domingo, 25 de outubro de 2015

Opinião do dia - Marco Aurélio Nogueira

A política de coalizões se articulou com uma política de “aliança de classes” por meio do Estado. Lula atraiu o apoio do grande empresariado e dos setores organizados da classe trabalhadora em nome de uma política expansionista que anunciava ganhos para todos, beneficiando os mais pobres com políticas assistencialistas e de transferência de renda. O Estado converteu-se no grande articulador político do País. Para manter os inúmeros aliados, Lula, Dilma e o PT concederam todos os anéis, viraram as costas para a esquerda democrática e passaram a tratar os adversários como inimigos.

Cortaram o País em duas metades. Ajudaram a alimentar o “ódio” de que tanto reclamam hoje.

Com o fracasso da política econômica, a difícil reeleição em 2014 e a falta de molejo político da presidente, o governo Dilma passou a perder apoios em cascata. Deixou de coordenar até mesmo as próprias bases. Nada do que tenta fazer funciona.

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Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política e coordenador do núcleo de estudos e análises internacionais (neai) da Unesp, “Um preço alto demais”, O Estado de S. Paulo, 24 de outubro de 2015

Campanha escondeu crise, dizem marqueteiros

• Um ano após eleição, especialistas veem falhas de candidatos ao tratar da economia

Pedro Venceslau - O Estado de S. Paulo

Exatamente um ano após uma das mais duras eleições presidenciais da política brasileira, as campanhas que municiaram o confronto entre Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (então no PSB) ainda provocam debates intensos e permanecem no epicentro da atual crise política.

Na avaliação de alguns dos mais requisitados profissionais do mercado de marketing político do País, a difícil situação econômica de 2015 - o déficit das contas públicas pode chegar a R$ 70 bilhões - e a aplicação de um ajuste fiscal deixaram claro que os protagonistas da disputa “jogaram para baixo do tapete” os sinais do que viria pela frente.

Em maior ou em menor grau, a avaliação é de que os três concorrentes adotaram estratégias descoladas da realidade para não assustar o eleitor. “As campanhas varreram para debaixo do tapete os problemas. Quando acenderam as luzes do salão, o quadro era completamente diferente daquilo que foi discutido nos palanques em 2014”, afirma o publicitário Paulo Vasconcelos, que comandou a campanha de Aécio no ano passado.

Procurado pelo Estado, João Santana, responsável pelo marketing de Dilma Rousseff, não respondeu ao pedido de entrevista. Um ministro do governo que participou ativamente da campanha petista, no entanto, reconheceu que a então candidata errou na abordagem do cenário econômico. Segundo ele, a presidente poderia ter vencido a eleição com uma “campanha mais realista”, o que teria evitado a sensação de que Dilma “mentiu” ao País.

Um dos responsáveis pelas primeiras campanhas majoritárias do PT, o publicitário Chico Malfitani, que em 2014 comandou a campanha ao Senado de Eduardo Suplicy (derrotado por José Serra), faz análise dura sobre a estratégia de Dilma. “Se analisarmos o que está acontecendo com o ajuste fiscal, sim, o PT mentiu na campanha. Não sei se na cabeça do João Santana passava a ideia de que o futuro ministro da Fazenda seria o Joaquim Levy e que teríamos o ajuste fiscal. Fica fácil culpar o marqueteiro agora”, diz.

‘Remédio amargo’. Na campanha, Aécio falava sobre a necessidade de aplicar “remédios amargos” na economia, mas em eventos fechados com empresários. “Poderia parecer alarmismo ou irresponsabilidade dizer que o Brasil caminhava para uma situação tão crítica. De qualquer forma, essa informação não estava disponível para a oposição. Faz um mês que o Tribunal de Contas da União determinou que os números do ano passado não eram corretos”, diz Vasconcelos.

“Você erra por ação e omissão. Imagino que o pessoal do Aécio, da área econômica, pudesse imaginar que o cenário não estava bom. Mas, se você fala isso numa campanha, pode parecer impopular. Então, não fala nada”, diz Nelson Biondi, responsável pela campanha vitoriosa do governador Geraldo Alckmin (PSDB) em 2014.

Para Felipe Soutello, um dos estrategistas da campanha presidencial de José Serra em 2010, Dilma fez no ano passado a “negação” do que era evidenciado nos laudos técnicos, mas Aécio não soube capitalizar isso. “As campanhas levaram ao extremo, em 2014, a tentativa de dourar a pílula”.

Autor do livro “De como Aécio & Marina ajudaram a eleger Dilma”, que assinou em parceria Fernanda Zucaro, o marqueteiro Chico Santa Rita compartilha do mesmo raciocínio. “As outras campanhas foram incapazes de ver as inverdades da campanha da Dilma e atacar isso corretamente.”

Supremo em pauta: Segundo mandato ancorado em 2014

• As manifestações de rua ecoaram o impeachment, mas este não é instrumento para medir a popularidade do governo

Eloísa Machado e Rubens Glezer - O Estado de S. Paulo

O segundo mandato de Dilma Rousseff se aproxima de 2016 ainda ancorado às eleições de 2014: houve abuso de poder e fraude nas contas de campanha? As pedaladas de 2014 são causas de impeachment? Pode o governo sobreviver por mais três anos com apenas um dígito de aprovação? Para cada dificuldade atual, uma causa diferente.

A ação na Justiça Eleitoral vê manipulação de indicadores socioeconômicos e fraude em alguns gastos. Para prosperar, os sete ministros do TSE teriam que tomar decisão inédita e anular 54 milhões de votos.

As “pedaladas” são a causa maior de preocupação do governo. Ainda que o parecer do TCU, que recomenda a rejeição das contas presidenciais, não tenha efeitos definitivos, pode contribuir para que os pedidos de impeachment sejam votados. Contas do governo e impeachment são processos diferentes que se influenciam reciprocamente. A decisão de ambos está com o Congresso.

Por fim, para a mudança de rumo das políticas do governo após a eleição não se tem resposta no curto prazo. As manifestações de rua ecoaram o impeachment, mas este não é instrumento para medir a popularidade do governo. Para isso serviria o recall, que não existe no Brasil. A resposta para essa questão estará apenas no próximo ciclo eleitoral.

*Eloísa Machado e Rubens Glezer são coordenadores do Supremo em Pauta

Disputa prossegue nos tribunais e no Congresso

• A polarização da campanha de 2014 se estendeu para o Congresso e acabou mantendo aceso o espírito de disputa eleitoral no País

Valmar Hupsel Filho - O Estado de S. Paulo

A polarização da campanha de 2014 se estendeu para o Congresso e acabou mantendo aceso o espírito de disputa eleitoral no País. Enquanto a presidente Dilma Rousseff (PT) enfrenta um processo de judicialização do resultado das urnas, com ações questionamento a legitimidade de seu mandato no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), seu adversário, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), frequentemente cita as eleições em suas críticas à presidente.

Na maioria dos pronunciamentos feitos no plenário do Senado, o tucano critica ações do governo e procura relacioná-las à campanha do ano passado. Na semana passada, por exemplo, Aécio afirmou que o governo petista adotou as chamadas pedaladas fiscais “única e exclusivamente para vencer as eleições”. Por sua vez, integrantes do governo e a própria Dilma, além do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também se defendem das críticas alegando que a oposição “não desceu do palanque.

Em 2015, Aécio assinou a coautoria de cinco projetos no Senado, entre eles o que propõe o fim da reeleição e a unificação dos mandatos de cargos executivos em cinco anos, ambos citados na campanha. A assessoria do senador argumentou que a quantidade dos projetos apresentados não é sinônimo da qualidade da atividade parlamentar.

Marina. Alçada à condição de candidata com a morte de Eduardo Campos (PSB), de quem era vice na chapa, a ex-ministra Marina Silva chegou a ocupar o primeiro lugar na disputa com a proposta de se firmar como terceira via - uma alternativa à tradicional polarização PT versus PSDB. Mas após a eleição, na qual terminou em terceiro lugar e apoiou Aécio no 2.º turno, a ex-ministra submergiu.

Em 2015, Marina obteve no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o registro da Rede Sustentabilidade, partido que conta hoje com cinco deputados. Hoje, a ex-ministra se dedica ao papel de dirigente partidária.

Após reeleição um ano só de más noticias

Um ano após a reeleição, a presidente Dilma não consegue se livrar da crise econômica e política. O ex-presidente Lula que fará 70 anos sem festa, criticou a Lava-Jato e disse que o país vive “quase um estado de exceção”. O pecuarista José Carlos Bumlai confirmou ter intermediado encontro entre Lula e empresário.

Tempo parado entre a economia e a política

• Nos últimos 12 meses, governo navegou na tempestade da relação com o Congresso, da alta do dólar e da inflação

Simone Iglesias e Catarina Alencastro - O Globo

BRASÍLIA - Passado um ano da reeleição da presidente Dilma Rousseff, que se completa amanhã, o país vive uma sensação de tempo perdido. A deterioração política virou combustível para a crise econômica, criando um círculo vicioso que o governo parece incapaz de romper. De outubro de 2014 até hoje, a situação da economia piorou, e a relação com o Congresso — ruim desde sempre — oscilou, mantendo-se o quadro de incapacidade de conquistar uma maioria governista fiel. Apesar do momento difícil, na avaliação de integrantes do governo, o mandato não está comprometido, e há saídas para a crise.

