quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Opinião do dia: Fernando Gabeira*

Estou muito velho para ficar desapontado, reclamando de governos. Mas nem tanto para iniciar um leve combate agora que estou com a carteira praticamente vencida.

Por que conciliar com a ignorância humana que pode arruinar nossos recursos naturais? Por que aceitar um recuo na lei da transparência que ajudei a construir na Câmara?

Espero que os eleitores de Bolsonaro não fiquem muito zangados. Nada contra eles. O que penso sobre milícias, transparência e aquecimento global não depende tanto de eleições. A ideia não é conhecer a verdade e se libertar através dela? A minha é essa: milicianos são criminosos, o planeta está se aquecendo, e não há nada mais suspeito do que golpear a transparência.


*Fernando Gabeira é jornalista. ‘Procure lembrar’, O Globo, 28/1/2019

Isabel Versiani: Pauta animada desafia "nova política"

- Valor Econômico

Agenda micro pode conter ansiedade com Previdência

As metas para os primeiros 100 dias de governo divulgadas na última semana não dão a medida exata da labuta que aguarda os deputados e senadores que tomam posse na sexta-feira. Das 35 iniciativas listadas em documento divulgado pelo ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil), apenas cinco já exigem o aval dos parlamentares e não há na lista referência às reformas previdenciária e tributária, apontadas como prioridades pelo governo. Ainda assim, entre as propostas que demandam aprovação há projetos prementes e não triviais.

Fora da seara econômica, o maior destaque é o projeto de lei anticrime do ministro Sergio Moro. O texto tratará da elevação de penas e de outras iniciativas para aumentar a eficácia do combate ao crime organizado e à corrupção, temas que estão no DNA do bolsonarismo. A proposta é peça importante da estratégia da gestão Moro, que por sua vez é um dos pilares do atual governo, ao lado do ministro Paulo Guedes. O avanço do projeto, portanto, é fundamental e sua tramitação de certa maneira concorrerá com a Previdência nos esforços por mobilização política e de comunicação. Com uma proposta já em estágio avançado, Moro saiu na frente e convidou os governadores para apresentação do projeto na próxima semana.

Na economia, para além das reformas previdenciária e das medidas tributárias, que precisarão dominar as atenções, há outros temas na pauta. O Congresso terá de aprovar a medida provisória que estabeleceu medidas para facilitar o combate a fraudes nos benefícios do INSS. O texto traz uma série de ajustes nas regras que racionalizam processos, mas também restringem alguns benefícios, o que deve levantar algum debate. Duas outras metas dos 100 dias envolvem o Banco Central. Uma delas é a aprovação da independência da autarquia, considerada importante para blindar a política monetária de ingerência política. A questão desperta hoje menos polêmica do que no passado, mas o governo Michel Temer não teve sucesso em seus esforços para aprovar a mudança. O próprio presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, já afirmou que o fato de a instituição já ser vista como autônoma de facto tende a jogar contra o senso de urgência no tratamento político da questão.

Outro projeto da lista de metas estabelece mudanças nos critérios para nomeação de dirigentes de bancos públicos, estendendo a essas instituições a exigência de submeter ao Banco Central os nomes dos executivos indicados para assumir cargos de direção. A regra, já válida para instituições privadas, busca assegurar que os executivos no comando atendam a critérios técnicos mínimos necessários. A mudança está em linha com processos que já estão sendo adotados na prática. A Caixa, onde indicações políticas prevaleciam, alterou seu estatuto há um ano para estabelecer procedimentos técnicos para a escolha dos seus vice-presidentes.

Elio Gaspari*: O conservador e o atrasado

- O Globo / Folha de S. Paulo

Bolsonaro elegeu-se abraçando o atraso, o desastre de Brumadinho indicou-lhe o caminho da verdade

Fernando Henrique Cardoso gosta de relembrar uma cena na qual o historiador Sérgio Buarque de Holanda discutia o tamanho de algumas figuras do Império e ensinou: "Doutora, eles eram atrasados. Nós não temos conservadores no Brasil. Nós temos gente atrasada."

Foi a gente atrasada que levou o Brasil a ser um dos últimos países a abolir a escravidão e a adotar o sistema de milhagem para os passageiros de aviões, deixando a rota Rio-São Paulo de fora.

É a gente atrasada quem trava os projetos de segurança das barragensque tramitam no Senado, na Câmara e na Assembleia de Minas Gerais.

Essa gente atrasada estagnou a economia durante o século 19 e, no 20, faliu as grandes companhias de aviação brasileiras. No 21, produziu os desastres de Mariana e Brumadinho.

Jair Bolsonaro elegeu-se presidente da República com uma plataforma conservadora, amparado pelo atraso. Sua campanha contra os organismos defensores do meio ambiente foi a prova disso. Não falava em nome do empresariado moderno do agronegócio, mas da banda troglodita que se confunde com ele. Felizmente, preservou o Ministério do Meio Ambiente.

Outra bandeira de sua ascensão foi a defesa da lei e da ordem. A conexão dos "rolos" de Fabrício Queiroz com as milícias do Rio de Janeiro ilustrou quanto havia de atraso na sua retórica. (O Esquadrão da Morte do Rio surgiu em 1958 e anos depois alguns de seus "homens de ouro" tinham um pé no crime.)

Nos anos 70, o presidente de Scuderie Le Cocq era contrabandista, e o delegado Sérgio Fleury, grão-mestre do esquadrão paulista, ilustre janízaro da repressão política, protegia traficantes de drogas.

