quinta-feira, 30 de abril de 2020

Opinião do dia - João Doria*

“Eu posso enumerar, presidente, atitudes que o senhor já deveria ter tomado. Começando por respeitar os brasileiros que o elegeram e os que não o elegeram também. Respeitando pais, mães, avós, parentes e amigos de pessoas que perderam suas vidas para o coronavírus. O coronavírus que o senhor classificou como ‘gripezinha’.”

“Respeite o luto de mais de 5 mil famílias que perderam entes queridos. Respeite médicos, enfermeiros, profissionais de saúde, que, ao contrário do senhor, que vai treinar tiro em estande de tiro, estão trabalhando para salvar vidas.”

“Pare, presidente, com esta política da perversidade, pare de fazer política.”
“Saia dessa sua redoma de Brasília e venha ver a gripezinha, venha ver as pessoas agonizando nos leitos.”

“Vá ajudar o governador do Amazonas e o prefeito de Manaus, sendo solidário e estando presente para ver a realidade do seu país, não sua realidade do estande de tiro onde o senhor foi celebrar enquanto nós choramos mortes de brasileiros.”

“Saia da sua bolha, saia do seu mundinho de ódio.”


*Governador de São Paulo, O Estado de S. Paulo, 30/4/2020

Merval Pereira - Caminho pedregoso

- O Globo

Há políticos que chegaram ao poder pelo voto, como na Venezuela, e conseguiram controlar as instituições

Jair Bolsonaro está cumprindo uma espécie de via-Crucis a que é obrigado todo presidente que enfrenta um processo de impeachment sem que haja, no entanto, condições práticas de transformá-lo em realidade, embora todas as premissas estejam dadas.

A Covid-19, que o presidente tanto desdenhou, impede que o Congresso se reúna presencialmente para discutir o tema, e também faz com que as ruas vazias não reverberem o sentimento majoritário.

Bolsonaro deveria ser a favor do distanciamento social, que faz com que manifestações populares pedindo sua saída se transformem em panelaços quase diários. Simbólicos, porém ineficazes.

Se não houvesse esses obstáculos impostos por uma trágica pandemia, as ruas explodiriam diante do “E daí?” dito pelo presidente sobre as mais de cinco mil mortes de brasileiros, todos sem direito a velório, muitos enterrados em covas rasas.

A busca de apoio no Congresso, que todos os que sofreram impeachment fizeram e apenas Michel Temer concretizou, é uma dessas etapas, e nessa Bolsonaro tem desvantagem, pois sai de quase zero para conseguir uma maioria defensiva que evite o impeachment. Vai sair muito mais caro, e não há certeza de final feliz.

A cada bolsonarice que diz ou faz, abala a confiança que por acaso ainda exista em setores da classe média que o apoiou em 2018. Agora mesmo está fazendo mais uma de suas bravatas para agradar seu núcleo duríssimo de apoiadores quando diz que vai insistir no nome do delegado Alexandre Ramagem para chefiar a Polícia Federal.

Míriam Leitão - Bolsonaro renunciou

- O Globo

Não exerce mais a Presidência quem demonstra tal desprezo pela dor do país, e já não cabe mais a esperança de que ele entenda

O presidente Jair Bolsonaro renunciou à Presidência quando, diante de cinco mil brasileiros mortos, perguntou “e daí?” Não exerce a Presidência quem demonstra tal desprezo pelo seu próprio povo. Já não cabe mais esperança de que ele entenda como é desempenhar as “magnas funções”, para as quais foi eleito. Há suficientes palavras e atos ofensivos ao longo desta pandemia demonstrando que Bolsonaro jamais assumirá o papel que tantos líderes na história do mundo exerceram quando seus povos viveram tragédias. A nossa se desdobra em vários campos, na saúde, na economia, na vida social e pessoal. Mas Bolsonaro vive em seu mundinho como se a realidade não fosse essa fratura exposta.

Ontem foi um dia de derrota para o presidente Jair Bolsonaro, mas grande mesmo é a dor do país. No Brasil real contou-se de novo mais de 400 mortos num dia, e ainda ouvia-se o eco da voz de Bolsonaro escarnecendo —“lamento, mas e daí?” — quando se atravessou, na véspera, a marca de 5 mil mortos. No seu mundo, Bolsonaro ficou irritado porque não conseguiu nomear o amigo Alexandre Ramagem para a Polícia Federal. Na vida real, o país vive a aflição, o medo, a solidão, a falta de ar, a morte sem os rituais de despedidas, os enterros apressados, a longa espera nas filas por um direito, o risco cotidiano.

