sábado, 18 de maio de 2019

A ameaça de Bolsonaro: Editorial / O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro considera impossível governar o Brasil respeitando as instituições democráticas, especialmente o Congresso. Em sua visão, essas instituições estão tomadas por corporações – que ele não tem brio para nomear – que inviabilizam a administração pública, situação que abre caminho para uma “ruptura institucional irreversível” – conforme afirma em texto que fez circular por WhatsApp ontem, corroborando-o integralmente, como se ele próprio o tivesse escrito.

Ao compartilhar o texto, qualificando-o de “leitura obrigatória” para “quem se preocupa em se antecipar aos fatos”, Bolsonaro expressou de maneira clara que, sendo incapaz de garantir a governabilidade pela via democrática – por meio de articulação política com o Congresso legitimamente eleito –, considera natural e até inevitável a ocorrência de uma “ruptura”.

Não é de hoje que o presidente se mostra inclinado a soluções autoritárias. Depois da posse, Bolsonaro mais de uma vez manifestou desconforto com a necessidade de lançar-se a negociações políticas para fazer avançar a agenda governista no Congresso. Confundindo deliberadamente o diálogo com deputados e senadores com corrupção, o presidente na verdade preparava terreno para desqualificar os políticos e a própria política – atitude nada surpreendente para quem passou quase três décadas como parlamentar medíocre a ofender adversários e a louvar a ditadura militar. Não por acaso, o próprio Congresso parece ter desistido de esperar que Bolsonaro se esforce para dialogar e resolveu tocar por conta própria a agenda de reformas.

Desde sua posse como presidente, Bolsonaro vem demonstrando um chocante despreparo para o exercício do cargo, mas o problema podia ser contornado com a escolha de ministros competentes. Com exceção de um punhado de assessores que realmente parecem saber o que fazem, porém, o governo está apinhado de sabujos cuja única função ali parece ser a de confirmar os devaneios do presidente, dos filhos deste e de um ex-astrólogo que serve a todos eles de guru, dando a fantasias conspiratórias ares de realidade.

*Demétrio Magnoli: Bolsonaro, no outono

- Folha de S. Paulo

O presidente tem prazo de validade, que não é 2022, mas 2020

FHC descreveu-se como o "improvável presidente", atestando seu reconhecimento de que chegara ao Planalto nas asas de um desvio histórico. Bolsonaro deve a cadeira presidencial a um acaso ainda mais fortuito que o sucesso do Plano Real: a ruína do sistema político da Nova República na moldura de uma profunda depressão econômica.

Mas, ao contrário do sofisticado intelectual, o capitão inculto imagina que seu triunfo deve-se à "necessidade histórica" —isto é, a uma "revolução" propelida pela ideologia. Dessa ilusão nasce a crise crônica que trava o governo e anuncia a sua implosão.

O sistema político edificado três décadas atrás combinou os poderes quase imperiais de um presidente que governa por decretos com as prerrogativas quase ilimitadas de um Congresso fragmentado em miríades de partidos. O presidente fantasiado de soberano precisa, ao longo do mandato, usar seus poderes para construir —e, depois, conservar— uma maioria parlamentar operacional. Bolsonaro não quer —e provavelmente não conseguiria, mesmo se quisesse— engajar-se na missão da governabilidade.

O impasse tem um contexto. FHC navegou o sistema político a bordo de uma nau mais ou menos estável: a aliança programática PSDB/PFL, que lhe conferia um núcleo sólido de apoio no Congresso. O tucano comprou a governabilidade a custo baixo, praticando moderadamente o esporte da fisiologia. Já Lula pilotou uma nau avariada pela falta de um consenso programático básico na coalizão PT/PMDB/PP e pela multiplicação descontrolada de partidos. O petista abriu as portas da administração pública e das estatais à sanha colonizadora das máfias políticas. Os resultados foram o mensalão, o petrolão e, no fim, a derrubada do edifício pela artilharia da Lava Jato.

Bolívar Lamounier*: A política brasileira entre dois passados

- O Estado de S.Paulo

Somos um país sem elites autônomas, sem classe média e sem partidos políticos

Em 1958, quando publicou Os Donos do Poder (Editora Globo), mestre Raymundo Faoro introduziu o conceito de patrimonialismo, estabelecendo por meio dele a mais clássica das clássicas interpretações da História brasileira.

Mas, parafraseando Ortega y Gasset, podemos dizer que toda grande obra é ela mesma e sua circunstância. Nós, leitores preguiçosos, lemos o título e deixamos de lado o subtítulo do livro. Neste – Formação do Patronato Político Brasileiro – Faoro esclareceu melhor o sentido de seu trabalho. O Estado patrimonialista deitava raízes na era medieval portuguesa, mas Faoro quis manter a dignidade do substantivo formação. Nós, imbuídos da ideologia desenvolvimentista que à época emergia com todo o vigor, não quisemos perceber o paradoxo que o grande historiador gaúcho ali deixara, de caso pensado. Otimistas, só queríamos pensar no futuro e acreditávamos piamente que a industrialização liquidaria todos os resquícios do passado colonial. Portanto, o próprio patrimonialismo haveria de fenecer naturalmente. Morreria de morte morrida logo que as chaminés das fábricas de São Paulo enchessem o céu com sua espessa fumaça. Não nos passou pela cabeça que o Estado patrimonialista era uma estrutura poderosa, capaz de resistir a pressões contrárias à sua índole.

De nossa incapacidade de perceber a resiliência do patrimonialismo decorreram vários equívocos, o mais óbvio dos quais é que ele simplesmente se recusou a morrer. Está aí, perceptível a olho nu, agigantado e cada vez mais forte. Seu hábitat natural é, obviamente, Brasília, onde, sem dificuldade alguma, seus tentáculos sufocam e interligam os três Poderes. Estado patrimonialista, uma estrutura que vive em função de si mesma, que persegue os objetivos que ela mesmo escolhe, e o faz distribuindo o grosso da riqueza e as melhores oportunidades de ganho entre os “amigos do rei”. É certo que admite novatos, mas por cooptação, não como protagonistas autônomos, como bem explicou Simon Schwartzman no também clássico Bases do Autoritarismo Brasileiro(Editora da Unicamp).