A estabilidade na relação com o Congresso e a aprovação do ajuste fiscal são, segundo auxiliares presidenciais, cruciais para um novo ciclo. A receita é antiga, mas não foi cumprida nos últimos 12 meses. Na avaliação de ministros, Dilma tomou decisões erradas desde a reeleição, construindo seu novo governo sem ouvir os aliados, o PT e o ex-presidente Lula — acabou se isolando. Somado a isso, “caiu na armadilha” de estabelecer prazos e metas inexequíveis, especialmente em momento difícil da economia.

Os dados mostram o tamanho da deterioração econômica. Quando foi reeleita, em outubro do ano passado, o dólar custava R$ 2,46, contra R$ 3,90 desta semana; a inflação anual estava em 6,75%, contra os 9,77% atuais; e a dívida bruta do setor público figurava em 61,7% do PIB, contra os 65,3% do mês passado. Pior: entre o 2º trimestre do ano passado e o deste ano, a economia regrediu 1,9%.

Agora, a ordem é correr contra o tempo para estancar a sangria. Para isso, o governo quer contar com o principal algoz, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Para o Planalto, apoiar a estabilidade e o ajuste seria uma forma de Cunha manter do seu lado o apoio do empresariado, já que está vendo a adesão entre os partidos diminuir, na medida em que aumentam as denúncias de corrupção e lavagem de dinheiro. No governo, ninguém trabalha com a ideia de que Cunha deixará nas próximas semanas o comando da Casa, e este período é essencial para a aprovação do pacote.

— Cunha é inteligente e sabe que não pode ser contra a agenda do crescimento, porque é pior para ele virar um problema para o Brasil. É uma questão de sobrevivência para ele manter imagem neutra e ser um agente da estabilidade — disse um ministro.

Para garantir crescimento, o Executivo admite rever pontos do ajuste, como recriar a CPMF. Há setores do governo trabalhando com o aumento de arrecadação pela Cide, com a legalização dos jogos presenciais e eletrônicos, e também com anúncio de novo Refis (Programa de Recuperação Fiscal).

— Se a gente conseguir aprovar a repatriação, a desvinculação de receitas da União e trabalhar com alternativas à CPMF, conseguiremos criar uma agenda e possibilitar um novo cenário de crescimento — avaliou um auxiliar presidencial.

Ao falar no futuro, integrantes do governo voltam ao começo deste ano para exemplificar os motivos pelos quais o cenário ficou tão ruim: Dilma cometeu muitos erros.

— Ela está enfrentando um batismo de fogo. Até a reeleição, administrou ancorada no Lula. Depois, confessou aos mais próximos que faria deste um governo com a cara dela. Foi altamente testada com a falta de apoio no Congresso, a ação do Tribunal de Contas, a Lava-Jato. Com isso, pode ter criado condições para se firmar com as próprias forças — afirmou um ministro que pediu reserva ao GLOBO.

O ex-ministro Delfim Netto, que foi conselheiro informal de Dilma no primeiro mandato, afirmou que, para dar a volta por cima, a presidente tem que “enfrentar os panelaços” e ir para as ruas apontar soluções “pensando no futuro de seus netos”.

— Evidente que há solução, o Brasil não vai terminar. A situação é delicada, há um problema fiscal muito sério, e isso é estrutural, então, não vai ser resolvido com pequenas medidas, insistindo em soluções pequenas diante deste problema, como solucionar o superávit primário. É preciso uma ação muito forte, que faça o governo retomar o protagonismo — afirmou Delfim.

Delfim crê que, daqui a dez anos, o Brasil terá crescimento de um ponto a mais no PIB por respeitar as instituições e evitar o afastamento de Dilma:

— É melhor o Brasil ser visto como país que respeita as suas instituições, não como pastelaria. O Brasil não é uma pastelaria. Vai passar por isso, e daqui a dez anos vamos crescer 1% a mais ao ano pelo fato de termos respeitado as nossas instituições — analisou. (Colaborou Gabriela Valente)

Recordar é viver: Dilma 2014- Vinicius Torres Freire

- Folha de S. Paulo

Nas semanas que antecederam o segundo turno da eleição de 2014, havia uma brisa forte de otimismo no Brasil, apesar do clima político odiento, do noticiário crescente da roubança na Petrobras e do declínio econômico perceptível.

Os humores melhoravam desde o início da campanha eleitoral, em meados do ano. O primeiro semestre fora de exasperações: protestos de rua, contra a Copa, contra tudo, incêndios de ônibus, greves de polícias, rolezinhos (lembra?). O desânimo econômico medido pelo Datafolha chegava a níveis vistos apenas nos piores dias de FHC.

Em junho, 64% dos eleitores achavam que a inflação subiria. Um mês antes da eleição, ainda eram 50%. Na semana do segundo turno, apenas 31%.

Em junho, eram 48% os que acreditavam em alta do desemprego; à beira da eleição, 26%. No caso da situação do país, seria pior para 36% em junho. Em outubro, 15%. Entende-se, pois, a explosão de pessimismo inédito em janeiro, exposta a traição do estelionato eleitoral; tais humores não vão escoar tão cedo.

Recordar o logro é viver, vide os trechos do artigo publicado pela presidente-candidata nesta Folha, no dia da eleição. A reeleição faz um ano amanhã.

"Diante da crise, ao contrário do que acontecia no passado, mantivemos o emprego e a renda. Hoje, enquanto boa parte do mundo desemprega e reduz salários e direitos, o Brasil tem a menor taxa de desemprego da sua história (4,9%) e continua a avançar na redução da pobreza e das desigualdades."

O desemprego está em 7,6%. Deve chegar a 10% no fim de 2016. Não há dados suficientes para saber o que será da pobreza e da desigualdade neste ano. Em agosto, a renda do trabalho caía 4,3% nas seis maiores metrópoles, ante o ano passado.

"Tudo isso foi acompanhado de um importante equilíbrio macroeconômico. Em meu governo, a inflação se manteve dentro do regime de metas. Governamos com responsabilidade fiscal...".

O desequilíbrio macroeconômico é muito grave. Mesmo com uma recessão estimada em 3% para este ano, a inflação deve chegar a 10%, acima do limite superior de tolerância de descumprimento da meta, de 6,5%. As estimativas para 2016 se aproximam outra vez desse limite.

A dívida do governo cresce sem limite. O deficit nominal, o excesso de gastos do governo, se aproxima de 10% do PIB, o maior em duas décadas.

"Mas a grande prioridade estratégica do meu governo é e será a educação. Ela é fundamental para assegurar a competitividade do país e a continuidade dos processos de distribuição da renda."

Além de cortar despesas em educação, nenhum programa foi lançado. Ainda não se sabe na prática (nem em teoria) o que Dilma quis promover com "Pátria Educadora".

"...Implementamos o maior programa de ensino técnico da nossa história: o Pronatec... abrimos as portas das universidades para os mais precisavam, com o Prouni, o Reuni, as cotas, o Fies e o programa Ciência Sem Fronteiras. Este é um país que tem muito mais futuro."

Os programas de subsídios à educação estão sendo drasticamente reduzidos, pois seus gastos cresceram de modo descontrolado, como reconheceu o próprio governo. "Vou dar absoluta prioridade à reforma política." Sem mais.

País vive 'quase um estado de exceção', afirma Lula

• Em discurso, ex-presidente defende o PT e critica o recurso da delação premiada

Heliana Frazão - O Estado de S. Paulo

SALVADOR - Com uma defesa veemente do PT e críticas severas à oposição, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou na noite desta sexta-feira, 23, em Salvador, onde participou da Plenária de Mobilização pela Educação, organizada pelo Partido dos Trabalhadores. Lula, que chegou ao local do evento com mais de uma hora de atraso, encerrou sua fala no evento afirmando que o país vive "quase um estado de exceção", ao se referir às denúncias sobre corrupção no PT.

O ex-presidente criticou também o recurso da delação premiada ao dizer que o país vive um momento excepcional: "um cidadão é preso e delata até a mãe, se for o caso, pra poder sair da cadeia".

O ex-presidente disse que existe um "ódio" manifestado contra o PT e um preconceito de classe. "O PT não é meia dúzia de pessoas. São milhões e milhões de pessoas que trabalham e vivem do seu salário. O que incomoda eles é um analfabeto ter feito mais universidades do que eles", declarou, referindo-se aos investimentos feitos em educação, na sua gestão.

"Esse país sempre teve presidentes letrados. Por que nunca cuidaram da educação? Questionou, e respondeu: "Porque os filhos deles iam para a universidade, e para o exterior. Esse país, historicamente foi governado por um terço, dois terços eram esquecidos. Por isso que tem um ódio contra nós", afirmou.

Lula sugeriu que a corrupção não foi criada pelo PT e até xingou ao se referir aos seus adversário .