No seu mundo, Bolsonaro ficou bravo porque encontrou o limite do sistema de freios e contrapesos da democracia. O ministro Alexandre de Moraes mandou suspender a posse de Alexandre Ramagem numa peça em que deixou claro que não o fazia por qualquer idiossincrasia. Era um fato objetivo. Havia o risco de se ferir o princípio da impessoalidade e de haver desvio de função da Polícia Federal. Os indícios disso estavam na própria fala de Bolsonaro ao tentar desmentir seu ex-ministro da Justiça Sergio Moro. No final do dia, ele bateu na mesa e disse que recorrerá da decisão do ministro do STF. “Quem manda sou eu”, disse ele. E está à beira de criar um monstro jurídico. Não se pode recorrer da suspensão de um ato que ele mesmo revogou. Difícil a primeira tarefa do novo advogado-geral da União. Ele sabe que é impossível recorrer de uma causa sem objeto.

Bernardo Mello Franco - Navegando às cegas

- O Globo

O novo ministro da Saúde parece perdido diante da pandemia. Em videoconferência, ele enrolou os senadores e só foi assertivo ao dizer o que não sabe

O Ministério da Saúde adverte: em caso de dúvidas, evite consultar o ministro da Saúde. Há duas semanas no cargo, Nelson Teich parece não saber onde estamos e aonde vamos na pandemia do coronavírus. Ele reforçou essa impressão nesta quarta, no primeiro encontro público com parlamentares.

Em videoconferência, Teich falou muito e disse pouco. Ele driblou as perguntas dos senadores, desconversou sobre a importância das medidas de isolamento e abusou das evasivas para não contrariar o chefe. Só foi assertivo ao reconhecer que não tem ideia de quantos brasileiros estão contaminados.

“Os testes que a gente faz não permitem saber exatamente essa realidade. Sem esse conhecimento, literalmente se está navegando às cegas. Essa é a grande verdade”, admitiu. Teich também saiu pela tangente ao ser questionado sobre a evolução da epidemia. “Quando é que vai ser o pico? Não sei e ninguém sabe”, disse.

Ascânio Seleme - Os homens do presidente

- O Globo

Suas ligações com criminosos profissionais sempre foram conhecidas

Um gabinete do ódio foi instalado no governo para dar vazão ao maior de todos os sentimentos de um presidente movido pelo desejo permanente de retaliação. Ele se disse perseguido e sempre odiou todos aqueles que identificava como inimigos ou que imaginava um dia poderem se transformar em inimigos. Por isso, destilou sua ira contra políticos de oposição, aliados que não mostravam firmeza, ex-aliados, juízes, desembargadores, ministros da Suprema Corte, jornalistas ou qualquer outro tipo de gente que não pensasse como ele ou que se interpusesse entre ele e seu projeto político.

O gabinete usou todos os instrumentos que conseguiu dispor para construir constrangimentos aos inimigos do chefe. Espionou, divulgou notícias falsas, impediu acesso a documentos oficiais, criou barreiras entre o presidente e a imprensa, proibiu veículos de informação de entrar na sede do governo, mentiu para o Congresso, privilegiou amigos. Suas ligações com criminosos profissionais, milicianos que trabalhavam por dinheiro, sempre foram conhecidas. Recursos do fundo partidário eram usados para pagar por serviços prestados por esses indivíduos, de resto tão inescrupulosos quanto os membros do gabinete do ódio e o próprio presidente da República.

Carlos Alberto Sardenberg - Bolsonaro é o culpado

- O Globs

Presidente trata de atacar os que considera seus inimigos, mesmo que isso prejudique o combate à epidemia

É claro que governadores e prefeitos têm enorme responsabilidade no combate ao novo coronavírus, conforme foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal. Cabe a eles, por exemplo, a decisão crucial de abrir ou fechar o comércio, colocar mais ou menos ônibus nas ruas, voltar ou não às aulas.

Mas isso não os torna “culpados” pelas mortes, como atacou o presidente Bolsonaro. Culpa é diferente de responsabilidade. E esta, no caso de governadores e prefeitos, tem uma limitação importante: dinheiro.

A crise apanhou a maioria dos estados com déficits em suas contas e dívidas elevadas. A paralisação de boa parte das atividades leva a uma queda de receita, de modo que a tempestade é perfeita: menos dinheiro diante da necessidade de gastar mais.

Aqui entra uma primeira responsabilidade enorme do governo federal. Só este pode, digamos, inventar dinheiro, tomando dívida e mesmo imprimindo reais. Junto com o Congresso, cabe ao governo federal decidir quanto dinheiro vai gerar, como será distribuído e para quais finalidades.

É nesta tarefa crucial que o presidente Bolsonaro, se fosse um dirigente minimamente adequado, deveria estar empenhado. Como, aliás, fez seu ídolo Trump. Agindo em combinação com o Congresso, inclusive com a Câmara controlada pela oposição, o presidente aprovou pacotes de trilhões de dólares para socorrer pessoas, empresas e administrações públicas estaduais.

Luiz Carlos Azedo - Dos meios e dos fins

-Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“No Estado de direito democrático, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) não se discute, cumpre-se. Quando isso não acontece, é um mau agouro”

O presidente Jair Bolsonaro vive num mundo só dele, que não é bem o país que governa. É difícil fechar um diagnóstico sobre as razões, mas é possível identificar os sintomas de que idealizou uma agenda, um governo e um Estado centralizador e agora se vê diante de uma realidade muito diferente daquela que imaginava. Primeiro, a agenda do país não é a sua, focada nos costumes e nos interesses imediatos de sua base eleitoral. Já lidava com dificuldades na economia quando a pandemia de coronavírus virou tudo de pernas para o ar.

