segunda-feira, 26 de junho de 2023

Entrevista | Wolfgang Streeck - Nova desordem mundial

André Singer* / Hugo Fanton** / Ilustríssima /Folha de S. Paulo

Em entrevista, o alemão Wolfgang Streeck fala de nova ordem bipolar, equilíbrio de forças internacionais e Guerra da Ucrânia

[Resumo] Um dos principais sociólogos em atividade, o alemão Wolfgang Streeck mostra-se pessimista em relação ao futuro imediato da "desordem mundial" que vivemos. Em entrevista, ele comenta que passamos por momento de transição, acarretado por crise do capitalismo democrático nas últimas décadas, para uma possível nova ordem bipolar liderada por EUA e China, o que, a seu ver, pode reacender o risco de uma grande guerra. Ele diz ainda que forças de esquerda devem apoiar a paz entre Ucrânia e Rússia, sem se aliarem a nenhum dos dois países, e que esperar uma vitória unilateral, com Vladimir Putin sendo julgado em Haia, é "suicida".

O sociólogo alemão Wolfgang Streeck, professor emérito do Instituto Max Planck, tornou-se conhecido fora dos círculos acadêmicos dez anos atrás quando publicou o livro "Tempo Comprado: A Crise Adiada do Capitalismo Democrático", traduzido para o português em 2018.

De lá para cá, virou um dos principais intérpretes da desordem mundial. Nesta entrevista —concedida em 12 de junho, via Zoom, de Colônia, na Alemanha—, mostrou-se pessimista em relação ao futuro imediato.

Segundo ele, em meados dos anos 1970 o capitalismo democrático começou a se desfazer, dando início a um período entrópico. Nele, predominaria a ideia anotada pelo dirigente comunista Antonio Gramsci no "Caderno do Cárcere" volume 3 (1930): "A crise consiste […] no fato de que o velho morre e o novo não pode nascer: neste interregno, verificam-se os fenômenos patológicos mais variados".

Quanto tempo levará a transição para a nova ordem? Ninguém sabe, afirma Streeck. O fim do Império Romano é o caso paradigmático, e até hoje é difícil determinar a duração do seu desmoronamento.

Por ora, Streeck acha possível o estabelecimento de uma ordem econômica global bipolar, em que Estados Unidos e China liderariam blocos com funcionamento próprio. Teme, entretanto, que um dos polos, no caso o norte-americano, por ser militarmente mais forte, decida usar a vantagem antes que a perca. "Meu medo é que Biden planeje atacar a China, com a ajuda da Otan", disse.

"Os Estados Unidos têm uma vantagem maravilhosa, não é possível vencer uma guerra contra eles. São como uma ilha enorme, um continente, e têm apenas dois vizinhos: o Canadá, quase um estado americano, e o México, onde suas tropas já estão presentes, presumivelmente para combater o tráfico de drogas", afirma Streeck.

Para acabar com a Guerra da Ucrânia, bastaria os americanos se disporem a uma saída negociada com os chineses, pensa Streeck. Já a ideia de uma vitória unilateral, com Vladimir Putin sendo julgado em Haia, é "suicida", acredita.

"Há alguns dias, o governo alemão prometeu a Biden enviar dois grandes navios de guerra para as águas do sul da Ásia, perto da costa chinesa. Imagine, a marinha alemã na costa da China?! Vocês me perguntam o que espero? Só posso dizer que não estou mais esperando nada, exceto surpresas bizarras."

Leia a seguir os principais trechos da conversa, cuja íntegra sairá em livro publicado pela editora da Unicamp no primeiro semestre de 2024.

Angelina Peralva* - Alain Touraine, não dogmatismo e aberto ao novo

Ilustríssima / Folha de S. Paulo

Um dos grandes intelectuais franceses do século 20, empreendeu releitura permanente de sua obra com espírito de aventura

[Resumo] Renomado intelectual francês, Alain Touraine morreu no começo do mês, aos 97 anos. Sociólogo incansável, sem receio de reavaliar as próprias ideias e desbravar novas frentes de trabalho, analisou toda a série de grandes acontecimentos históricos que presenciou: a reconfiguração do movimento operário do pós-guerra, os protestos de Maio de 68, a luta feminista dos 1970, a queda do Muro de Berlim, a globalização. Nesse percurso, mudou seu modo de entender o mundo: o terreno da contestação e das mudanças deslocava-se do plano sócio-econômico para o cultural, sobretudo graças às mulheres e à afirmação de cada pessoa como "sujeito pessoal".

A morte de Alain Touraine priva a França de um de seus últimos grandes intelectuais. Essas figuras tão características da vida pública francesa foram descritas por Michel Winock em um livro premiado, "O Século dos Intelectuais".