Bernardo Mello Franco: Uma porta giratória da Vale para o governo

- O Globo

Além de contar com a bancada da lama no Congresso, as grandes mineradoras emplacam dirigentes no governo federal. A prática é vista como um convite ao conflito de interesses

Não é só no Congresso que as mineradoras contam com a bancada da lama para defender seus interesses. As gigantes do setor também exercem forte influência sobre o governo federal e a Agência Nacional de Mineração, que substituiu o antigo DNPM.

Nos últimos anos, o segundo escalão do Ministério de Minas e Energia foi dominado por quadros da Vale. Ao longo do governo Temer, eles chefiaram os principais postos da Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, responsável por definir as políticas públicas para a área.

O órgão era comandado por Vicente Lôbo. O engenheiro dirigiu a Vale Fertilizantes até 2015 e assumiu a secretaria no ano seguinte. Só saiu em outubro passado, um dia depois do segundo turno das eleições.

Hélio Schwartsman: O Estado contra a transparência

- Folha de S. Paulo

Quando se trata de documentos oficiais, a lógica deve ser a da publicidade

Jair Bolsonaro chegou à Presidência prometendo uma nova era de transparência administrativa. Instalado no governo, deixou para seu vice o abacaxi de assinar um decreto que reduz essa transparência.

É fácil criticar o presidente pela incongruência entre o prometido e o efetivado. E ele merece as reprimendas que recebeu. Receio, porém, que o problema seja mais geral. Desconfio até que alguém ponha algo na água servida no Planalto que torna seus consumidores refratários à publicidade governamental.

Fernando Henrique Cardoso, cujas credenciais democráticas são mais puro-sangue que as de Bolsonaro, assinou, no finalzinho de sua administração, um decreto ainda pior, que criava a figura do sigilo eterno (o segredo poderia ser renovado indefinidamente). Seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, manteve a disposição fernandina, apesar dos apelos em contrário.

Bruno Boghossian: O olavismo e as reformas

- Folha de S. Paulo

Ala populista e nacionalista do governo Bolsonaro pode entrar em conflito com ajustes

Ao tomar posse, Paulo Guedes descreveu o novo governo como “uma aliança entre conservadores nos costumes e liberais na economia”. Embora políticos de direita se apresentem como um cruzamento das duas espécies, o ministro diz estar diante de dois bichos diferentes.

O funcionamento dessa união será testado agora. A pauta de corte de despesas é tradicionalmente impopular porque mexe em investimentos do governo e benefícios como aposentadorias. De outro lado, a agenda conservadora tem apoio oscilante e pode consumir parte do capital político do presidente.

Uma coalizão é sempre um ajuste de interesses. Às vezes, um lado precisa ceder para abrir espaço para o outro. A aliança conservadores-liberais nem sempre será compatível.

No jantar oferecido ao ideólogo Olavo de Carvalho, o estrategista Steve Bannon disse que Guedes poderia atrapalhar o avanço de uma agenda nacionalista. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, Bannon perguntou se Olavo conseguiria influenciar o ministro. O brasileiro negou.

Vera Magalhães: A incógnita do Senado

- O Estado de S.Paulo

É delicada a situação do MDB no Senado. Retirado, juntamente com PSDB e PT, do centro da política brasileira pelas urnas, o partido tem na presidência da Casa a sua última chance de ter relevância no jogo institucional, e sabe bem disso. Nesta circunstância, vai para a disputa dividido entre um sobrevivente dos velhos tempos, Renan Calheiros (AL), e uma senadora de perfil mais independente – e, assim, mais palatável a um acordo com outras forças –, Simone Tebet (MS).

O presidente do partido é Romero Jucá (RR), de quem se pode falar o que quiser, menos que não seja um exímio leitor do cenário político. Ele tenta costurar nos bastidores a desistência do amigo e aliado de sempre Renan, não por outra razão que não seja a de entender que, a insistir na candidatura, o alagoano pode levar o partido a perder tudo.

Há quem duvide desse súbito afastamento entre Jucá e Renan. Afinal, Simone Tebet é considerada “incontrolável” pela cúpula partidária. Então, por que passariam a trabalhar por ela? A resposta parece ser: pelo pragmatismo de sempre. Seu nome é mais palatável tanto ao governo quanto a partidos como PSDB, DEM e PSD.

Senadores experientes notam que declarar abertamente o voto contra Renan vai virar o “atestado de moralidade” que senadores de vários partidos, novatos ou veteranos, vão querer ofertar à sociedade. Quem conhece Renan acha que ele não insistirá na candidatura se sentir que vai perder, o que ficará mais claro na nova reunião da bancada, na quinta-feira. O grupo dos demais candidatos à presidência da Casa até admite apoiar a senadora sul-mato-grossense, mas desde que ela consiga vencer a disputa na bancada antes.

CÂMARA
Maia tenta blitz final para vencer no primeiro turno

Rodrigo Maia (DEM) avançou muitas casas com a decisão do MDB de apoiar sua reeleição para o comando da Câmara. Ainda que o folclórico Fabio Ramalho (MG) mantenha a candidatura até o final (o que é dúvida, pois o tiraria da Mesa Diretora, onde ele mantém seu feudo fisiológico), aliados de Maia acreditam que ele está próximo de assegurar a vitória em primeiro turno. Para isso, fará uma blitz final para tentar dissuadir o Partido Novo de manter a candidatura de Marcel Van Hattem, que reúne dissidentes do PSL e outras adesões avulsas. O deputado gaúcho garante que não desistirá.
Deixa esfriar. Governo deve conter ímpeto de intervir na Vale Foto: Washington Alves/Reuters

Ricardo Noblat: Justiça perversa

- Blog do Noblat | Veja

Até a ditadura militar foi mais branda com Lula

Era uma questão humanitária e também de boa vontade, o que não faltou nem à ditadura militar de 64 quando Lula, preso em maio de 1980 por ter liderado greves de metalúrgicos no ABC paulista, ainda assim foi autorizado a comparecer ao velório de sua mãe.