Do equívoco que acima enunciei no atacado, penso que três outros merecem ser abordados no varejo: somos um país sem elites autônomas, sem classe média e sem partidos políticos.

Sergio Fausto*: A viagem ideológica de Bolsonaro

- O Estado de S.Paulo

Aqui como lá são estigmatizados os gays, as feministas e os demais ‘ativismos’...

O Itamaraty prepara viagem do presidente aos três países europeus de sua predileção: Hungria, Itália e Polônia. O périplo pela troika do nacionalismo xenófobo e politicamente antiliberal no velho continente atende a agenda ideológica de Bolsonaro, a mesma de seus filhos e do ministro das Relações Exteriores, expoentes do olavo-bolsonarismo no interior do governo.

Em seu discurso de posse, Ernesto Araújo destacou os três países como exemplos de sã afirmação da nacionalidade num mundo supostamente ameaçado pelo “globalismo”. Omitiu deliberadamente o fato de que na Hungria e na Polônia a “afirmação da nacionalidade” se faz à custa da democracia liberal. Contra ambos os países a União Europeia acionou em julho passado, por deliberação da maioria do seu Parlamento, o artigo 7 do Tratado de Lisboa, que prevê punições a países-membros que violem a liberdade de expressão, o direito das minorias e a independência do Judiciário.

Na Itália, onde a direita antiliberal e xenófoba não governa sozinha, ainda não há danos visíveis à democracia. Mas a Liga Norte é a força política em ascensão. Seu líder, o vice-premiê e ministro do interior Matteo Salvini, homem forte do governo de coalizão, embora não reivindique explicitamente o legado do fascismo, com frequência invoca Mussolini em atos e palavras.

No aniversário do Duce, ano passado, Salvini escreveu um tuíte repetindo frase famosa do líder fascista, com pequena variação vocabular: “tanti (molti) nemici, tanto (molto) onore”.

Os inimigos de Salvini são os mesmos de Viktor Orbán, o premiê húngaro, e de Lech Kaczynski, líder maior do partido Lei e Justiça, na Polônia. Nesse grupo estão todos os que colocam obstáculos ao projeto que compartem com a francesa Marine Le Pen. Eles querem rebobinar a fita da História para devolver seus países a um passado idealizado, jamais existente, em que Estados-nação europeus abrigavam populações homogeneamente brancas, cristãs, heterossexuais, regidas por uma clara hierarquia de gênero, com homens dominantes à testa do Estado e das famílias e mulheres submissas limitadas ao lar.

Ao apelo nostálgico a direita xenófoba agrega um elemento do repertório democrático (o princípio da soberania popular na eleição direta do chefe do governo e da maioria parlamentar), dispensando-os, porém, de respeitar o sistema de freios e contrapesos, as liberdades fundamentais e os direitos das minorias. Eis o tal oxímoro chamado “democracia iliberal”.

A besta-fera de Orbán & Cia. são os imigrantes muçulmanos do Oriente Médio e do Norte da África. No caso da Hungria, observa-se também um traço antissemita, perceptível na demonização de George Soros. A Europa é terreno fértil para o sucesso de uma política que reduz os imigrantes e a imigração islâmicos à condição de ameaça à segurança pública e à civilização europeia: a proximidade geográfica das regiões de origem, a problemática integração de comunidades de imigrantes às sociedades locais, a ocorrência de atentados terroristas perpetrados por islamitas radicais, a ausência de uma política europeia coordenada em relação à imigração, a redução do tamanho das populações de origem europeia.

João Domingos: Riscos para a economia

- O Estado de S.Paulo

Os que olham o Brasil com desconfiança não deixam de ter razão

A crise política começou a afetar a economia, disso parece não haver mais dúvidas. O que é um péssimo cenário para um país que mal saiu de uma recessão profunda, teve uma recuperação bastante pífia, com crescimento de 1,1% em dois anos seguidos, e agora se vê na possibilidade de ter um PIB negativo no primeiro trimestre deste ano e traz de volta o medo da recessão. Nesse mundo de incertezas, o dólar foi lá para cima, passou dos R$ 4. Há riscos de aumento da inflação. Sem falar na dubiedade do presidente Jair Bolsonaro quanto ao controle de preços dos combustíveis.

E tem a crise do emprego, com 13,4 milhões de desempregados na recente medição feita pelo IBGE, já em relação ao primeiro trimestre deste ano. Portanto, já no governo de Jair Bolsonaro, ante 12,1 milhões de desempregados no trimestre passado.

Pior, e esse é um dado preocupante, por causa de seu ineditismo e da impossibilidade de quaisquer tipos de previsão, é que muitas das crises políticas têm sido criadas pelo próprio governo e seu entorno. Além de ser alimentada pela falta de construção de uma base de sustentação no Congresso, o que todo governo necessita ter se não quiser sangrar até não ter mais jeito.

O resultado disso tudo é que o mundo passa a ver o Brasil com outro tipo de olhar, com dúvidas sobre a capacidade que o governo terá de aprovar projetos de grande importância, como a reforma da Previdência, o plano de privatizações, a reforma tributária.

*Marcus Pestana: O radicalismo ideológico e a revolução educacional necessária

- O Tempo (MG)

Precisamos de ideias claras e projetos consistentes

A prioridade para a educação povoa, desde que o mundo é mundo, o discurso dos líderes políticos. Quase sempre de forma apenas retórica, vazia, carente de diagnósticos precisos e estratégias corretas de transformação efetiva da realidade. É preciso levar a discussão educacional para além dessa usual torrente de obviedades, platitudes e boas intenções.

Mas se o problema fosse só a superficialidade do debate ou a ineficácia das políticas públicas, estaríamos numa plataforma melhor para a virada do jogo. Mas não. Como se não bastassem os graves problemas presentes, a educação brasileira patina, neste exato momento, no pântano do radicalismo ideológico que teima em tirar o foco das questões essenciais e substantivas.

