. Há fundamento nisso?

Boris Fausto: Acho que esta é uma eleição bastante sui generis. Quando digo isso, não digo com satisfação nem com otimismo, mas com bastante preocupação diante dos dois candidatos que despontam na liderança. Temos um extremista, o Bolsonaro, e o Haddad, que não chamaria de extremista, mas cuja candidatura vejo como complicada. Mais do que a questão pessoal e partidária, temos ingredientes que não existiam em 1989, como o crescimento na divisão da sociedade, o ódio e a violência, expressa em vários episódios, como a facada em Bolsonaro. Isso sem falar na condenação e na prisão de um candidato [Lula] favorito. Tudo isso marca uma especificidade desta eleição e do caminho que o Brasil está tomando hoje.

Valor: O senhor vê a democracia em risco?

Boris: Claramente. Há um risco grave de interrupção por várias formas do regime democrático. Temos exemplos de países como Rússia ou Venezuela que chegaram a uma situação de regime autoritário por uma via que não é a típica do golpe de Estado. A figura do general tomando o poder parece ter passado. A substituição disso se faz de uma forma muito insidiosa, com o controle do Judiciário e da imprensa, além de outras situações que vão corroendo a democracia por dentro e chegam à negação do regime. Isso é nítido e perigoso.

Valor: É possível dizer que Bolsonaro e o PT representam o mesmo risco à democracia?

Boris: A resposta com relação ao Bolsonaro é mais simples. Ele é um evidente risco à democracia. Até porque ele não acredita na democracia. Trata-se de um defensor da tortura que elogia e quase sacraliza o regime militar. É tão explicita essa recusa da democracia que fica fácil dizer isso. Ainda recentemente disse que 'joga o jogo, mas só se eu ganhar'. Seria uma frase que seria infantil se não fosse dramática. Com relação ao PT é mais complicado.

Valor: Por quê?

Boris: Infelizmente, existe uma certa tentativa, não de todo o partido, de construir um poder hegemônico. São tendências fortes do PT que se expressam em frases como a de José Dirceu. Ele fala em tomar o poder. Não sei que peso tem o Dirceu nesta altura, mas são sinais de uma intenção autoritária. O PT também fala na ideia de estabelecer um controle da imprensa, mesmo que se diga que não é uma censura, mas uma comissão que vai regular as atividades da mídia para evitar o monopólio. É uma coisa que até faz sentido, mas da forma que eles colocam não me parece democrático e alvissareiro.

Carta pede ‘compromisso radical com democracia’

Manifesto encabeçado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em apoio a Alckmin reúne 91 assinaturas e defende realização de reformas

Pedro Venceslau | O Estado de S. Paulo

A cinco dias do primeiro turno das eleições, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso encabeça um manifesto em defesa da candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB) que foi lançado ontem e reúne 91 assinaturas.

Além de FHC, entre os signatários estão o economista Samuel Pessoa, o cientista político Rubens Figueiredo, o cineastas João Batista de Andrade, o administrador Guilherme Setúbal e o educador Cláudio Moura e Castro. Os organizadores são Rubens Figueiredo, Antonio Lanzana, Gustavo Dedivitis, José Álvaro Moisés e Roberto Macedo.

O texto diz que o Brasil precisa de um “compromisso radical com a democracia” e defende a realização de reformas. A iniciativa ocorre em um momento delicado para a campanha de Alckmin, que na mais recente pesquisa Ibope/Estado/TV Globo apareceu com 8% das intenções de voto. Segundo levantamento do Datafolha divulgado ontem, o tucano oscilou para baixo – de 10% para 9%.

Centro. A iniciativa do manifesto ocorreu depois que fracassou a última tentativa de evitar a fragmentação dos partidos de centro na eleição presidencial. Em maio, lideranças de PSDB, DEM, MDB e PTB uniram esforços para articular um palanque único na disputa, em um movimento que teve a chancela do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A proposta, no entanto, não foi adiante porque nenhum dos presidenciáveis se dispôs a abrir mão da própria candidatura.