A Lei de Execução Penal não obriga, mas prevê no seu artigo 120 que os condenados poderão obter permissão para sair do local onde estão presos, sob escolta, em razão de “falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão”.

Lula pediu para ir , esta manhã, ao velório do seu irmão Vavá, em São Bernardo do Campo, que morreu vítima de câncer. Depois de consultar a Polícia Federal e o Ministério Público, a juíza Carolina Lebbos, da Vara de Execuções Penais de Curitiba, disse não.

“A ordem jurídica é, por sua natureza, sistêmica. Os direitos, nessa perspectiva, encontram limitações recíprocas”, escreveu a juíza. “E, por vezes, a mitigação de alguns dos aspectos de determinado interesse legitimamente tutelado é justificada”.

No final de dezembro último, Lula quis ir ao enterro em Brasília do seu amigo e ex-deputado federal Sigmaringa Seixas. O juiz plantonista Vicente de Paula Ataíde Júnior negou, argumentando que isso só seria possível em caso de cônjuge, filho ou irmão.

Agora sob o comando do ex-juiz Sérgio Moro, ministro da Justiça, a Policia Federal alegou que não tinha condições de garantir a segurança de Lula, pois a presença dele no velório atrairia um grande número de petistas interessados em se aproximar dele.

De resto, segundo informou, sua frota de helicópteros está ocupada com o resgate de corpos da tragédia de Brumadinho, e o único avião disponível levaria muito tempo para voar de onde está até Curitiba e, de lá, a São Paulo. Lula acabaria perdendo o enterro.

Pura perversidade! Quando Moro mandou prender Lula e ele resistiu dois dias a se entregar sob a proteção de milhares de petistas em São Bernardo, a Polícia Federal foi lá buscá-lo. Estava pronta para levá-lo para Curitiba por bem ou por mal, do jeito que fosse.

Quanto a falta de meio de transporte, o PT se ofereceu para fretar um avião que conduziria apenas Lula e agentes federais. A oferta, sequer, foi considerada. O parecer do Ministério Público foi na mesma linha do parecer da Polícia Federal. Falou até em risco de fuga.

O presidente da República em exercício, o general Hamilton Mourão, deve ter ficado chocado com a decisão da juíza Lebbos. Na tarde de ontem, ele disse que se tratava de “uma questão humanitária” a ida de Lula ao velório: “Eu já perdi um irmão e sei o que é isso”.

Deposto pelo golpe de 64, preso na Ilha de Fernando Noronha, ao ex-governador Miguel Arraes, de Pernambuco, foi permitido comparecer ao casamento de sua filha mais velha. A cerimônia ocorreu na Base Aérea do Recife. Só os padrinhos puderam estar presentes.

Terminada a cerimônia, Arraes foi devolvido à ilha. A filha dele, Ana Arraes, é hoje ministra do Tribunal de Contas da União. O filho dela, Eduardo Campos, governou Pernambuco, foi candidato a presidente da República em 2014 e morreu em um acidente aéreo.

Vinicius Torres Freire: O atraso bárbaro mata e custa caro

- Folha de S. Paulo

Preço do ferro da Vale não inclui o custo de produzir cadáveres e ruína ambiental

Desde o morticínio de 5 de novembro de 2015, a Samarco produziu apenas prejuízos. De 2015 a 2017, foram cerca R$ 19 bilhões de perdas, em valores atualizados.

Não saiu o balanço de 2018, mas, se o prejuízo tiver ficado na média desses anos, o buraco total vai a uns R$ 25 bilhões.

Nestes dias ainda mais sombrios, em que tememos contar centenas de cadáveres em Brumadinho, parece uma desumanidade falar de dinheiros. Mas:

1) esta é uma ou a única linguagem que muita gente entende;

2) o desastre econômico tem consequências humanas;

3) que os donos do dinheiro se arrisquem a tais perdas e possam digeri-las é um indicador da selvageria e do atraso aberrante do país;

4) a Vale e outras grandes irmãs não pagam o custo humano ou ambiental de suas atividades.

A Samarco é da anglo-holandesa BHP e da Vale. Quando o vômito letal da sua represa de lixo matou 19 pessoas, acabou com a vida de muitas outras, destruiu uma comunidade e emporcalhou o rio Doce e o mar, a Vale declarou ao mundo o seguinte:

“A Vale é apenas uma mera acionista da Samarco, sem nenhuma interferência operacional na administração dessa companhia, de modo direto ou indireto, próximo ou distante”.

Em 2014, a Samarco faturou R$ 7,6 bilhões, em valores daquele ano. O lucro foi de R$ 2,8 bilhões. A BHP e a mera acionista Vale ficaram com R$ 1,8 bilhão em dividendos. Não, não se trata de imprecação contra lucros, essa bobajada. São medidas do estrago.

Monica De Bolle*: Nosso Brasil

- O Estado de S.Paulo

O bolsonarismo é o petismo no espelho com o sinal trocado – não fosse assim, as eleições teriam sido diferente

“O Brasil é nosso. Nós somos diferentes deles”. Nós e eles. Eles e nós. Nós não somos eles, eles não são como nós. Nós somos diferentes, e ser diferente significa ser melhor, naturalmente. Mas, quem são eles? E quem diz agora que nós somos diferentes deles, ou que eles são diferentes de nós? Mais fácil responder a segunda pergunta do que a primeira. Dessa vez, quem disse “nós somos diferentes deles”, quem deu ar de novidade à velha ladainha do “nós” e “eles” cuja história é tão rica em Nosso Brasil foi Jair Bolsonaro.