Na última quarta-feira, dezenas de milhares de pessoas em mais de 200 cidades foram às ruas contra cortes orçamentários nas universidades. Não eram apenas eleitores da oposição a Bolsonaro. É verdade que a esquerda universitária e o movimento sindical dos professores têm dificuldade de aceitar a legitimidade de Bolsonaro, que, gostemos ou não, é o presidente de todos os brasileiros, democraticamente eleito. Mas o governo também demonstra dificuldades de abandonar a retórica de palanque, o que ficou claro nas atitudes do ministro da Educação, que se esmerou em apagar incêndio com mais gasolina, e na frase do presidente chamando os manifestantes de “idiotas úteis”.

À margem disso tudo, está a vida real: o cotidiano das crianças e dos jovens no sistema educacional brasileiro. No ranking internacional Pisa, que mede o desempenho da educação em 73 países, não estamos bem na foto: 59º lugar em leitura, 63º em ciências e 65º em matemática. Temos 27% de analfabetos funcionais entre os brasileiros de 15 a 65 anos. A cobertura de creches para a primeira infância, que – está provado – é o período que define a capacidade de desenvolvimento cognitivo e dos talentos e habilidades das crianças, não cobre um terço da necessidade. A evasão no ensino médio é ainda grande.

Julianna Sofia: O Coaf azucrina Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Presidente finge que movimentações atípicas de filho e ministro não afetam governo

Os ninjas do centrão querem o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) fora da aba de Sergio Moro (Justiça), e o Palácio do Planalto não tem feito questão de manter seus planos originais —muito embora essa tenha sido uma dentre as sabe-se lá quantas promessas ao ex-juiz, quando deixou a república de Curitiba.

Os mestres do fisiologismo, aliados à oposição, deram o primeiro passo para tirar o conselho de Moro ao votar a medida provisória da reestruturação do governo na comissão especial do Congresso e agora chantageiam o Executivo: se a mudança não for mantida, a MP cairá. Dinheiro de troco se for essa a única condição para não transformar a Esplanada dos Ministérios numa algazarra, além da já instalada desde o dia 1º de janeiro.

Com uma estrutura operacional turbinada, o Coaf de Moro azucrina.

*Marco Antônio Villa: Presidente Bolsonaro?

- Revista IstoÉ

O líder máximo do Executivo ainda pensa como deputado do baixo clero. Sua articulação é débil, repleta de improvisos e de polêmicas vazias. Os sinais de desgaste já são evidentes

Jair Bolsonaro precisa assumir a presidência. Quase cinco meses após a posse continua agindo como um deputado do baixo clero. Esqueceu que está no mais alto cargo da República. Que há um protocolo. Que qualquer coisa que fale tem imediata consequência política. Não custa lembrar o episódio sobre o preço do óleo diesel e a queda das ações da Petrobras. Insiste em agir como parlamentar que precisa a todo momento contentar sua base eleitoral. Suas falas agressivas acabam gerando repercussões extremamente negativas. Vai a Dallas — após o vexame de Nova York — receber um título que, após polêmicas, diminuiu de tamanho. E por que Dallas? Há o encontro com George W. Bush. Porém, o ex-presidente americano é opositor de Donald Trump. Assim como seu pai, o também ex-presidente George H. W. Bush (1924-2018), que fez questão de dizer que, em 2016, votou em Hillary Clinton. Qual o ganho diplomático? E o roteiro da viagem? Quais reuniões foram planejadas?

O improviso tomou conta do Palácio do Planalto. Não causará estranheza se em um banquete oficial for oferecido pão com leite condensado. Estamos no momento do vale-tudo. Porém, mostras de cansaço são evidentes. O Itamaraty virou sucursal de Steve Bannon. O extremista de direita tomou a Casa de Rio Branco. Hoje, a política externa é determinada por uma organização estrangeira a serviço de uma ideologia exótica e que coloca em risco a segurança nacional. Algo que nunca ocorreu na história da República.

Merval Pereira: Políticas de Estado e de governo

- O Globo

Com relação às idiossincrasias do presidente, José Paulo Cavalcanti considera que é preciso esperar por medidas concretas

Diante da confusão instalada no país, com o presidente confundindo suas opiniões pessoais com as do Estado brasileiro, fica necessário diferenciar políticas de Estado e de governo. Penso que é um direito de qualquer governo, por exemplo, redefinir a política de combate às drogas, como agora está fazendo o governo Bolsonaro. Podemos ser contrários, considerar, como considero, um retrocesso abandonar a política de contenção de danos, mas qualquer governo tem o direito de definir seus programas de saúde.

O que não pode é transformar em política de Estado suas idiossincrasias. Uma política de Estado, por exemplo, é considerar, a partir da Constituição de 1988, a tortura inafiançável, igual a um crime hediondo, insuscetível de anistia. Mas a anistia aprovada no fim da ditadura militar abarca também esse crime, considerado como crime contra a Humanidade.

Acho, porém, que a anistia, mesmo aprovada numa ditadura, não deve ser revista. O que uma política de governo pode fazer é rever os critérios para a indenização, como está sendo feito. O jurista José Paulo Cavalcanti, ex-ministro da Justiça e membro da Comissão da Verdade, lembra que, na verdade, foram duas anistias. “Uma aprovada no fim da ditadura militar (Lei 6.683, de 28/08/1979). E, outra, aprovada depois do fim da ditadura militar (EC 26 de 27/11/1985). Por um Congresso livre. Já em plena redemocratização”.

Daniel Aarão Reis: Os militantes do incêndio

- O Globo

O que mais preocupa são os nichos de ultradireita, autoritários e extremados, dos quais Bolsonaro é expressão

Há poucas dúvidas sobre os riscos que a democracia corre hoje no país. Ao contrário do que estimam os mais otimistas, não temos instituições democráticas sólidas, nem isso seria possível em tão poucas décadas: a Constituição de 1988, que restaurou a democracia, é ainda uma jovem balzaquiana, acabou de fazer 30 anos.

Além disso, as pesquisas de opinião pública evidenciam o pequeno apreço que as pessoas devotam ao Congresso Nacional, ao Poder Judiciário e aos representantes políticos em geral, o que, aliás, não é uma especificidade brasileira —a democracia representativa está em crise em todo o mundo e balança sob ataques de tendências autoritárias.

