Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quarta-feira, 11 de outubro de 2023
Paulo Fábio Dantas Neto* - Faixas de sombra e luz sobre a Gaza nossa de cada dia
‘Radicalismos do Hamas e de Netanyahu se alimentam’, diz analista Hussein Kalout
Por Caio Sartori / Valor Econômico
Ex-secretário especial da Presidência,
Hussein Kalout diz que configuração política de Israel ‘encorajou’ os atos
terroristas, que prestam desserviço à causa palestina
Pesquisador na Universidade de Harvard, o
cientista político brasileiro Hussein Kalout avalia que o Hamas e o
primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, alimentam-se mutuamente com
radicalismos. O Hamas colocou em curso ataques terroristas que o professor de
Relações Internacionais considera deploráveis, “bárbaros” e deslocados do que
deveria ser a causa palestina. O israelense adotou uma política de negação das
demandas palestinas, intensificando os assentamentos e governando com grupos de
extrema direita ultranacionalistas, afirma Kalout.
“Isso em nada absolve o crime bárbaro e os
atos terroristas praticados pelo Hamas. Mas, é importante sublinhar que o
Netanyahu fez escolhas”, diz ele. “O Hamas se alimenta do radicalismo do
Netanyahu, e o Netanyahu precisa do Hamas para manter sua narrativa securitária
para vencer as eleições e continuar montando a coalizão dele com a extrema
direita ultranacionalista. Esses polos extremados se alimentam mutuamente.”
Além dos trabalhos em Harvard, Kalout é
conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e foi
secretário especial de assuntos estratégicos da Presidência da República entre
2016 e 2018, no governo Michel Temer (MDB).
Veja a seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:
Luiz Carlos Azedo - Em tempos de guerra, a ofensiva conservadora no Congresso
Correio Braziliense
A agenda identitária, que serviu como refúgio
da esquerda durante o governo Bolsonaro, agora passou a ser a agenda da extrema
direita, com sinal trocado
Quando todas as atenções estão voltadas para
Israel e a Faixa de Gaza, onde acontece uma carnificina, desde o brutal ataque
terrorista do Hamas ao território israelense, as forças conservadoras no
Congresso mantêm a ofensiva contra os direitos das minorias e decisões tomadas
pelo Supremo com objetivo de protegê-las, como aconteceu com a questão do marco
temporal das terras indígenas a partir da Constituição de 1988, rejeitada pela
Corte.
Nesta terça-feira, a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF) aprovou o relatório do deputado Pastor Eurico (PL-PE), que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O texto prevê, além da proibição, que padres, pastores e líderes religiosos não sejam obrigados a realizar cerimônia de união homoafetiva e que essas uniões sejam asseguradas por um contrato de sociedade. Ou seja, propõe a revogação de decisão já tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) com base na Constituição.
Vera Magalhães - Recesso branco só adia problemas
O Globo
Estão adiadas decisões e crises potenciais que estavam em curso até meia República tirar féria
Enquanto o mundo acompanha apreensivo o
acirramento da guerra no Oriente Médio, no Brasil reina um recesso branco
generalizado que, de um lado, evidencia a dificuldade do governo brasileiro de
repudiar sem subterfúgios os ataques terroristas do Hamas a Israel e, de outro,
apenas adia uma série de decisões e crises potenciais que estavam em curso até
meia República tirar férias.
Desde que Lula se submeteu à cirurgia para colocar prótese no quadril, cuja recuperação ainda o mantém afastado do dia a dia da administração, ficaram em suspenso as aguardadas indicações do novo ministro do Supremo Tribunal Federal e do substituto de Augusto Aras na Procuradoria-Geral da República.
Bernardo Mello Franco - Extrema direita ataca STF e semeia intolerância para colher votos
O Globo
A cruzada parlamentar contra o Supremo teve
ontem um novo capítulo. A Comissão de Previdência e Assistência Social da
Câmara aprovou um projeto de lei que proíbe o casamento de pessoas do mesmo
sexo.
Antes da votação, deputados de extrema
direita fizeram ataques e provocações à Corte. Eles reclamaram do julgamento
que reconheceu as uniões homoafetivas, em 2011.