Cabe digressão exploratória e explanatória. O interesse geral pelo termo “populismo” jamais esteve tão alto, a julgar pelos dados do Google Books NGram Viewer, que compila as menções do termo em publicações desde o ano 1900. Isso mesmo, desde o início do século passado. Nas publicações em língua inglesa, espanhola e portuguesa o aumento das citações de “populismo” é espantoso. Em razão disso, cientistas políticos, economistas, sociólogos, e outros pesquisadores da área de ciências sociais têm se dedicado a destrinchar o que, afinal, é populismo. Não é fácil chegar a um consenso sobre o que significa, já que de Hugo Chávez a Viktor Órban, de Donald Trump a Recep Erdogan, da direita à esquerda, há populistas para todos os gostos.

Jan-Werner Müller da Universidade da Pennsylvania, define populismo a partir de alguns ingredientes: trata-se de uma visão antielitista e antipluralista. O aspecto antipluralista é o mais importante. De acordo com a sua definição, o antipluralismo é a postulação moral de que um grupo representa “nós”, o “povo”, e não permite que qualquer outro grupo da sociedade faça a mesma postulação, os “eles”. Os “eles” são imorais e corruptos. A oposição não é legítima, pois quem não apoia os populistas não é parte do “povo”, não está entre “nós”. Opositores políticos, muitas vezes, são tachados de inimigos do “povo”.

Sergio Lamucci: Uma economia ainda em marcha lenta

- Valor Econômico

Contenção do gasto e do crédito público abre espaço para juro menor

A grave recessão que abateu a economia brasileira terminou no quarto trimestre de 2016, mas a atividade ainda não engrenou. A indústria e os serviços caminham a passos lentos e a inflação segue bem abaixo da meta perseguida pelo Banco Central (BC), como fica mais claro no comportamento dos núcleos, medidas que buscam eliminar a influência dos itens mais voláteis. Em 2018, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou em 3,75%, enquanto uma média de sete núcleos subiu apenas 2,8%, muito abaixo da meta de 4,5%. Para alguns economistas, são sinais de que os juros básicos, hoje em 6,5% ao ano, precisam cair mais, para estimular uma economia que demora muito a ganhar fôlego.

As incertezas provocadas pelas eleições e pela greve dos caminhoneiros decerto ajudam a explicar a fraqueza da atividade em 2018. Muitos empresários optaram pela cautela, segurando investimentos, ainda mais num cenário em que há enorme ociosidade - na indústria de transformação, o nível de utilização de capacidade instalada ficou em apenas 74,3% em janeiro, um número bem inferior à média de 80,1% registrada desde 2001, segundo números da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Passadas as eleições e dissipados os efeitos da greve, o grau de indefinição na economia diminuiu consideravelmente, embora ainda haja dúvidas sobre a aprovação de reformas, como a da Previdência. Sem indicações claras de que o desequilíbrio fiscal será enfrentado, a incerteza sobre a sustentabilidade das contas públicas impedirá uma recuperação mais firme dos investimentos e a consolidação dos juros em níveis mais baixos.

O economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero, é um dos analistas que veem espaço para mais cortes nos juros. Montero tem insistido que, num cenário de contenção dos gastos do governo e com o crédito dos bancos públicos na retranca, é grande o terreno para redução da Selic. Na época da chamada Nova Matriz Econômica, as despesas públicas e os empréstimos de instituições como o BNDES cresciam com força. Já no atual ciclo, o governo tem segurado os gastos e o crédito dos bancos públicos, "abrindo espaços à política monetária", segundo Montero.

José Eli da Veiga*: Como vai a transição energética?

- Valor Econômico

Todos os países têm potencial para desenvolver alguma das energias renováveis, ao contrário do petróleo

Há uns dez anos, o ceticismo sobre as perspectivas de substituição de energias fósseis por renováveis era admissível e até razoável. A possibilidade de ser esse o caminho para a descarbonização da economia global enfrentava 'duplo obstáculo'. Primeiro, a própria insuficiência das energias solar e eólica, cuja intermitência deveria condená-las a papel sempre acessório ou complementar na composição das matrizes nacionais. Ao que se somava a debilidade e a incerteza de uma governança global da mudança climática ancorada na precária Convenção-Quadro de 1992, que, em meio a impotente série de anuais conferências das partes, ditas CoP, até gerara o monstrengo chamado Protocolo de Kyoto (1997).

Nada disso mudou. Mesmo que suavizada, a intermitência das principais renováveis permanece. E o Acordo de Paris - obtido em 2015, na 21ª CoP - é bem menos efetivo do que querem crer. Como explicar, então, que a transição energética descarbonizadora esteja de vento em popa, combinando crescimento exponencial das renováveis e forte expectativa de declínio da demanda de combustíveis fósseis? Com início previsto para 2023 pelo 'think tank' Carbon Track, e 2025 pela Shell, cenário que já causa sério desespero em explorar petróleo o mais rápido possível.

O essencial da resposta é que o 'duplo obstáculo' está sendo vencido pela revelação das vantagens econômicas, políticas e geopolíticas que farão a demanda primária por energia vir a ser composta - ainda neste século - por 80% de renováveis, com ultrapassagem do predomínio fóssil por volta de 2050.

Tebet sofre derrota na bancada, e Jucá tenta reduzir danos por disputa no Senado

Senadora deixa liderança do MDB e é pressionada a rejeitar disputa avulsa se não for escolhida candidata do partido

Daniel Carvalho, Ricardo Della Coletta e Gustavo Uribe | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Adversária de Renan Calheiros (MDB-AL) na disputa pela preferência do MDB para disputar a presidência do Senado, Simone Tebet (MDB-MS) sofreu uma derrota durante reunião da bancada nesta terça-feira (29) e deixou a liderança do partido na Casa.