No contexto de profunda crise, econômica, política, moral e cultural, o cenário agravou-se com a eleição de Jair Bolsonaro, um líder de extrema direita, para a Presidência da República. No vértice do poder, com amplas margens de ação, assumiu um homem com escassa estima pelos valores democráticos.

É razoável avaliar que a grande maioria de votos que ele recebeu não aprova suas inclinações sectárias, o que se expressa no caráter heterogêneo do Ministério e das assessorias superiores do governo, que batem cabeça e se entredevoram sob os olhos medusados dos aliados e das oposições. Mesmo as grandes linhas programáticas, e maiores propostas do governo — reforma da Previdência (Paulo Guedes) e reforma da segurança (Sergio Moro) — têm sido sabotadas, velada e não tão veladamente assim, pelo próprio presidente, que se aplica a criar — ele mesmo ou por interpostas pessoas — situações constrangedoras para os mais altos auxiliares, entre os quais os generais que o cercam (ou estariam cercados?). O fato é que os únicos beneficiários imediatos destas pugnas são os humoristas, que encontram aí um terreno fértil para comentários e charges. Mas o quadro geral é sombrio, pois o país, nestas circunstâncias, parece deslizar para um abismo sem fim.

Míriam Leitão: Quando as crises se encontram

- O Globo

Economia brasileira está sendo atingida por uma onda de aversão ao risco, que é agravada pelos erros e brigas inúteis do governo

Houve nos últimos dias um agravamento da crise brasileira e a isso se juntou um novo episódio da guerra comercial entre Estados Unidos e China. Nossas fraquezas, e as brigas deles, nos fazem ser atingidos pela onda de aversão ao risco. O ceticismo com o governo Bolsonaro aumentou muito no mercado financeiro e isso bateu no dólar. Quando o ambiente está assim, qualquer notícia pode detonar esse movimento no câmbio e nas bolsas, mas o mais perigoso está acontecendo dentro da economia.

Quem vê a economia brasileira por dentro acha que muitas empresas podem quebrar.

— Perdeu-se o momento, aquela hora do impulso, que leva a mais investimento. O mercado financeiro criou uma expectativa, com a eleição de Bolsonaro, que as coisas iriam melhorar. Os erros sucessivos do governo fizeram o país perder essa hora. Muitas empresas estão entrando em desespero, porque vivem uma crise financeira e estão se dando conta de que a melhora ainda vai demorar. Elas talvez não aguentem continuar esperando Godot — avalia um economista que assessora várias companhias.

Um diplomata que acompanha de perto as negociações entre Estados Unidos e China está convencido de que é tudo muito mais complexo do que parece.

— De um lado os chineses acham que os Estados Unidos estão sendo draconianos e exigindo nada menos que a rendição. De outro lado, os Estados Unidos não conseguem entender a cultura chinesa e interpretam de maneira equivocada os sinais dados na mesa de negociação. Os americanos não entendem mesmo o código chinês. Quando eles ficam em silêncio, acham que é aquiescência e depois quando vem a negativa entendem como recuo. Não têm paciência com a progressividade do processo negociador chinês — explicou o diplomata.

*Rodrigo Zeidan: Inflação e recessão vêm aí

- Folha de S. Paulo

Lua de mel com o governo acabou; caminhamos para o abismo lenta, mas inexoravelmente

A economia brasileira vai encolher em 2019. Estamos imitando os erros dos nossos hermanos argentinos, mas em escala muito maior.

Assim como nosso presidente, Macri assumiu o governo argentino apoiando por empresários e com mandato claro de fazer reformas econômicas. E, como aqui, o governo só faz fumaça.

Após o desastroso governo Kirchner, Macri assumiu em 2016 prometendo pobreza zero e um ajuste fiscal para conter a inflação.

Os primeiros meses foram de lua de mel com o mercado. As promessas eram de aumentar impostos, reduzir gastos públicos, aumentar a taxa de juros e normalizar a situação do Indec e do Banco de La Nación, equivalentes ao IBGE e ao Banco do Brasil (o Indec estava mutilado, a ponto de não publicar várias estatísticas nacionais).

Mas Macri fraquejou e acabou não passando nenhuma grande reforma. Subsídios nos preços de energia e transporte foram retirados de forma atabalhoada (ainda são 2% do PIB). Diminuiu-se o controle sobre o câmbio. O déficit caiu aqui ou ali, mas não houve avanço em reformas substantivas.

O governo argentino chegou a negociar pacote de ajuda com o FMIpara limitar a saída de capitais e conter a inflação. Não deu certo. Em maio de 2018, quando finalmente uma medida dura foi tomada, a de subir a taxa de juros de 20% para mais de 40%, o dano já estava feito —o PIB caiu 2,5% em 2018, e a inflação está na casa dos 30%.

O governo Macri escolheu o gradualismo. Deu errado. Muito errado. A pobreza hoje atinge um terço dos argentinos, mais do que no governo anterior. Cada medida meia boca era seguida por mais desconfiança por parte de empresas e consumidores. Isso tornava maior a necessidade de medidas mais duras, mas cada dado econômico ruim limava a capacidade de articulação política do governo.

Esse mecanismo de retroalimentação também aconteceu no governoDilma. Em janeiro de 2014, o mercado esperava crescimento para 2015 na casa de 2,5%. Em janeiro de 2015, essa expectativa já tinha caído para 0,5%. Em junho, já se previa recessão de 1,8%. A economia acabou desabando 3,7%.

Infelizmente, vai acontecer o mesmo agora. Aqui ainda não temos a inflação, mas ela vai acabar voltando. Já vivemos a deterioração das expectativas. Quando o atual governo estava para ganhar a eleição, havia previsões de que a economia ia crescer 3,5%. Cada tuíte estapafúrdio do presidente, e sinal de falta de articulação política, foi limando a confiança de todos.

Hoje, já se prevê crescimento menor que 1%. A incompetência do governo já destruiu 2,5% do PIB. E não vai parar por aí.

Não vai ter boa reforma da Previdência. A cada defesa do astrólogo escatológico, cai o apoio político e social.

O centrão já está abandonando o barco. E, embora alguns técnicos do governo tentem fazer algumas pequenas reformas microeconômicas, o que aconteceu nos governos Macri e Dilma vai se repetir aqui: contração econômica com inflação.