Todas as suas prioridades foram alteradas. Ninguém sabe exatamente quando e como voltaremos à normalidade, mas sua insistência em antecipar esse processo de retomada da economia, num momento de aceleração da epidemia, vem se revelando um desastre do ponto de vista da saúde pública. É como aquele sujeito que erra de conceito: seus bons atributos, como iniciativa, coragem, combatividade, criatividade, força etc. só servem para aumentar o tamanho do desastre. A agenda do país é epidemia, epidemia e epidemia, pelo menos nas próximas duas semanas.

Também idealizou um governo no qual seu poder seria absoluto, como vértice do sistema. Está descobrindo que não é assim que funciona. Na democracia, há uma tensão permanente entre os que governam e a burocracia de carreira, responsável pela legitimidade dos meios empregados na ação político-administrativa. A ética das convicções, que motiva os políticos, não basta; ela é limitada pela máquina do governo, que foi organizada, treinada e instrumentalizada para observar as leis antes de agir, ou seja, zelar pela ética da responsabilidade. Bolsonaro não consegue lidar com isso. Em todas as frentes, tenta atropelar, substituir ou desmoralizar os que não aceitam decisões que são equivocadas tecnicamente e/ou contrariam a boa política e o interesse público.

Ricardo Noblat - Bolsonaro em modo de campanha

- Blog do Noblat | Veja

Bravatas e caça a votos
Antes de se recolher ao seu quarto de dormir no Palácio da Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro fez questão de protagonizar mais dois fatos. O primeiro: desautorizou a Advocacia Geral da União que anunciara que não recorreria da decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, de suspender a posse de Alexandre Ramagem como diretor da Polícia Federal.

O segundo: em sua página no Twitter, acusou a Organização Mundial de Saúde de incentivar a masturbação e a homossexualidade de crianças. O post ficou no ar o tempo suficiente para ser copiado e distribuído pelos interessados, principalmente bolsonaristas de raiz. Mais tarde foi apagado – ou por Bolsonaro ou por seu filho Carlos.

Bravatas, só bravatas. Tão logo soube da decisão do ministro Alexandre de Moraes, o próprio Bolsonaro assinou portaria tornando sem efeito a nomeação de Ramagem para o comando da Polícia Federal. Devolveu-o à direção da Agência Brasileira de Inteligência, de onde fora removido. Portanto, não tem mais como recorrer de nada porque ele mesmo revogou a nomeação.

Por si só, o ato de apagar a mensagem ofensiva à Organização Mundial de Saúde prova que Bolsonaro só a escreveu para provocar alarido e causar polêmica. Bravata pura, do contrário não a teria suprimido. Há poucas semanas, ele editou um trecho de pronunciamento do diretor da Organização para reforçar sua posição contra o confinamento social. Pego em flagrante, recuou.

Dora Kramer - Intenção ou provocação?

- Veja

Bolsonaro insinua que não desistiu de Ramagem na direção da PF

Quando se trata do presidente Jair Bolsonaro é difícil distinguir intenções verdadeiras de meras bravatas. Portanto, pelo discurso dele nesta quarta-feira, 29, na posse do novo ministro da Justiça, André Mendonça, não é possível saber se manifestava uma real intenção ou se simplesmente fazia uma provocação ao dizer que o “sonho” de ver Alexandre Ramagem na direção-geral da Polícia Federal ainda vai se “concretizar”.

Isso pouco depois de ter assinado decreto revogando a nomeação, devido ao veto imposto pelo ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal, e de segundos antes ter afirmado “respeito” à decisão da Justiça.

Se a ideia do presidente for realmente buscar algum tipo de atalho para conseguir impôr sua vontade no comando da PF, foi mero teatro o discurso comportado, dando a impressão de que o STF é uma efetiva barreira de contenção à sua insistência em testar os limites do exercício do cargo. Nesse caso, haverá turbulências adiante.

Se foi apenas mais uma bazófia dita a fim de pontuar seus desejos de mando absoluto, não há com o que se preocupar. Tratava-se de Bolsonaro sendo Bolsonaro, personagem a quem a realidade institucional se encarrega de dar repetidas mostras daquilo que disse recentemente o ministro Celso de Mello: o presidente, assim com todos os brasileiros, é um súdito da lei.

Vinicius Torres Freire – Campanha recoloca Guedes no trono

- Folha de S. Paulo

Guedes reassume trono da economia, mas pode não governar

A campanha para que Paulo Guedes reassumisse o controle da política econômica parece ter chegado ao fim e ao cúmulo nesta quarta-feira. O ministro-general Braga Netto (Casa Civil) fez juras de amizade, Jair Bolsonaro disse repetidas vezes que o ministro da Economia está prestigiado no cargo, os ministros que supostamente sabotavam o reformismo desapareceram ou foram a cerimônias em que precisavam ouvir que Guedes é quem manda.