A decisão sobre quem será o candidato do MDB só será tomada na quinta-feira (31), véspera da eleição, marcada para as 18h de sexta-feira (1º). Diante da falta de consenso, o presidente nacional do partido, Romero Jucá (MDB-RR), deu início a uma operação para minimizar danos provocados pela fragmentação da legenda, a maior da Casa, com 13 senadores.

Há temor de que, pela falta de unidade, o partido perca a presidência do Senado, já que tanto Renan Calheiros como Simone Tebet insistem em suas candidaturas.

Além disso, a reação de quem for derrotado na bancada é imprevisível e o partido ainda não discutiu qual será o prêmio de consolação para quem não for escolhido pela legenda.

Na saída do primeiro encontro, Tebet anunciou que havia renunciado à liderança do partido por ter sido derrotada pelos correligionários ao defender voto aberto no dia da eleição. O voto secreto favorece Renan, já que alguns senadores têm dificuldade em apoiá-lo abertamente.

"Há uma maioria que acha que a votação é fechada. Eu, num processo de democracia, não tenho problema de externar o meu voto e declarar voto aberto. Consequentemente, como a maioria pensa de um jeito e eu penso de outro, renunciei à liderança do MDB por não comungar com a maioria", disse a senadora em um vídeo divulgado após a reunião. O novo líder é José Maranhão (MDB-PB).

Na reunião, também houve uma manifestação contra candidaturas avulsas, mas Tebet resistiu em responder se havia possibilidade de ela disputar sem apoio oficial do partido, caso seja vencida na bancada. Até a semana passada, a senadora não descartava esta possibilidade.

“Disputo para valer na bancada para ganhar ou para perder”, disse a senadora na entrevista que concedeu ao lado de Renan, que, provocando, fez coro aos jornalistas também questionando a colega: “Mas descarta [concorrer avulsa]?”.

MDB adia decisão sobre Senado, mas acena a Renan

Partido defende voto fechado para escolha do presidente da Casa. Vencida, Simone Tebet diz em vídeo que deixou liderança

Amanda Almeida | O Globo

BRASÍLIA - Depois de três horas de reunião ontem, o MDB deixou a decisão sobre quem indicará para a disputa à presidência do Senado para amanhã, mas deu sinalizações favoráveis à escolha de Renan Calheiros (AL).

A maioria da bancada defendeu a manutenção do voto secreto para a escolha do comando da Casa, em desacordo com a proposta da senadora Simone Tebet (MS), adversária de Renan na disputa interna do partido.

Defensora do voto aberto para a presidência do Senado, Tebet saiu vencida da reunião e, em vídeo, disse que deixou a liderança do partido na Casa por discordar da maioria dos colegas.

Em reunião na segunda-feira entre sete pré-candidatos que se lançam na expectativa de fazer um contraponto à força de Renan, da qual Tebet participou, o combinado foi levar a proposta de voto aberto às bancadas. A aposta é que, constrangidos, senadores deixariam de votar em Renan ao ter de expor o seu voto em alguém que carrega nove inquéritos no Supremo.

O voto secreto para a escolha do presidente da Casa é previsto no regimento interno. O tema foi levado ao Supremo no fim do ano pelo senador Lasier Martins (PSD-RS). O ministro Marco Aurélio Mello chegou a dar liminar a favor do voto aberto. Mas o presidente da Corte, Dias Toffoli, a derrubou. Agora, um grupo de senadores quer levar a questão novamente ao plenário.

Grupo de Renan ataca ‘renovação’ no Senado

Senador alagoano e aliados do MDB defendem voto secreto e tentam excluir Simone Tebet da eleição

Renan Truffi | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Mesmo se apresentando como um “novo Renan”, o senador Renan Calheiros(MDB-AL) tem se apoiado em velhos caciques do MDB no Senado e de fora dele – como o ex-presidente José Sarney – para tentar conquistar o comando da Casa pela quinta vez. Em reunião da bancada do partido nesta terça-feira, 29, o senador alagoano e seus aliados tentaram “enquadrar” sua principal adversária, a senadora Simone Tebet (MDB-MS), que tem defendido o voto aberto na eleição interna e ainda cogita disputar como candidata avulsa, se não conquistar o apoio da maioria da bancada.

A explicação é que Simone crê ter um cenário mais favorável para ela nas bancadas de outros partidos, enquanto Renan domina o cenário dentro do MDB. O receio de parte dos emedebistas, no entanto, é de que duas candidaturas do partido provoquem “fratura exposta” na sigla. Essas duas visões deram o tom no encontro da bancada. Ao lado de Renan se colocaram dois principais caciques da sigla: os senadores Jader Barbalho (PA) e Eduardo Braga (AM). Já Simone teve como escudeiros principais os senadores Marcio Bittar (AC), um dos recém-eleitos pelo partido, e Dario Berger (SC).

Ao chegar para a reunião, Jader rejeitou o discurso de “renovação”, que tem sido base da candidatura de Simone, e disse que isso é “conversa fiada” de “iniciado” na política. “Esse negócio de velho ou novo é irrelevante, tem que ter é legitimidade”, afirmou Jader.

A legenda deve definir apenas nesta quinta-feira, 31, se apostará em Renan ou se lançará Simone, mas as diferenças entre os dois ficaram evidentes até na coletiva de imprensa concedida ao final do encontro. Simone foi questionada se abriria mão da possibilidade de se lançar como candidata avulsa e respondeu de forma evasiva. “Nós não vamos discutir isso agora. Eu não falo mais pela liderança, quem fala agora pela liderança temporariamente...”, dizia Simone antes de ser interrompida por Renan. “Descarta?”, questionou o senador alagoano de forma repetida, que olhava fixamente para a colega de partido. A senadora de Mato Grosso do Sul deixou a coletiva antes de Renan e José Maranhão, que continuaram a responder os jornalistas.

