Valor Econômico
O ‘mau soldado’ que começou a vida pública
planejando um atentado nunca deixou de elogiar a ditadura e torturadores, e as
elites políticas nunca deram um basta nesse comportamento
Todo mês de março vem a lembrança do golpe de
1964. Desta vez, sua fatídica realização completa 60 anos. Pensar sobre esse
ato é recordar de um regime que por duas décadas sufocou a liberdade, torturou
e matou inimigos políticos. O Brasil tem, hoje, o maior período democrático de
toda sua história, mas o autoritarismo ainda não foi banido de vez de nossas
práticas políticas e sociais. A trajetória política de Bolsonaro, especialmente
nos últimos anos, é a melhor síntese dessa batalha inconclusa, certamente com
avanços, mas enfrentando ainda grandes desafios na tentativa de banir a lógica
autoritária.
Falar de autoritarismo significa lidar com
três formas de manifestação desse fenômeno. A primeira é a mais evidente e diz
respeito ao funcionamento das instituições. Eleições livres e competitivas,
separação e controle mútuo dos Poderes, salvaguardas federativas dos estados e
municípios, bem como a garantia institucional dos direitos dos cidadãos,
inclusive os que representam minorias políticas ou sociais, são os principais
elementos de uma democracia. Foi aqui que o Brasil avançou mais, com um sistema
político que pode estar longe de ser perfeito, mas que foi fundamental para
evitar um novo golpe de Estado em 2022. Mas será que nossa institucionalidade
preservaria o regime democrático com um novo Bolsonaro ou a volta dele ao
poder?
Se houve a possibilidade da quebra
democrática com Bolsonaro, é porque algumas lideranças políticas e sociais
supõem que se possa rasgar a Constituição e organizar a tomada ilegal do poder.
Essa é uma segunda camada do autoritarismo, que envolve as crenças e práticas
de atores e instituições estratégicas, como as Forças Armadas, a classe
política, juízes, empresariado e líderes sociais de cunho secular ou religioso,
para ficar nos principais grupos. Instituições não se movem sozinhas e como as
elites e políticos atuam sobre elas é um aspecto-chave para a consolidação
democrática.