Na verdade, era uma campanha contra um espantalho agigantado pela ideia histericamente caricata de que estava em curso um “resgate do Estado”, um avanço do “desenvolvimentismo da ala militar”, um novo PAC ou um plano “Dilma 3”. Mas campanha houve para colocar Guedes de volta no trono ou para garantir a continuidade do programa de reformas, que andava mal das pernas antes da epidemia e vai ficar sem uma delas depois do colapso econômico e fiscal provocado pela doença.

Decerto havia política nessa disputa, uma tentativa de ocupar espaço, dado o exílio temporário do ministro e o barata-voa dos gastos extras em tempos de epidemia, de pegar carona na crise. Havia política e haverá mais: uma tentativa de dar um nome-fantasia qualquer, “Pró-Brasil Verde Amarelo”, aos gastos necessários para conquistar e apaziguar aliados no Congresso em tempos de risco de impeachment.

O vago, vazio e nebuloso programa anunciado na semana passada não tinha nem fumaça de virada desenvolvimentista, como se dizia nas reações liberalóides estereotipadas, até por se tratar de muito pouco dinheiro. Embora fumaça, havia algum fogo ali. Mais importante, pode haver mais chamas.

Maria Hermínia Tavares* - O dia seguinte

- Folha de S. Paulo

Assunção de Hamilton Mourão seria a continuação do atual pesadelo

Sobram razões morais, políticas e possivelmente jurídicas para o impedimento de Jair Bolsonaro. As acusações do ministro Sergio Moro ao deixar o cargo são graves e verossímeis. Somam-se à repulsiva participação do presidente na manifestação em que, diante do Quartel-General do Exército, uma turba urrou pelo fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, com a volta da ditadura.

Ainda assim, é difícil descartar as considerações não só da oportunidade, mas sobretudo dos efeitos do impeachment. Se uma proposta nesse sentido avançasse no Congresso, consumiria inevitavelmente a atenção, o tempo e os esforços que devem ser dedicados ao único propósito coletivo que agora de fato importa: conter a enorme devastação humana, social e econômica produzida pelo coronavírus.

Ela poderá ter também outras consequências nefastas que não convém ignorar. No sistema presidencialista, os titulares do Executivo têm mandato fixo; a sua abreviação é quase sempre traumática. Com ou sem reeleição, o calendário preestabelecido é a regra de ouro que organiza a disputa pelo poder.

Fernando Schüler* - Estranha contabilidade humana

- Folha de S. Paulo

Brasil precisa fazer qualquer coisa para evitar o drama vivido em hospitais italianos

João Pereira Coutinho fez uma pergunta estranha em seu artigo desta semana: por que salvar um jovem delinquente e abandonar um velho exemplar? A pergunta é provocativa, mas real, nestes tempos de pandemia. O debate é o seguinte: o que fazer quando as UTIs explodem de gente e há mais pessoas em situação crítica do que a capacidade de atendimento?

Foi o dilema vivido pela Itália, semanas atrás. Uma publicação do Colégio Italiano de Anestesia, Analgesia, Reanimação e Terapia Intensiva criou um protocolo para lidar com o tema espinhoso. O conceito é simples: dado que os recursos são escassos, o foco é preservar quem tem “maior probabilidade de sobrevivência”.

Como segunda opção, quem tem mais anos de vida pela frente, de forma a “maximizar benefícios para a maioria”. Logo me perguntei: quantos anos? 50 anos me parece OK; 10 anos soa pouco relevante. Quem vai decidir essas coisas?

O protocolo é, por óbvio, utilitarista. Seus critérios chocam a partir de um olhar menos treinado. Um deles, em particular: estabelecer um limite de idade na entrada na UTI. Pessoas serão excluídas “a priori”. Me incomoda imensamente isso. Imaginei meu velho pai, se vivo fosse, aos 91, dando de cara na porta.

Roberto Dias - O pior está por vir

- Folha de S. Paulo

E daí, Jair Bolsonaro, que seus problemas mal começaram

O túmulo de Frank Sinatra carrega uma das mais impactantes frases já gravadas em uma lápide. “The best is yet to come” (“o melhor ainda está por vir”), promete a inscrição na Califórnia.

É o título de uma canção dos anos 50, gravada por Sinatra na década seguinte. Foi a última música que ele interpretou em público.

Morto em 1998, o cantor transmite uma mensagem de esperança. Já os vivos em 2020 recebem basicamente mensagens de desesperança.

Uma delas estampada na manchete do jornal The New York Times na manhã desta quarta (29), ao relatar o aceleradíssimo encolhimento da economia americana nesta crise. “O pior está por vir”, anunciava-se ali.

E daí?