Reeleição de Maia ganha força com saída de líder do PP

Após articulação, Arthur Lira desiste de concorrer à presidência da Câmara. ‘Não consegui fazer bloco’, disse

Bruno Góes e Jussara Soares | O Globo

BRASÍLIA - Presidente da Câmara dos Deputados e candidato à reeleição, Rodrigo Maia (DEM-RJ) conseguiu firmar mais um acordo para retirar uma candidatura ao comando da Casa, que ocorre na sexta-feira. Líder do PP, Arthur Lira (AL) desistiu de concorrer ao cargo.

O parlamentar tentava, além da disputa à presidência, formar um bloco de centro-esquerda para garantir espaço na Mesa da Câmara. Ele conseguiu dialogar para formar um grupo composto por PP, MDB, PTB e PT. Mas, diante da resistência de PDT e PCdoB, viu sua força política minguar.

Agora, PP, MDB e PTB negociam para fazer parte do bloco de Maia. Os únicos partidos que não integram a grande frente criada pelo presidente da Câmara são PT, PSB, PSOL e Novo.

Lira disse que, embora não tivesse lançado ainda sua candidatura, desistiu da ideia por causa das articulações.

—(Desisti) Porque não consegui fazer o bloco — afirmou, esquivando-se de dar mais detalhes.

Hiran Gonçalves, deputado do PP, esteve anteontem em reunião com Lira, na qual foi selada a desistência. Ele não revelou quais cargos foram oferecidos por Maia, mas disse que o assunto foi resolvido.

—Lá no início, nós estávamos construindo um bloco para a candidatura do Rodrigo Maia. Mas, coma entrada do PSL, ficou mais difícil de fechar este apoio. Agora, já foi tudo equacionado (apoio a Maia). Nós ainda temos a candidatura avulsa do Ricardo Barros (PP-PR), mas o comprometimento de grande parte da bancada é com o Maia.

Maia consolida apoios

PP, MDB e PTB desistem de disputa

Por Marcelo Ribeiro e Raphael Di Cunto | Valor Econômico

BRASÍLIA- Sem apoio da esquerda à pretensão de rivalizar com Rodrigo Maia (DEM-RJ), PP, MDB e PTB desistiram de formar um bloco próprio e devem formalizar hoje o apoio à recondução do parlamentar do DEM ao principal cargo da Mesa Diretora da Casa. O martelo ainda não foi batido, porque as legendas negociam os espaços que ocuparão na Mesa e nas comissões temáticas, já que Maia se comprometeu a entregar os melhores cargos aos outros partidos que compõem o seu bloco.

Com a provável adesão destes partidos, a candidatura de Maia fica ainda mais consolidada e, embora alguns parlamentares dessas legendas apresentem postulações avulsas, o presidente da Casa já com o apoio da maioria dos partidos - que já somariam mais do que os 257 votos necessários para ser reconduzido ao comando da Casa no primeiro turno.

Diferente do líder do PP, Arthur Lira (AL), que desistiu da disputa anteontem, diante das dificuldades de compor com partidos da esquerda para fazer frente à postulação de Maia, o vice-presidente da Câmara, Fabio Ramalho (MDB-MG) e o deputado Ricardo Barros (PP-PR) afirmaram ontem que, apesar da decisão das siglas, vão manter suas candidaturas avulsas ao comando da Casa. Já Alceu Moreira (MDB-RS), que também disse que seguirá na disputa, admitiu que discutirá o assunto com a bancada do MDB ainda hoje.

Luiz Carlos Azedo: Eles estão voltando

– Correio Braziliense

As articulações para ocupação de espaços nas Mesas do Congresso e nas comissões permanentes da Câmara e do Senado já estão em pleno andamento. Há políticos veteranos que sobreviveram ao tsunami eleitoral, novatos que nunca exerceram um mandato e alguns que estão voltando ao Congresso ou participavam de legislativos estaduais e municipais. Nenhum dos 513 deputados e 81 senadores é bobo. Não existe essa categoria no parlamento, como dizia Ulysses Guimarães. Os dois grandes eixos de discussão no Congresso são o apoio às reformas que serão encaminhadas pelo governo, principalmente a da Previdência; e o fortalecimento da Câmara e do Senado, que vêm de eleições nas quais ficou patente o descolamento de ambos da sociedade. A relação dos políticos com o Executivo e o Judiciário será balizada pela eleição das Mesas da Câmara e do Senado.

Vamos às reformas. São quatro as mais importantes, mas a da Previdência é uma espécie de Rubicão para o governo Bolsonaro, sem a qual a economia não deslanchará. A dificuldade do governo não é de natureza técnica, a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, sabe o que precisa fazer. O problema é político. A base governista é muito heterogênea e foi articulada a partir de frentes parlamentares com interesses específicos, como a do agronegócio, a dos evangélicos e a da bala. É mais fácil atrair setores da oposição para a reforma da Previdência, por exemplo, do que a bancada da bala, formada majoritariamente por policiais e militares que não querem abrir mão de seus privilégios.

Além disso, a alta burocracia está mobilizada e faz um lobby poderoso, encabeçado por magistrados e procuradores.