"Eles corromperam esse país por 500 anos, fizeram isso a vida inteira. Eu, de vez em quando fico muito p... quando vejo corruptos históricos falando de ética. Obviamente que nós achamos que quem errar nesse país tem que pagar, não defendemos quem pratica corrupção. Mas, às vezes, fico irritado porque parece que o PSDB e outros partidos só vão no dinheiro bom e o PT no ruim", ironizou, reclamando sobre a existência de um processo de criminalização do PT e dos petistas.

Lula questionou se algum deputado, de qualquer partido politico, vendeu a casa própria para sair candidato, ou se tirou dinheiro do próprio bolso para ser eleito. "Então eles estão tentando criar ideia na cabeça da sociedade que só tem culpado no PT".

Lula também apontou "machismo" por parte de setores de oposição em relação ao governo da presidente Dilma Rousseff. "O que eles fazem com a Dilma é nojento. Eles têm preconceito, veem a mulher como objeto de cama e mesa. Machistas", acusou.

Focando no tema educação, Lula levantou a importância da educação para a construção da cidadania e afirmou que orientou o partido a desviar o olhar da conjuntura política. "Pedi ao partido que não ficasse só olhando para o Levy e para o Renan. Pedi para olharmos para a educação. A gente nunca olha o que temos que fazer como cidadão. Os adversários todo dia estabelecem uma pauta para gente com as notícias deles, então a gente tem que escolher se corre atrás do que eles querem ou se a gente tem que fazer com que eles corram atrás de nós", disse .

Ele reafirmou que irá correr todo o país falando sobre a necessidade de investir em educação. "Os adversários estabelecem, todo dia, uma pauta pra gente nas manchetes dos jornais. Ou a gente lê as manchetes que eles criam da gente, ou faz eles correrem atrás de nós, falando de educação", concluiu.

Petista fala em ‘estado de exceção’ e diz que preso ‘delata até a mãe para sair’

• Em SP, ontem, Lula afirmou que acusações na Lava-Jato contra seus familiares não têm prova

- O Globo

SÃO PAULO e SALVALDORO - ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou em discurso na sexta-feira à noite, em Salvador, que o Brasil vive “quase um estado de exceção”, referindo-se às denúncias e delações de políticos e empresários na Operação Lava-Jato.

De acordo com o site G1, ao falar em evento organizado pelo PT na capital baiana, Lula disse que estão tentando “criar a ideia na cabeça da sociedade de que só tem culpado no PT”.

— Estamos vivendo um momento excepcional, em que o cidadão é preso e tem a promessa de ser solto se ele delatar alguém. Aí, ele passa a delatar até a mãe, para poder sair da cadeia. O dado concreto é que nós estamos vivendo quase um estado de exceção. (...) A gente não pode permitir que joguem nas nossas costas a pecha daquilo que nós não somos — afirmou.

Ontem, Lula visitou uma feira do Movimento dos Sem Terra (MST) em São Paulo, onde reuniu-se com dirigentes do movimento, e criticou a LavaJato e as acusações a familiares seus por delatores.

— Ele falou que está muito irritado, porque são inverdades. Citam nomes de familiares dele sem provas, e ele tem que ficar defendendo — disse João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do MST.

Lula chega aos 70 anos sem motivos para festejar

• Ex-presidente veta comemoração organizada por petistas e decide só receber parentes e poucos amigos

Sérgio Roxo – O Globo

Com faixas e bandeiras do PT, centenas de pessoas tomaram o gramado na frente do Palácio do Alvorada. Ovacionado, Lula subiu ao palco, ao lado da então primeira-dama Marisa, para o “parabéns” seguido de um discurso marcado pela emoção. Aquela foi apenas uma das quatro festas de comemoração pelos 65 anos do petista. Cinco anos depois, o clima é outro. Na terça-feira, quando completará 70 anos, o ex-presidente deve optar por uma celebração discreta, restrita a parentes, amigos mais próximos e funcionários de seu instituto.

Um grupo de aliados chegou a iniciar os preparativos para uma festa em São Bernardo do Campo (SP), berço do PT, mas o próprio Lula barrou a iniciativa. A avaliação é que o clima de apreensão não permite grandes celebrações, e que ainda haveria o risco de adversários aproveitarem a oportunidade para protestar.

Citado nas investigações da Operação Lava-Jato, com a popularidade arranhada, com o partido que ajudou a criar em crise, e decepcionado com os rumos do governo da pessoa que escolheu para sucedê-lo, Lula tem dito que o momento não é de comemoração, mas, sim, de empenho para melhorar o quadro.

A grande incógnita sobre o futuro de Lula está ligada à sua candidatura presidencial em 2018. O ex-presidente já declarou que pode concorrer, mas seus aliados acreditam que ele só entrará mesmo na disputa se o cenário for favorável.

— É muito cedo (para decisão sobre candidatura em 2018) — diz o deputado federal Arlindo Chinaglia (SP), um dos petistas que frequentam o Instituto Lula.

Pesquisas nada animadoras
As últimas pesquisas não foram animadoras para a viabilização da candidatura do principal líder do PT. Os 83% de aprovação de seu governo, registrados na época do aniversários de 65 anos, em 2010, são coisa do passado. Levantamento do Datafolha, divulgado em junho, mostra Lula atrás de Aécio Neves (PSDB) em um cenário, e empatado com Marina Silva (Rede) em outro.

Para o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, a chance de recuperação está nas mãos da presidente Dilma.

— Ele precisa que o governo Dilma reaja, com melhora da economia — avalia Melo.

Na festa de 65 anos, os petistas gritavam “Lula, o seu presente é Dilma presidente”. Cinco anos depois, o ex-presidente enfrenta uma série de dificuldades no relacionamento com a aliada. Pouco ouvido por Dilma, resta a ele trabalhar nos bastidores pela fritura de ministros que não lhe agradam, como Joaquim Levy. Segundo um aliado, a entrevista do presidente do PT, Rui Falcão, sugerindo a saída do ministro da Fazenda faz parte de uma ação articulada com o ex-presidente.

— É óbvio que ele está decepcionado (com Dilma) — conta um petista próximo.

Economia x Lava-Jato
Para Carlos Melo, as dificuldades da economia atrapalham Lula até na hora de esclarecer as citações ao seu nome na Operação Lava-Jato.

— No momento em que Lula estava bem, nenhuma denúncia colou. Ele praticamente se ajoelhou e pediu perdão por causa do mensalão, e o eleitor aceitou — avalia Melo.

No seu instituto, na Zona Sul de São Paulo, Lula recebe diariamente de banqueiros a líderes sindicais. Para um antigo aliado, o Lula pós-presidência ampliou seu leque de interlocutores e amigos. É justamente um desses amigos, o pecuarista José Carlos Bumlai, a fonte de problemas no momento.

Em delação premiada divulgada na semana passada, o lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano, disse que Bumlai lhe pediu R$ 2 milhões para que uma das noras de Lula pudesse comprar um apartamento. O ex-presidente nega.

Apesar do cenário adverso, nenhum dos aliados de Lula vê desânimo no ex-presidente.

— É claro que o mar não está para peixe para o PT. Mas ele é forte para os embates — diz Chinaglia.

Depois que se recuperou de um tratamento contra o câncer na laringe detectado em 2011, o ex-presidente tem se exercitado diariamente.

— Ele está melhor do que eu — afirma Roberto Kalil, médico do ex-presidente.

PT perde 11% dos prefeitos que elegeu três anos atrás

Em crise, PT perdeu 11% dos prefeitos que elegeu em 2012

• Debandada é mais forte em São Paulo, onde 20 prefeitos deixaram o partido

João Pedro Pitombo, Estevão Bertoni - Folha de S. Paulo

SALVADOR, SÃO PAULO - Vivendo a mais grave crise de sua história, com o desgaste da presidente Dilma Rousseff, problemas econômicos e as acusações de corrupção apuradas na Lava Jato, o PT já perdeu 11% dos prefeitos que elegeu em 2012.

Dos 619 petistas vencedores das últimas eleições municipais em todo o país, 69 haviam deixado a legenda até este mês, segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

O movimento é mais forte em SP, onde o partido perdeu 20 de 73 prefeitos. No Nordeste, viu a saída do único prefeito de capital que tinha (Luciano Cartaxo, de João Pessoa).

Em agosto, quando 14 prefeitos anunciaram que deixariam a sigla, o presidente do PT em São Paulo, Emídio de Souza, disse que o número era pouco representativo e culpou o assédio do PSB e do PSD pelas baixas. AFolha mostrou à direção do PT-SP a lista atualizada com todas as baixas de prefeitos no Estado, mas não houve resposta até a conclusão desta edição.

Muitos dos que estão trocando de legenda serão candidatos à reeleição no ano que vem. A movimentação é um indicativo das dificuldades que a sigla deverá enfrentar.

Até o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, estrela da sigla, cogita sair. Na sexta (23), pessoas próximas relataram à Folha que ele faz um movimento "incipiente" para se aproximar da Rede; no sábado (24), em sabatina na rádio CBN, ele negou a articulação e a chance de deixar o PT.