Definidas por sua importância no mundo das ideias, eram influentes na política sem necessariamente ocupar posições no sistema político. Vinham da literatura e do mundo editorial, como André Gide, ou da filosofia, como Sartre e Simone de Beauvoir. A particularidade de Touraine foi ter-se construído como grande intelectual a partir de uma disciplina periférica, a sociologia.

Foi um sociólogo incansável. A importância que atribuía ao trabalho de campo protegeu-o, no mais das vezes, contra o descolamento das grandes ideias face à concretude da vida social. Georges Friedmann, pioneiro da sociologia do trabalho e guia dos primeiros passos do jovem Touraine como pesquisador, foi por ele descrito como um antigo comunista que escapava ao dogmatismo fazendo trabalho de campo.

Touraine foi influenciado por Marx e pela centralidade da luta de classes no pensamento marxista, mas em lugar de estudar a luta de classes na história, estudou empiricamente a consciência de classe dos operários, situando-a no interior do processo de transformação das relações de trabalho.

Diferentemente de Marx, não considerava essa luta na ótica de uma ruptura revolucionária, mas sim na perspectiva de um conflito central, com impacto sobre a repartição do poder. Um conflito interno aos quadros institucionais democráticos.

Ao contrário dos que se debruçaram sobre os mecanismos da dominação —e Michel Foucault foi, aos seus olhos, o mais importante—, a ele interessaram prioritariamente os movimentos através dos quais a dominação era contestada. Entender os termos dessa contestação, suas dificuldades e seus dilemas, permitiria jogar luz sobre a própria dominação —tal era sua hipótese principal.

Paulo Fábio Dantas Neto* - Nevoeiro de guerra fria a partir de uma guerra quente e suja

Este é um breve artigo genuinamente interrogativo. As perguntas não são originais, podendo ocorrer a qualquer bom senso minimamente informado, nem um recurso retórico. São imposição de uma ignorância pessoal média, mas incômoda, que me impele a compartilhar várias dúvidas com os leitores.

Refiro-me à situação que se configurou na Rússia neste fim de semana, com uma rebelião, rapidamente interrompida por acordo, de um poderoso grupo mercenário contra o Estado que o financia e a virtuais implicações do episódio, não só sobre a guerra da Ucrânia, como sobre guerra e paz no resto do mundo, sobre instituições, governos democráticos, autocracias e sobre a segurança da vida humana diante de ameaças globais que podem ser aliviadas, ou agravadas, pela conjuntura que esse evento esboça. 

Ciente de que não detenho informação e maturação analítica bastantes para tratar assertivamente do tema, recorri não só ao formato interrogativo, como a conversas e leituras improvisadas e em boa hora propiciadas por amigos da Roda Democrática e da Universidade, que são mais informados sobre o assunto do que eu, sendo alguns, inclusive, formadores de opinião. Mesmo após essas breves leituras e conversas, o tema continua sob brumas para mim. Eis as questões que pude formular:

Bernardo Mello – Bolsonaristas adotam discurso menos radical

O Globo

Aliados acenam com desradicalização e miram espólio de Bolsonaro, julgado pelo TSE

Em meio ao julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pode resultar na inelegibilidade de Jair Bolsonaro, aliados acenam com uma desradicalização de olho na sobrevivência política. O próprio ex-presidente vem tentando seguir a estratégia. Em declarações recentes, ele classificou a si mesmo como de “centro-direita” e diminuiu os ataques ao Judiciário. No caso de parlamentares e lideranças que se alinharam ao bolsonarismo nas eleições de 2022, por outro lado, o movimento abre caminho para tentativas de herdar o espólio político do ex-presidente e de buscar também eleitores moderados que estejam descontentes com o governo Lula (PT).

Um dos focos dessa estratégia é o apoio para que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), projete-se como sucessor de Bolsonaro caso o ex-presidente seja vetado pelo TSE nas eleições de 2026. Além da adesão de caciques de partidos como PP e o Republicanos, que se coligaram a Bolsonaro no ano passado e já acenaram publicamente a Tarcísio, a aposta no ex-ministro da Infraestrutura agrada a integrantes de outras siglas que tradicionalmente fazem oposição ao PT.

Camila Rocha* - O futuro de Jair Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Maior parte de seus apoiadores dá como certa sua inelegibilidade

Quando perguntado sobre seu próprio futuro político, Jair Bolsonaro foi evasivo. "Eu não sei se vou estar vivo quando virar a esquina" foi a resposta dada durante uma coletiva de imprensa realizada na última quarta (21).