A segunda reforma mais importante e difícil é a tributária. A resistência é inercial, alguém já disse que imposto bom é imposto velho. Mas a carga tributária e a burocracia são brutais, como sustenta o presidente Jair Bolsonaro. Com a tecnologia ficou muito fácil arrecadar, mas cada vez mais difícil, financeiramente, pagar. Há um clamor na sociedade, principalmente na economia formal, a favor da redução de impostos. Talvez seja a reforma mais popular entre agentes econômicos, principalmente empreendedores e assalariados. O problema é o pacto federativo, a relação da União, que arrecada muito mais e gasta muito pior, com estados e municípios, os entes federados. O nó górdio da reforma é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS), arrecadado na origem; a maioria dos estados quer que seja recolhido no destino, como já acontece com o combustível, mas os estados produtores são muito mais poderosos do que os consumidores. O governo não sabe ainda como desatar esse nó.

O filho ponderado que acabou no meio de uma crise

Por Rafael Rosas, Cristiane Agostine e Rodrigo Carro | Valor Econômico

RIO E SÃO PAULO - Mais velho dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, o senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), com 37 anos, viu seu capital político desidratar no primeiro mês do governo e levou para dentro do Palácio do Planalto a primeira crise da gestão. Depois de quatro mandatos na Assembleia Legislativa do Estado do Rio com atuação voltada principalmente para projetos em defesa das forças de segurança e bombeiros militares e um aumento, na última legislatura, de propostas voltadas ao consumidor, Flávio era chamado de "Zero Um" pelo pai e visto como possível candidato à presidência do Senado ou a líder do PSL na Casa. Mas o mais articulado e ponderado dos três filhos políticos de Bolsonaro, que deve deixar a presidência da seção fluminense do partido, foi citado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) em relatório sobre movimentações financeiras atípicas e viu seu nome supostamente envolvido com milícias. Agora, assumirá uma cadeira na Casa sob a ameaça de possível investigação no Conselho de Ética.

Na campanha eleitoral, depois de Bolsonaro levar uma facada e ficar internado no primeiro turno, Flávio tornou-se o "cabeça" de um núcleo político formado por dirigentes do PSL, parlamentares e empresários. Enquanto Carlos e Eduardo comandavam as redes sociais e envolviam-se em polêmicas, Flávio manteve-se na articulação política e buscou criar um grupo próprio no Rio, ao aproximar-se do então candidato Wilson Witzel - eleito governador na onda de sucesso dos Bolsonaro, depois de colar sua imagem à do presidente.

Com Jair Bolsonaro eleito, Flávio participou ao lado de Carlos e Eduardo da escolha de ministros. Entre eles, o chanceler Ernesto Araújo, sabatinado pelos irmãos.

Autor de biografia "Mito ou Verdade", de Jair Bolsonaro, Flávio ingressou na política patrocinado pelo pai e manteve-se durante seus 16 anos de vida parlamentar próximo a Bolsonaro, seguindo os passos dele ao migrar do PP para o PSC e PSL. Antes de disputar sua primeira eleição, trabalhou por quase dois anos, entre dezembro de 2000 e junho de 2002, na Câmara como assessor técnico no PPB (atual PP), partido ao qual o pai estava filiado. No mesmo período, porém, acumulava a faculdade de Direito a mais de mil quilômetros dali, no Rio de Janeiro, cidade onde também fazia um estágio na Defensoria Pública, como divulgou reportagem da BBC. Em Brasília, deveria cumprir carga horária de 40 horas semanais. O mesmo cargo fora ocupado pela então mulher de Bolsonaro, Ana Cristina.

Abandono e ruínas: Editorial | Folha de S. Paulo

Descaso com protocolos básicos de prevenção repete-se em diversas áreas

Já se contam mais de 80 mortos no rompimento da barragem em Brumadinho (MG), e o número de desaparecidos ainda beira os 300. Uma tragédia cuja dimensão humana encontra poucos paralelos no país, mas que tem na sua origem um fator repetido amiúde: o descaso com protocolos básicos de prevenção de desastres.

Logo surgiu como lembrança inevitável a catástrofe de Mariana (MG). O rastro de destruição deixado há meros três anos parecia capaz de forçar uma mudança de atitude. O próprio presidente da Vale, empresa envolvida nas duas ocorrências, assumiu o cargo proclamando o lema “Mariana nunca mais”.

A promessa pouco durou, e mais uma vez acumulam-se suspeitas quanto à fiscalização e à adoção de medidas de segurança.

Ineficiência e corrupção: Editorial | O Estado de S. Paulo

“Máquina de ineficiência e corrupção” foi como o secretário de Desestatização e Desinvestimento do Ministério da Economia, Salim Mattar, se referiu à estatal Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Correios), cuja privatização defendeu com veemência. A expressão poderia ser aplicada a outras empresas ainda controladas pelo poder público federal e que, a depender do governo do presidente Jair Bolsonaro - e do secretário de Desestatização, em particular -, com raríssimas exceções, terão seu controle transferido para o setor privado.

Exemplos recentes, como os crimes investigados pela Operação Lava Jato no relacionamento de dirigentes dessas empresas e outros agentes públicos com representantes do setor privado, não deixam dúvida sobre o péssimo uso que governantes fizeram das estatais em benefício próprio ou de seus apadrinhados. Só isso bastaria para justificar a necessidade de limpar o governo, em todos os níveis, dessa fonte de desvio de recursos públicos para o enriquecimento de um grupo de criminosos. Mas há outras razões para a privatização de empresas estatais, talvez tão fortes do ponto administrativo e financeiro quanto o combate à corrupção.

Reforma precisa abranger toda a Federação: Editorial | O Globo

Estados, cujo déficit também aumenta, não podem ficar fora do ajuste na Previdência

A primeira versão da proposta de reforma da Previdência apresentada pelo governo Michel Temer previa que os estados teriam seis meses, depois da promulgação das mudanças, para se adaptar às novas regras. Se não, as alterações seriam compulsórias. Dispositivo correto.