Tentativa. Em setembro, a consolidação da liderança de Jair Bolsonaro (PSL) e o crescimento de Fernando Haddad (PT) nas pesquisas levou o PSDB a fazer um apelo a Fernando Henrique para que ele articulasse a retomada do movimento Polo Democrático, que tentava atrair os candidatos de centro ao palanque tucano para evitar a polarização. A iniciativa, porém, esbarrou no ceticismo de aliados e novamente resistência dos candidatos em abrir mão da disputa.

Após o fracasso da segunda tentativa, a campanha de Alckmin partiu para uma estratégia agressiva de usar os comerciais do horário eleitoral para buscar diretamente o eleitor de Marina Silva (Rede), Henrique Meirelles (MDB) e João Amoedo (Novo) com o argumento do voto útil.

A cartada final da campanha tucana foi apelar para o “medo” da volta do PT e pregar que votar em Bolsonaro significaria carimbar o passaporte para o retorno do partido de Lula ao poder. “Você vê que o PT poupa o Bolsonaro, porque tudo o que o PT quer é ter o candidato de maior rejeição no segundo turno”, afirmou o ex-governador em declarações. A campanha também reforçou o tom antipetista.

Candidatura de Geraldo Alckmin recebe apoio de 91 intelectuais

O presidenciável tucano Geraldo Alckmin recebeu nesta terça-feira oficialmente o apoio de 91 intelectuais. Encabeçada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a mobilização foi organizada por Rubens Figueiredo, Antonio Lanzana, Gustavo Dedivitis, José Álvaro Moisés e Roberto Macedo. O documento seria entregue hoje às 19 horas ao candidato, mas o evento acabou adiado por uma questão de agenda.

“O Brasil necessita, mais do que nunca, de um governante experiente, responsável, equilibrado, com um diagnóstico preciso dos nossos problemas. Precisa ter compromisso radical com a democracia e ser capaz de aglutinar as forças políticas para a realização de reformas, sem as quais não atingiremos o desejado desenvolvimento econômico e social sustentável. O único candidato que preenche esse perfil é Geraldo Alckmin”, diz o documento.

Leia o manifesto na íntegra:

Lista dos signatários do Manifesto de apoio a Geraldo Alckmin e às reformas

O Brasil necessita, mais do que nunca, de um governante experiente, responsável, equilibrado, com um diagnóstico preciso dos nossos problemas. Precisa ter compromisso radical com a democracia e ser capaz de aglutinar as forças políticas para a realização de reformas, sem as quais não atingiremos o desejado desenvolvimento econômico e social sustentável.

O único candidato que preenche esse perfil é Geraldo Alckmin. Ao longo de sua trajetória, Alckmin tem se mostrado um político competente, aglutinador e ponderado. Está, portanto, absolutamente preparado para os enormes desafios que o próximo presidente enfrentará. Por tudo isso, estamos com Geraldo Alckmin.

Após Palocci, Alckmin tenta emplacar o ‘Eles não!’

Candidato do PSDB a presidente usa denúncias de corrupção em busca de votos de eleitores que rejeitam os governos do PT

Cristiane Jungblut | Globo

BRASÍLIA - A campanha do candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, levou para a TV, no programa eleitoral de ontem à noite, as revelações da delação do ex-ministro Antonio Palocci, que envolve uma série de integrantes da cúpula do PT em crimes relacionados ao esquema de corrupção da Petrobras. O tucano manteve as críticas que tem feito ao presidenciável do PSL Jair Bolsonaro. Aseis dias da eleição, Alckmin lançou a campanha “Eles não!”, que citou pela primeira vez no debate de domingo, na TV Record.

O presidente nacional do DEM, ACM Neto, avaliou que o programa, ao abordar as confissões de Palocci, reforça o discurso antipetista da campanha de Alckmin.

— A delação de Palocci comprova tudo que se falava. Vamos mostrar que apenas o Geraldo tem condições de vencer o PT no segundo turno. Estamos firmes com Geraldo até o fim —disse ACM Neto.

Na propaganda, o locutor se refere à delação como um “escândalo” e diz comprovar que o ex-presidente Lula “sabia de tudo”. “Um país feliz de novo, só se for para os corruptos. Se o PT voltar, a corrupção vai continuar”, diz o narrador.