Falta de renovação
Prefeito de Itupeva (a 73 km de São Paulo), Ricardo Bocalon migrou para o PSB por se dizer insatisfeito com a falta de renovação interna da legenda. "Na executiva do PT estão as mesmas pessoas há 20 anos. Tudo bem que há problemas, mas o PT tem que mostrar que tem gente boa, e se recusou a fazer isso", diz.

Para Bocalon, ficar no partido não prejudicaria sua reeleição. "Minha decisão é pessoal, de acreditar num partido que era diferente. Se perde consonância com a sociedade, não é mais um partido."

Em Boa Esperança do Sul (a 301 km da capital paulista), Edson Raminelli também se filiou ao PSB. O motivo, segundo ele, foi a proximidade com o governo Geraldo Alckmin (PSDB): "Sempre tive mais apoio do governo do Estado do que do federal".

Em Guareí (a 184 km de São Paulo), pesou para o prefeito João Momberg a necessidade de alianças com deputados para atrair verbas.

"A gente tinha dois deputados petistas na região, mas eles não se reelegeram. O Herculano Passos [federal, PSD], casado com a Rita Passos [estadual], me convidou para o partido porque teria apoio deles. Mudei com dor no coração, mas segui o interesse do município", diz Momberg, que era petista desde 1992.

Houve perdas em Estados comandados pela oposição, como Paraná (oito prefeitos) e Goiás (cinco), e mesmo onde os governos são da base da presidente Dilma, casos de Amazonas e Tocantins.

As principais baixas foram nas regiões Sul e Sudeste -exceção feita ao Rio Grande do Sul, onde o partido manteve os 71 eleitos em 2012.

O presidente do PT-RS, Ary Vanazzi, credita o feito ao nível de engajamento e debate político do partido no Estado.

"Os prefeitos e militantes ficam confortáveis porque abrimos o debate e temos uma postura crítica em relação aos erros do partido e do governo federal", afirma.

Aliados locais
O cientista político e professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia) Jorge Almeida vê a saída de prefeitos como resultado de dois fatores: a crise de imagem do PT e a busca pelo respaldo de um aliado no campo estadual.

"Nas cidades pequenas, sobretudo, os prefeitos migram para partidos da base do governador em busca de obras e recursos estaduais. A crise do PT potencializou esse movimento", afirma.

A maioria dos prefeitos que deixaram o partido é do grupo de considerados "cristãos-novos" -vários deles filiados durante o período de maior popularidade do ex-presidente Lula. "Muitos foram para o PT sem identidade ideológica e agora estão saindo na primeira crise", diz Almeida.

'Migração é normal'
A migração de prefeitos entre os partidos políticos é normal, avalia o secretário nacional de organização do PT, Florisvaldo Souza. "Prefeitos saem de todos os partidos. Essa migração é normal, principalmente no período pré-eleição", disse. Ele acrescentou que cerca de 30 prefeitos de Minas Gerais, Bahia, Piauí e Ceará podem se filiar à sigla nos próximos meses.

Neste sábado (24), em São Paulo, o presidente do partido, Rui Falcão, disse que o PT filia mais políticos do que os perde. "Há 30 anos, toda matéria que sai diz que o partido vive a maior crise de sua história", ironizou.

Atraso e redução de verbas paralisam municípios

• Governo federal retém há 4 meses R$ 2,9 bi para manutenção de escolas

Em comparação com 2014, cidades também deixaram de receber R$ 2,4 bi do Fundo de Participação devido à queda de arrecadação de impostos pela União; caos financeiro já levou 1.200 prefeituras a fazer greves de 24 horas

Pelo menos 1.275 prefeituras já fecharam as portas, em protestos de 24 horas, contra o caos financeiro em que mergulharam devido ao atraso de repasses de verbas federais e à queda nos valores das parcelas do Fundo de Participação dos Municípios, causada pela retração da economia, informam MARCELO REMIGIO e BRUNO GÓES. Serviços essenciais em Saúde, Educação e programas sociais estão em situação crítica, afirmam prefeitos.

Prefeituras à míngua

• Com atrasos e queda de repasses federais, mais de mil municípios paralisam serviços e fazem greves

Bruno Góes e Marcelo Remigio - O Globo

Atrasos nos repasses de verbas de programas federais e queda nos valores das parcelas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) levaram cidades brasileiras ao caos financeiro. Relatos de prefeitos ao GLOBO mostram que, para cobrir despesas que deveriam ser custeadas por transferências do governo federal, mas que ainda não foram pagos este ano, municípios tiveram de paralisar serviços e reduzir o horário de atendimento à população. Mais de 1.275 prefeituras nos estados de Rio, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Sergipe e Goiás fecharam as portas e promoveram greves de 24h — entre agosto e este mês —, para protestar contra o governo, os atrasos e a redução na arrecadação. O movimento de paralisação se espalhou por 15 estados.

No acumulado do ano, os municípios deixaram de receber cerca de R$ 2,4 bilhões do Fundo de Participação, resultado da crise econômica. O fundo é calculado a partir da arrecadação de impostos federais. Entre as áreas apontadas por prefeitos como críticas estão Educação, Saúde e Assistência Social. Prevista para ser repassada em parcela única em maio ou junho, a verba do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), destinada à manutenção de escolas, ainda não foi paga. De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), os cofres municipais deveriam ter recebido cerca de R$ 2,9 bilhões.

O atraso em verbas da Educação ameaça comprometer até o planejamento do ano letivo de 2016. Entre as cidades do Estado do Rio mais prejudicadas com o corte forçado no orçamento está Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, quarto município em população. Segundo o prefeito Nelson Bornier (PMDB), há o risco de a rede pública suspender o horário integral em parte das escolas. A cidade tem hoje 65 mil alunos no ensino fundamental, e 72% de suas unidades escolares têm horário integral.

— Usamos o programa para oferecer o horário integral. Este ano não foi pago. Estamos conseguindo manter o horário integral, mas para 2016 há o risco de a carga horária ser revista — alerta Bornier.

As dificuldades se repetem em cidades do Sul do país. Presidente da Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul, Luiz Carlos Folador diz que prefeituras estão leiloando terrenos para pagar contas e manter a folha de pagamento:

— Estamos no ano mais difícil. As receitas caíram, mas os custos aumentaram. Aumentaram a energia, o combustível e a folha. No Rio Grande do Sul, 93% dos municípios tomaram medidas contra a crise, como redução da folha e horário dos servidores.

Teresópolis vive desordem na administração
Em Teresópolis, na Região Serrana do Rio, moradores estão revoltados com o caos administrativo instalado na prefeitura. Falta dinheiro para o atendimento em hospitais, pacientes estão sem exames e tratamento adequado, servidores e aposentados recebem salários parcelados, o lixo se acumula nas ruas, e a energia de prédios públicos chegou a ser cortada. Além disso, o Ministério Público e a população acusam o prefeito Arlei Rosa (PMDB) de enriquecimento ilícito. Para piorar a situação, o município recebeu este ano, entre janeiro e agosto, apenas R$ 28,1 milhões do fundo de participação, um terço do valor pago no mesmo período de 2014 (R$ 89,5 milhões), segundo o Portal Transparência.

A Câmara Municipal pode afastar Arlei Rosa na quinta-feira. Seria a terceira vez que ele deixaria o cargo neste mandato — ele foi reconduzido pela Justiça nas outras duas oportunidades.

Enquanto a batalha política se dá no Legislativo e em protestos nas ruas, o Hospital das Clínicas de Teresópolis Constantino Ottaviano (HCTCO), principal da região, só recebe os repasses do município por meio de sequestro judicial. Mesmo com contrato assinado com a cidade e cadastro na tabela do SUS, o hospital gerido pela Fundação Educacional Serra dos Órgãos (Feso) está sem receber cerca de R$ 12 milhões da prefeitura. Com o rombo no orçamento, a administração passou a prestar atendimentos apenas em casos de emergência. Exames e tratamentos eletivos estão suspensos.

— Até agora o prefeito não assinou o contrato de hemodiálise. Há dois anos estamos saindo daqui 4h30m para ir para Itaboraí fazer o tratamento. Estamos muito cansados por causa da viagem, e ele (prefeito) não toma providência. Mas não é só esse o problema. A situação toda de Teresópolis está difícil — protesta Tânia Vallejo, de 58 anos.

Ela esteve na última quinta-feira em passeata, debaixo de chuva, contra o caos no município. Moradores saíram da Praça Santa Teresa, no Centro, e se concentraram em frente à prefeitura e à Câmara.

— Embora a situação precária já venha de antes, com a crise econômica ela ficou aguda. Não conseguimos nem mais sequestrar judicialmente o dinheiro para o Hospital das Clínicas, porque o juiz não é um gestor, e a prefeitura já não tem dinheiro para mais nada. O repasse da verba carimbada do governo federal, do SUS, eles chegaram a atrasar — diz Luis Eduardo Tostes, diretor-geral da Feso, mantenedora do hospital.

Ao GLOBO, a prefeitura de Teresópolis informou que está em dia “com todos os repasses referentes aos atendimentos realizados pelo SUS”. Sobre o repasse de R$ 12 milhões ao Hospital das Clínicas, a administração disse que “existe uma crise econômica generalizada em todo o país, e, com isso, a prefeitura não conseguiu fazer este repasse com verba própria, contudo está buscando alternativas para quitar tais valores”. Para enfrentar a crise, a prefeitura cortou salários, extinguiu secretarias e exonerou comissionados.