A linguagem mais sóbria, permeada por termos jurídicos, bem como o tom moderado e respeitoso dirigido aos jornalistas presentes no dia, refletiam alguma esperança de pacificar seus potenciais algozes no julgamento do Tribunal Superior Eleitoral que pode torná-lo inelegível.

Para além disso, a ausência da agressividade e do histrionismo que lhe são característicos ainda revelava a indecisão sobre o rumo a ser seguido.

Carlos Pereira* - A ‘Belle Époque’ da política brasileira

O Estado de S. Paulo

Reformas não alteraram o âmago do presidencialismo multipartidário, mas o tornaram resiliente

Belle époque foi um dos períodos de maior efervescência cultural e intelectual da Europa, entre o final do século 19 e começo do 20. Foi marcado por profundas transformações e inovações. É considerada “idade de ouro”, caracterizada pelo otimismo, paz e prosperidade econômica, além de inovações culturais, científicas, tecnológicas e novas formas de arte, como Impressionismo e a Art Nouveau.

No filme Meia Noite em Paris, dirigido por Woody Allen, o personagem principal, um roteirista bem-sucedido de Hollywood, vai para Paris em busca de inspiração para destravar seu livro sobre a Belle Époque e se vê magicamente transportado no tempo, tendo a oportunidade de conhecer e interagir com seus ídolos artísticos e literários, como Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald, Gertrude Stein, T.S. Eliot, Picasso, Dali, Matisse, entre outros.

Marcus André Melo* - Coalizões, ministérios, emendas

Folha de S. Paulo

Quaquá pensa como o primeiro governo Lula, no qual o PT manteve a maior parte do portfólio ministerial

Em entrevista, o vice-presidente do PT, Washington Quaquá, discorreu sobre a alocação de ministérios e de emendas parlamentares e o processo de formação da base do governo.

Argumentou que "não é [ministério] que vai resolver os problemas da base do governo. O que vai resolver é emenda parlamentar... Com R$ 18 bi, R$ 20 bi, R$ 25 bilhões resolve essa parada. Claro que ministério faz parte, mas do ponto de vista de querer governar junto, participar da política pública. O que contemplará a base e formará a maioria para governar são as emendas".

Ruy Castro - Meus influencers favoritos

Folha de S. Paulo

Homens e mulheres que me influenciaram e que segui pela vida afora

Raro o dia em que não leio sobre algum famoso influencer em evidência por qualquer coisa importante. Já sei, só nesta frase há quatro pleonasmos. Se é influencer é porque deve ser famoso e, se está em evidência, é porque disse ou fez algo importante.

Mas não será assim o maravilhoso mundo dos influencers? E todos com três ou mais milhões de seguidores. Ao saber disso, pergunto-me vexadíssimo: por que não sou um desses milhões e não sigo um influencer?

Bruno Carazza* - O caso Índia e o risco da reforma meia-boca

Valor Econômico

Ação míope de lobbies pode fazer Brasil perder oportunidade rara

Há praticamente quatro anos, no dia 5 de agosto de 2019, neste mesmo espaço, escrevi que o Brasil tinha uma oportunidade única para simplificar e tornar mais eficiente nosso caótico sistema tributário, após a apresentação das PECs 110 e 45. E para mostrar que a missão não era impossível, citei o caso da Índia.

Os paralelos entre as situações indiana e a brasileira eram muito evidentes: países continentais, com uma estrutura federativa que dava liberdade para os entes subnacionais estabelecerem suas próprias alíquotas e exigências tributárias, impostos incidindo em cascata e uma multiplicidade de incentivos e isenções. Os resultados eram iguais lá e cá: pouca transparência, elevados custos de compliance para as empresas, guerra fiscal e perda de competitividade externa.

No entanto - e esse era o mote do artigo - a Índia havia conseguido implementar, em 2017, uma reforma que unificou dezenas de tributos federais e estaduais num único Imposto sobre Bens e Serviços, com muitas das características desejáveis de um tributo sobre o consumo: abrangente (para praticamente todos os bens e serviços), aplicável (e dedutível) a cada etapa da cadeia produtiva e cobrado no destino do consumo.

Sergio Lamucci - As condições para o começo do ciclo de queda da Selic

Valor Econômico

Com uma redução fundamentada da Selic, os preços dos ativos brasileiros poderão seguir uma trajetória mais consistente de melhora

As tensões entre o governo Lula e o Banco Central (BC) voltaram a aumentar na semana passada, com a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de manter a Selic em 13,75% ao ano e não indicar claramente que a taxa poderá ser reduzida no encontro de agosto. Nesse cenário, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, foi duramente criticado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, embora a autoridade monetária não tenha fechado a porta para o início de um ciclo de queda dos juros na próxima reunião do Copom.