E daí, Jair Bolsonaro, que seus problemas mal começaram. A declaração do presidente sobre os mortos pelo coronavírus desafia quem achava que não havia mais nenhum absurdo possível a ser dito por ele. E mostra que de Brasília não vai sair nada mesmo, se é que alguém ainda esperava isso. O presidente cada cava dia mais fundo seu próprio buraco e leva seu ministério junto.

Bruno Boghossian – Baú de brinquedos antigos

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro busca brinquedos antigos para distrair suas bases

Jair Bolsonaro deve ter se cansado de cometer erros na crise do coronavírus. Depois de prever só 800 mortes no país, de insistir no poder milagroso de um remédio e de atazanar governantes que tomaram medidas de isolamento, o presidente decidiu fingir que não tem mais nada a ver com isso.

A curva de mortes está em disparada, mas Bolsonaro afirma que o problema é de governadores e prefeitos. Já o ministro da Saúde admitiu que está "navegando às cegas" e que ninguém sabe quando vai ser o pico da contaminação, embora seu chefe tenha dito há pouco mais de duas semanas que estava "começando a ir embora a questão da pandemia".

Bolsonaro comprovou sua incompetência para lidar com a crise e, agora, resolveu abrir um baú de brinquedos antigos para distrair suas bases.

Como se não existisse uma doença devastadora, ele voltou a acenar a redutos conservadores com uma pauta voltada à segurança pública e sua conhecida cartilha ideológica.

Mariliz Pereira Jorge - O que eu quero, Bolsonaro?

- Folha de S. Paulo

Obrigada por ter perguntado, presidente

Jair Bolsonaro insiste na narrativa de que não tem nada a ver com as mortes causadas pela Covid-19. Vai que cola. "E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?", ele pergunta. Obrigada por ter perguntado, presidente. Aqui vão algumas sugestões do que fazer, visto que o senhor parece meio sem ideia.

Uma medida urgente é que você pare de brincar de roleta russa com a vida do brasileiro. O Imperial College diz que o Brasil tem a maior taxa de contágio do coranavírus do mundo e prevê mais de 5.000 mortes, na próxima semana. Diferentemente do que você disse, se insistir em abrir o comércio, quem corre risco é o povo. O único risco a que você se expõe é ser tachado de genocida. Mas e daí?

O que eu quero, Bolsonaro? Que você peça desculpas por ter dito que é gripezinha, histeria, fantasia. Que o vírus está indo embora, que está superdimensionado, que brasileiro pula em esgoto e não pega nada, que todo mundo vai morrer um dia.

José de Souza Martins* - Sociedade sem palavra

- Valor Econômico / Eu &Fim de Semana

“Desbancarizado” invadiu o noticiário recente quando o governo descobriu que dezenas de milhões de brasileiros são pobres, mas não sabia onde estavam, nem como encontrá-los

Um dos efeitos colaterais da disseminação do coronavírus é a falta de palavras e o aparecimento de novas palavras para designar e expressar as situações repentinas e inesperadas de uma sociedade enferma.
Sociólogos, antropólogos e linguistas estão munidos do aparato científico para fazer verdadeira arqueologia de cada palavra e nela identificar não só sua origem em tradições e circunstâncias remotas, mas também sua origem em carências atuais.

Quando o vazio se instala, em decorrência de rupturas sociais, como as guerras, as epidemias, os desastres naturais, a falência da ordem social e política, palavras se tornam obsoletas porque, por meio delas, já não há o que dizer.

Então, palavras são modificadas e novas são inventadas. As situações sociais se traduzem em consciência social e na linguagem pela qual essa consciência se torna comunicável porque legado da experiência humana. Por meio dela a experiência se torna memória.

As palavras carregam informações sobre a história de sua formação e nela a consciência social profunda da sociedade, na sutileza dos significados que a palavra contém. “Genro” é uma palavra simples que todos conhecem. É palavra que designa o homem que gera filhos para o sogro, um pai emprestado. Porque o pai de uma mulher está interditado para procriação com a filha pelo tabu do incesto.

A Filosofia política bolsonarista - Eduardo José Grin e Lilian Furquim de C. Andrade*

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

A denúncia de Moro de interferência política na PF aponta que Bolsonaro entende o poder público como um negócio de família

A ascensão do populismo em várias democracias veio também acompanhada pelo desprezo às instituições políticas e ao conhecimento científico. Ambas fruto de uma estratégia importante: no primeiro caso, visando reduzir mecanismos de controle dos poderes e de “accountability” governamental. No segundo, o desprezo pela ciência incentiva narrativas, meias verdades e informações falsas. Controle da informação é poder, mas nas democracias, com suas instituições educacionais, científicas e de difusão como jornais, revistas, blogs trabalhando em liberdade, o ambiente para os populistas fica mais difícil.

Para Donald Trump, Viktor Orbán e Jair Bolsonaro, a solução encontrada não poderia ser mais simples e direta: negar a validade do conhecimento para erigir um mundo sem essas amarras, dialogar diretamente com o “povo” (sic!) e reinventar a forma de gerar informação para as sociedades.

