- O Globo
Foi o vice-presidente Hamilton Mourão quem candidamente definiu a situação: a decisão econômica é fácil, mas “tem política por trás disso”. Falava do debate sobre a posição do presidente Bolsonaro a respeito de uma lei aprovada pelo Congresso que anistiava multas e dívidas previdenciárias de igrejas evangélicas.
O presidente acabou vetando parcialmente o projeto, no que se refere às contribuições sobre lucros das igrejas, mas sancionou a isenção sobre os salários dos pastores, a chamada “prebenda”, que ganhou na linguagem popular o sentido de “sinecura”.
No Brasil, o catolicismo era a religião oficial do Estado, que a subvencionava, e as demais religiões eram proibidas pela Constituição de 1824. A separação entre a Igreja e o Estado foi efetivada por decreto em 7 de janeiro de 1890, e oficializada na Constituição de 1891.
A Constituição de 1988 proíbe aos entes federativos "estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento, ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público."
Por incrível que pareça, regredimos no debate político à época em que religião e política se misturavam, sem o necessário firewall. O mais vergonhoso é que os artigos sobre as dívidas das igrejas foram incluídos em um projeto que falava de precatórios para financiar recursos para o combate à Covid-19 pelo deputado federal David Soares, filho do missionário R.R. Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus, uma dissidência da Igreja Universal do Reino de Deus, de seu cunhado Edir Macedo.
Esse tipo de manobra é chamado de “jabuti” e é largamente utilizada pelos mais diversos governos para resolver questões que nada têm a ver com o teor do projeto em si, a até de medidas provisórias. Como o Congresso não rejeita esse tipo de ilegalidade e, como agora, se aproveita dela em benefício próprio,seguimos adiante como se nada houvesse.