Área social com repasses comprometidos  
Para o presidente da Confederação Nacional do Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, o represamento de verbas federais é uma tentativa de reforçar o caixa do governo em meio à crise econômica e ao ajuste fiscal. Segundo ele, as prefeituras têm deixado de fazer investimentos:

— O que vemos nos municípios são obras paradas, máquinas e ônibus escolares que deixaram de ser pagos e foram devolvidos pelas prefeituras, e qualidade da merenda escolar caindo.

Ziulkoski chama a atenção para atrasos na área social. Segundo a CNM, um dos exemplos é o Índice de Gestão Descentralizada do Bolsa Família (IGD), usado pelas cidades para gerenciar e fiscalizar o programa. Está previsto um orçamento de R$ 535 milhões para este ano. Mas, deste valor, foram empenhados R$ 490,2 milhões, que terão como destino o pagamento de despesas referentes a 2014.

Em nota, o Ministério da Educação informou que este ano repassou R$ 1,081 bilhão para o PDDE — segundo a CNM, referentes a dívidas de 2014. O orçamento de 2015 é de R$ 2,344 bilhões. “O MEC identificou, em 2015, R$ 8 bilhões de recursos financeiros dos programas do ministério no caixa das redes estaduais e municipais de Educação e das escolas. Em razão disso e da situação fiscal do país, o ministério decidiu priorizar repasses para as escolas que têm menos recursos em caixa”. Também em nota, o Ministério do Desenvolvimento Social diz que “o orçamento para 2015 é de R$ 535 milhões. Esses valores não foram afetados por contingenciamento e estão sendo transferidos, por competência (mês), após o IGD ser calculado.

O IGD leva em conta o desempenho de cada ente (...). Um município poderá receber mais ou menos recursos a depender de seu desempenho. Se não atingir parâmetros mínimos de desempenho (...) pode até ficar temporariamente sem receber recursos”.

Governo pode empurrar dívida

• Pelo menos 70% dos municípios dependem de fundo para manter máquina

- O Globo

Das 5.668 cidades brasileiras, 70% dependem do Fundo de Participação dos Municípios. As verbas de transferências federais complementam o orçamento minguado e, quando não chegam no prazo previsto, refletem na falta de pagamentos a fornecedores, suspensão de serviços e paralisação de obras. Segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), um governo não pode transferir para o mandato seguinte mais restos a pagar (dívidas empenhadas, mas não pagas) do que o volume de recursos que possui em caixa. Assim, evita-se que governantes comprometam a gestão dos seus sucessores. Mas na prática, esse cuidado acaba valendo apenas para prefeituras e estados, e não para a União, que empurra suas dívidas.

Os restos a pagar acumulados que o governo federal deixou de pagar aos municípios chega a R$ 35 bilhões. Embora a dívida se arraste, o governo federal não descumpre a LRF. Pela interpretação da lei, a União possui em caixa mais dinheiro do que o total em dívidas com as cidades. O montante resulta do acúmulo de anos de superávit primário e, em vez de ser usado para quitar a dívida pública, permanece no caixa da União. O governo tem a prerrogativa de decidir se paga ou não sua dívida, tendo o privilégio legal de não ter limitação para se endividar e de usar essa possibilidade para acumular restos a pagar.

Recessão maior nas metrópoles

• Consumo nas grandes cidades encolhe R$ 187 bi em cinco anos, e renda migra para o interior

Bruno Rosa - O Globo

A crise econômica afetou em cheio o consumo nas maiores cidades do Brasil. Com a inflação perto de 10% ao ano, o crédito mais caro e o desemprego em alta, as capitais e as regiões metropolitanas do país devem fechar 2015 somando apenas 45,96% de tudo que é gasto pelas famílias, revela estudo feito pela consultoria IPC Marketing. O índice é menor que os 47,77% de 2014 e o mais baixo desde os 51,06% registrados em 2010, auge do crescimento da economia do país, quando o PIB (Produto Interno Bruto, soma dos bens e serviços produzidos no país) avançou 7,6%. Em valores reais, a perda chega a R$ 187 bilhões nos últimos cinco anos, dinheiro que acabou migrando para o interior dos estados, onde os reflexos da crise ainda não são tão intensos, dizem economistas.

Nas ruas dos grandes centros, os reflexos são os mesmos: lojas fechadas e vendas em queda. E, na tentativa de driblar os negócios mais fracos nas grandes cidades, empresas dos mais variados setores vêm concentrando hoje a maior parte de seus esforços para atingir o potencial de consumo no interior, onde o crédito ainda não está tão difundido quanto nas grandes metrópoles. De acordo com especialistas, o varejo segue, hoje, o caminho que a indústria já trilha há alguns anos, deslocando parte de seus investimentos para cidades afastadas dos grandes centros urbanos, onde os salários e o custos de produção são menores.

Salada só com alface e tomate
Marcos Pazzini, responsável pelo estudo IPC Maps, ressalta que, com a crise de confiança no consumo e o encolhimento do mercado de trabalho, está cada vez mais difícil vender nas grandes cidades, onde a competição já é elevada. Ele cita ainda as margens de lucro em queda, com os maiores gastos envolvendo, por exemplo, a energia elétrica, um dos vilões da inflação este ano, que acumula alta de 47,74% de janeiro a setembro. Para 2016, de acordo com economistas, a tendência é de mais queda no consumo, sobretudo com o recuo do crédito e com a crise na construção civil, um dos principais empregadores das metrópoles.

— Hoje, o maior bolo do consumo não circula mais nas capitais e nas regiões metropolitanas do país, que sentem mais o impacto da crise, devido ao aumento da inflação e do desemprego mais elevado nos grandes centros. A migração de indústrias para as cidades do interior nos últimos anos ajudou nesse sentido, pois criou um mercado consumidor e passou a gerar renda. Agora, vemos o investimento de empresas de varejo para cidades menores ganhando força em ano de crise. Há um potencial de consumo no interior — destaca Pazzini.

E foi nas capitais dos estados das regiões Sudeste, Sul e Nordeste onde o consumo foi mais afetado.

Assim, nos últimos cinco anos, destaca o estudo, as famílias desses grandes centros passaram a ter uma vida “mais pacata”: cortaram as viagens e as despesas com recreação e cultura, além de serviços em geral como salão de beleza. Também estão estudando menos, com a redução dos cursos de educação em geral. Segundo Nelson de Souza, professor do Ibmec-Rio, a retração ocorre porque o modelo de expansão estava baseado no crédito.

— Agora, com o crédito mais seletivo por parte dos bancos, essa fatura começa a chegar. Ao mesmo tempo há outros fatores, como o fato de a população não aumentar. E há a crise em setores importantes como o de construção civil, cujas obras são concentradas nas maiores cidades, que chega a empregar 10% da população em alguns locais — explica Souza.

Assim, com renda menor, as famílias vão cortando produtos e serviços considerados supérfluos e não essenciais, segundo Ricardo Ladvocat, professor de Vendas e Varejo da ESPM Rio:

— Os itens considerados supérfluos são cortados, o que reduz o consumo geral. E isso não é verificado nas cidades menores porque lá os gastos são concentrados nos itens básicos. Então, para cortar é mais difícil. E isso ajuda a explicar porque a situação ainda é melhor que nas grandes capitais.

Foi o que aconteceu com a família da assistente social Mariângela Almeida, de 48 anos. Casada e com dois filhos na faculdade, ela lembra que teve de cortar mais de metade de seus gastos após o marido perder o emprego, em fevereiro.

— Para você ter uma ideia de até onde tive que cortar: antes a minha salada tinha rúcula, damasco, aspargos e mostarda escura. Hoje, só tem alface e tomate, que só compro no fim do dia, quando estão mais baratos. É difícil até manter a minha dieta. No café da manhã, por exemplo, abandonei a ricota light com ervas finas e a tapioca. Estou no pão de forma marca própria, que também só aumenta — lista Mariângela, que percorre os mercados atrás de promoções com encartes da concorrência.

Crédito deve fechar o ano com queda de 8,5%
E no maior mercado consumidor do país, o Estado de São Paulo, a percepção também é de cortes de gastos. Rodrigo Mariano, gerente do Departamento de Economia e Pesquisa da Associação Paulista de Supermercado (Apas), lembra que a previsão é que as vendas na capital fechem o ano com queda de 1%, um recuo maior que o esperado para as cidades do interior do estado, de 0,5%.

—É o interior que vai segurar as vendas. Em geral, as capitais sofrem mais porque há maior concentração do desemprego e inflação mais alta em relação ao interior. Na capital, por exemplo, há venda maior de itens duráveis, que não estão indo tão bem com o menor acesso ao crédito — afirma Mariano, lembrando que o setor automotivo deve ter queda de 20% no faturamento, assim como o de calçados e o de vestuário, com recuos esperados de 8%e6%, respectivamente.

