Aos 87 anos, o historiador e cientista político Boris Fausto acompanha com preocupação a campanha eleitoral e "uma tendência autoritária de direita" nunca vista com tal força no país. Mas, diante das dificuldades do país, Bolsonaro não vai liderar esse campo por muito tempo, diz ele. O caminho está aberto para outra figura menos "tosca".
"Vivemos um irracionalismo impressionante"
Por Fernando Taquari | Valor Econômico
SÃO PAULO - Aos 87 anos, o historiador Boris Fausto acompanha com preocupação os desdobramentos da eleição. Em sua opinião, a democracia brasileira está sob ameaça com uma vitória de Fernando Haddad (PT) e, sobretudo, de Jair Bolsonaro (PSL). "Vivemos um irracionalismo impressionante".
O capitão reformado do Exército, segundo Fausto, já demonstrou que não tem apreço pelo regime democrático e por isso representa um risco evidente. No caso de Haddad, ainda que o considere melhor do que o partido, o historiador vê indícios de um autoritarismo por parte de petistas ao mesmo tempo que aponta a falta de esforço do candidato do PT em promover um aceno para uma aliança com setores de centro.
Ex-professor de ciência política da Universidade de São Paulo (USP) e autor de estudos clássicos sobre a história do Brasil, Boris Fausto não descarta ainda a possibilidade de um governo petista adotar uma linha radical e ser alvo, diante da polarização extrema do país, de um golpe por parte de grupos militares com o apoio de civis.
"A figura do general tomando o Poder parece ter passado. A substituição disso se faz de uma forma muito insidiosa, com o controle do Judiciário e da imprensa, além de outras situações que vão corroendo a democracia por dentro e chegam à negação do regime. Isso é nítido e perigoso", afirma.
Com a experiência de quem viveu o Estado Novo (1937-1945), ainda que como criança e adolescente, e a ditadura militar (1964-1985), o historiador enxerga uma tendência autoritária de direita no Brasil neste momento com uma força que nunca se viu no passado.
Fausto, porém, não aposta que Bolsonaro seja capaz de liderar este campo. Uma vez presidente, seu voo será curto diante dos desafios dos país, aponta. O caminho, afirmou o historiador, está aberto para outra figura menos "tosca" e grosseira que o candidato do PSL. A seguir, os principais trechos da entrevista, concedida no escritório de sua casa, no Butantã.
Valor: Alguns analistas comparam esta eleição com a disputa de 1989. Há fundamento nisso?
Boris Fausto: Acho que esta é uma eleição bastante sui generis. Quando digo isso, não digo com satisfação nem com otimismo, mas com bastante preocupação diante dos dois candidatos que despontam na liderança. Temos um extremista, o Bolsonaro, e o Haddad, que não chamaria de extremista, mas cuja candidatura vejo como complicada. Mais do que a questão pessoal e partidária, temos ingredientes que não existiam em 1989, como o crescimento na divisão da sociedade, o ódio e a violência, expressa em vários episódios, como a facada em Bolsonaro. Isso sem falar na condenação e na prisão de um candidato [Lula] favorito. Tudo isso marca uma especificidade desta eleição e do caminho que o Brasil está tomando hoje.
Valor: O senhor vê a democracia em risco?
Boris: Claramente. Há um risco grave de interrupção por várias formas do regime democrático. Temos exemplos de países como Rússia ou Venezuela que chegaram a uma situação de regime autoritário por uma via que não é a típica do golpe de Estado. A figura do general tomando o poder parece ter passado. A substituição disso se faz de uma forma muito insidiosa, com o controle do Judiciário e da imprensa, além de outras situações que vão corroendo a democracia por dentro e chegam à negação do regime. Isso é nítido e perigoso.
Valor: É possível dizer que Bolsonaro e o PT representam o mesmo risco à democracia?
Boris: A resposta com relação ao Bolsonaro é mais simples. Ele é um evidente risco à democracia. Até porque ele não acredita na democracia. Trata-se de um defensor da tortura que elogia e quase sacraliza o regime militar. É tão explicita essa recusa da democracia que fica fácil dizer isso. Ainda recentemente disse que 'joga o jogo, mas só se eu ganhar'. Seria uma frase que seria infantil se não fosse dramática. Com relação ao PT é mais complicado.
Valor: Por quê?
Boris: Infelizmente, existe uma certa tentativa, não de todo o partido, de construir um poder hegemônico. São tendências fortes do PT que se expressam em frases como a de José Dirceu. Ele fala em tomar o poder. Não sei que peso tem o Dirceu nesta altura, mas são sinais de uma intenção autoritária. O PT também fala na ideia de estabelecer um controle da imprensa, mesmo que se diga que não é uma censura, mas uma comissão que vai regular as atividades da mídia para evitar o monopólio. É uma coisa que até faz sentido, mas da forma que eles colocam não me parece democrático e alvissareiro.