“Ninguém aguenta mais as interferências do
Judiciário”, esbravejou o deputado Pastor Marco Feliciano. “Respeitamos o STF,
mas eles entendam que aqui nós decidimos legislar”, reforçou o colega Pastor
Eurico.
Os parlamentares investiram no discurso de que os juízes do Supremo não foram eleitos. Por isso não teriam o direito de se contrapor à vontade do Congresso.
Elio Gaspari - A Ofensiva do Tet assombra Bibi
O Globo
Em 1967 os generais americanos estavam
seguros de si
Diplomatas israelenses compararam o ataque
terrorista do Hamas ao
11 de setembro de 2001, quando aviões sequestrados por militantes suicidas da
Al-Qaeda destruíram as Torres Gêmeas de Nova York,
matando cerca de 3 mil pessoas. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu evitou
essa comparação. Fez muito bem, porque, se há uma semelhança original entre os
dois episódios, o paralelo mais próximo é outro, com a ofensiva do Vietnã do
Norte e do Vietcongue, durante os festejos do Tet em janeiro de 1968.
A Ofensiva do Tet fracassou militarmente, mas
quebrou a espinha dorsal do apoio popular à intervenção americana no Vietnã e
custou a ruína política ao presidente Lyndon Johnson. Em março, ele anunciou
que não disputaria a reeleição, foi para seu rancho, deixou o cabelo crescer e
morreu em 1973. Foram necessários mais de 30 anos para que ele fosse defendido
como um grande presidente, noves fora o Vietnã.
Até a semana passada, os generais israelenses e seu famoso serviço de informações estavam tranquilos. Os egípcios teriam avisado que alguma “coisa grande” estava a caminho. Se esse aviso chegou ao governo israelense, não se sabe, mas a “coisa grande” aconteceu. Em dezembro de 1967, os generais americanos estavam seguros de si.
Vinicius Torres Freire - Dinheiro e mortes em Israel e Palestina
Folha de S. Paulo
Indicadores de mercado financeiro e de
energia mal se moveram depois da matança
O dinheiro grosso do mundo não deu quase a
mínima para os massacres em Israel e em
Gaza, na Palestina,
e para o risco de que dias ainda piores devem vir, ao menos para o povo
palestino. Os indicadores financeiros de tensão mal se moveram.
Não que dinheiro importe, tendo em vista o
morticínio. No entanto, idas e vindas da finança e de outros mercados sempre
podem degradar ainda mais uma situação horrível.
O comentarismo ou o sensacionalismo geopolítico especulavam que a mais recente onda de matança deve atrapalhar o plano de aproximação entre Arábia Saudita e Israel. Que talvez afetasse mesmo o fornecimento de armas e munições para a Ucrânia. Poderia ainda vir a se transformar em uma grande crise regional caso se provasse a participação iraniana nos ataques do Hamas ou se o Irã viesse a intervir no conflito.
Bruno Boghossian - Populações em estado de guerra
Folha de S. Paulo
Pesquisas de opinião em Israel e na Palestina
exibem declínio da tolerância e desgaste de líderes
O ataque do Hamas e as
ações de Israel são
produtos de uma fase aguda no longo processo de desgaste e radicalização dentro
de cada território. As populações locais atravessam um momento delicado de
declínio da tolerância, rejeição a adversários, aceitação da violência e
desconfiança em relação a seus líderes.
A formação do quadro aparece em pesquisas recentes. Em seis anos, o apoio de palestinos à solução de dois Estados caiu de 52% para 28%, segundo o PSR (Palestinian Center for Policy and Survey Research). Em junho, metade dos entrevistados de Gaza e Cisjordânia diziam que o confronto era o melhor caminho para uma Palestina independente, e 77% defendiam a formação de facções armadas.
Hélio Schwartsman - Cegueiras políticas
Folha de S. Paulo
Preferências ideológicas não deveriam impedir
ninguém de ver o que é imoral
Simpatizantes de Israel entraram
em confronto com apoiadores de palestinos em várias cidades ocidentais, como Nova York, Chicago, Londres,
Berlim e Sydney. As lealdades são pautadas tanto por pertencimento étnico como
por preferências políticas. De um modo geral, a esquerda fecha com os
palestinos, enquanto a direita se perfila ao lado de Israel.
