- Folha de S. Paulo
Apaixonados, governistas e oposicionistas, são inúteis para o bom debate público
Na semana que passou, assistimos de camarote a mais uma lição sobre como funciona nossa alegre democracia na era do escândalo.
Dias atrás o presidente compartilhou com os amigos um texto confuso e irrelevante, e sua base difusa de apoio marcou uma passeata, para o fim de semana.
Isso bastou para que a tagarelice digital levantasse o tom. Ouvi gente boa dizendo que era uma "carta de renúncia", como a de Jânio. Uma "ameaça" ao país, escreveu outro. Uma jovem deputada vaticinou: a continuar assim, é "impeachment ou renúncia". O exagerômetro nacional quase pifou, mas depois tudo virou espuma, como quase sempre acontece.
Passados alguns dias, ninguém mais se lembra do que dizia o tal artigo esquisito, a manifestação domingueira correu tranquila, com 75% dos manifestantes tendo ido à avenida Paulista, segundo dados do Monitor Digital, em apoio às reformas que o país precisa fazer.
Nossos alarmistas não perdoaram: foi um sucesso? Pior para o governo. E se tivesse sido um fracasso? Pior ainda. E se tivessem cancelado tudo, antes? Sinal de fraqueza. A realidade pode variar do jeito que quiser, a constante é sempre a mesma: o governo errou, o governo perdeu, o governo é bobo, vulgar, agride japoneses, faz o diabo.
Vejam só as passeatas de domingo. Não havia um boneco satirizando Rodrigo Maia? Não havia gente falando mal do centrão? É evidente que isso vai terminar mal, vai estragar mais ainda a relação com os Poderes, com o Congresso, não é mesmo?
Não estragou. Na semana em que os corpos deveriam ser recolhidos, o governo promove um agradável convescote entre os chefes de Poderes, propondo um pacto pelas reformas. Na sequência, o Senado aprova a MP da reforma administrativa.
Sim, mas o pacto é "enganador", "exotérico", um "conto do vigário"! Até o croissant servido no café da manhã deveria ser falso! OK, OK, e o suco de laranja era de caixinha. E o governo perdeu na votação do Coaf! Exato. Vai aí uma revelação: na democracia, governos ganham e perdem, no Parlamento projetos são ajustados, coisas assim.
E quando isso acontece, não significa que o sistema, o governo ou a democracia estejam em crise.