A ansiedade de integrantes do governo não vai ajudar a derrubar a Selic, podendo inclusive atrapalhar, a depender do nível de ruído produzido, e especialmente se levar a alguma mudança mais drástica nas metas de inflação na reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) nesta semana. Na quinta-feira, o CMN vai definir a meta de 2026 e ratificar ou não os alvos para 2024 e 2025, atualmente em 3%, com banda de tolerância de 1,5 ponto percentual, para mais ou para menos. A expectativa dominante é que a meta será mantida em 3%, com o abandono da obrigação de cumprimento no ano-calendário e a adoção de um alvo contínuo nesse nível. Além de Campos Neto, compõem o CMN o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet.

Demétrio Magnoli - Grandes Eleitores

O Globo

Nos EUA, os eleitores são soberanos; no Brasil, soberanos são os juízes

Denunciado pela retenção ilegal de documentos sigilosos, Donald Trump pode ser condenado à prisão. Mesmo nessa hipótese, não perderá o direito de concorrer à Presidência. Jair Bolsonaro, que enfrenta julgamento no TSE sob acusações de ataques ao sistema eleitoral e às instituições democráticas, poderá se tornar inelegível, mas não corre risco de prisão. Nos Estados Unidos, os eleitores são soberanos; no Brasil, soberanos são os juízes.

Um século atrás, em 1920, o líder socialista americano Eugene Debs, condenado por crime de sedição, concorreu à Presidência enquanto servia sentença numa penitenciária de Atlanta e recebeu 914 mil votos (3,4% do total). Os Estados Unidos separam os domínios da Justiça e da política: o primeiro compete aos tribunais; o segundo, aos eleitores. Nada, nem mesmo a cadeia, anula os direitos políticos, que emanam da cidadania.

No Brasil, cidadania é coisa secundária, incerta, precária. Daí que um tribunal especial, o TSE, tem a prerrogativa de decidir quem pode e quem não pode se candidatar a cargos eletivos. No fundo, os juízes operam com o poder de cassar a soberania popular. Os eleitores perdem o direito de votar nos candidatos de sua preferência. A tutela judicial dos eleitores ocorre sistematicamente nas disputas para cargos parlamentares. Desde 2018, transformou-se em fator decisivo nas eleições presidenciais.

Fernando Gabeira - O velho tema das drogas de novo nas mãos do STF

O Globo

Abordagem de jovens negros sob suspeita de ter maconha é disfarce do racismo, que perderia força com decisão positiva do Supremo

As drogas estão na pauta do Supremo. Embora sejam muitas, a mais popular é a maconha. O que os ministros decidirão agora, nós tentamos resolver no Congresso, durante o governo FH. Chegamos muito perto de impedir que o portador de droga para consumo pessoal fosse preso.

As resistências se concentravam em alguns delegados na Câmara. Diziam: tudo bem, não são presos, mas precisam ir à delegacia. Era exatamente isso que queríamos evitar. Infelizmente, em alguns lugares do Brasil, a prisão por porte de drogas tornou-se fonte de renda extra para policiais. Outra objeção era que o tráfico de drogas usaria a medida para ser feito em pequena escala, com milhares de pessoas circulando com doses mínimas. Isso é apenas uma projeção, uma vez que a viabilidade econômica é reduzida.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Fundos da reforma tributária têm de ter prazo determinado

Valor Econômico

Fundos precisam de prazos determinados, blindados juridicamente da melhor forma possível

O relatório da reforma tributária que vai à apreciação da Câmara dos Deputados é a segunda melhor opção, depois do projeto original, a PEC 45. Ele já é fruto de barganha política incontornável e a missão do governo e de sua base é evitar que seus contornos sejam diluídos nas negociações subsequentes em plenário. O relator Aguinaldo Ribeiro arbitrou uma alíquota intermediária de 50% para alguns serviços, como educação, saúde, transporte público urbano e interurbano, insumos e produtos agropecuários e a cesta básica, para a qual foi deixada em aberto, em projeto de lei complementar, a possibilidade de cashback, a devolução dos impostos pagos às famílias de baixa renda incluídas no Cadastro Único. As razões pelas quais uma reforma tributária abrangente não foi feita até hoje aparecem agora, com a disputa sobre a carga de impostos entre setores produtivos e, a mais acirrada, entre a União e os Estados da federação.

Poesia | Vinícius de Moraes - Eternamente exausto

 

Música | Teresa Cristina e Samba que elas querem - Sorriso Negro