Ricardo Noblat: Bolsonaro pede socorro

- Blog do Noblat / Veja

Fracasso precoce
A que serve o texto de Paulo Portinho, 46 anos, professor de finanças e filiado no Rio de Janeiro ao partido NOVO, compartilhado ontem nas redes sociais pelo presidente Jair Bolsonaro?

Serve para justificar o fracasso do governo Bolsonaro até aqui. E para culpar pelo fracasso as corporações, o Congresso, os partidos políticos e até Supremo Tribunal Federal.

Foi por isso que Bolsonaro o distribuiu aos cuidados de quem pudesse interessar, delegando mais tarde ao seu porta-voz oficial a tarefa de ler uma explicação que ele ofereceu para ter feito o que fez:

“Venho colocando todo o meu esforço para governar o Brasil. Os desafios são inúmeros e a mudança na forma de governar não agrada àqueles grupos que no passado se beneficiavam das relações pouco republicanas. Quero contar com a sociedade para juntos revertermos essa situação e colocarmos o país de volta ao trilho do futuro promissor. Que Deus nos ajude”.

Em resumo, Bolsonaro endossa o que Portinho escreveu e pede diretamente à sociedade que o ajude a reverter a situação para pôr o país de “volta ao trilho do futuro promissor”.

É um pedido de socorro justo quando ele está acuado por derrotas colhidas no Congresso, a falta de dinheiro para fazer qualquer coisa, o ronco das ruas insatisfeitas e os rolos do seu filho Flávio.

Como candidato a presidente, Bolsonaro se disse disposto, caso fosse eleito, a quebrar “o sistema”. Como presidente, acusa “o sistema” de querer quebrá-lo, inviabilizando o seu governo.

Entrevista: ‘As manifestações deram força a partidos de centro’

Entrevista com Rudá Ricci, cientista político

Rudá Ricci, que estudou protestos de 2013, diz que ataque de Bolsonaro a manifestantes afeta eleitor pobre que confia na meritocracia

Bernardo Mello / O Globo

RIO - Para o cientista políticoRudá Ricci , presidente do Instituto Cultiva, as manifestações que tomaram o país na quarta-feira contra os cortes na educação federal tendem a fortalecer institucionalmente os partidos que formam o centrão no Congresso. O presidente da Câmara Rodrigo Maia busca, na avaliação do pesquisador, assumir um papel de “fiel da balança” a cada vez que o Planalto mostra falta de força política.

Ricci, autor do livro “Nas ruas: a nova política que emergiu em junho de 2013”, avalia que o presidente Jair Bolsonaro se equivocou ao rotular os protestos desta semana como movimentos de esquerda. Para o especialista, o perfil dos manifestantes atuais envolve eleitores mais afinados com o discurso do presidente a favor da meritocracia e da família, e que veem a educação como caminho para ascender socialmente.

- Foi isso que o Bolsonaro afetou com os cortes no orçamento. Acho que o cerne da imagem dele sai arranhado -- afirma Ricci.

Leia a seguir a entrevista completa:

• Como os manifestantes desta quarta-feira se diferenciam daqueles que foram às ruas em junho de 2013 e dos que pediram o impeachment de Dilma Rousseff em 2015?

Em 2013, tivemos uma massa de anarquistas e autonomistas que estranhavam o campo partidário. As manifestações, talvez com exceção de São Paulo e um pouco de Brasília, tinham um ethos de esquerda. A pauta principal eram políticas públicas, não corrupção, e havia o uso da tática black bloc. Você tinha uma lógica de esquerda, mas não a esquerda partidária, muito menos petista. Houve uma reação autoritária do governo Dilma contra as lideranças, inclusive colocando a Polícia Federal em cima delas, e a partir daí há um intervalo sem manifestações até chegar a 2015 e 2016.

• E o que surge neste momento?

Aí vemos manifestações de direita e extrema-direita, e com vínculo partidário. A direita brasileira expõe sua pauta. Já as manifestações de quarta-feira têm em seu DNA os estudantes, foram eles que puxaram. A questão é: o que são os estudantes no Brasil atual? São de esquerda, de partido? Não vejo assim.

• Qual é o perfil deste manifestante atual?

Primeiramente, é preciso lembrar que você passa a agregar diferentes valores quando tem uma manifestação de massa. Não dá para dizer que a manifestação desta quarta envolveu só estudantes. Envolveu também famílias desses estudantes, e muitos grupos insatisfeitos com o governo. O discurso dos manifestantes em 2013 foi contra o Estado. Agora estamos falando de uma outra geração, mais conservadora do que aquela de 2013 e mais antenada com o campo institucional e com as verbas públicas. A população que foi às ruas na quarta-feira parecia pensar: “O que estamos pedindo demais?”. Não dá para dizer que é de esquerda, o ideário é muito mais difuso.

• As manifestações anteriores, de alguma maneira, pavimentaram a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro?

Não vou dizer que a vitória do Bolsonaro veio na esteira dessa manifestações. A partir do segundo semestre de 2016, nós vemos a retomada do movimento sindical, culminando na greve geral de abril de 2017. Portanto, as últimas manifestações grandes antes da vitória de Bolsonaro foram das centrais sindicais, que estavam tirando a extrema-direita das ruas.

• Quem, então, se fortaleceu com os movimentos?

Todas essas manifestações levaram a um fortalecimento dos partidos de centro. Esse é um paradoxo que precisa ficar claro. O PMDB é o grande vencedor de 2015, por exemplo. Isso ocorreu porque as manifestações de rua, no Brasil, não conseguiram se canalizar para o plano das instituições. Não sentaram para impor uma pauta com quem manda no país. E aí essa energia cai no colo de quem é semi-oposição ou semi-aliado do governo. Eu tenho impressão que, do ponto de vista institucional, a força que mais cresceu depois desta quarta-feira foi o centrão.