O interessante aqui, e que dá um bom caso para os psicólogos sociais estudarem, é que a situação já foi diametralmente oposta. Israel surgiu como um país socialista. A primeira nação a reconhecer "de jure" o novo Estado, em 1948, foi a União Soviética. As armas que Israel recebeu da Tchecoslováquia, então parte do bloco soviético, foram fundamentais na Guerra de Independência.
Wilson Gomes* - O Hamas e a cartada do oprimido
Folha de S. Paulo
Para o dogmático, a única posição honesta possível
já está ocupada e é a dele
Quem conseguiu controlar o próprio asco pode
ter visto centenas de imagens estarrecedoras sobre os atos
do Hamas contra os cidadãos israelenses no último sábado.
Circulam vídeos de cadáveres vilipendiados,
garotos em desesperada fuga em campo aberto, caçados a tiros, o pavor de
mulheres impotentes exibidas como espólio de guerra por homens com fuzis,
corpos de famílias inteiras trucidados em rodovias. Nos dias seguintes, terá
visto imagens semelhantes e relatos da extrema brutalidade vindos da retaliação
do governo de Israel.
Confessei a minha dificuldade em conciliar o horror visto com os discursos que surgiram para endossar os ataques a Israel como um ato de legítima defesa dos oprimidos palestinos. Em mim, isso geraria imensa dissonância cognitiva, aquele desconforto que se costuma ter quando nossas crenças, atitudes ou valores entram em contradição.
ONU condena 'cerco total' de Israel à Gaza e cita violação de direito internacional humanitário
Por O Globo com AFP — Jerusalém
Campanha de bombardeio israelense se
intensificou nesta terça-feira, atingindo infraestruturas civis e amplificando
os temores sobre possíveis crimes de guerra
A Organização das Nações Unidas (ONU)
condenou o "cerco
total" anunciado por Israel contra
Gaza, afirmando que a privação de insumos básicos à população civil do
território palestino configura uma violação do direito humanitário
internacional. O posicionamento da ONU, no quarto dia de conflito, chega em um
momento em que as hostilidades continuam em um nível elevado, com Israel
atacando com bombardeios constantes contra alvos que dizem pertencer ao Hamas, enquanto
autoridades de Gaza denunciam ataques a infraestruturas e alvos civis.
"A imposição de cercos que põem em perigo a vida de civis, privando-os de bens essenciais à sua sobrevivência, é proibida pelo direito humanitário internacional", afirmou o Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, em um comunicado divulgado à imprensa. “Sabemos, por experiência amarga, que a vingança não é a resposta e, em última análise, os civis inocentes pagam o preço”.
'Estamos vivendo uma limpeza étnica e física', diz embaixador da Palestina no Brasil
Por g1
O embaixador Ibrahim Alzeben falou nesta
terça-feira (10) à GloboNews sobre a guerra entre Israel e Hamas. Segundo ele,
as bombas e mísseis atingem toda a superfície da Faixa de Gaza.
Em entrevista à GloboNews nesta
terça-feira (10), o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben falou
sobre a guerra entre Israel e
Hamas. O Embaixador, que está de férias em Ramalah, na Cisjordânia, destacou
quais informações tem recebido da população dentro da Faixa de Gaza.
"Estamos vivendo, praticamente, uma terra arrasada na Faixa de Gaza. Bombas e mísseis atingindo toda a superfície da Faixa de Gaza, minúscula. As imagens falam por si mesmas. Estamos vivendo uma limpeza étnica e física nesse território", destacou.
"O que está acontecendo é uma
continuidade de um processo bélico que a Pelestina vive há sete décadas, onde
foi negada a existência do povo palestino", acrescentou Alzeben
O embaixador afirma que a Palestina
"acredita no processo de paz" e que guerras "não resolvem".
"Somos objeto de um terrorismo de estado, que deve ser avaliado, inclusive, pelos tribunais, para definir quem são os terroristas", disse.