A versão tropicalizada dessa onda destrutiva tem no presidente Bolsonaro um exemplar ainda mais profundo, pois ela faz também pouco caso da filosofia política que esteve no centro do debate do amadurecimento das democracias ocidentais desde o século XVIII.

Ainda que o utilitarismo tenha perdido força como referência para o mundo capitalista, suas teses foram defendidas pelas classes dominantes do século XIX como forma de maximizar as preferências e as liberdades individuais. Conforme dois expoentes dessa tradição, Jeremy Bentham e John Stuart Mill, um dos fundadores do liberalismo, governos devem maximizar a felicidade da maioria. A ressalva é que esta teoria nasce numa época de preconceitos atrozes, moralismos e perseguições. O utilitarismo não julgava os meios, mas os resultados, o que se apresentou como uma verdadeira revolução no pensamento da época.

Maria Cristina Fernandes - O decano encara cabo, soldado e capitão

- Valor Econômico

Celso de Mello não deixará outra alternativa ao procurador senão denunciar o presidente

O veto à nomeação de Alexandre Ramagem para diretor-geral da PF pelo ministro Alexandre Moraes, do Supremo Tribunal Federal, mostra que, se o presidente Jair Bolsonaro pretendia ter pontes com a Corte, com suas recentes indicações para a Advocacia- Geral da União e o Ministério da Justiça, a pinguela despencou antes de estabelecida.

Procurador-geral da Fazenda Nacional, Levi Mello do Amaral foi secretário-executivo do MJ na gestão Alexandre de Moraes, hoje relator de dois inquéritos que cercam o mandato presidencial, o das “fake news” e da manifestação do dia do Exército.

Além de segundo de Moraes no MJ, o novo AGU também é próximo de Gilmar Mendes. Compõe com novo ministro da Justiça, André Mendonça, ex-colega do ministro Dias Toffoli na AGU e seu candidato para a próxima vaga no Supremo, uma dupla que prometia azeitar a interlocução com a Corte.

A pinguela começou a ser dinamitada em sua própria base. A deputada Carla Zambelli, da tropa de choque bolsonarista, acusou Moraes, que foi secretário de Segurança em São Paulo, de vínculos com o PCC. Apresentou como única evidência o fato de o ministro “estar envolvido na causa de investigar pessoas que fazem o bem pelo Brasil”.

Na primeira vez em que o STF interferiu numa nomeação do Executivo, a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a Casa Civil de Dilma Rousseff, com base num grampo ilegal do ministro Sergio Moro, deu início à queda da ex-presidente. Não foi a última.

Durante o governo Michel Temer, a ministra Carmen Lúcia suspenderia a nomeação da deputada federal Cristiane Brasil (PTB-RJ) e o ministro Celso de Mello manteria a de Moreira Franco. Nenhuma delas abalou o mandato presidencial.

Ribamar Oliveira - Sacrifício desigual

- Valor Econômico

Trabalhador “comum” será mais penalizado na crise que servidor público

A contrapartida que o ministro da Economia, Paulo Guedes, quer de Estados e municípios para que recebam ajuda financeira do governo federal chega a ser surrealista. No momento em as receitas estaduais e municipais estão em queda livre e as empresas privadas demitem, reduzem salários e suspendem contratos de seus trabalhadores, Guedes propõe que os servidores públicos fiquem apenas sem reajuste salarial durante 18 meses. Ou seja, até o fim de 2021. Em 2022, que será um ano de eleições gerais, eles poderão ter aumento salarial.

Se este é o sacrifício possível a ser exigido dos servidores, em meio a uma situação de calamidade pública, em que milhares de pessoas estão morrendo e outros milhares perdendo seus empregos, então as propostas de emenda constitucional 186 e 188, encaminhadas no ano passado por Guedes ao Congresso, não irão prosperar. As duas preveem medidas muito mais duras para o funcionalismo, como forma de ajustar as contas públicas. Elas autorizam, por exemplo, a redução da carga de trabalho e a consequente diminuição dos salários.

As medidas das PECs não teriam validade por apenas 18 meses, mas, no caso da União, até que o governo voltasse a cumprir a chamada “regra de ouro” das finanças públicas e, no caso dos Estados e municípios, até que as despesas correntes ficassem abaixo de 95% das receitas correntes. O prazo de vigência das medidas, portanto, seria o do ajuste das contas públicas. A “regra de ouro” é aquela que proíbe o aumento do endividamento público para o pagamento de despesas correntes.

Jorge Arbache* - Qual será o formato da recuperação?

- Valor Econômico

Quadro pré-crise sugere que a maioria das economias não estaria em condições de uma arrancada rápida

Um dos assuntos mais prementes desses dias é o formato da recuperação econômica da crise. A recuperação será em formato de V, de U, de símbolo da Nike, de W, ou alguma outra? Quais são as causas e consequências de cada formato de recuperação? As perguntas são muitas, mas as respostas são poucas. Cada formato segue caminho próprio. Porém, a falta de referência é praticamente total e grandes crises anteriores iluminam pouco o caminho a seguir, o que pontua o tamanho do desafio.