Em seguida, a vice na chapa, senadora Ana Amélia (PP-RS), reforça o discurso.
— Se você não quer o PT de volta, o voto certo é Geraldo Alckmin — diz ela, afirmando que somente o tucano terá apoio no Congresso e, por isso, terá condições de governabilidade.

No programa, são feitas críticas tanto ao PT como a Bolsonaro, afirmando que os dois lados votaram contra o Plano Real e que ambos querem uma nova Constituição.

Alckmin encerra a sua propaganda com o pedido de que o país não escolha “o caminho da intolerância” no próximo domingo.

Delação de Palocci vira arma contra Haddad

Afirmações do ex-ministro são usadas por Alckmin para tentar atrair o voto antipetista

Pedro Venceslau Marcelo Osakabe Jonathas Cotrim | O Estado de S. Paulo

O depoimento do ex-ministro Antonio Palocci à Polícia Federal, relatando o suposto elo dos governos Lula e Dilma com corrupção na Petrobrás, virou arma de adversários de Fernando Haddad (PT). Geraldo Alckmin (PSDB) afirmou que a delação terá impacto já no primeiro turno e mostrou trechos da delação em seu programa do horário eleitoral. Questionado se o depoimento de Palocci poderia ajudá-lo a chegar ao segundo turno, Ciro Gomes (PDT) disse que “não consegue ficar alegre com isso”.

Às vésperas do primeiro turno da eleição, o depoimento do ex-ministro Antonio Palocci à Polícia Federal, relatando o elo dos governos Lula e Dilma com corrupção na Petrobrás, virou arma de adversários do candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad.

O tucano Geraldo Alckmin afirmou que a delação terá impacto sobre o pleito. “Vamos aguardar a Justiça. O que o brasileiro quer é uma Justiça e uma polícia independentes”, disse ele.

O programa de TV de Alckmin destacou ontem, logo na abertura, trechos da delação de Palocci, na tentativa de atrair o eleitor antipetista e também os indecisos, nessa reta final.

Depoimentos do ex-ministro de Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva, hoje preso da Lava Jato, foram divulgados depois que o juiz Sérgio Moro levantou parte do sigilo do processo.

A propaganda do candidato do PSDB mostrou reportagens, enquanto um locutor dizia: “Escândalo. Comprovado o que o Brasil tinha certeza. Lula sabia de tudo sobre a corrupção na Petrobrás. Se o PT voltar, a corrupção vai continuar”.

O comercial também atacou Jair Bolsonaro (PSL), líder das pesquisas de intenção de voto, e o comparou ao candidato do PT, sob o argumento de que ambos querem criar uma nova Constituição. De acordo com o Ibope, Alckmin permanece em quarto lugar na disputa, com 8%, atrás de Bolsonaro – que cresceu quatro pontos e chegou a 31% –, de Haddad, com 21%, e de Ciro Gomes (PDT), que passou de 12% para 11%.

Questionado se considera que a delação de Palocci pode ajudá-lo a chegar ao segundo turno, Ciro disse não conseguir ficar “alegre” com isso. “Vamos passar os últimos cinco dias de eleição de novo na mesma lenga-lenga, no mesmo escândalo, na mesma nojeira, que é o que tem marcado a vida brasileira desde a crise de 2014”, afirmou.

Vice na chapa de Alckmin, a senadora Ana Amélia (PP) acusou o PT de não respeitar a Lava Jato, em debate promovido ontem pelo jornal Folha de S.Paulo, UOL e SBT. A estocada ocorreu após Manuela d’Ávila (PCdoB), que faz dobradinha com Haddad, criticar o fato de Moro levantar o sigilo da delação de Palocci a poucos dias da eleição.

Tom Jobim: Sabiá

Cecília Meireles: Diálogo

Minhas palavras são a metade de um diálogo
obscuro continuando através de séculos impossíveis.

Agora compreendo o sentido e a ressonância
que também trazes de tão longe em tua voz.

Nossas perguntas e resposta se reconhecem
como os olhos dentro dos espelhos.

Olhos que choraram. Conversamos dos dois extremos da noite,
como de praias opostas. Mas com uma voz que não se importa...

E um mar de estrelas se balança entre o meu pensamento e o teu.
Mas um mar sem viagens.