Bolsonaro endossa texto sobre país ingovernável, e instabilidade cresce

Bolsonaro endossa texto sobre país ingovernável e eleva tensão no governo

Sob crise, presidente compartilha mensagem sobre dificuldades do mandato e gera inquietação em aliados e membros de outros Poderes

Talita Fernandes, Thais Arbex , Igor Gielow e Anna Virginia Balloussier / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA , SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO - Encurralado por uma relação desgastada com o Congresso, suspeitas que atingem um de seus filhos e manifestações populares contra seu governo, o presidente JairBolsonaro (PSL) compartilhou nesta sexta (17) um texto sobre as dificuldades de seu mandato dizendo que o Brasil “é ingovernável” sem os “conchavos” que ele se recusa a fazer.

A mensagem, distribuída pelo presidente em grupos de WhatsApp dos quais faz parte e atribuída por ele a um autor desconhecido, diz que o mandatário estaria impedido de atuar por não concordar com os interesses das corporações.

O compartilhamento do texto por Bolsonaro elevou a tensão dentro do governo, entre aliados e representantes de outros Poderes, com interpretações divergentes sobre as intenções do presidente ao endossar a mensagem —publicada no sábado (11) em rede social por um filiado ao Novo-RJ e replicada em outros grupos.

Parte dos auxiliares do presidente no Palácio do Planalto diz que ele se deixa levar por teorias da conspiração espalhadas pelo grupo que segue o escritor Olavo de Carvalho e por influência de seus filhos —o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) já havia exposto conceitos do tipo em rede social.

A mensagem chegou a motivar boatos acerca de eventual renúncia do presidente —alguns aliados viram nela um arcabouço narrativo para uma saída do cargo por culpa de resistências à suposta agenda antiestablishment de Bolsonaro.

Seria, para eles, uma espécie de “cenário Jânio Quadros” no mundo político, segundo o qual Bolsonaro poderia emular o presidente que renunciou em 1961 após oito meses de inação, colocando a culpa em supostas “forças terríveis”.

No Alto Comando do Exército, instância máxima do poder militar brasileiro, circulou um relato segundo o qual Bolsonaro disse a ministros palacianos que poderia renunciar se as dificuldades continuassem.

Segundo um general ouvido, a mensagem desta sexta seria uma sinalização pública do presidente a aliados, mas ele disse não acreditar que por ora isso seja mais do que um “chamado às armas” para os apoiadores numa das piores semanas do governo.

Outro oficial, que conhece Bolsonaro há muitos anos, disse que o presidente está se sentindo exausto pelo volume de crises que se acumula a seu redor, e que via a mensagem como um apelo àqueles que o elegeram.

Um auxiliar direto do presidente, porém, negou tal versão, considerando uma “plantação de militares” interessados em enfraquecer o presidente e seu núcleo duro.

Segundo ele, Bolsonaro só expressou o que sempre disse desde a campanha: que não governaria baseado nos preceitos que levaram a casos de corrupção em outras gestões.

Integrantes do Judiciário e do Legislativo dizem que o presidente recorreu à estratégia do ataque ao Congresso e ao STF (Supremo Tribunal Federal) para tentar “sair das cordas” naquele que é considerado o pior momento de seu governo.

Também viram no gesto dele uma tentativa de “jogar para a plateia” e se eximir da responsabilidade de governar, transferindo para os demais Poderes a causa dos problemas enfrentados pelo país.

A distribuição do texto por Bolsonaro foi revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo e confirmada depois pela Folha. Ao compartilhá-lo, o presidente escreveu que ele era “no mínimo interessante” para os que se preocupam em antecipar os fatos, apontando como “leitura obrigatória”.

Bolsonaro endossa texto que vê país ‘ingovernável’

Texto com tom de desabafo sobre a dificuldade de governar o Brasil sem “conchavos políticos” foi compartilhado pelo presidente Bolsonaro. Ao avalizar o artigo, escrito por funcionário da CVM, Bolsonaro se queixa da afirmação de cientistas políticos de que ele ainda não foi capaz de formar uma base.

Desabafo presidencial

Bolsonaro divulga texto que vê Brasil como ‘ingovernável’ fora de ‘conchavos políticos’

Daniel Gullino, Karla Gamba, Gustavo Schmitt e Tiago Aguiar / Globo

Prestes a completar cinco meses de governo sob o risco de não conseguir aprovar no Congresso a medida provisória que reduz ministérios e reorganiza o Executivo, o presidente Jair Bolsonaro divulgou ontem um texto em que o Brasil é descrito como um país “ingovernável” fora dos “conchavos políticos”. O artigo foi escrito pelo servidor público Paulo Portinho, que trabalha na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Ao compartilhá-lo com seus contatos no WhatsApp na manhã de ontem, como revelou o jornal “O Estado de S.Paulo”, Bolsonaro comentou que tratava-se de “um texto no mínimo interessante e que a “sua leitura é obrigatória”.

Endossado pelo presidente, o texto apresenta um tom de desabafo sobre as dificuldades de se conseguir governar, e encerra com a preocupação de que o governo seja “desidratado até morrer de inanição". A ideia principal é que Bolsonaro sofre resistência de “corporações”, e que o Congresso o impede de aprovar medidas.

Nas últimas duas semanas, sucessivas alianças do centrão com a oposição têm resultado em derrotas do governo no Congresso. O ministro Sergio Moro, da Justiça, não conseguiu, por ora, impedir a transferência do Conselho de Controle de Controle Atividades Financeiras (Coaf) de sua pasta para a Economia, no exemplo mais recente.

“Descobrimos que não existe nenhum compromisso de campanha que pode ser cumprido sem que as corporações deem suas bênçãos. (...) Nem uma simples redução do número de ministérios pode ser feita. Corremos o risco de uma MP caducar e o Brasil ser obrigado a ter 29 ministérios”, diz um trecho do texto, sobre a MP que terá que ser votada até 3 de junho para não perder a validade.

Outras passagens do texto expressam incômodo com os limites dados pelo Congresso e o Judiciário ao poder Executivo. Recentemente, áreas técnicas da Câmara e do Senado sinalizaram que é inconstitucional o decreto de Bolsonaro que amplia o porte de armas, uma das principais bandeiras de campanha do presidente. Além disso, o Ministério Público Federal entrou com ação na Justiça para derrubar a medida.