Avaliação semelhante tem o economista João Ribas Morais, da consultoria Tendências. Segundo ele, a previsão é que a concessão de crédito tenha retração de 8,5% este ano e de 1,8% em 2016. Na última semana, o Banco Central (BC) manteve os juros básicos da economia, a Taxa Selic, em 14,25% ao ano. Para ele, tanto as cidades maiores quanto as regiões mais desenvolvidas do país são hoje mais dependentes do crédito. Além disso, Morais lembra que o desemprego nas principais regiões metropolitanas do país — que ficou em 7,6% em setembro — tende a ganhar força e subir para 9% no fim de 2016.

— E, num momento como o atual, essas regiões são mais afetadas. O interior, assim como as regiões menos desenvolvidas, tem uma resiliência um pouco maior, já que as grandes cidades ficam mais expostas à crise. Com as projeções de venda do varejo para 2016, esperamos um resultado pior para o Sudeste, com queda de 5,5% em todo o estado, acima da média nacional, de 5%,e o pior patamar entre todas as regiões do país — lembra ele. Enquanto as grandes cidades vêm sofrendo com a queda nas vendas, o interior vem ganhando... agito. De academias a Milk

shakes, empresas de varejo e de serviços aumentaram investimentos e estão revendo suas estratégias, de olho no potencial de consumo em locais com até 200 mil habitantes.

Segundo economistas, a atração de fábricas nos últimos anos, o crescimento do agronegócio e os programas sociais, como o Bolsa Família, ajudam a explicar o porquê de o interior ainda ostentar números melhores em relação às metrópoles.

— A crise só acelera a tentativa de expansão das empresas para mercados que ainda não estão sendo tão afetados por desemprego e inflação. No interior, ainda há potencial, porque o consumo é mais básico, e o crédito não está tão difundido — diz Ulysses Reis, coordenador de Varejo da Fundação Getulio Vargas (FGV).

O consultor Antônio Cesar Carvalho, da Acomp Consultoria, destaca ainda a força do agronegócio, que cresce impulsionado pela alta do dólar, o que ajuda nas exportações:

— No Nordeste, há programas sociais e polos que foram criados nos últimos anos, o que ajuda esses estados a terem uma maior independência econômica. Mas, hoje, ninguém está imune à crise.

Academia cria aplicativo
Na busca por novos negócios, a rede de academias Fórmula, do grupo Bodytech, acelerou a expansão em cidades de até 200 mil habitantes. Hoje, parte das 44 unidades da rede está em locais como Arapiraca, em Alagoas, Feira de Santana (Bahia), Governador Valadares (Minas Gerais) e Campos (Rio). E, até março de 2016, a previsão é abrir mais dez unidades. A empresa ainda está lançando um aplicativo pela internet para alcançar novos alunos em todo o Brasil, o BT Fit, que consumiu investimentos de R$ 20 milhões. A plataforma permite que o aluno tenha acesso a aulas de ginástica de diferentes estilos e orientação profissional por R$ 14,99 mensais, a partir do segundo mês.

— Mais de 60% das academias do país estão no interior. Como é impossível chegar a todos os locais, o grupo decidiu investir em um aplicativo e levar isso para as pessoas. Nossa meta era abrir 60 unidades, mas, com o aumento do dólar, e como os nossos equipamentos são importados, tivemos de pensar em novas estratégias para crescer — disse Alexandre Accioly, sócio da rede de academias. — O objetivo é levar a qualidade dos grandes centros para todo o país.

No setor de alimentos, a disputa promete ficar cada vez mais acirrada. O Bob’s também está investindo no interior após constatar, de 2010 até setembro deste ano, alta de 285% no faturamento das lojas em cidades de até cem mil habitantes. Já nos locais com mais de 400 mil habitantes, o avanço chega a 73,1% nos últimos seis anos.

— O interior também vem consumindo mais fora do lar com o avanço da renda. Mas o perfil de consumo é diferente, já que os itens mais consumidos são os mais baratos. Nossa estratégia para as cidades menores é levar primeiro os quiosques e ajudar a criar a imagem da marca. E o curioso é que essas lojas acabam virando uma referência na cidade — afirmou Marcello Farrel Silva, gerente-geral da marca Bob’s, destacando que está presente em cidades como Santo Antônio de Pádua (no Rio), Santo Antônio de Jesus (Bahia) e Itabaiana (Sergipe).

Na Pizza Hut, o interior representa 15% do faturamento. Agustin Larrea, diretor de Expansão da marca, lembra que serão abertas três unidades fora das capitais este ano. Na rede Mundo Verde, as cidades menores do país vão ganhar dez lojas, metade de toda a expansão prevista para 2015.

— Há potencial de consumo em várias cidades do interior, o que explica nosso investimento. Em 2015, estreamos e expandimos em muitas cidades do interior, com destaque para o Estado de São Paulo — disse Carlos Wizard Martins, presidente da Mundo Verde, destacando que o interior soma 30% do faturamento nacional.

Debate: Qual é a saída para a crise



Convite


• Data: Quinta, 5 de novembro às 18:00 - 21:30


• Local: Associaçao Scholem Aleichem- ASA - Rua São Clemente, 155 fundos - Botafogo - Rio de Janeiro (perto da Estação do Metrô Botafogo)


• Debatedores: os economistas Mansueto Almeida (IPEA), Felipe Salto (FGV-SP), José Luis Oreiro (UFRJ) e Sérgio Besserman (PUC-Rio)


• Promoção: Fundação Astrojildo Pereira (FAP)


Convide seus amigos

Ferreira Gullar - Salve-se quem puder

- Folha de S. Paulo / Ilustrada

Quase todo mundo está de acordo que a situação do governo da presidente Dilma Rousseff é insustentável, mas ninguém consegue antever quando e como será o desfecho desse impasse.

Um dado, porém, é indiscutível: a situação se agrava a cada dia, tanto no plano político quanto no econômico, e esse fato, por sua vez, parece indicar que a hegemonia política do PT está chegando ao fim.

Isso só não vê quem não quer, uma vez que, a partir do mensalão –quando alguns dos principais dirigentes do partido foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal por corrupção– a imagem do partido, já comprometida, desencantou muita gente. Como se não bastasse isso, viria em seguida a Operação Lava Jato, para revelar ao país o escândalo das propinas que montam a bilhões de reais e constituem um exemplo raro de corrupção em plano nacional e internacional.

Do mensalão, Lula conseguiu se safar, embora fosse o principal responsável por ele. Da Lava Jato, porém, não escapará tão facilmente, conforme indicam as últimas delações de Fernando Baiano, que confessou ter entregado R$ 2 milhões em dinheiro vivo para beneficiar uma nora de Lula. O que irá acontecer com Lula não posso adivinhar, mas que não sairá incólume dessa enrascada, certamente não sairá.

E ele sabe disso, tanto que, ultimamente, dá plantão em Brasília, a conversar com Deus e o diabo, até mesmo com Eduardo Cunha, que de santo não tem nada. Conversa com deputados de todos os partidos, com senadores e com a própria presidente Dilma, que parece não ouvir direito o que ele diz.

Tudo isso porque é mesmo grande a encrenca em que estão metidos. Dilma, a conselho dele –quando ainda o ouvia– promoveu uma reforma ministerial que resultou em desastre. Ao invés de, com isso, conquistar a maioria dos deputados federais, como era seu objetivo, perdeu-a, surpreendendo todo mundo, até mesmo muitos de seus opositores.

Mas a coisa tem lá a sua lógica, já que a tal reforma ministerial foi, na verdade, um jogo de toma lá dá cá, no qual o grande agraciado foi o PMDB, que saiu dele com sete ministérios.

Acreditavam Dilma e Lula que, com isso, ganhariam a parada, afastando, inclusive, o fantasma do impeachment. Mas os deputados do baixo claro –por não terem ganho nenhuma fatia do bolo– se juntaram e mudaram o jogo. O governo foi sucessivamente derrotado na tentativa de votar os vetos de Dilma, decisivos para o equilíbrio financeiro do país.

Por outro lado, tampouco consegue o governo aprovar as medidas fundamentais para realizar o ajuste fiscal. E por que não? A razão é simples: não o consegue porque as medidas necessárias para esse ajuste contrariam os interesses dos partidos que apoiam o governo e, mais ainda, os interesses do próprio PT.

Em face disso, só há uma conclusão a tirar: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Tanto é assim que o próprio Lula, inventor de Dilma, opina agora contra o ajuste fiscal que ela defende por saber que, sem ele, o país não sairá da crise.

Por isso mesmo, fiquei surpreso ao ouvir da boca do Lula que a Dilma está aplicando, em seu governo, o programa de Aécio Neves, o candidato da oposição derrotado nas últimas eleições presidenciais. Por que Lula diz isso, já que burro ele não é, e tampouco é maluco?

Como todo mundo, ele sabe muito bem que, sem o ajuste fiscal, não há como sair da crise, e sabe também que, sem o empenho dele e do seu partido, as medidas necessárias para superá-la jamais serão aprovadas pelos parlamentares.

