DEU EM O GLOBO
A despolitização da recente campanha eleitoral brasileira para a Presidência da República, com os dois candidatos seguindo quase que cegamente os conselhos de seus marqueteiros, não é um fenômeno novo na política brasileira, e muito menos na norte-americana, mas ganhou mais destaque depois da eleição de Barack Obama para a Presidência dos Estados Unidos em 2008.
Guardadas as devidas proporções, durante as prévias no Partido Democrata, a oponente Hillary Clinton fez o mesmo que Serra tentou a certa altura da campanha brasileira: desconstruir o adversário, tentando marcar Obama como uma criação do marketing político, sem capacidade nem experiência para governar os Estados Unidos.
Quando a “Obamamania” começou a se espalhar pelos Estados Unidos, havia uma palavra que definia o candidato democrata, à falta de qualidades mais evidentes: refreshment.
Dizia-se que Obama trazia refreshment à política americana, no sentido de revigorá-la.
Curiosamente, a palavrinha mágica é muito usada na propaganda americana para vender desde refrigerantes até pasta de dente, quando não se tem muita coisa para dizer deles.
Na campanha presidencial brasileira, Serra tentou marcar na adversária petista o fato de que ela era uma desconhecida, “um envelope fechado”, sem história pregressa que pudesse atestar-lhe a capacidade de dirigir o país.
Uma invenção de Lula apurada pelos marqueteiros.
No Brasil, desde que o candidato Fernando Collor introduziu na campanha presidencial de 1989 as modernas técnicas de marketing político, incrementando sua propaganda eleitoral na televisão com efeitos tecnológicos usados pela primeira vez, nunca mais as campanhas políticas brasileiras foram as mesmas.
Outra inovação daquele ano foi a utilização das pesquisas eleitorais como guia para a ação política. Collor valeu-se do parentesco com o sociólogo Marcos Coimbra, dono do Instituto Vox Populi, para, através das pesquisas, dizer o que o povo queria ouvir, e identificar os pontos fracos e fortes de sua candidatura e da dos adversários.
O marketing político e as pesquisas de opinião ganharam nas campanhas eleitorais brasileiras o papel proeminente que têm há muito tempo nos Estados Unidos, berço dos estudos mais importantes sobre essas técnicas.
O exemplo mais marcante de transformação de um candidato pelo marketing é o do “Lulinha paz e amor” inventado pelo marqueteiro Duda Mendonça, que transmutou o líder operário radical de cabelos e barba grandes e olhar messiânico de 1989 no candidato cordato e moderado vencedor em 2002, com ternos bem talhados.
O mesmo processo de transformação foi feito com sucesso com a candidata oficial Dilma Rousseff, eleita presidente, que foi reconstruída à vista de todos, tanto física quanto ideologicamente.
Essa ditadura do marketing político, no entanto, esterilizou o debate político. De um lado, a oposição temia confrontarse com a popularidade de Lula, e de outro a candidata oficial, bem treinada, evitou desastres nas entrevistas e debates, claramente engessada dentro de um modelo previamente estipulado.
Sua dificuldade de expressão foi turbinada pelo receio de errar, e na primeira entrevista como presidente eleita ela já se saiu bem melhor, mais espontânea, embora tenha voltado a chamar jornalistas por “minha filha” ou “meu filho” quando a pergunta a irrita, um dos temores de seus treinadores, e continuasse com dificuldades de falar fluentemente.
O debate sobre o aborto é um exemplo dramático sobre como o marketing tomou o lugar dos conceitos de políticas públicas, que é como veem a questão os dois candidatos.
Pois ambos tornaram-se carolas, exacerbando um lado religioso que nunca fez parte de suas personas políticas, mas que, em determinado momento, parecia ser o que o eleitorado queria.
Há um livro sobre a predominância do marketing sobre a política que é básico para a discussão do problema: chamase “Politics Lost”, do jornalista Joe Klein, e cita como o último lance realmente verdadeiro de um político nos Estados Unidos a reação de Bob Kennedy, então candidato a presidente, quando soube do assassinato de Martin Luther King.
Bob Kennedy estava justamente se preparando para fazer um discurso em um bairro negro, e foi aconselhado por seus assessores a não comparecer, pois a frustração com a morte de King certamente provocaria uma reação enfurecida das multidões.
Pois Bob Kennedy recusou os conselhos e ele mesmo anunciou o assassinato de Luther King, num discurso emocionante e emocionado, que ajudou aquela comunidade negra a lidar com o choque da morte de seu líder sem provocar reações agressivas.
Essa praga marqueteira foi muito bem analisada pelo expresidente do governo da Espanha Felipe González, em entrevista ao jornal “El País”.
Segundo ele, o que se está fazendo é seguir a opinião pública, banalizando o debate político a tal ponto que não se pode desenvolver projetos políticos que em certo momento podem ir na contramão da opinião pública, que, como se sabe, ressalta González, é muito volúvel.
Ele conta que se encontrou com Henry Kissinger em Washington e ouviu dele a seguinte análise: “A política está nas mãos de pessoas que fazem discursos pseudo-religiosos e simplistas e que são na verdade ofertas de venda de eletrodomésticos”.
Nos Estados Unidos, a crise econômica fez com que o encanto de Obama se quebrasse, e ele agora está tendo que enfrentar a realidade da política que o Partido Republicano tenta lhe impor.
Aqui, por não ser Lula nem ter sua capacidade de negociação, a presidente eleita Dilma Rousseff dependerá da política partidária para levar adiante seu governo. Conta com uma base de suporte no Congresso tão grande quanto heterogênea, e tem no PMDB e no PT a solução e o problema de seu governo.
Em ambos os casos, sem os mitos, a política volta a ser o único caminho.