“Que poder, de fato, tem o presidente do Brasil? Até o momento, como todas as suas ações foram ou serão questionadas no Congresso e na Justiça, apostaria que o presidente não serve para nada, exceto para organizar o governo no interesse das corporações”, diz o texto.

Ao detalhar quais seriam essas corporações, o texto cita “não só políticos, mas servidores-sindicalistas, sindicalistas de toga e grupos empresariais bem posicionados nas teias de poder. Verdadeiros donos do orçamento”. Se a classe política, representada pelo Congresso, é o objeto central da publicação, há também referências críticas ao Judiciário e mesmo aos militares, que não teriam “interesse” na agenda do presidente.

REFERÊNCIA AOS MILITARES
Na campanha eleitoral, a principal bandeira de Bolsonaro na área política foi se posicionar como um opositor à “velha política”, que se caracterizaria pelo loteamento de cargos do governo em troca de apoio no Parlamento. Ao formar seu ministério, o presidente não entregou pastas a caciques partidários. A estratégia, no entanto, é alvo de críticas no Congresso. Ao avalizar o texto por Whatsapp, Bolsonaro se queixa da constatação de analistas políticos de que ainda não foi capaz de formar uma base:

Mensagem do presidente diz que País está ‘ingovernável’

Governo. Presidente reforça discurso de que é vítima do ‘Sistema’ ao compartilhar mensagem que afirma que ele sofre pressão das corporações e Brasil está ‘disfuncional’

Jair Bolsonaro divulgou mensagem que afirma que o presidente sofre pressões em todos os Poderes e que o País “está disfuncional” e “só é governável se atender o interesse de corporações”. Porta-voz disse que Bolsonaro espera apoio para “reverter essa situação”. O analista da CVM Paulo Portinho assumiu autoria do texto, compartilhado via WhatsApp, conforme revelou o estadao.com.br.

- Tânia Monteiro / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA O presidente Jair Bolsonaro reforçou ontem o discurso de que é vítima de um sistema corrompido ao compartilhar, por WhatsApp, um texto que afirma “que o Brasil, fora desses conchavos, é ingovernável”. A mensagem foi interpretada no Congresso como mais um ataque do presidente ao que ele chama de “velha política”. O texto, revelado pelo estadao.com.br, diz que o presidente sofre pressões de todas as corporações, em todos os Poderes, e que o País “está disfuncional”, mas não por culpa de Bolsonaro. “Até agora (o presidente) não fez nada de fato, não aprovou nada, só tentou e fracassou.”

Procurado pelo Estado para comentar a mensagem, o presidente afirmou, por meio do porta-voz, Otávio do Rêgo Barros, esperar apoio da sociedade para “reverter essa situação”. “Venho colocando todo meu esforço para governar o Brasil. Infelizmente, os desafios são inúmeros e a mudança na forma de governar não agrada àqueles grupos que no passado se beneficiavam das relações pouco republicanas. Quero contar com a sociedade para juntos revertermos essa situação e colocarmos o País de volta ao trilho do futuro promissor”, disse Bolsonaro, em nota, sem detalhar a quais grupos se referia.

Partidos veem aceno do presidente à radicalização; bolsonarista fala em ‘fechar Congresso’

Painel / Folha de S. Paulo

O rei está nu O texto distribuído por Jair Bolsonaro a aliados foi lido por dirigentes de partidos como um sinal de que o presidente acenou à radicalização para voltar a comandar a cena política. A mensagem foi interpretada como uma tentativa de incendiar convocatória que circula nas redes bolsonaristas para ato em defesa dele, contra o Congresso e o Supremo, dia 26. Em áudio que chegou ao Planalto, um caminhoneiro fala em mostrar força à Câmara, ao Senado e “àqueles 11 togados de merda”.

Deep web Bolsonaro compartilhou uma espécie de artigo, intitulado “texto apavorante”, que dissemina a tese de que o “sistema” se uniu para não deixá-lo governar. Ele o fez após receber informações de que as convocações para ato em sua defesa estavam ganhando corpo. Assim como na campanha, o principal vetor da mobilização é o WhatsApp.

Deep web 2 O presidente foi abastecido por aliados com as mensagens que estavam circulando. Em um áudio, um caminhoneiro diz ter se dado conta de que “a parte podre do Congresso —Câmara e Senado—, mais o STF com o apoio da Rede Globo, estão se unindo para tentar derrubar o capitão”. “E a gente não vai deixar”, ele conclui.

Deep web 3 “O povo vai se levantar em favor do presidente para dar a ele salvo-conduto para fazer o que for necessário. (…) Nem que seja para fechar esse Congresso maldito e interditar esse STF”, diz o caminhoneiro. O texto compartilhado por Bolsonaro, endossa, de forma menos virulenta, a tese de uma conspiração.

Fale só Presidentes de siglas orientaram suas bancadas a não reagirem institucionalmente ao artigo divulgado por Bolsonaro para não dar vazão à teoria conspiratória que ele, agora pessoalmente, alimenta.

Lamento Militares que não atuam no Planalto viram com preocupação a escalada dos fatos desta sexta (17). Dizem que o momento era de somar esforços, não de dividir.

Estrilou Pessoas próximas à família atribuem os últimos gestos do presidente ao combo de derrotas no Congresso e ofensiva do Ministério Público sobre Flávio Bolsonaro. A devassa nas contas do filho, com implicações para outros integrantes do clã, o abalou.

Centrão articula para reduzir poderes do Executivo

Líderes na Câmara querem aprovar novos limites para a edição de Medidas Provisórias e derrubar decretos de Bolsonaro, como o que atribuiu ao ministro Santos Cruz a avaliação de indicações para cargos no governo

Natalia Portinari e Amanda Almeida / O Globo

Líderes do centrão esboçaram ontem algumas medidas a serem votadas pelo Legislativo para reduzir poderes do Executivo. Entre as ações estão a imposição de novos limites à edição de Medidas Provisórias (MPs) e a derrubada de decretos do presidente Jair Bolsonaro, como o que atribuiu ao ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo), nessa semana, a avaliação de indicações para cargos de segundo e terceiro escalões.