A pressão das corporações de servidores públicos é exercida de forma mais direta nos estados e municípios. Não que inexista em Brasília esta ação de grupos organizados da máquina burocrática. Mas, no restante da Federação, é maior a vulnerabilidade dos políticos, incluindo governadores e prefeitos, aos sindicatos do funcionalismo.

Mesmo assim, o Congresso, na gestão Temer, e o próprio governo não conseguiram manter no projeto de reforma a determinação de que os estados também ajustem seus sistemas de seguridade. Toda a Previdência brasileira, em qualquer instância, é afetada por alterações demográficas estruturais: envelhecimento acelerado da população e queda da taxa de natalidade. Para um sistema de seguridade baseado no modelo de repartição — a contribuição do jovem que entra no mercado de trabalho é usada para pagar as aposentadorias (e pensões) dos mais velhos —, este movimento demográfico é fatal. Os números demonstram.

Recuperação do mercado de trabalho ainda é lenta: Editorial | Valor Econômico

Depois de três anos de encolhimento, o mercado de trabalho reagiu em 2018, acompanhando a recuperação da economia, ainda que tímida. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgado pelo Ministério da Economia na semana passada, mostraram que o ano terminou com saldo positivo de 529,6 mil postos criados, com expansão em sete dos oito setores acompanhados. Mas a expansão está concentrada em serviços e comércio, que somaram 94% do saldo líquido do ano. Nas demais áreas, que englobam construção civil, serviços industriais de utilidade pública, agricultura, indústria e extração mineral, o crescimento foi menor. Só a administração pública registrou corte de postos. A recuperação foi registrada em todo o país, com maior intensidade no Sudeste e Sul.

Foi o melhor resultado desde 2013, quando o saldo foi positivo em 1,1 milhão de postos de trabalho. O resultado teria sido melhor não fosse a greve dos caminhoneiros, em maio, que afetou principalmente a produção industrial e, em consequência, a atividade econômica e a demanda por mão de obra. Mas o mercado de trabalho ainda está longe de recuperar as perdas dos últimos anos. Em 2015, houve a eliminação de 1,5 milhão de vagas, e em 2016, de 1,3 milhão. Em 2017, o resultado ficou mais próximo ao equilíbrio, ainda assim fechando no negativo em 11,9 mil posições. Somando os três anos, foram perdidos 2,8 milhões de postos. No ritmo de 2018, levaria cinco anos para recuperar as vagas fechadas com a recessão. De acordo com o Caged, o Brasil encerrou 2018 com 38,4 milhões de trabalhadores com carteira assinada, cerca de 2,3 milhões a menos do que o pico de 40,7 milhões, registrado em dezembro de 2014.

Revista Política Democrática online, janeiro/2019: Alvo da Lava Jato, Belo Monte cria população de favelados em Altamira

Revista Política Democrática de janeiro destaca reflexos de suposta corrupção na Belo Monte

Alvo da Lava Jato, usina hidrelétrica desloca população para novas favelas em Altamira
Cleomar Almeida

A Fundação Astrojildo Pereira (FAP) lança nesta terça-feira (29) a quarta edição da revista Política Democrática online. A publicação traz, em destaque, a segunda e última reportagem especial multimídia da série Existe vida no Xingu, além de uma entrevista, sete artigos de opinião e uma charge.


Produzida e editada pela FAP, vinculada ao Partido Popular Socialista (PPS), a revista aponta, em editorial, as dificuldades do governo e os limites do liberalismo. “Equilíbrio nas contas públicas, reforma da previdência, reforma tributária e outras medidas do mesmo teor são do interesse de todos os brasileiros e devem, em princípio, merecer o apoio de todas as forças políticas”, diz um trecho.

Ainda de acordo com o editorial, “as lições dos anos recentes foram contundentes”. “Com estabilidade econômica, há terreno para políticas de equidade e redução da pobreza e da desigualdade. Sem ela, há pauperização da população e aumento da desigualdade”, posiciona-se a revista em outro trecho do editorial.

Em textos, fotos e vídeos, a revista também mostra detalhes de como a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, supostamente envolvida em corrupção, tem provocado a criação de novas favelas em Altamira, a cerca de 820 quilômetros de Belém. Esse processo vem ocorrendo a partir do deslocamento de famílias que antes viviam às margens do rio Xingu ou em palafitas, na cidade, conforme revela a reportagem especial.

Na entrevista, o sociólogo Werneck Vianna observa que o Brasil se encontra sem uma esquerda inovadora, capaz de entender o país e projetar um caminho novo para se contrapor ao governo Bolsonaro. De acordo com ele, essa situação é agravada pelo fato de os movimentos sociais e o sindicalismo também se encontrarem destroçados. “Estamos dependendo das novas gerações que não conseguimos formar”, afirma Vianna.

Entre outros assuntos de artigos de opinião, a revista também aborda a Reforma da Previdência, alvo de constantes holofotes, assim como desburocratização da administração pública federal, tolerância e intolerância na sociedade brasileira e direitos humanos. A bancada evangélica no Congresso Nacional também é analisada em um dos artigos desta edição da Política Democrática online.

Geraldinho Lins - Hino da Ceroula / Voltei Recife - Part. Spok

Carlos Drummond de Andrade: Mundo grande

Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito,
por isso frequento os jornais, me exponho
cruamente nas livrarias:preciso de todos.

Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.

Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros,
carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens,
as diferentes dores dos homens,
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem...sem que ele estale.

Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
tão calma. Não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! Vai inundando tudo...

Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos-voltarão?
Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro
como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam).

Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.

Outrora viajei
países imaginários, fáceis de habitar,
ilhas sem problemas, não obstante
exaustivas e convocando ao suicídio.

Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia
que o mundo, o grande mundo está
crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor.

Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode.
-ó, vida futura! Nós te criaremos.