A resposta é obvia: Lula diz isso para que a massa eleitoral do PT ainda o veja como seu defensor e futuro candidato à Presidência do país. Sim, porque, se isso não acontecer, aí mesmo é que o PT acaba.

Tanto é verdade que, em seguida, Rui Falcão, presidente do partido, sugeriu a saída de Joaquim Levy, ministro da Fazenda. Dilma reagiu, afirmando que Levy fica e que a política econômica será mantida. Era uma resposta a Lula, que ou cala a boca, ou passa para a oposição. É uma encrenca sem tamanho. Não queria estar na pele deles.

Fernando Gabeira - Delírio tropical

- O Globo / Segundo Caderno

Dilma lembrou-me, esta semana, de uma piada que li na velha revista “Esquire”. Alguém dizia para Nikita Kruschev na ONU: seu alfaiate deveria ser mandado para a Sibéria. No caso de Dilma não é quem faz a roupa, mas a agenda, que deveria passar um tempo na Sibéria. No auge da crise econômica, condenada por um rombo no orçamento que pode ser de R$ 50 bilhões, desemprego em alta, lojas fechando, carros oficiais sem gasolina, ela decide ir à Suécia reafirmar uma compra milionária de caças.

C ompreendo que a Aeronáutica precise dos caças e que a opção pela tecnologia sueca tenha sido acertada. Sou, entretanto, de um tempo em que os presidentes analisavam o momento e, em função dele, definiam sua agendas. Qual o sentido, no auge dessa crise, de acenar, de novo, com a compra dos caças de US$ 4,5 bilhões? Não queriam provocar, creio. Talvez tenham pensado que esse gesto de Dilma, posando ao lado dos caças milionários, iria elevar o ânimo da galera no Brasil.

Montada no maior escândalo mundial, gastando US$ 10 mil com a diária, Dilma foi mais longe no seu delírio: deu a entender que tudo foi obra de um homem só, Eduardo Cunha. “Lamento que isso aconteça com um brasileiro.” “No meu governo não há corrupção.” São algumas de suas frases lapidares.

Os fatos diários mostram ex-ministros encrencados com propina (como é o caso de Edson Lobão, Paulo Bernardo e Gleisi Hoffmann), ministros atuais investigados pelo Supremo (Edinho Silva e Aloizio Mercadante), uma Petrobras arruinada, milhões de pessoas nas ruas protestando contra a corrupção. Isso não é com ela, nem com seu governo. É raro um momento histórico em que a verdade dos fatos seja espancada com tanto vigor e cinismo.

Às vezes, a verdade sofre grandes abalos, como mostra Isaiah Berlin em seu ensaio sobre o romantismo alemão do século XVIII. Naquele momento, tratava-se da afirmação de uma verdade subjetiva, uma espécie de inversão, de dentro para fora. Berlin aponta esse momento como um dos decisivos no pensamento ocidental. Os próprios modelos humanos se deslocavam. Saía de cena, o sábio que alcança a felicidade ou a virtude pela compreensão. E entrava o herói trágico que busca realizar a si próprio, a qualquer custo, sem se importar com as consequências. Para Berlin, isso era uma virada quase tão grande como a produzida pelas ideias de Maquiavel, para quem os valores políticos não são apenas divergentes, mas podem ser contraditórios, com os valores cristãos.

O que acontece hoje, no entanto, não me parece uma versão decadente dessas teorias que abalaram o pensamento ocidental. Os franceses descrevem a cara de pau dos políticos com a expressão langue de bois. E a definem como discursos cortados da realidade com o objetivo de manipular o interlocutor. O que acontece, na verdade, me parece um pouco mais com a descrição da linguagem infantil de Jean Piaget. Ele notou que, até uma certa idade, a linguagem das crianças era egocêntrica: falavam sem se preocupar em serem entendidas, falavam para si próprias.

A visão de que a luta política é uma sucessão de narrativas — eu crio a minha, você cria a sua e vamos em frente — acaba dando margem a uma conversa infantil e egocêntrica. Não importa se o outro acredita, essa é a minha verdade. Vou continuar repetindo-a, independentemente dos fatos. Eles são secundários, pois tenho uma narrativa.

Num país onde política e delinquência andam juntas, a atmosfera não está apenas coalhada de versões, mas de álibis. Para entendê-los, valho-me da experiência de repórter policial e não da política. Nesse campo, as negativas costumam ser radicais, como o criminoso que diz que estava fora de si, o corpo desobedeceu a mente.

Paulo Maluf diz que não tem conta na Suíça, a assinatura não é sua. Eduardo Cunha diz que apenas seu advogado pode dizer se tem ou não contas na Suíça. Dilma diz que no seu governo não há corrupção, Lula que não tinha intimidade com o pecuarista José Carlos Bumlai, a quem deu acesso livre ao seu gabinete.

Na verdade, não estão falando para a sociedade, mas para a polícia. Sua linguagem pode me parecer egocêntrica, pelos padrões de uma conversa adulta. Mas é a única que conseguem falar nesse momento. Os suspeitos seguem em cena e a vida do país se degradando, na economia com o desemprego, no meio ambiente com El Niño. Mais de uma centena de cidades do Rio Grande do Sul em emergência. Seca no Sudeste e no Nordeste. Em Minas, aumentou em 77% o número de incêndios em área de preservação ambiental. Três grandes metrópoles — São Paulo, Rio e Belo Horizonte — vão ter menos água ainda. Falar de El Niño nesse universo político é arriscar o álibi uníssono; mas esse filho não é meu. Se as versões são livres, que tal esta, que o poeta Affonso Romano dizia, quando jovem pregador em Minas: “Arrependei-vos, ó raça de víboras, o juízo final está próximo.”

Cacá Diegues - Manera aí, presidente

• Lula não tem o direito de fazer isso com sua imagem mítica, símbolo da luta por um país menos injusto e desigual, dominado por oligarcas vorazes e sem princípios

- O Globo

Simpatizantes do governo têm usado os malfeitos do passado para justificar os malfeitos do presente. Fernando Henrique comprou a reeleição, Fernando Collor enriqueceu com a ajuda do PC, a filha do Sarney foi apanhada em flagrante, etcetera e tal. Parecem nos dizer que a corrupção é uma característica de nossa política, um costume nacional arraigado na alma de nossos homens públicos. Não há nada a fazer, o Brasil é assim mesmo, deixa pra lá e vamos em frente.

Já disse aqui que sou contra o impeachment da presidente Dilma por julgá-lo injusto, improcedente e inconsequente. E fico feliz sempre que a vejo proceder corretamente, mesmo sendo vítima de massacrante agonia. Durante todo esse processo, não vimos a presidente cometer um só gesto ou dizer uma só palavra que desconsiderasse ou ameaçasse nossa democracia.

Não sei se gosto do ministro Joaquim Levy. Às vezes, penso que o ajuste fiscal aumenta a fome do povo; às vezes, lembro o dramático fracasso da Grécia na luta contra o ajuste lá deles. Mas Dilma reagiu bem às arrogantes e desastradas declarações do PT contra o ministro da Fazenda. Se sua política não representa mais o partido que a elegeu, essa não é a reação mais correta dos interessados.

Acima disso tudo, se encontra a figura do ex-presidente Lula. Vindo da arcaica miséria nordestina para a moderna indústria paulista, da luta sindical à resistência democrática à ditadura, Lula tornou-se um avatar do povo brasileiro. Ostensivamente pobre, descabelado e barbudo, mal vestido como um penitente, Lula ganhou a confiança de quem o sentia um igual. Além disso, tornou-se o exemplo maior de uma mobilidade social que este país, dominado secularmente pelas mesmas oligarquias autoritárias e devastadoras de sempre, nunca conhecera.

Uma das maiores emoções cívicas de minha vida se deu diante da televisão, vendo Lula tomar posse no início do primeiro mandato. Me senti diante de um líder nacional bem-humorado, sereno e generoso, acima da mesquinharia e da esperteza da política vulgar, com um projeto para seu povo. Ele podia ser o nosso Gandhi ou o nosso Mandela, o amor de todos. Um herói popular como Getúlio Vargas, sem o tenebroso passado do Estado Novo. Um guia dos brasileiros que buscavam uma esperança, o espelho social e moral dessa esperança.

Minha primeira decepção com Lula se deu quando o vi na televisão a declarar que tinha preguiça de ler livros, que dormia quando tentava lê-los, subestimando a importância da educação e da cultura de um povo que precisa saber quem é. Logo o vimos repaginar-se de terno e gravata, menosprezando com ironia, ainda na televisão, o macacão de operário que usara durante tantos anos. Como cidadão livre, ele tinha todo o direito de gentrificar-se, ficar rico servindo às empreteiras em troca de palestras milionárias. Mas não era isso que seus eleitores (ou não eleitores) esperavam.

Essa semana, no Piauí, o ex-presidente disse que o PT não pode permitir que ladrões chamem seus militantes de ladrões. Ou seja, ladrão não pode chamar ladrão de ladrão. Um arranjo esperto pois, como quase todo mundo é ladrão, nunca saberemos quem é ladrão. Lula não tem o direito de fazer isso com sua imagem mítica, símbolo da luta por um país menos injusto e desigual, dominado por oligarcas vorazes e sem princípios. Ele talvez devesse ouvir José Mujica, o ex-presidente uruguaio: “Quem quiser ganhar dinheiro, que o faça, não é crime; mas longe da política”.