Líder do DEM, o deputado Elmar Nascimento (BA), disse que “todos os líderes” com quem conversou, inclusive os presidentes do Senado e da Câmara, querem alguma restrição à edição de MPs. Eles consideram que o mecanismo, apesar da previsão constitucional de que as medidas versem sobre temas de “relevância e urgência”, acabam servindo, na prática, para o presidente da República legislar sobre diversos assuntos. — Estamos estudando se será via PEC (Proposta de Emenda à Constituição). Isso não é um problema só do atual governo. Todos os governos vêm legislando muito via Medida Provisória, e nós queremos estabelecer com mais clareza as situações em que elas podem ser emitidas —afirmou Elmar. Aliados dizem concordar com a necessidade de limitar as MPs.

—É uma coisa que precisa ser discutida, porque o governo legisla demais — diz Marcos Pereira (SP), presidente do PRB. — A grande maioria das propostas que o Congresso aprecia vêm do Executivo, e o Legislativo está lá praticamente para referendar o que o Executivo faz. Isso tem que mudar. O deputado Elmar Nascimento diz, ainda, que já pediu para sua assessoria fazer um pente-fino nas propostas que tramitam na Câmara, para não ficar “a reboque” da pauta do governo. Ele cita a reforma tributária, projetos de segurança pública e controle ao preço do gás de cozinha como prioridades.

Gabinete devassado: Editorial / Folha de S. Paulo

Quebra do sigilo bancário cria novo foco de tensão em torno do filho de Jair Bolsonaro

Flávio Bolsonaro não tem tido sossego no começo de seu primeiro mandato como senador. O primogênito do presidente Jair Bolsonaro (PSL) vem sendo assombrado por indícios de irregularidades financeiras cometidas em sua carreira como deputado estadual fluminense, que teve início em 2003.

No final do ano passado, quando se preparava para ingressar na nova etapa de sua vida pública, o parlamentar viu as investigações da Lava Jato se aproximarem perigosamente de seu antigo gabinete.

Ao averiguar a atuação de membros da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), a operação detectou movimentações bancárias atípicas de diversos funcionários da Casa.

Entre eles figurava o policial militar Fabrício Queiroz, assessor e motorista de Flávio, que movimentara, de modo nebuloso, cerca de R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e de 2017 —valor considerado incompatível com seu patrimônio.

Os investigadores notaram que Queiroz efetuava saques em série e recebia repasses de funcionários, além de ter destinado um cheque de R$ 24 mil à mulher de Jair Bolsonaro, Michelle.

Polêmica sobre leis de drogas volta com força: Editorial / O Globo

Aprovação de projeto no Senado que torna compulsória internação de dependentes esquenta debate

A eleição de Jair Bolsonaro, conduzida por uma onda conservadora, mas também por forte sentimento antipetista, leva para a agenda do país temas no mínimo polêmicos, em torno dos quais pesquisas não detectam consenso. A recente decretação da liberalização da posse e do porte de armas é forte exemplo, rejeitada por ampla maioria da população, segundo sondagens de opinião pública.

Em nada reduz a legitimidade concedida pelas urnas ao presidente para tentar executar sua pauta. Mas cabe às instituições da República examinarem propostas e medidas com base na Constituição. O caso das armas recebeu pareceres jurídicos do Congresso contrários ao uso do instrumento do decreto presidencial para alterar lei aprovada pelo Legislativo, o Estatuto do Desarmamento. É assim que funciona o sistema de freios e contrapesos.

Vinicius de Moraes: Feijoada à minha moda

Amiga Helena Sangirardi
Conforme um dia prometi
Onde, confesso que esqueci
E embora - perdoe - tão tarde

(Melhor do que nunca!) este poeta
Segundo manda a boa ética
Envia-lhe a receita (poética)
De sua feijoada completa.

Em atenção ao adiantado
Da hora em que abrimos o olho
O feijão deve, já catado
Nos esperar, feliz, de molho

E a cozinheira, por respeito
À nossa mestria na arte
Já deve ter tacado peito
E preparado e posto à parte

Os elementos componentes
De um saboroso refogado
Tais: cebolas, tomates, dentes
De alho - e o que mais for azado

Tudo picado desde cedo
De feição a sempre evitar
Qualquer contato mais... vulgar
Às nossas nobres mãos de aedo.

Enquanto nós, a dar uns toques
No que não nos seja a contento
Vigiaremos o cozimento
Tomando o nosso uísque on the rocks

Uma vez cozido o feijão
(Umas quatro horas, fogo médio)
Nós, bocejando o nosso tédio
Nos chegaremos ao fogão

E em elegante curvatura:
Um pé adiante e o braço às costas
Provaremos a rica negrura
Por onde devem boiar postas

De carne-seca suculenta
Gordos paios, nédio toucinho
(Nunca orelhas de bacorinho
Que a tornam em excesso opulenta!)

E - atenção! - segredo modesto
Mas meu, no tocante à feijoada:
Uma língua fresca pelada
Posta a cozer com todo o resto.

Feito o quê, retire-se o caroço
Bastante, que bem amassado
Junta-se ao belo refogado
De modo a ter-se um molho grosso

Que vai de volta ao caldeirão
No qual o poeta, em bom agouro
Deve esparzir folhas de louro
Com um gesto clássico e pagão.


Inútil dizer que, entrementes
Em chama à parte desta liça
Devem fritar, todas contentes
Lindas rodelas de linguiça

Enquanto ao lado, em fogo brando
Dismilinguindo-se de gozo
Deve também se estar fritando
O torresminho delicioso


Em cuja gordura, de resto
(Melhor gordura nunca houve!)
Deve depois frigir a couve
Picada, em fogo alegre e presto.

Uma farofa? - tem seus dias...
Porém que seja na manteiga!
A laranja gelada, em fatias
(Seleta ou da Bahia) - e chega

Só na última cozedura
Para levar à mesa, deixa-se
Cair um pouco da gordura
Da linguiça na iguaria - e mexa-se.

Que prazer mais um corpo pede
Após comido um tal feijão?
- Evidentemente uma rede
E um gato para passar a mão...

Dever cumprido. Nunca é vã
A palavra de um poeta...- jamais!
Abraça-a, em Brillat-Savarin
O seu Vinicius de Moraes

Gal Costa: O que é que há