Uma recuperação em V sugere que a crise não terá sido tão extensa e que as políticas públicas de contenção emergencial terão sido bem-sucedidas. Sugere, também, que mercados críticos, como o financeiro, logística, abastecimento e serviços públicos essenciais, e as capacidades de produção em geral, terão se mantido razoavelmente intactos.

Há que se notar, contudo, que muitos países já vinham mostrando sinais de fadiga do crescimento ainda antes da pandemia. Outros já vinham com indicadores econômicos fracos, alto desemprego, elevada ociosidade, deterioração fiscal e desaceleração dos investimentos. O endividamento em nível global já tinha atingido padrões extremamente elevados, o comércio internacional já desacelerava, o protecionismo vinha aumentando e preços de commodities já apontavam declínio.

William Waack - Dentro do alçapão

- O Estado de S.Paulo

A crise tripla que Bolsonaro enfrenta é inédita e não permite dizer o que vai acontecer

Com a vivência de 28 anos de política em Brasília, provavelmente Jair Bolsonaro sabe ou pelo menos intui que está, agora, nas mãos de profissionais. Os do Centrão e os do STF. Na linguagem militar, trata-se de um formidável movimento de pinça, do qual o presidente tem poucos recursos para escapar.

O alçapão armou, Bolsonaro está dentro dele e ali ficará debatendo-se em limites muito estreitos, salvo o imponderável (o número de mortos da crise de saúde pública e um impeachment são hoje os imponderáveis). Mantida a situação atual de precário equilíbrio, suas opções são reduzidas.

Ele criou a armadilha para si mesmo agindo por medo e com muita pressa. Bolsonaro é um personagem político autêntico e de extraordinária transparência. Faz questão de reiterar publicamente que se sente sempre o alvo de uma grande conspiração, integrada por membros da velha política, imprensa, juízes e ministros do STF, comunistas, ministros com alta popularidade, governadores – a lista é longa.

Por algum tempo o “cerco” urdido por conspiradores era apenas uma distorcida percepção da realidade. Hoje, de fato, o presidente está cercado. Pelos profissionais do Centrão, que dispõem de tempo e de circunstâncias inesperadamente favoráveis para extrair do presidente o preço máximo em troca de apoio político.

E pelos profissionais do Judiciário, sobre os quais Bolsonaro tem pouco ou nenhum tipo de controle. A judicialização da política na era Bolsonaro assumiu contornos muito semelhantes aos da era Dilma, quando uma liminar proferida por um integrante do STF a impediu de nomear Lula como ministro. Desvio de finalidade – o mesmo tipo de figura jurídica da liminar que bloqueou a nomeação por Bolsonaro de um novo diretor-geral da Polícia Federal.

Eliane Cantanhêde - Decisão não é de um ministro, mas sim de um Poder

- O Estado de S.Paulo

Em relação a Bolsonaro, a disposição no Supremo é de 11 x 0 quando se trata de temas relacionados a democracia e equilíbrio entre Poderes

A suspensão da posse do delegado Alexandre Ramagem na Polícia Federal, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, surpreendeu o mundo político, mas não é um fato isolado. Faz parte de um pacote de resistência do Supremo Tribunal Federal a um governo que acha que pode tudo, mesmo ultrapassando a linha do razoável. Em relação ao presidente Jair Bolsonaro, a disposição é de 11 x 0 quando se trata de temas relacionados a democracia e equilíbrio entre Poderes.

A nomeação de ministros e do próprio diretor-geral da PF é atribuição exclusiva de presidentes da República, mas Alexandre de Moraes - que foi secretário de Segurança Pública em São Paulo e conhece bem as polícias - recorreu a um princípio constitucional que vem se popularizando: o da impessoalidade e da moralidade pública.

Como delegado de carreira, não há reparo a Ramagem nem dentro nem fora da PF, muito menos no STF. O problema está nas circunstâncias: todas as credenciais dele se resumem à grande proximidade com Bolsonaro e seus filhos desde a campanha eleitoral de 2018, quando chefiou o esquema de segurança do então candidato do PSL. Ou seja: a suspeita é que Ramagem tenha sido escolhido não para trabalhar pela PF, mas para a família Bolsonaro.

Para reforçar a percepção, a nomeação veio no rastro da acusação do então ministro Sérgio Moro de que o presidente queria acesso direto ao diretor-geral, a superintendentes e a relatórios de inteligência da PF. Para, em tese, como muitos temem, poder manipular as informações a favor de aliados e filhos e contra adversários.

Zeina Latif* - Reação à crise

- O Estado de S.Paulo

Seria equívoco buscar atalhos e ceder a pressões que atrapalhem o crescimento

Os novos capítulos da política demandam capacidade de reação de Jair Bolsonaro. E o melhor antídoto para evitar uma crise de governabilidade é a economia arrumada.