O que Lula quer ser? Mais um chefe de clã político ou um indiscutível mito popular a serviço do país? Dos primeiros, não precisamos de mais um, temos muitos. Ele foi um presidente bem-sucedido, um líder que deu continuidade inteligente ao que fizeram Itamar e FH, mantendo o Brasil na rota da consolidação da democracia, do controle da inflação, crescimento econômico e distribuição de renda. Lula é uma luz para o povo brasileiro, muito superior à mediocridade dos homens públicos convencionais, não tem o direito de desistir disso em nome de caprichos, idiossincrasias políticas e bem-estar pessoal. Manera um pouco, presidente, manera aí.

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“O teu coração, se tens algum, bate do outro lado”, cantava o angolano Luaty Beirão, protestando contra o governo de seu país, quando foi preso em Luanda com mais 14 companheiros. Ele estudou Engenharia Eletrônica na Inglaterra e Economia na França. Quando voltou para Angola, tornou-se músico e ativista político, lutando contra a ditadura de José Eduardo Santos, no poder desde 1979. Na cadeia, Luaty faz greve de fome. Cineastas como Pedro Costa e Maria de Medeiros, e escritores como José Eduardo Agualusa e Mia Couto, entre outros, estão mobilizando gente do mundo inteiro pela libertação dos presos. Devemos todos nos manifestar em defesa da liberdade de expressão, mas seria oportuno que nosso governo se manifestasse também, seus palácios estão repletos de militantes que lutaram contra a ditadura militar e que foram tantas vezes objeto dessa mesma solidariedade internacional. É o que devemos a Angola, nossa irmã africana, e à comunidade intercontinental de origem lusitana.
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Cacá Diegues é cineasta

Dora Kramer - Maria está no banho

- O Estado de S. Paulo

O ano de 2015 para a presidente Dilma Rousseff e o deputado Eduardo Cunha já terminou. Pelo andar da lenta carruagem, ambos passarão a virada do ano exatamente onde estão. No gabinete mais importante do Palácio do Planalto e na cadeira mais alta da Câmara dos Deputados, a ordem, numa palavra, é protelar.

A pauta “banho-maria” inclui o exame do parecer do Tribunal de Contas da União de rejeição às contas do governo em 2014, a decisão sobre o mais recente pedido de impeachment presidencial e a tramitação do requerimento de abertura de processo contra Cunha por quebra de decoro parlamentar.

Em tese, está tudo andando. Na prática, o que se vê são movimentos com a finalidade de empurrar o desfecho para 2016. Conspiram a favor disso o pouco tempo que falta para o início do recesso do Parlamento (17 de dezembro) e os prazos regimentais convenientemente usados em prol do atraso.

Senão, vejamos. Qual seria a razão de o presidente do Senado, Renan Calheiros, ter dado prazo de 45 dias para o governo apresentar sua defesa ao parecer do TCU? Defesa esta que já havia sido apresentada ao tribunal. O material, portanto, está pronto e ainda que seja necessário fazer algumas alterações, não seria preciso um mês e meio para isso.

O prazo vencerá praticamente em dezembro e aí bastará Renan Calheiros evitar levar ao plenário por algumas sessões para encerrar o ano.

Quanto ao impeachment, o presidente da Câmara havia prometido “celeridade” na decisão. Um dia depois de fazer essa afirmação, disse que não tinha pressa e acenou vagamente com o dia 15 de novembro, ressalvando não ter a intenção de se comprometer com datas ou prazos. Compreende-se: paralisar o processo é seu único trunfo. Junto ao governo, que espera a rejeição, e junto à oposição, que torce pela aceitação. Para Cunha, a melhor decisão é não decidir enquanto puder.

O mesmo critério aplica-se ao pedido de abertura de processo contra ele no Conselho de Ética, parado há uma semana na Mesa da Câmara, presidida por Cunha. Em algum momento, ele terá de liberar a representação. Mas, a partir daí, correm prazos que podem ser atrasados por estratagemas simples. 

Por exemplo, a falta de quórum às sessões ordinárias do Conselho previstas no regimento para o exame do mérito.

O atraso não resolve, mas dá aos envolvidos a esperança (ilusão?) de que o imponderável faça alguma surpresa.

Boca torta. Os comunistas antigamente diziam-se pautados pela “linha justa”. Os petistas atualmente demonstram se conduzir pela linha injusta. Entre outros exemplos, está a carga pesada feita contra os ministros da Fazenda e da Justiça.

Joaquim Levy e José Eduardo Cardozo desagradam ao PT não pelos defeitos, mas pelas qualidades. Levy segue a direção lógica do ajuste realista na condução de uma política econômica que, embora recessiva, é a única capaz de levar o País à correção do rumo perdido. Cardozo faz o que lhe cabe por dever de ofício e não procura interferir onde não pode: o trabalho da polícia, da Justiça e do Ministério Público.

Na visão petista, quem faz o certo está errado e, por isso, deve deixar o governo. Por essa ótica, o ministro da Fazenda deveria ser irresponsável e o titular da Justiça, transgressor da Constituição. O partido talvez pense assim por ter-se acostumado ao padrão de irresponsabilidade e transgressão estabelecido desde o governo Luiz Inácio da Silva.

Modelo este fundado sobre a crença de que é possível fazer tudo errado acreditando que no fim possa dar certo.

Elio Gaspari - A troca de guarda na defesa das empreiteiras

- O Globo

Imagine-se um cidadão que está com dores no estômago. Vai ao médico, ele lhe receita um remédio, mas a dor piora. Essa foi a situação das grandes empreiteiras que procuraram bancas de advogados no início da Operação Lava-Jato. Os doutores inventaram a teoria segundo a qual as empresas eram santas, submetidas a extorsões. Depois, disseram que os malfeitos eram coisa de um ou de outro diretor, nunca da companhia. Colaborar com o Ministério Público, nem pensar. Como diria a doutora Dilma, “não respeito delator”. Estavam tratando os clientes com um remédio vencido.

Passou o tempo, mais de uma dezena de ilustres empresários foram para a cadeia, e aconteceu o impensável: Marcelo Odebrecht está na carceragem de Curitiba. A confissão de pessoas e empresas passou a ser comum, e hoje quem está enroscado na Lava-Jato quer pelo menos estudar como a Camargo Corrêa está se desenroscando, graças à colaboração.

O sujeito que estava com dor de estômago foi a outro médico e ouviu o seguinte: o senhor está com um câncer, o que tenho a lhe recomendar é uma quimioterapia, coisa braba, e não há garantia de cura. As empresas e a turma da tornozeleira da Lava-Jato estão numa situação parecida. Só lhes resta esperar que o juiz Sérgio Moro termine seu serviço. Depois disso, poderão recorrer aos tribunais superiores de Brasília. Será a hora da quimioterapia.

Trata-se de buscar brechas em depoimentos e acusações. Em alguns casos, nada haverá a fazer. Em outros, pode-se tentar a quimio. Por exemplo: um condenado a dez anos em regime fechado pode ter sua pena reduzida para cinco. Passará menos de dois anos trancado, vestirá sua tornozeleira e irá para Angra do Reis.

Isso poderá ocorrer na medida em que os processos seguirem para as instâncias superiores com defeitos estimulados pela popularidade dos acusadores e pela onipotência que se infiltrou na cabeça de alguns deles. Diversas lombadas existentes no caminho da Lava-Jato são públicas e ainda podem ser corrigidas. Por exemplo:

O grampo ilegal encontrado na cela de Alberto Youssef estava ativo em abril de 2014, quando ele a ocupava? Uma sindicância da Polícia Federal diz que não. Um agente disse à CPI da Petrobras que sim.

Há pontos dos depoimentos de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, que não batem com os de Youssef. Também não batem com os de Fernando Baiano, que o acusa de ter escondido US$ 3 milhões. Alguém está mentindo, mas o acordo homologado pelo Supremo Tribunal Federal os obriga a dizer a verdade, sob o risco de voltarem para a cadeia. Um procurador chegou a dizer que não se deve mexer em “bosta seca”. Essa doutrina perderá valor ao chegar a Brasília.

A advogada Beatriz Catta Preta administrou os acordos de colaboração de nove acusados. Alguns deles estavam em posições conflitantes no inquérito. Num caso, o do empresário Julio Camargo, o nome do deputado Eduardo Cunha foi omitido na primeira fase e mencionado no depoimento ao juiz Moro. Catta Preta desligouse de todos os seus clientes e foi para Miami.

Essas lombadas serão insuficientes para desmontar o processo. Servirão apenas para reforçar a medicação quimioterápica de alguns réus. No chute, será possível oferecer a esperança de uma redução à metade das penas de alguns deles.

Como ensinou um velho rábula: “Na primeira instância, juízes e promotores falam, e na Lava-Jato falaram bastante. Nas instâncias superiores, em Brasília, o que foi espetáculo transforma-se numa papelada silenciosa. Nela, só vale o que está escrito”.