Paulo Delgado* - Sete aplausos e sete silêncios na ONU
O Estado de S. Paulo
Lula, ao decidir falar de mitos e contramitos externos, valorizou o despotismo espiritual de um mundo que não se oferece à investigação
Gaúcho de Alegrete, o chanceler Oswaldo
Aranha presidiu a 1.ª Assembleia-Geral, em que nasceu o Estado de Israel e sua
sina de alvo sagrado para judeus, cristãos e muçulmanos. O Brasil usa a ONU
para elevar a graça do País no mundo. Não é lugar para quem não quer levar
desaforo para casa, eufemismo que os brutos usam para ofender outros dizendo-se
ofendidos. Aliás, em 1982, foi um rude e não democrático João Figueiredo que
inaugurou a tradição da fala presidencial.
Lula fez um bom e nostálgico discurso de abertura na 78.ª Assembleia-Geral, sobre a necessidade de “descongelamento do poder mundial” – uma peça da prateleira da Política Externa Independente inaugurada por San Tiago Dantas e Afonso Arinos, nos governos Jânio Quadros e João Goulart, e mais bem traduzida pelo chanceler João Augusto de Araújo Castro, em 1963, na 18.ª Assembleia-Geral. São 60 anos do consagrado princípio dos 3 Ds (Descolonização, Desenvolvimento e Desarmamento), ilusão geopolítica de países pobres e não alinhados. Desde lá, o Brasil critica gastos militares como “despesas inúteis para fins insensatos”. O tom de auditoria não altera o humor do complexo industrial-militar liderado por EUA, China, Rússia, Índia e Arábia Saudita.
Marcelo Godoy - A esquerda e o terror
O Estado de S. Paulo
Ao silenciar sobre o Hamas parte da esquerda esquece o compromisso com a democracia
O jornalista Robert Fisk contou certa vez que
seus vizinhos em Beirute, palestinos refugiados, mostraram-lhe a chave da casa
que outrora tiveram em Haifa, em Israel. O imóvel era então ocupado por judeus
nascido em Chzarnow, na Polônia. Por sua vez, a casa polonesa dos israelenses
era habitada por uma mulher repatriada de Lemberg, na Ucrânia, após a cidade
passar para a União Soviética.
Quem culpa só o “colonialismo britânico ou o sionismo” pela crise em Gaza parece esquecer os acontecimentos da Mitteleuropa, na 2.ª Guerra, e o Holocausto. Tudo se resumiria às origens ilegítimas do poder? Como observou Slavoj Zizek, a ideia de um “crime fundador” sobre o qual os Estados se baseiam seria acobertada por nobres mentiras a respeito da origem heroica das nações. “O infortúnio de Israel é ter-se estabelecido como Estado-nação com um ou dois séculos de atraso, em condições nas quais os crimes fundadores deixaram de ser aceitáveis.”
J. B. Pontes* - A malversação dos recursos públicos
A outra metade do valor inicialmente previsto para o “orçamento secreto” (R$ 9.4 bilhões) foi destinada aos orçamentos de órgãos do Poder Executivo, identificado agora pela sigla RP 2. Este valor vem sendo utilizado da mesma forma usada para distribuição das emendas de relator RP 9 – ou seja, sem identificação dos beneficiários e sem equidade entre os parlamentares –, como forma de angariar apoio político.
O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões
Hamas se revela sem nuance como grupo terrorista
O Globo
Quanto mais os fatos vêm à tona, mais fica
claro que essa é a melhor definição para o movimento armado
Cenas chocantes como as testemunhadas em
Israel no fim de semana são capazes de deixar qualquer ser humano sem palavras.
Filhos mortos diante dos pais, centenas de jovens fuzilados a esmo numa festa,
idosos mantidos sob a mira de metralhadoras ou assassinados, indícios de
estupros, tortura psicológica, sequestros de adultos e crianças ainda em curso
— uma barbárie sem fim. Uma barbárie que ninguém gosta de descrever.
Nenhuma causa, por mais nobre, como a soberania palestina, serve de argumento para justificar a agressão bárbara que tenha como alvo inocentes, de qualquer idade, nacionalidade, etnia, religião, orientação sexual ou política. A palavra terrorismo foi cunhada no século XIX para definir um movimento na Rússia czarista que não se furtava a matar inocentes para amedrontar a população. É ela que melhor descreve os atentados cometidos contra civis em nome de pretextos políticos, ideológicos ou religiosos. O terrorismo costuma ser praticado por seitas escatológicas, como o Estado Islâmico, movimentos políticos ou de libertação nacional — caso do Hamas, que deflagrou a barbárie no fim de semana.