Foi assim com Temer. A queda da inflação e a retomada, ainda que lenta, da economia foram suficientes para manter as ruas calmas, a despeito da baixa aprovação do governo.

É verdade que o ex-presidente precisou garantir apoio do Congresso nas votações das denúncias contra ele, com consequências na gestão orçamentária. No entanto, seu governo não perdeu de vista a necessidade de manter a política econômica nos trilhos e de dar continuidade à agenda de reformas, ainda que inviabilizada a da Previdência. Temer soube ouvir.


O mau desempenho da economia é algo esperado por conta da epidemia, o que contribui para conter a crítica ao presidente. No entanto, uma crise prolongada, causada por políticas públicas equivocadas, poderá testar a paciência da sociedade. Não basta colocar a culpa no isolamento social dos governadores, até porque parece clara a saturação do sistema de saúde.

As crises econômica e política tiram Bolsonaro de sua zona de conforto. O presidente deu sinal de que sabe que não pode descuidar da economia. Foi simbólico reafirmar a confiança em Paulo Guedes, cujo cargo parecia ameaçado.

Celso Ming - Despreparo

- O Estado de S.Paulo

Passada esta pandemia, risco é de que governos voltem a ignorar ameaças biológicas

Esse vírus mostra coisas graves. Mostra, por exemplo, como a construção da sociedade ocidental – e não só a brasileira – é frágil e despreparada.

Para proteção de todos, foram criadas instituições e grandes pactos de defesa mútua, fronteiras rigorosamente demarcadas e fiscalizadas, acordos comerciais para presidir o fluxo de mercadorias e serviços, regras para defesa da propriedade e dos capitais, leis sobre mobilidade de pessoas e veículos. Tudo isso parece abalado por um inimigo invisível.

O mundo se preparou durante mais de 60 anos para enfrentar ataques nucleares, criou abrigos, sistemas antimísseis e avançadas redes de radares e de satélites de rastreamento de informações. Mas nada disso serviu para conter a covid-19.

Desde há muito tempo vêm sendo discutidos os riscos de ataques de vírus e bactérias. Os sistemas de inteligência vêm perscrutando laboratórios ao redor do Planeta que estivessem criando armas biológicas, que a qualquer momento pudessem ser disponibilizadas e manipuladas por Estados ou por organizações extremistas, capazes de causar destruições milhares de vezes maiores do que a produzida por ataques de aviões sequestrados, como no 11 de Setembro. Foram estudadas defesas contra armas químicas, como de gás sarin e de antrax. E, em 2018, os Estados Unidos publicaram um programa estratégico de biodefesa.

O que a mídia pensa - Editoriais

• STF cumpre papel pedagógico perante Bolsonaro – Editorial | O Globo

Inquéritos instaurados na Corte instruem presidente a entender quais são os limites do Executivo

Bolsonaro tem a persistência dos radicais. Não perde o foco, mesmo que a sensatez e os fatos o aconselhem a mudar o rumo. Entre o fim de semana e ontem o presidente sofreu dois percalços no Supremo. Um deles na intenção de nomear para a direção-geral da PF o delegado Alexandre Ramagem, chefe da sua segurança na campanha, ocasião em que o policial se tornou próximo dos filhos do presidente, muito atuantes no governo do pai e nos seus projetos políticos.

Mas o ministro Alexandre de Moraes aceitou mandado de segurança do PDT contra a indicação, e Bolsonaro, a contragosto, foi obrigado a suspender a posse de Ramagem, marcada para ontem. Porém, não se fez de rogado. Ao falar na solenidade de duas outras posses — de André Mendonça no Ministério da Justiça e Segurança Pública e de José Levi como novo advogado-geral da União — o presidente lamentou não poder fazer o mesmo com o amigo dos filhos e, pelo visto, dele também, mas disse que este “sonho” se concretizará.

Música | Casuarina | Falso Moralista

Poesia | Joaquim Cardozo - Velhas ruas

Velhas ruas!
Cúmplices da treva e dos ladrões,
Escuras e estreitas, humildes pardieiros
Quanta gente esquecida e abandonada!

As varandas se alongam
Num gesto atento e imóvel de quem espreita
Rumor, sombra de passos que passaram,
Tato de mãos ligeiras invisíveis.

Velhas ruas!
Cúmplices da treva e dos ladrões,
Refúgio do valor desviado e da coragem anônima,
Sombra indulgente para os malfeitores,
De quem ocultais os crimes
E a quem dais generosas.

Nos momentos de paz um conselho materno.
Comovida e cristã sabedoria,
Espírito coletivo das gerações passadas,
Estes muros que a ferrugem da noite rói sugerem
O velado esplendor espiritual dos conventos,
O ritmo das coisas imperfeitas,
A volúpia da humildade.

Trêmula, dos lampiões
Desce uma luz de pecado e remorso,
E o cais do Apolo acende os círios
Para velar de noite o cadáver do rio.

*In: CARDOZO, Joaquim. Poesias completas. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p.4-5